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Título
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Orthographia da Lingoa Portvgvesa
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Subprojeto
Corpus Ortográfico do Português
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Tecnologia
Tratado Metaortográfico
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Língua Objeto
Português
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Metalinguagem
Português
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Autor
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Leão, Duarte Nunes de (ca.1530–1608)
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Biografia sucinta do autor
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Nasceu em Évora ca. 1530. Licenciado em Direito Civil pela Universidade de Coimbra, foi desembargador da Casa da Suplicação. Jurista, linguista e historiador, foi adepto da anexação de Portugal pela Castela. Faleceu em Lisboa em 1608.
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Editor
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Biografia sucinta do editor
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Tipo de documento
Impresso
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Local de impressão
Lisboa
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Impressor/Editora
João de Barreira (século XVI)
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Ordem Religiosa
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Edição
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1.ª
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Ano
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1576
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Volume de páginas/fólios
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[4], 78 fols.
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Outras edições conhecidas
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2.ª. ed. Origem, e Orthographia da lingua portugueza: Obra util, e necessaria, assim para bem escrever a lingua Portugueza, como a Latina, e quaesquer outras que da Latina tem origem: Com hum Tractado dos Pontos das Clausulas, Por Duarte Nunes de Liaõ, Desembargador da Casa da Supplicaçaõ, &c., Nova Ediçaõ Correcta, e emendada, Lisboa: Na Typografia Rollandiana.
3.a ed. Origem, e Orthographia da lingoa portugueza: Obra util, e necessaria, assim para bem escrever a lingua Portugueza, como a Latina, e quaesquer outras que da Latina tem origem, com hum tractado dos pontos das clausulas, Por Duarte Nunes do Leaõ, Desembargador da Casa da Supplicaçaõ, &c., Nova Ediçaõ Correcta, e emendada, conforme a de 1784, Lisboa: Typographia do Panorama.
4.a ed. Ortografia e Origem da Língua Portuguesa, Introdução, notas e leitura de Maria Leonor Carvalhão Buescu, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda (temas portugueses).
5.ª ed. Carlos Assunção, Rolf Kemmler, Gonçalo Fernandes, Sónia Coelho, Susana Fontes, & Teresa Moura (2019): A Orthographia da Lingoa Portuguesa (1576) de Duarte Nunes de Leão: Estudo introdutório e edição. Vila Real: Centro de Estudos em Letras; Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (= Ortógrafos Portugueses, 2). ISBN: 978-989-704-388-8, e-ISBN: 978-989-704-389-5. https://www.utad.pt/wp-content/uploads/sites/7/2020/04/CEL_Orto%CC%81grafos-Portugueses_2.pdf. http://hdl.handle.net/10348/9781.
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Mencionado em
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Descrição sumária
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Interesse linguístico
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Esta obra introduz a noção de universalidade da ortografia; salienta a importância da etimologia. Trata-se do segundo tratado metaortográfico da língua portuguesa, sendo a obrea que mais viria a influenciar os tratadistas que se lhe seguiram.
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Inovações metalinguísticas
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Introdução da primazia de considerações etimológicas na escrita da língua portuguesa
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Influência recebida de
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Influência exercida sobre
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Orthographia, ov modo para escrever certo na lingua portuguesa (1631) de Alvaro Ferreira de Vera
Orthographia da lingva portvgveza (1671) de João Franco Barreto
Orthographia da lingua portugueza (1736) de Luís Caetano de Lima
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Índice da obra
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[rosto] – fol. [1r]
[página em branco] – fol. [1v]
[licenças] e ERRATA – fol. [2r]
Priuilegio. – fol. [2v]
AO MVITO ILLVSTRE E GENEROSISSIMO SENHOR LOVRENÇO DA SYLVA DO CONSELHO d'elrei nosso senhor, e regedor,° da justiça deste Regno. O Licenciado dvarte nunez do lião. – fols. [3r-4v]
Da diffinição da Orthographia, & da Voz. – fols. 1r-1v
Das letras, & de sua diuisão & natureza. – fols. 1v-25r
DA AFFINIDADE, QVE alguas letras teem entre si, &como se conuertem huas em outras. – fols. 25r-26r
DOS DIPHTHONGOS da lingoa Portuguesa. – fols. 26v-32r
DAS SYLLABAS, E DIÇÕES. – fols. 32v-33r
DAS LETRAS EM QVE AS syllabas podem acabar no meo das dições. – fols. 33r-34v
DAS LETRAS, EM QVE SE PODEM acabar as dições da lingoa Portuguesa. – fols. 35r
DA DIVISÃO DAS DIÇÕES, E como se deuem separar as syllabas. – fols. 35v-36v
DAS LETRAS, QVE SE PODEM ajuntar a outras, na composição das syllabas. – fols. 37r-38r
DA DIVISÃO DAS DIÇÕES compostas. – fols. 38r-38v
DAS LETRAS, QVE SE dobrão nas dições. – fols. 38v-40v
DAS DIÇÕES, QVE DOBRÃO as letras. – fols. 41r-48v
DAS LETRAS QVE SE ASPIRÃO. – fols. 48v-50v
REGRAS GEERAES Da orthographia da lingoa Portuguesa. – fols. 51r-62v
DA OBSERVAÇÃO Dos articulos, & como se deuem screuer. – fols. 63r-65v
DOS ACCENTOS, E QVANDO Os deuemos vsar na scriptura. – fols. 66r-67r
DOS APOSTROPHOS – fols. 67r-68r
DAS ABBREVIATVRAS. – fols. 68r-69r
REFORMAÇÃO DE alguas palauras que a gente vulgar vsa & screue mal. – fols. 69v-71v
VOCABVLOS QUE Screuendose com differentes letras, teem differente significação – fols. 72r-74r
TRACTADO DOS Pontos das clausulas, & de outros que se põem nas palauras, ou orarão. – fols. 74r-78v
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Localização na biblioteca/proprietário
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Biblioteca Nacional de Portugal
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Endereço Eletrónico ou URL
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http://purl.pt/15
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Referências
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Autor(es) deste ficha
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Mónica Sofia Botelho Lima Augusto; Rolf Kemmler & Carlos Assunção
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Como citar esta ficha
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Augusto, Mónica Sofia Botelho Lima, Rolf Kemmler & Carlos Assunção. 2023. Leão, Duarte Nunes de (ca.1530–1608): Orthographia da Lingoa Portvgvesa. https://pml.cel.utad.pt/ViewEntry.aspx?id_entry=9.
Edição semidiplomática
ORTHOGRAPHIA
DA LINGOA
PORTVGVESA.
Obra vtil, & necessaria, assi pera bem screuer a lingoa
Hespanhol, como a Latina, & quaesquer outras,
que da Latina teem origem.
¶ Item hum tractado dos pontos das clausulas.
Pelo Licenciado Duarte Nunez do Lião.
OMNIA OMNIBVS.
EM LISBOA,Per Ioão de Barreira impressor delRei N.S.
M.D.LXXVI.fol. [1r]
fol. [1v]
PEr mandado dos muito Illustres, & muito Reuerendos Senho-
res, do supremo conselho da sancta & geeral inquisição, vi hum
liuro cujo titulo he: ORTHOGRAPHIA DA LINGOA PORTVGVESA,
composto pelo Licenciado Duarte Nunez, & não ha nelle cousa
contra nossa sagrada religião, & bõos costumes. Antes he obra pro-
ueitosa, & necessaria, & muito digna de se imprimir & leer, por ser
de author de tanta erudição, & curiosidade. A 2. de Agosto, de
M. D. LXXIIII.
Fr. Bartholomæus
Ferreira.
VIsta a enformação do P. Frei Bartholomeu Fer-
reira, imprimase este liuro: E no principio delle
a mesma enformação com este despacho. Em Lis-
boa a 18. de Septembro de 1576.
Lião Anriquez. Manoel de Coadros.
Imprimase auctoritate ordinaria.
Bulhão.ERRATA.
Per inaduertencia se screueo nunca por nunqua, aas fol.57.64.68.
E fol.45. na volta esqueceo commento, commentar, commentario no cap. dos
que dobrão .m.
E fol.70. falta. enlhear .enteado. entonces. nos vocabulos errados, por os quaes
se ha de screuer ?alhear, ou alienar, anteado, entam.fol. [2r]
Priuilegio.
EV el Rei faço saber, aos que este aluará virem, que hauendo res-
peito, ao que na petição atras scripta, diz o Licenciado Duarte
Nunez do Lião, & por lhe fazer merce, hei por bem & me praz
que por tempo de dez annos, imprimidor, nem liureiro algum,
nem outra pessoa, de qualquer qualidade que seja, não possa im-
primir, nem vender em todos meus regnos & senhorios, nem
trazer de fora delles o liuro da Orthographia da lingoa Portuguesa, que hora
fez saluo aquelles liureiros, & pessoas, que para isso tiuerem seu poder, & licen-
ça. E qualquer imprimidor, liureiro, ou pessoa, que durando o dicto tempo, im-
primir, ou vender o dicto liuro nos dictos meus regnos, & senhorios, ou o trou-
xer de fora delles, sem licença do dicto Licenciado Duarte Nunez, perderá para
elle todos os volumes, que assi imprimir, vender, ou de fora trouxer. E alem
disso encorrerá em pena de dous annos de degredo para Africa, & em cinquo?ta
cruzados, a metade para minha camara, & a outra metade para quem accusar. E
mando a todas minhas justiças, a que o conhecimento disto pertencer, que lhe
cumprão, guardem, & fação inteiramente comprir & guardar, este aluará, co-
mo se nelle cont?e. O qual hei por bem, que valha, & tenha força & vigor,
posto que o effecto delle aja de durar mais de hum anno: sem embargo da orde-
nação do segundo liuro, titulo vinte que o contrario dispõe. Gaspar de Seixas
o fez em Almeirim a tres de Ianeiro de M.D.LXXVI.
Iorge da Costa o fez screuer. E este não passará pela chancellaria, sem embargo
da ordenação em contrario.
Rey.
fol. [2v]
AO MVITO ILLVSTRE
E GENEROSISSIMO SENHOR
LOVRENÇO DA SYLVA DO CONSELHO
D'ELREI NOSSO SENHOR, E REGEDOR
da justiça deste Regno.
O Licenciado DVARTE NVNEZ DO LIÃO.
S.
H?a das mais appar?tes vantag?es, que os
hom?es fazem aos brutos animaes, he a falla, & as pa-
lauras com que h?us a outros exprimem seus conce-
ptos. E assi como os hom?es nisso excedem aos bru-
tos, tanto entre si h?us dos outros se auantajão, quan-
to na policia, & arte das palauras mostrão ser superiores. Estas
são o toque, em que se vee o valor das pessoas, & a differença, que ha
do nobre ao plebeio, do auisado ao indiscreto, & do vicioso ao bem
instituido. D'onde com razão Socrates rogado de hum Atheni?se,
que lhe quisesse veer hum filho moço, & examinar o para que era,
mandou ao mancebo que fallasse, diz?do: Falla, & veerte ei: dando
a entender, que as freestas per onde o interior do homem se vee, são
as palauras. Polo que em aquellas duas Respublicas, donde ma-
narão todas as bõas artes, & disciplinas, per que hoje viuemos em po-
licia & ordem, não menos industria puserão no studo da eloqu?cia,
que na disciplina da milicia. E como as letras, & scriptura são o re-
tracto, & representação das palauras, & ainda nellas fica o erro (se o
ha) sempre viuo, & immortal, não menos cuidado tiuerão de bem
screuer, do que tiuerão de bem fallar. E tinhão muita razão: porque
como a certa & ordenada maneira de screuer, não possa ser sem sa-
ber o sentido, propriedade, & origem das palauras, claro stá, q? quem
mal screue, ignora o fundamento do que screue. E quanta diligen-
cia pusessem os antigos na arte de seu screuer, testemunhas são as pe-
dras, as moedas, & antigualhas de seus tempos, que hoje em dia lee-
mos, em que não soomente se não acha vicio algum, mas as toma-
mos por exemplo, & imitação de nossas scripturas. E por tamanha
falta tinhão o erro de h?a soo letra, que se conta de Augusto Cæsar,
fol. [3r]
que sendo hum principe tam clemente, priuou do officio a hum le-
gado Consular, por lhe screuer em h?a carta hum icsi por hum ipsi.
O que se agora elRei nosso senhor fizesse, hei medo, que muitos fi-
cassemos sem officio. De que se collige, quam mal soffrera aquelle
principe maa scriptura nas cartas que mandaua, pois a soffria tam
mal nas que recebia. E contaua Tyro liberto de Marco Tullio, que
quer?do o Gram Pompeio screuer seu nome & titulo no templo da
Victoria, que elle edificara, em que declarasse como fora tres vezes
Consul, houue duuida se hauia de dizer Tertium, se Tertio, & cõsul-
tando cõ os mais doctos, & nobres, ficou a cousa tam mais duuido-
sa, & quasi partida em votos igoaes, q? se soccorreo a Marco Tullio,
que o mãdou screuer abbreuiado, por nenh?us ficarem descõtentes.
De maneira que por a duuida de h?a letra, se reuoluia toda Roma.
E agora teemse tam pouco respecto ao bom, ou mao screuer, como
dão testemunho nossas cartas, nossas moedas, nossas diuisas, nossas
sepulturas, & todos nossos scriptos, onde não vai cousa em seu lugar.
E o que peor he, que os que mais nisso peccamos, somos os q? moor
obrigação tinhamos de acertar. Porque como a jurisprud?cia se di-
uida em duas partes, na sci?cia de distinguir o justo do injusto, & na
interpretação das palauras, mal as saberá explicar, quem as não
sabe screuer. Polo que com razão os que mal screuemos, não
merecemos o nome de letrados, pois viuendo das letras, & teen-
do nome de letras, os primeiros elem?tos dellas não sabemos reger,
nem ajuntar. O que não he menos dissonancia, da que os musicos
fazem, quando tocão as cordas que não deuem, mas ainda he mui
maior, porque estes fazem toruação ao ouuir, & os outros ao enten-
der. E por isto ser tam importãte, & a orthographia ser o lume das
scripturas, forão os antigos nobres & doctos exquisitam?te curiosos
della. Marco Varrão o mais docto de todos os Romanos (segundo
o testemunho de Marco Tullio) screueo muitos liuros da etymo-
logia das palauras. Iulio Cesar monarcha do m?do, tam insigne nas
letras, como nas armas, screueo outros muitos da analogia, que são
o fundamento do bom screuer. O grãde orador Marco Messala Cor-
uino igoal a Cesar em sangue, na eloquencia, & na dignidade Con-
sular, screueo xxij liuros de orthographia, attribuindo hum liuro a
cada letra do alphabeto. De Scipião Africano, & Caio Cesar Empe-
rador teemos hoje em dia palauras q? mudarão em melhor scriptu-fol. [3v]
ra. E o Emperador Claudio Cesar, cuidando que per hi se faria im-
mortal, quis accresc?tar aa orthographia Latina certas figuras de le-
tras, que seruirão em quanto elle viueo, de que hoje em dia ha letrei-
ros, & memoria. O Emperador Carlos Magno principe doctissimo
nas letras diuinas & humanas, & em as lingoas Grega, Hebraica, &
Latina, stando recolhido em Aquisgrano, o tomou a morte scre-
uendo, & reduzindo em arte a lingoa & scriptura dos Alemães. Mas
como a auareza & ambição trouxerão tantos males ao m?do, & assi
corrõperão as disciplinas, como os costumes, & os mais dos hom?es
pretenderão soomente dellas, o que lhes podia trazer ganho, ou re-
putação, perdeo se o bõ screuer, como se perdeo o bom fallar, & co-
mo se esquecerão outras muitas artes, cujo principal interesse he vir-
tude, & bõa instituição. Polo que veendo eu em minha mocidade,
o descuido, & falta dos hom?es de Hespanha em seu screuer, & a di-
lig?cia que alg?us estrangeiros nisto mostrarão em suas lingoas, cõ
o desejo que sempre tiue de illustrar as cousas da nação Portuguesa,
tentei ensinar a meus naturaes, o que eu de outrem não pude appr?-
der. E em alg?us dias feriados, & de ocio (de q? tambem Marco Ca-
tão nos manda dar conta) reduzi a regras, & preceptos a orthogra-
phia de nossa lingoagem. Mas porque nestes t?pos, a mais certa pa-
ga destas empresas he ingratidão, & murmurações, & a nouidade
d'esta inuenção necessariam?te hauia de teer muitos cõtradictores,
receei na mocidade, o q? me agora V.S. obriga fazer aa minha ve-
lhice, quãdo se speraua, q? saisse a luz cõ outras obras de minha facul-
dade, q? o longo studo, & alg?as letras não vulgares de mi promet-
tião, & eu prometti. Mas como nenh?a cousa eu mais desejo, q? oc-
casião de seruir V.S. & o querer que diuulgue este tractado, he tam
conforme aa tenção com que o fiz, succedi ao que me mandou, sem
me lembrar o risco a que me punha, & o descreedito em que caïa
com alg?us hom?es de minha faculdade. Os quaes por não serem
da opinião de Hippias Eleu, não quer? consentir aos letrados de sua
profissão mais que h?a seruentia, não se lembrando, que a jurispru-
dencia he teer noticia das cousas diuinas, & humanas, & a sciencia,
que moor presidio requere de outras muitas artes. Das quaes forão
ornados aquelles, que em tãta ordem, & perfeição nolas deixarão.
Porque do grande Catão se lee, que sendo o moor Iurisconsulto de
seus tempos, ninguem soube mais da arte militar, de cultiuar os cã-fol. [4r]
pos, & da arte oratoria, da historia, & antiguidades, & que para lhe
não faltar nada, de lxxxij annos apprendeo as letras Gregas. De
Cornelio Celso Iurisconsulto na profissão, & que screueo de dereito
ciuil muitos liuros, sabemos screuer outros muitos da philosophia,
da medicina, da agricultura, da disciplina militar, & da rhetorica.
E tam louuado foi em tudo, dos moores professores d'aquellas ar-
tes, como se não soubera mais, que cada h?a dellas. E por os liuros
da medicina, que d'elle hoje ha, he chamado o Hippocrates Latino.
De Modestino teemos versos em que summa a Æneida de Vergi-
lio: & de Iulio Frontino liuros de aqueductos. Polo que com exem-
plo de tam graues hom?es deuo ficar desculpado, & não murmura-
do, como me dizem que já sou. E se ao Cardeal Petro Bembo va-
rão tam insigne em todas as letras, & a Ioão Francisco Fortunio Iu-
riscõsulto d'este tempo, não lhe estranharão os seus screuer a gram-
matica Thoscana, não me deuem acoimar os meus a Portuguesa, de
que elles teem mais necessidade, moormente a orthographia, que
entre nos anda tam deprauada, & stando eu para publicar a doctri-
na dos notarios, de que não he pequena parte o saber screuer. Mas
como eu tenho o parecer de V.S. que por a excell?cia de seu juizo
& engenho, a mi (como Marco Tullio dizia por Catão) he por
muitos mil, perco o medo a todas maas lingoas. E se ainda alg?us
temerarios me maltratar?, eu o teerei por gloria, assi por descont?-
tar a taes hom?es, como porque me não tirarão o gosto de seruir ni-
sto a V.S. & de com meu talento aproueitar, sequer ao mais pe-
queno de meus naturaes. Mas porque os lectores não tenhão
em pouco este beneficio, que lhes V.S. faz, quero lembrarlhes
que reduzir a regras geeraes, & poer em arte h?a lingoa, que ate qui
não teue arte, he cousa ardua, & grauissima, & se se b? faz, heroica,
& que não pode emprender senão hum Messala, ou outro homem
de tal auctoridade. E se eu não pude chegar ao melhor, & ao q? quis,
contento me com a honra de abrir o caminho, para outros agora
o fazerem melhor. Porq? d'estes paaços reaes, d'estes t?plos, & d'e-stas pyramides que agora veemos, não he a honra de Ctesiphon,
nem de Metagenes, nem de Vitruuio, que os melhor fize-
rão, mas do que imitãdo as solicitas aues, de barro
fez as primeiras paredes, & de vil colmo
as começou cobrir.
fol. [4v]
ORTHOGRAPHIA
Da lingoa Portuguesa,
Reduzida a arte, &
preceptos.
Pelo Licenciado DVARTE NVNEZ DO LIÃO.
Da diffinição da Orthographia,
& da Voz.
ORthographia he sciencia de
bem screuer qualquer lingoagem:
porque per ella sabemos, com que
letras se hão de screuer as palauras.
E diz se de orthos, que quer dizer
directo, & grapho, screuo, como se dixessemos sci?-
cia de directa mente screuer. E porque as palauras,
que são o subjecto desta arte, constão de letras, & as
letras de voz, começaremos da diffinição della.
E voz não he outra cousa, senão h?a percussão, ou
ferim?to do aar, que se pronuncia pela bocca do ani-
mal, & se forma com arteria, lingoa, & beiços. E da
voz ha duas maneiras, h?a articulada, & outra inar-
ticulada, ou cõfusa. Articulada se chama, a que sen-
do ouuida, se ent?de & screue: a qual tambem cha
fol. 1r
mão declarada, & intelligiuel. Confusa he a q? não
representa mais que hum simplez som, como hum
gemido. E da voz articulada, & q? se pode entender,
a mais pequena parte, & indiuidua, he letra. Porque
das letras cõstão as syllabas, & das syllabas as dições,
ou palauras. E por isto se chamão as letras per outro
nome elementos. Porque assi como dos elem?tos
cõstão todalas cousas, assi dellas, como de principio
constão as palauras. Polo que diremos das letras em
geeral, & despois de cada h?a em special.
Das letras, & de sua diuisão & natureza.
LEtra he voz simplez, que se nota com
h?a figura soo, como .a. ou .b. E diz se le-
tra de lego, legis, & de iter, q? quer dizer
caminho: porq? abre caminho ao que lee. Estas letras
são mais, ou menos, seg?do as lingoas: porque seg?-
do suas pronunciações h?as teem menos, & outras
mais. Mas como nossa lingoa Portuguesa na orig?
& semelhança, seja Latina, teemos em figura as mes-
mas letras, q? os Latinos teem: posto que tenhamos
mais alg?as pronunciações, que supprimos com as
dictas letras: de que a diante faremos menção. E as
letras são estas. a. b. c. d. e. f. g. h. i. K. l. m. n. o.fol. 1v
p. q. r. s. t. u. x. y. z. que são .xxij. tirãdo .h. que não
he letra, mas figura de aspiração, ou assopro, que for-
mamos para pronunciação d'alg?as letras. Destas
letras as seis são vogaes .s. a. e. i. o. u. y. Chamãose
vogaes per excellencia: porque per si se podem pro-
nunciar, & formar syllaba, sem ajuda das cõsoantes.
Das quaes .i. u. teem vigor aas vezes de consoantes,
como em seu lugar se dirá. Consoantes chamão to-
das as outras, tirando as vogaes: porque não se pód?
pronunciar, senão ferindo, ou tocando vogal: & por
isso se chamão consoantes, porque juntamente soão
com as vogaes. E destas consoãtes ha duas species:
h?as são mudas, outras semiuogaes, que quer dizer
meas vogaes. As mudas são .xj. b. c. d. f. g. K. p.
q. t. &. i. &. u. quando são consoantes. E chamão se
mudas, porq? per si soos, não se podem pronunciar,
nem soão sem ajuntamento das vogaes. As semi-
uogaes são .l. m. n. r. s. x. z. Chamão se semiuogaes,
não como cuidão alg?s, porque começão, & acabão
os nomes dellas em vogal, mas porq? se formão em
tal parte da bocca, que se pódem pron?ciar sem aju-
da das vogaes, posto que não fazem per si syllaba.
Alem destas letras teemos mais quatro em pro-
n?ciação, posto que não em figura, que são .ç. ch. lh.
fol. 2r
nh. das quaes vsamos, accresc?tando aa primeira h?
final de differ?ça do .c. cõmum, & aas outras .h. nota
de aspiração, para supprir as figuras das dictas letras,
de que carecemos. Das quaes abaxo faremos m?-
ção, tractando de cada letra per si.
A.
A. He letra vogal simplez & pura, & acerca de nos
duuidosa na quãtidade, como acerca dos Gre-
gos & Latinos: porque pode ser breue, & ser longa,
seg?do as letras, a que se ajunta, ou o lugar onde cae.
E não ha mais que hum .a. porque ser longo, & ser
breue, he accid?talm?te. Qua elle per si não he lõgo,
nem breue, & póde ser hum, & outro. E se por em
h?a parte veermos .a. lõgo, & em outra parte breue,
ou em h?a parte cõ accento agudo, & em outra gra-
ue, ou circ?flexo, dixermos que são diuersas species
de .a. tambem dessa maneira o diremos de todalas
outras vogaes: & assi cada h?a seria de muitas ma-
neiras. O que se não ha de admittir acerca de nos, q?
nas vogaes nenh?a differença teemos dos Latinos,
de quem teem origem nossa lingoa. E a razão que
faz parecer que são dous .aa. hum grãde, & hum pe-
queno, he a pronunciação varia, que se causa dos ac-
fol. 2v
centos, ou das letras, a que se ajunta esta vogal. Por-
que quando teem o accento agudo, parece grande,
como em prato, & quando graue, parece pequeno,
como em prateleiro. E todalas vezes, que despois
do .a. se segue .m. ou .n. como nestas palauras: fama,
cano, pronuncia se com menos hiato, & abertura da
bocca, & fica parec?do pequeno, não sendo assi. Por-
que o ser grãde, ou pequeno, cõsiste na lõgura, & spa
ço da pron?ciação, & não na maneira della. E a cau-
sa de soar assi o .a. he, que a formação da dicta letra se
faz com abertura da bocca & o .m. & .n. se formão
per contraria maneira, fechandoa. E não se póde em
tam pequeno spaço, como se consume em h?a syl-
laba, seruir perfectamente a dous officios cõtrarios,
de abrir, & cerrar a bocca. Por tãto ficamos pron?-
ciando o .a. com aquella differ?ça de pronunciação,
não menos longo em t?po. Porem junto a outras
letras não soa o .a. assi obtuso, como quãdo se ajunta
a .m. n. como veemos per todalas mais letras do .a.
b. c. a q? se póde aj?tar, como nestas palauras, aba, la-
baça, adaga, cafila, praia, çalça, sapo, atabaque, arca,
casa, prata, caua, taxa, azo. Nos quaes lugares, ain-
da que quisessemos dar lhe som de .a. pequeno, não,
poderiamos. Porque na verdade não o ha mais,fol. 3r
que de h?a maneira, quer seja lõgo, quer breue. Assi
que todalas vezes, que virmos variar a pronuncia-
ção do .a. causa se do accento ser differente, ou de se
ajuntar a taes letras, que o apagão, & não de esta le-
tra ser de outra specie. Porque o .a. em abstracto (co-
mo dizem) & em quanto letra elem?tar, não teem
accento, n? medida, se não despois q? he feito dição.
B. P. PH.
B. & P. são letras mudas entre si mui chegadas.
E assi como se pron?cião, & formão na mesma
parte da bocca, & quasi cõ a mesma postura dos in-
strum?tos, dão hum som mui semelhante. Soo te?
esta differença, q? o .b. pron?ciamos, lançãdo do meo
dos beiços o som: & o .p. pronuncia se apertando os
beiços, & lançãdo o spiritu & folego mais de d?tro.
E por assi teer? esta semelhança, os Latinos, na tras-
ladação de muitos vocabulos da lingoa Grega na
sua, mudauão h?a letra em outra, diz?do, de triam-
bos, triumphus, & de pyxos, buxus: como nos tã-
bem fazemos, que em muitos vocabulos, que toma-
mos dos Latinos corrompemos o .p. em .b. diz?do
de Aprilis, Abril, & de capillus, cabello, & de capra
cabra. De maneira, que o .b. fica meo entre .p. & .ph.
fol. 3v
porque nem he tam puro & limpo como .p. n? tam
froxo, como o .ph. Porq? se aspira esta letra .p. a qual
acerca dos Gregos teem o lugar do nosso .f. & assi o
tinha acerca dos Latinos antigos, como a diante di-
remos na letra .F.
Teem outro si esta letra .b. alg?a semelhãça com
o .u. consoante. Porque assi na lingoa Latina, como
na nossa, muitas vezes se muda o .b. em .v. como ne-
sta palaura composta de, ab, & fero, porque diz? os
Latinos .aufero, & de, ab, & fugio, aufugio. E nos di-
zemos absente, & ausente, & abano, & auano, & al-
jaba, & aljaua, & de faba, dizemos faua, & de tabula,
tauoa, & de abhorreo, auorreço, & de cibus, ceuo.
O que muito mais se vee nos Gallegos, & em alg?s
Portugueses d'entre Douro & Minho, que por vós,
& vósso, dizem bos, & bosso, & por vida, diz? bida.
E quasi todos os nomes, em que ha .u. cõsoante mu
mudão em .b. E como se o fizess? aas vessas, os q? nos
pronunciamos per .b. pronuncião elles per .u.
Te? outrosi estas letras h?a propriedade, q? não ad-
mitt? ante si .n. senão .m. & dizemos: ambos, tempo
triumpho, & nõ anbos, tenpo, triunpho. Da qual
scriptura se dará razão, quãdo fallarmos da letra .M.
Mas ainda que poemos o .ph. por letra distincta
fol. 4r
das outras, não na accresc?tamos ao nosso alphabe-
to, porque não te? figura propria, per que se denote,
como teem acerca dos Gregos, que he esta .?.
Polo que n? os Latinos a poserão entre as suas, por
quanto a screuião per .p. & h. que são do seu alpha-
beto. Da qual diremos mais na letra .F.
C
C. Teem acerca de nos muitos officios: h? pro-
prio, quãdo despois delle se segue .a.o.u. como
nas primeiras syllabas destas dições .cauallo, come-
dia, cutello. Da qual maneira os antigos tambem
pronunciauão o .c. quando despois delle se seguia .e.
i. segundo se collige de Quintiliano, que diz o .c.
teer igoalmente sua força com todalas vogaes. E co-
mo se vee d'aquelle dicto gracioso de Marco Tullio.
O qual querendo motejar a hum, que lhe pedia, que
o fauorecesse em h?a dignidade, que pedia em Ro-
ma, sendo filho de hum cozinheiro, lhe respondeo:
Ego tibi quoque fauebo. Porque assi se pron?ciaua
coce, como quoque.
Mas agora damos a esta letra differente pronun-
ciação, exprimindoa com .e. & .i. como a pronun-
ciamos, quando lhe accrescentamos a cifra, ou cer-
fol. 4v
cilho, ajuntãdo o a estas vogaes, a. o. u. Porque para
exprimirmos as cinquo vogaes todas de h?a mes-
ma pron?ciação, dizemos, ca, que, qui, co, cu, como
se vee nestas palauras de h?a mesma substãcia, & pa-
r?tesco: vacca, vacqueiro, vacquinha, vaccona, vac-
cum. E para pronunciarmos, a. o. u. junto ao .c. co-
mo .e. i. poemos lhe h?a cifra, ou cercilho de baxo,
que fica faz?do h?a specie de .z. & dizemos: çapato,
çoçobrar, çurrador. A qual cifra nõ poeremos, quã-
do depois do .c. se segue .e.i. como faz? os idiotas.
Porque o .c. junto aas dictas letras, não póde dar
outro soido, segundo a pronunciação destes t?pos.
A qual pronunciação impropria do .c. com a cifra
não he de Latinos, nem Gregos, mas propria dos
Mouros, de que a tomamos.
Outro officio de .c. he ser aspirado, com a qual le-
tra screuemos os nomes Gregos, que dos Latinos
tomamos, como Achilles, patriarcha. Aa qual letra
os Gregos dão esta figura .?. fazendoa distincta do
c. puro, & accrescentandoa ao seu alphabeto. O que
nos não fazemos, por não teermos figura, perque
a denotemos, & por a exprimirmos per .c. & .h.
Outro officio teem o .c. emprestado, quãdo despois
delle se segue .h. & lhe damos differ?te pron?ciaçãofol. 5r
do .c. aspirado dos Gregos, como nestas dições, cha-
mar, cheirar, chiar, chorar, chupar. A qual pron?ci-
ação tam propria he da lingoa Hespanhol, que nem
os Gregos, nem os Latinos, Hebreos, ou Arabes a
tiuerão: posto que os Italianos a pareção imitar na
pronunciação do seu, ce. ci. Polo que podemos di-
zer, que debaxo de h?a figura do .c. ha muitas letras
em potestade & officio.
D. T. TH.
D. T. Letras mudas teem em si muita semelhan-
ça: porq? a pronunciação de h?a, & da outra, he
quasi de h?a maneira, com a lingoa posta no mes-
mo lugar: saluo quanto o .t. se forma com mais spi-
ritu, & com a lingoa mais leuantada para o paadar,
& o .d. com ella entre os dentes. Pola qual seme-
lhança (como diz Quintiliano) muitas palauras,
em que entraua .d. screuião os antigos per .t. como:
Alexãter, Cassantra, por Alexander, & Cassandra.
Outros screuião, set, por sed. & atuentus, por adu?-
tus, segundo Victorino screue. E pelo cõtrario ou-
tros dizião, amauid, por, amauit.
Pola qual affinidade de letras, muitas vezes conuer-
temos o .t. dos vocabulos Latinos em .d. quando os
fol. 5v
accomodamos aa nossa lingoa, como são todos os
participios em atus, ou itus, & os verbaes em or, &
outros muitos sem cõto, q? pelo vso se veerão, como
amatus, amado. auditus, ouuido. Rector, Regedor.
secretum, segredo. fatum fado.
Teem tambem os Portugueses o .th. dos Gregos as-
pirado em as dições Gregas, de que vsamos, como
theologia, theorica, Thomas. A qual letra nos não
accresc?tamos ao nosso alphabeto, n? os Latinos ao
seu. Porque não teemos figura, que a denote como
os Gregos, q? lhe dão h?a soo figura assi .?. mas figu-
ramola com o .t. & .h. com a qual aspiração se afro-
xa a pron?ciação do .t.
E.
E. He letra vogal simplez, & não de duas manei-
ras, como alg?s cuidão, que fazem .e. pequeno
como em besta por animal, & .e. grande como em
bésta per arma, & instrum?to de tirar: o que não ha.
Porque na pronunciação dessa letra, nenh?a differ?-
ça teemos dos Latinos. E a differença, que vai desse
c. que aos vulgares parece lõgo, ao outro, a que erra-
dam?te chamão breue, notamos com acc?to agudo
ou circumflexo, ou graue (como teemos dicto do .a.
& diremos a diante na letra .O) ou com dous .ee.fol. 6r
F.
F. He letra muda, a que os Aeolicos (dos quaes ella
teue origem) chamauão. Vau. & os Latinos lhe
chamauão digamma, porque na figura parece
hum dobrado .g. dos Gregos, a que elles chamão
gamma. O qual gamma he assi .?. & o .F. parece que
fica fazendo dous. A qual letra seruia aos Aeo-
licos, do que serue a nos o .u. consoãte, como se vee
do nome, Vau, que lhe deram. E esta letra tomárão
os Latinos, para com ella screuerem os vocabulos de
sua lingoa, que screuião como .u. consoante. Mas
despois para fazerem differença dos nomes Latinos
aos Gregos, porque todos os screuião com .ph. que
era letra Grega, começarão vsar a dicta letra .F. nos
nomes Latinos em lugar de .ph. & por phama, &
phucus, começarão dizer, fama, & fucus. Despois
Claudio Cesar Emperador costumou screuer em lu-
gar do .u. consoante o digãma, Aeolico, q? era o .F.
posto porem aas vessas assi .?. aa differença de quãdo
seruia por .ph. como se oje em dia vee em letreiros
antigos de seu t?po, onde se lee. TERMINA?IT.
AMPLIA?ITQVE. por terminauit, & ampli-
auit, & ?IXIT, por vixit. Morto porem Claudio,
fol. 6v
se deixou de costumar esta letra, & tornarão ao .v.
como se tambem desacostumou o antisigma, outra
letra, q? o mesmo Claudio inuentou, para supprir ás
vezes do ? dos Gregos, que he o .ps. ou .bs. Pola qual
semelhãça, que o .f. teem com o .v. cõsoante, vierão
os Franceses mudar o .v. cõsoante em .f. & por viuo
dizem, vif, & por breue, brief.
Mas he de notar, q? entre o .f. Latino & o .ph. Grego
hauia muita differença na pronunciação, que agora
não sentimos. Porque (como screue Quintiliano)
o .ph. dos Gregos tinha h? soido brando, & suaue, &
o .f. dos Latinos horrido, que quasi não parecia de
voz humana. Donde pode collegir, quam adul-
terada, & mudada stá a pronunciação de muitas le-
tras, & quam delicada he a musica dellas.
G.
G. He letra muda, de que vsamos em sua propria
pronunciação, quando se ajunta a estas vogaes
a. o. u. como dixemos do .c. Outra pronunciação
lhe viemos dar impropria, & adulterina, quando se
ajunta ao .e. i. que fica soando como .i. consoante,
& dizemos, gato. gente. ginette. gosto. gula. A qual
pronunciação com .e. i. he alhea dos Gregos, &
fol. 7r
Latinos, & proppria dos Mouros, de q? a recebemos.
De maneira, que para pron?ciarmos o .g. com .e. i.
da maneira propria, & natural, como o pronuncia-
mos com .a. o. u. lhe accrescentamos hum .u. liqui-
do, & dizemos: ga, gue, gui, go, gu.
H.
H. Não he letra, mais que na figura. Mas he h?a
aspiração ou assopro, com que se pronuncião
as letras, a que se aj?ta. Da qual aspiração, os Portu-
gueses não vsamos em pronunciação, posto q? a vse-
mos na scriptura. Porque assi pron?ciamos hom?,
como, om?, & hõra, como, onra, & hoje, como, oje,
& hoganno, como, ogãno, & hagora, como, agora,
& hauer, como, auer. E soom?te parece, q? a sentimos
na pronunciação de duas interjeições .s. de ha ha, si-
gnificatiua de riso, & de ah, significatiua de temor,
ou indignação. Porem ainda que pareça esta aspira-
ção ociosa, pola não pron?ciarmos, he porem neces-
saria, para guardar a orthographia dos nomes Lati-
nos, & Gregos, para per ella se conhecer a origem, &
etymologia dos vocabulos, & para differença delles:
como fazem os Frãceses, q? muitas letras não pron?-
cião perfectam?te, em alg?as palauras, & em outras
fol. 7v
as não pronuncião de maneira alg?a, & todauia as
screuem, para entendimento das palauras na scri-
ptura, & para se saber a origem dellas.
E assi como esta aspiração se ajunta a vogaes, assi
tambem se ajunta a consoantes. Mas teem nisto dif-
ferença, que aas vogaes sempre o .h. precede, como,
homem, humilde, tirãdo estas duas interjeições dos
Latinos, ah, &, oh. E nas consoantes sempre vai des-
pois, como, philosophia, theologia. It? teem outra
differença, que os vocabulos, que teem as vogaes as-
piradas, pódem ser Latinos, ou Gregos, & os q? teem
as consoantes aspiradas, sempre são Gregos, ti-
rando estes nomes, pulcher, & sepulchrum, que
são Latinos.
Item ha outra differença, que todas as vogaes se pó-
dem aspirar, como, hastea, herdeiro, Hippolyto,
Homero, humanidade, hydropico. Mas não se as-
pirão todas as consoantes: porque soo os Gregos, &
os Latinos, que delles o tomárão, aspirão estas .c.
como em, schola .p. como em, philosophia .r. como
em, rhetorica, t. como em, Athenas.
Mas os Portugueses, por teermos tres pronuncia-
ções proprias, & peculiares nossas, que os Latinos
não tinhão, para que nos faltão as figuras, suppri-fol. 8r
molas com a aspiração, dizendo: ch. lh. nh. Porque
sem aspiração, não achamos letras cõ que as formar:
por teerem muito differente pronunciação, da que
dão as dictas letras, sendo tenues, & não aspiradas.
De maneira que aspiramos o .l. & o .n. o q? nenh?as
outras nações fazem, & aspiramos o .c. em os voca-
bulos nossos peculiares, soando a dicta letra aspirada
de differente maneira, do que soa nos vocabulos La-
tinos, ou Gregos, q? outro si se aspirão. Porq? doutra
maneira soa o .c. em esta palaura, tacha, do que soa
em a palaura, mechanico.
I.
I. He letra vogal, cujo soido proprio & natural he o
das primeiras syllabas destas dições, imag?, ira.
Outro soido lhe damos improprio, quando he con-
soante, que he falso, & alheo da natureza desta letra,
o qual he cõmum a .g. da maneira que o nos pron?-
ciamos com .e. i. q? he h?a pronunciação Mourisca,
tam alhea da propriedade do .g. como do .i. Porque
dizemos: janella, jejum, joanne, justiça. Em as quaes
palauras, não sentimos na pron?ciação alg?a seme-
lhança do .i. consoante dos Latinos: o qual teem o
soido, que veemos nestas palauras, Troia, Maio, &
fol. 8v
nestas palauras Latinas, hei, huic, cui. onde os autho-
res antigos dizem o .i. ser consoante. Polo que pola
differença que assi faz, quando he vogal, de quando
he consoante, costumamos de o screuer, quando he
vogal, de corpo pequeno, & quãdo he cõsoante, faz?-
do o mais cõprido, & rasgado para baxo assi .j. O q?
eu não cõtradiria. Mas antes se fora em minha mão,
déra noua & particular figura aaquellas letras, q? ten-
do as em potestade, lhe não derão os nossos passados
figura, como são o .ç. ch. lh. nh. & aquellas, que falsa-
m?te screuemos per as figuras alheas de .g (quãdo se
ajunta a estas letras .e.i.) & de .x. & .z.
Mas sendo verdade, q? da mesma maneira soa .ge.
gi. do que soa .je. ji. he de saber, nas dições, onde
entra esta pronunciação, que ordem teremos em as
screuer: & se indistinctamente poderemos vsar de
h?a & d'outra. E nisso deuemos teer respecto a duas
cousas .s. aa orig? dos vocabulos Latinos, dõde des-
cend? as palauras, q? screuemos, & ao costume. Polo
que screueremos impigem, & não impijem, porq?
veem de impetigo, impetiginis: & assi virg?, & ori-
gem, porque vem de virgo, & origo. E assi os mais,
que t?m a mesma analogia, & correspond?cia, ain-
da q? não tenhão outros Latinos semelhantes, como
fol. 9r
são todos, os que te? .a. ou .u. na penultima syllaba,
como: ferragem, fogagem, lingoagem, passagem,
romag?, amarugem, ferrugem, lãbugem, babug?.
Item se screuerão com .g. os vocabulos, q? dos Lati-
nos vierão a nos, que te? essa letra em alg?as syllabas
que lhe ficarão illesas, sem as corrompermos, como
gente, gemer, legitimo, genero, & outros infinitos.
Mas per .j. screueremos todalas dições, q? se passa-
rão dos Latinos a nos, que tinhão o mesmo .j. cõso-
ante, se essa syllaba ficou inteira, onde o .j. vinha, co-
mo jejum, subjecto, enjeitar, majestade, & alg?s no-
mes peregrinos, como jebusseo, jephte, & outros vo-
cabulos, q? se screuião com estas letras, Hie, no prin-
cipio, ou foss? Gregos, ou Hebraicos, como: Hiero-
nymo, Hierarchia, Hierosolyma, Hieremias, Hie-
roboam, Hierusalem, Hierico, q? vulgarm?te screu?
(tirado o .h. & mudado o .i. vogal em .j. consoante)
Ieronymo, Ierarchia, Ierusalem, Ierosolyma, Iere-
mias, Ieroboam, Ierico. O q? eu não cõtradiria, porq?
tudo isso pode o costume, & a pronunciação, & a cor-
rupção de h?a lingoa a outra. Mas disso não hemos
de fazer regra geeral. Porque posto q? nesses o costu-
me fizesse essa mudança, não screueria assi os outros
que o vso, por não serem nomes mui cõm?s, não ti-
fol. 9v
uesse mudado. Polo q? por Hiempsal, nome proprio
de h? Carthagines, não screueria, Iempsal: n? por
Hieron, nome de h? Rei, screueria Ieron. Porq? não
me entenderião de qu? fallaua. Assi q? os nomes pro-
prios se hão de screuer, como stão nas outras lingo-
as de q? elles são, sem mudança de alg?a letra, mais q?
a da terminação final, tirando aquelles, q? per costu-
me stão mudados, ou corruptos. Como tam-
bem os Italianos fazem em Girolamo, por Hiero-
nymo, & Giouanni por Ioanne, & em outros
muitos.
K.
K. He letra Grega, que os Latinos trouxerão a seu
alphabeto sem necessidade: porq? t?em seu .c. q?
responde a ella. E assi na nossa lingoa, não nos serue
em palaura alg?a, nem na Latina, ao presente teem
algum vso, saluo se for para screuer esta palaura
Kyrios, donde dizemos Kyrie eleison, ou esta
palaura Kalendas, que conforme ao antigo se
costumaua screuer assi. E porque não façamos dif-
rença do nosso alphabeto ao Latino, a deixamos
na posse, & lugar, que tinha, & para que os nos-
sos a não estranhem, quando vierem a apprender
fol. 10r
as letras Latinas. Que quãto aa nossa lingoa, & scri-
ptura Portuguesa, he letra sobeja, & ociosa.
L.LH.
L. He letra semiuogal, que t?e alg?a semelhança
com o .r. sem embargo de o .l. ser notauelm?te
brãdo, & o .r. aspero, por o vibrar da lingoa, q? se faz
quando se forma. Pola qual razão os piuidosos, que
não teem a lingoa habil para a vibrar, o mudão em
l. como se lee de Demosthenes, & Alcibiades. O
qual vicio chamão os Gregos lambdacismo, que
quer dizer vicio de frequentar .l. que elles chamão
lambda. Pola qual semelhança, os Portugueses,
na corrupção de muitas palauras, fugindo as deli-
cias, & mimo d'aquella letra, a mudão em .r. como
mais varonil, em muitas dições, em que entra .l. li-
quido, despois de letra muda, como: brando de
blandus. pranto de planctus. crauo, de clauus. praz,
& prazer de placeo. supprir de supplere, & outros se
melhãtes, que deuemos screuer com .r. & não com
l. por nos desuiarmos de fallar como Castelhanos,
que dizem: blando, supplir, plaz, & plazer, clauo.
Mas outros há, em que podemos concorrer com os
Castelhanos, sem offensa das orelhas, screuendo
fol. 10v
com .l. ou com .r. se quisermos, como: simplez, ou
simprez, claro, ou craro, obligar, ou obrigar, clamar,
ou cramar, & muitos, q? por breuidade deixo. Ou-
tros ha, que não deuemos mudar, como: clemente,
clemencia, flamma, inflammar, supplicar, suppli-
cação, clerigo, clerisia, flor, & flores, & outros mui-
tos, que o vso vos ensinará, & a scriptura de hom?es
doctos, que os vulgares erradamente screuem per .r.
dizendo, froles, & creligo, preuertendo as letras.
A este letra .l. teem os Portugueses, & Castelhanos
h?a pronunciação mui propinqua, posto que a não
tenhão em nome, nem em figura, que he tam pecu-
liar, & propria nossa, que nem os Gregos, nem os
Latinos, n? os Hebreos, nem Arabes a conhecem.
E alg?as nações há que nem com tormento a pron?-
ciarão. A qual nos supprimos per .l. & .h. nota de as-
piração assi .lh. menos mal que os Castelhanos, que
erradamente a supprem, com dous .ll. contra toda
razão da orthographia. Porq? nenh?a lingoa soffre,
que duas letras de h?a specie, possão j?tas ferir h?a
mesma vogal. E não ha tanta differença, de h?a di-
ção scripta com .l. singello, a outra scripta com do-
brado, quanto de h?a, & outra a esta letra, que re-
presentamos per .l. & .h. como se vee nestes exem-fol. 11r
plos: querela, bella, velha. Dõde vem, screuer? mal
os Castelhanos todolos vocabulos Latinos, q? teem
dous .ll. q? na sua lingoa Castelhana guardão o soi-
do Latino, por starem incorruptos. Porque necessa-
riamente lhes tirão hum .l. como nestas palauras:
sylogismo, sylaba, colegio. Qua screuendoas com
dous .ll. como deuia ser, ficarião dizendo, sylhogis-
mo, sylhaba, colhegio. Assi que os Portugueses sta-
mos nisto melhor: porque teemos nossas differ?ças
de .l. singello, dobrado, & aspirado. Porque se bem
se attentar, a differença de dobrar se h?a letra, não
faz mudar o soido, q? tiuera sendo singella, mas soo-
mente spessa, & esforça a pronunciação, stando no
mesmo ser & figura, como: caro, carro, pela, pelle,
que tudo he h?a letra, & hum soido: senão, que em
pelle, pron?ciamos de maneira, que sentimos ficar
hum .l. com a syllaba precedente, & o outro com a
seguinte assi, pel-le. O que não he nesta palaura
Castelhana, Cauallo. Porque não o pronuncião de ma-
neira, que pareça, que hum .l. vai com a syllaba pre-
cedente, & o outro com a seguinte. Mas assi o pro-
nuncião, como se .l. & .l. fossem h?a soo letra. Porq?
não se pode diuidir assi, Caual-lo. Mas a diuisão sua
acerca dos Castelhanos, he assi necessariamente:
fol. 11v
Caua-llo. E os dous .ll. fer? h?a mesma vogal, & soão
como h?a soo letra, como na verdade he em potesta-
de, & pronunciação. Polo q? o .l. em tal pron?ciação
não pode ser dobrado, senão differ?çado, como nos
fazemos cõ aspiração. E cõ o til o houuerão de diffe-
r?çar os Castelhanos, como faz? ao seu .ñ. de q? na le-
tra .N. faremos m?ção. Mas o melhor fora, darmos
lhe noua figura, assi como he noua pronunciação.
E assi veerão, que os Italianos, que tãbem teem esta
pronunciação como os Hespanhoes, para a deno-
tarem, screuem por filho, figlio. & por folha, foglia. &
por batalha, bataglia. E os Franceses, que tambem a
teem em alg?as palauras, para outrosi a denotarem,
screu? cõ dous .ll. como os Castelhanos. Mas por
mostrar? a impropriedade da scriptura, ajuntão lhe
antes hum .i. iota, que se não pronuncia, mas soo he
nota da differente pron?ciação. E dizem meilleur por
melheur. & gaillart. por galhart. porque virão, q? por se do-
brar? os .ll. se não representaua o som, q? lhe damos.
M.
M. He letra semiuogal, cuja propriedade he não
ir ante outra alg?a cõsoante. Porq? sempre vsa-
mos do .n. ainda q? pareça q? vai teer ao soido do .m.
fol. 12r
Polo q? não diremos, Amtonio, n? emtemdimem-
to, senão, Antonio, entendimento. Mas seguindose
outro .m. ou .b. ou .p. sempre prepoemos o .m. &
dizemos, ambos, & não anbos, & tempo, & não ten-
po, & immenso, & não inmenso. E a causa he, porq?
d'onde se forma o .n. que he ferindo a ponta da lin-
goa, na parte diãteira do paadar, até onde se formão
aquellas tres letras .b. m. p. há tanta distancia, que
foi necessario, mudar o .n. em .m. quando se segu?,
por o .m. star perto dellas na pronunciação. O que
sempre os Gregos, & Latinos guardarão, & nos ou-
tros o hemos de guardar, se queremos screuer, co-
mo pronunciamos. Porque naquelle lugar não po-
de soar .n.
Mas ha se de aduertir, que alg?s nomes há, que ad-
mittem o .m. ante do .n. os quaes ainda que sejão
Latinos, & Gregos, não deixarei de os poer, porque
d'alg?s delles, & de seus deriuados, podemos usar
na nossa lingoa, como: amnis, contemno, damno,
damnum, damnas, gymnasium, hymnus, somnus,
& alg?s nomes proprios, como Agamemnon, Cly-
temnestra, Clytumnus, Lemnos, Memnon, Mnes-
theus, Polymneia. E assi acharão soo este nome La-
tino, hyems, que ante do .s. teem .m.
fol. 12v
N. NH.
N. He letra semiuogal, a qual se póde ajuntar a to-
das consoantes, tirando .b. m. p. a que não pode
preceder, como a cima teemos dicto no precedente
capitulo da letra .M. Polo que na composição dos
vocabulos, quãdo veem preposição, que se acabe em
n. como, in. con. se o nome, ou verbo, a que se ajun-
ta, começa em alg?a das dictas tres letras .b. m. p.
o .n. se muda em .m. como embeber, immunidade,
commutar.
A esta letra .n. teemos os Hespanhoes outra mui
affim & propinqua, que não teem nome, nem figu-
ra. Porque os Latinos, cujo alphabeto seguimos, a
não tinhão em pronunciação. A qual por assi teer
muita semelhança com o .n. a assinalamos per .nh.
& os Castelhanos a denotão com .n. & til, assi .ñ. di-
zendo, Alemaña, por o q? nos dizemos, Alemanha.
Da qual letra .nh. usaremos soomente nos vocabu-
los meros Portugueses, ou corruptos dos Latinos,
que na corrupção da lingoa, tomarão essa letra em
lugar d'outras, como: meirinho, façanha, engenho,
testemunha.
Com o qual .nh. não screuemos alg? nome, a que
fol. 13r
os Latinos antes do .n. poem .g. Porque da mesma
maneira os screueremos, como os Latinos. Polo que
diremos, magno, & tam magno, magnifico, in-
signe, digno, regno, ignoto. O que entendo d'aquel-
les vocabulos, que stão incorruptos, como são os so-
bredictos, & outros taes. Mas aquelles em q? houue
corrupção d'alg?a letra, per mudãça, diminuição,
ou addição, ou outra qualquer maneira, screuerseão
como corruptos, aa maneira vulgar. Polo que ainda
que penhor vem de pignus, & lenho, & lenha, de
lignum, não diremos, pegnor, nem legno, por assi
já starem desuiados da forma Latina.
Item se ha de notar, que aquelles, nomes, a que per
costume na pronunciação tiramos o .g. que sendo
Latinos, tinhão ante do .n. q? sem .g. os screuamos,
para que a scriptura não discrepe da pronunciação,
& digamos: sino, sinal, sinette, & assinar, & os que
destas palauras se deriuão, como assinatura, assina-
lar. Os quaes não se deuem screuer d'outra manei-
ra, porque assi os pronunciamos. E quem sabe lin-
goas, entenderá, que mais que isto pode o costume,
na razão de screuer: & que ainda que alg?s deriua-
dos dos vocabulos acima dictos, screuamos com .g.
como significar, insigne, & consignar, que não he
fol. 13v
incõueniente, screuermos os acima dictos sem elle.
Porque d'alg?as palauras Latinas nos seruimos, sem
as corrompermos, & outras corrompemos. Polo q?
as corruptas screueremos como corruptas, & da
maneira que as pronunciamos, & as inteiras como
inteiras, como neste nome, signum, que corrompe-
mos per detracção do .g. dizendo, sino, & sinal. Mas
significo, & insigne, que se deriuão da dicta pala-
ura, ficão inteiros: polo que os screueremos como
inteiros.
O.
MVitos hom?es mui doctos, & curiosos da lin-
goa Hespanhol cuidarão, q? acerca de nos hauia
duas maneiras de .o. hum grãde, & outro pequeno,
como acerca dos Gregos. Mas, como teemos dicto
do .a. assi como não teem mais que h?a figura, assi
não teem mais que h?a natureza: que ser longo, ou
breue, he accidente, como nas outras vogaes. E a oc-
casião que tiuerão, os que dizem, que teemos dous
oo. hum grande, como ? mega dos Gregos, & ou-
tro pequeno como .o. micron, nasceo, de veerem a
differença da pronunciação desta letra, que em h?s
lugares a pronunciamos com grande hiato, &
fol. 14r
abertura da bocca, & em outros com muito menos,
como se vee nesta palaura, ouo, no singular, que na
primeira syllaba parece, que a pronunciamos com
hum pequeno .o. & quando dizemos, ouos, no plu-
ral, o pron?ciamos de maneira, que parece hum .o.
grande. Polo que para mostrar a differença do .o.
que chamão grãde, screuem muitos esta palaura no
plural, com dous .oo. diz?do, oouos. & assi poouos,
& oolhos, & os mais desta qualidade.
Mas attentando isto mais consideradamente, & cõ
a promptidão da orelha, que a musica das letras re-
quere (que segundo Quintiliano não he menos
difficultosa de comprehender, que a das cordas) a-
charão, que a dicta differ?ça não vem do .o. ser grã-
de, ou pequeno, nem longo, nem breue, mas do ac-
cento, com que entoamos as palauras. Porque quã-
do he agudo, leuantamos o .o. & quando he circum-
flexo, fica entoado de maneira, que fica obtuso, &
quasi unisono com as outras syllabas graues, faz?do
de h?a syllaba aa outra tam pouca differença, no le-
uantar, que quasi não o sinte a orelha, como mani-
festamente se vee nestas palauras, pólo por ceo, &
pôllo, por aue, ou animal pequeno. Porque em pó-
lo, sendo o primeiro .o. breue, & o segundo longo,
fol. 14v
por causa do accento agudo, que leuanta aquelle .o.
fica parecendo pelo contrairo, aos que não sintem a
musica. Porque parece, que o primeiro .o. he longo
& grande, & o seg?do pequeno, & breue. E em pôl-
lo, onde o acc?to da primeira syllaba não he agudo,
fica parecendo o .o. pequeno, & breue, sendo na ver-
dade longo.
A qual pronunciação de accento circunflexo (se o
este he) parece, que soom?te sentimos, em as dições
de duas syllabas, que em ambas t?m .o. & não em
outras vogaes. Porque agora nestes tempos, não há
noticia alg?a deste accento, nem se sabe, em q? pro-
porção stá do agudo, ou graue: nem há orelha tam
delicada, que possa comprehender a differença, q? há
entre terra do caso nominatiuo, q? teem acerca dos
Latinos, accento circunflexo, de terra do ablatiuo,
que o t?e agudo. Quase perdeo isto, como se per-
deo a pronunciação de muitas letras, & como se per-
deo o processo da musica antiga, que hauendo tres
generos della .s. diatonico, chromatico, & enharmo-
nico, soomente os musicos deste tempo conhecem
o diatonico, & ainda da theorica desse sabem mui
pouco, ou para dizer melhor, não sabem nada, quã-
tos musicos hoje viuem, n? ainda da practica se sabe
fol. 15r
quomo cantauão os antigos antes de S. Gregorio,
nem per que notas: nem ha rastro, de como proce-
dião nisso: como tãbem ignoramos muitas artes, &
cousas dos antigos, de q? apenas entendemos os no-
mes, como he toda a arte gymnastica, & gram parte
da architectura, & das mechanicas, de q? os hom?es
deste tp?o somos tã rudes, ao menos os Hespanhoes.
E outras muitas razões há, para persuadir, q? não há
o. grãde, nem pequeno. Porque te?do a mesma po-
sição de letras, ouo, & ouos, não se pode dizer, q? em
o singular he o primeiro .o. pequeno, & no plural, q?
o mesmo he longo. Porq? não se mudando as letras,
nem a significação, senão o numero, não se pode mu-
dar a quãtidade. Polo q? fica claro, q? a mudança he de
hum accento em outro, & não de h? .o. grande a ou-
tro .o. pequeno.
Outra razão há, q? ainda q? stemos h? grande spaço,
pron?ciando, & soando a primeira syllaba deste no-
me, ouo, sempre o primeiro .o. soa baxo, & com me-
nos hiato da bocca. E pelo contrario, ainda q? mui
pequeno spaço nos detenhamos, em pron?ciar a pri-
meira syllaba desta palaura, modo, ou coruos, no plu-
ral, fica logo soando de differente maneira, & com a
bocca mais aberta. Donde se collige, q? a differença
fol. 15v
não consiste na grãdeza, ou pouquidade do .o. senão
no aleuãtar, ou abaxar do tom, ou na differente ma-
neira de formarmos os .oo. na pronunciação.
Item se ha de aduertir, q? no soido nenh?a differ?ça
ha entre .?. mega & .o. micron, acerca dos Gregos,
mais q? ser lõga a syllaba do .?. mega, & a do .o. micrõ
breue. Polo q? não faz? a differ?ça do nosso .o. leuãta-
do, ao baxo. Mas ? muitos vocabulos Gregos, em q?
não ha mais differ?ça, q? hum screuer se cõ .?. & outro
cõ .o. parece q? pelo cõtrario o .o. micron soa mais al-
to, & semelhãte ao nosso .o. q? quer? chamar grãde,
& .?. mega mais baxo, & semelhante ao q? quer? cha-
mar pequeno, por causa do acc?to circ?flexo, com
que se differenceão, como se vee nestes nomes ?????
por funda, & ?????, por terrão, ou almagra, & ????
por dom, & ????, por casa: onde ninguem na pron?-
ciação fara a tal differença de h? a outro, q? se possa cõ-
parar aa nossa de ouo, ou ouos, ou que pareça teer ou-
tra differ?ça, mais q? a tardãça de pron?ciar a syllaba.
E o que tenho aduertido da nossa lingoa he, q? as di-
ções, em que há esta differ?ça de .oo. são os nomes de
duas syllabas, que na primeira, & na seg?da syllaba
teem .o. Dos quaes muitos teem no singular acc?to
circ?flexo, na primeira syllaba, & no plural accento
fol. 16r
agudo na mesma, como, fôgo, fógos. fôrno, fórnos.
ôsso, óssos. ôlho, ólhos. pôuo, póuos. pôrco, pórcos.
tôjo, tójos. & outros taes como estes. Mas alg?us ha,
que não mudão o accento no numero plural como:
bojo, bolo, boto, coco, choro por pranto, & choro
por cõgregação, corro, coto, coxo, fojo, forro, froxo
gordo, gosto, gozo, horto, lobo, moço, mocho, mo-
io, molho por escaueche ou potage, nojo, oco, ol-
mo, poço, potro, rodo, rogo, rolo, soldo por stipen-
dio ou soldada, solho, soruo, tollo, torno, troco,
vodo.
Item se pronuncião com acc?to circumflexo, assi
no singular como no plural, todo los nomes, que na
primeira syllaba teem .m. ou .n. dospois do .o. co-
mo, lombo, momo, tombo, pombo, longo, ponto,
conto, dono. E os que na primeira syllaba teem di-
phtongo de .ou. como couro, louro, touro, pouco,
rouco.
Item ha outros, que teendo no singular o accento
circumflexo, teem no plural o accento indifferente.
Porque de pôço, dizem pôços, & póços. & de tôrto,
tôrtos, & tórtos. & nôuo, nôuos, & nóuos. & de
ôsso, ôssos, & óssos, & de pôuo, pôuos, & póuos.
Item há outros dissyllabos, que assi no singular,
fol. 16v
como no plural, teem na primeira syllaba o accento
agudo, como: cópo, módo, mólho por fexe, sól-
do por moeda, vósso, nósso, cóllo, fróco, lógo ad-
uerbio.
Item se há de notar, q? não soomente há esta diffe-
r?ça do singular ao plural, mas do genero masculino
ao feminino, q? assi como mudão o acc?to agudo no
plural, assi no genero feminino. Porque de tôrto, di-
zemos tórta. & de pôrco, pórca. & de côruo, córua.
Mas os que não mudão o acc?to no plural, não o mu-
dão no genero feminino, assi como, môço, môça.
frôxo, frôxa. côxo, côxa. gôrdo, gôrda. Tirãdo por?
de dôno, dóna por auóa. & de pôsto, pósta, & de nô-
uo, nóua, q? se pronuncião com o acc?to agudo.
E a mesma regra guardão os nomes de muitas syl-
labas, se na penultima, & vltima teem .o. porq? assi
no singular, como no plural, teem accento circum-
flexo, como, xarrôco, xarrôcos. barrôco, barrôcos.
peixôto, canhôto, rapôso, & todolos nomes acaba-
dos em .oso. como fermoso, copioso, iroso. Mas te?
esta differença, que os femininos mudão o accento
em agudo, como: barróca, peixóta, fermósa, irósa:
tirando rapôsa, que vem de rabôso, & rabósa.
Item não soom?te há esta differença de acc?to nos
fol. 17r
nomes, mas ainda nos verbos. Porque h?s são cir-
cumflexos, como: côrro, ôuço, pônho, cômo: & ou-
tros são agudos .como jógo, pósso, fólgo, tróco.
Deuenos por tanto ficar por regra, que pois a dif-
ferença consiste no accento, & não na scriptura, que
não teemos mais que hum .o. & que não se deue
screuer com .o. dobrado, nenh?a dição, tirando na
vltima syllaba, os nomes contractos, de que a diante
faremos menção. Nem he necessario notar as pa-
lauras com accento, para fazer differença, quãdo he
agudo, de quando he graue, ou circumflexo, por
não trazermos aa nossa lingoa o trabalho da lingoa
Grega. Mas baste para a pronunciação, saber as re-
gras acima dictas. Soomente deuemos accentuar
as dições, em que pode hauer differença de signi-
ficação, quando teem differente accento, como,
côr, por color, que screueremos com accento cir-
cumflexo, & cór por vontade com agudo. E pôde,
quando he preterito, screueremos com circumfle-
xo, & póde do presente com agudo, & assi outros
desta qualidade.
Q.
Q. He letra muda, que nenh?a lingoa teem, senão
fol. 17v
a Latina, & as que della descendem, & pronun-
ciase como .c. segundo os antigos: As quaes duas
letras entre si, não se differenciauão na pronuncia-
ção, mais que na figura. Polo que dixerão mui-
tos antigos, que o .q. era letra ociosa, & desne-
cessaria. D'onde veo, que muitos hom?es doctos
nunqua a costumarão em sua scriptura, como foi
Nigidio Figulo contemporaneo de Marco Tullio,
que nunqua vsou .k. nem .q. Porque o mesmo effe-
cto tinha o .c. em tudo. E assi veerão, que muitos dos
mesmos antigos, screuião per .q. palauras que des-
pois se screuerão per .c. que por dizerem arcus,
& oculus, dizião arqus, & oqulus. E pelo contra-
rio, de sequor dixerão secutus, & de loquor, locu-
tus. E assi nos relatiuos, variamos os casos, hora per
q. hora per .c. como: quis, cuius, cui, quem, quo.
Mas porem esta differença há, que sempre despois
do .q. se segue hum .u. liquido, & sem força. O
qual não se pode negar fazer alg?a differ?ça na pro-
nunciação do .c. Porque de h?a maneira nos soa,
aqua, & d'outra, aca, por causa d'aquelle .u. que sem-
pre se sente. D'onde se segue, que a pronuncia-
ção, que nos agora damos ao .c. como assouiando,
& chegando a lingoa dobrada aos dentes, he fal-fol. 18r
sa, & que a verdadeira pronunciação, he retrahin-
do a lingoa, que não chegue aos dentes, & apertan-
do a campainha, lançando a voz de dentro, da ma-
neira que pronunciamos o .q. dizendo que, ou co-
mo agora os Italianos pronuncião o seu relatiuo
Che, quando dizem, Che fai? Che pensi?. Mas ainda que os
antigos chamassem a esta letra ociosa, a nos he ne-
cessaria, assi para screuermos todas as dições, que
os Latinos per ella screuião, como por a adulterina
pronunciação, que viemos dar ao .c. junto a estas le-
tras .e. i. de que nos ficou necessidade, de soccorrer-
mos com que, qui, para correrem todas vogaes de
hum soido, & pronunciação, & dizermos: ca, que,
qui, co, cu. &, qua, que, qui, quo, quu.
R.
R. He letra semiuogal, simplez, & não de duas
maneiras, como os vulgares cuidão, q? põem no
seu alphabeto duas figuras: h?a, que dizem ser de .r.
singello, & outra de dobrado, q? se põe no principio
das dições, ou quãdo soa como dobrado. O que he
grande erro. Porque dessa maneira, a todas letras
podião dar duas figuras, h?a para quando são sin-fol. 18v
gellas, & outra quando são dobradas. Polo q? hemos
de dizer, que não ha mais, que hum .r. em potesta-
de. O qual quando se dobra em voz, se dobra tam-
bem em numero. E o q? enganou aos vulgares, foi,
que aas vezes sem se dobrar, se pronuncia, quasi co-
mo dobrado, sendo na verdade singello. O que se
faz de cinquo maneiras. A primeira se se põe em
principio de dição, como: raposa, rio, rua: onde stá
claro, que não pode ser dobrado, por ser principio
de syllaba, & não poder? duas letras de hum genero
ferir a mesma vogal. A segunda se antes do .r. vai
.n. como: honra, tenro, genro. A terceira se pelo cõ-
trario, antes do .n. v? o .r. como: sarna, inferno, for-
no, torno. A quarta se antes do .r. vem .s. como,
Israel. A quinta se a dição, que começaua em .r. se
cõpôs com alg?a das preposições, pre, ou pro, como
prerogatiua, prorogar.
S.
S. He letra semiuogal, & mais assouio que letra,
segundo dizia Marco Messala. Donde veo, q? a
figura della denotarão, como h?a cobra enroscada,
por parecer mais pronunciação de cobras, que de ho-
m?es. A qual letra, ainda que os vulgares a figurem
fol. 19r
em seu alphabeto de duas maneiras assi .s. s. em po-
testade, & força, he h?a soo letra. Porque essa diffe-
rença he para a graça da scriptura, mas não para
fazer differença na pronunciação. Isto lembro, porq?
há alg?us que cuidão, que de .s. há duas species .s.
hum que se pronuncia dobrado, & q? se vsa no prin-
cipio, que he o comprido assi .s. outro curto assi .s.
mais brando, para o cabo das syllabas. O q? não he
assi. Porque se ha de notar, que todalas vezes, que as
dições começão em .s. & despois delle se segue vo-
gal, naturalmente se pronuncia como dobrado, co-
mo: sancto, sella, sitio, solitario, summa. E apenas o
poderão pronunciar como singello, que não fique
soando como o .z. O que não he nas dições, q? teem
despois do .s. outra consoante, como spero, stilo. No
que tambem hão de aduertir, que da mesma manei-
ra se pron?cia, como dobrado, quando vem despois
de consoante, como falso, manso, persuadir, & ou-
tros semelhantes.
V.
V. Teem dous officios, h? proprio, quãdo soa per
si como as outras vogaes. como: vsso, vsura:
outro emprestado, quando fere vogal, q? teem grãde
fol. 19v
semelhãça cõ o .f. no som, como nestas palauras: ver-
dade, virtude. A qual pronunciação (como teemos
dicto) os Latinos antigos screuião com o digamma
dos Aeolicos, que tinha semelhança do nosso .f. no
som, & na figura. Mas despois que o .f. succedeo em
lugar do .ph. Grego, tomarão emprestado o .u. & v-
sarão delle em lugar do digamma. O qual differen-
ceamos agora, quãdo he consoante, de quando he
vogal, desta maneira .v. ao menos no principio das
dições. Porque no meo dellas, vsão do .u. indistin-
ctamente, quer seja vogal, quer consoante.
X.
X. He letra dobrada, que consta de .c. & .s. em al-
g?us vocabulos, & em outros de .g. & .s. Porq?
em pax, assi pronuncião os Latinos o .x. como se
dixessem, pac, & lhe accrescentassem .s. E assi pro-
n?cião lex, como se dixessem, leg, & despois lhe aj?-
tassem .s. O q? se vee pela formação dos casos. Porq?
de pax, dizemos pacis, & de nux, nucis, & de lex,
legis, & de Rex, Regis. Mas isto he quanto aa pro-
nunciação das palauras Latinas. Porque a pronun-
ciação que agora damos a esta letra, he Arabica,
da maneira que os Mouros pronuncião o seu, xin.
fol. 20r
Polo que nas palauras Hespanhoes, não nos fica ser-
uindo o .x. dos Latinos, em força & potestade, senão
em figura, per que denotamos a dicta pronunciação
Arabica, como nestas palauras: paixão, caxa, enxa-
da, coxim. E assi os Franceses, que teem a mesma
pronunciação que nos, a denotão per .ch. impro-
priamente, porque per .x. se não podia denotar, &
dizem, Cheval & Chapitre, por Xeval, & Xapitre.
Y.
Y. He letra vogal dos Gregos, que os Latinos re-
ceberão em seu alphabeto, para com ella scre-
uerem os nomes Gregos, que naturalmente a teem,
como nos tambem deuemos fazer. Mas assi os Hes-
panhoes, como os Frãceses vsão della mal: porque
indistinctamente se aproueitão della, em lugar de .i.
vogal, em vocabulos originalm?te Latinos, ou pro-
prios da lingoa Hespanhol, & Francesa, que não po-
dem teer aquella letra, que he propriamente Grega.
A qual teue muita differença do .i. na pron?ciação,
posto que ao presente a não sintamos, como he em
muitas outras letras, a que não damos seu proprio
som, por se perder com o discurso do tempo. De q?
he grande argumento, que os Latinos antigos, quã-
fol. 20v
do screuião com suas letras as dições, em que entra-
ua .y. em lugar delle, punhão, & pronunciauão .u.
como neste nome, Sylla, por o qual dizião, Sulla, &
como se vee na trasladação de muitos vocabulos da
lingoa Grega na Latina. Porque por mylos, dixerão
mulus, & por thynnus, thunnus, & por mys, mus,
& por sambyca, sambuca. Porque nisto seguião aos
Aeolicos, que pron?ciauão o .y. como .u. E assi ve-
rão, que em muitos nomes Gregos, mudarão os La-
tinos o .y. em .o. como de nyx, nox. de styrax, storax.
de myle, mola. O que quis l?brar, para que saibão,
quanta differença tinha o .y. do .i. na pron?ciação,
que não se podia exprimir per outra letra mais pro-
priamente, que per .u. ou .o. com que tinha mais
semelhança. Polo que stá claro, que na pronuncia-
ção, tinha manifesta differ?ça do .i. ainda que agora
a não alcãcemos. Porq? se não tiuera differ?te soido,
não o accresc?tarão os Gregos ao seu alphabeto, co-
mo letra differente do .i. & das outras vogaes. Qua
acerca delles, assi como distão as letras na figura, as-
si distão na pronunciação.
Do que fica conuencido o abuso, dos q? fazem essa
letra consoante, como o .j. Porque sendo de sua na-
tureza sempre vogal, screu? Yeronimo, & Yoão,
fol. 21r
como se vee ? moedas de alg?us Reis de Hespanha,
onde pelo .Y. denotauão, IOANNE, por a maa ortho-
graphia de seus ministros, que derão traça para ellas.
O que os Reis não deuião cõmetter, senão a hom?es
exquisitamente doctos, & mui auisados. Porq? como
as moedas correm muitas terras, & muitas mãos, fi-
ca mui exemplado o acerto, ou desconcerto dellas.
Assi q? hemos de seguir nisto os Latinos, & soom?-
te screuer cõ .y. as dições Gregas, de que vsamos no
Hespanhol, em q? v? a dicta letra, & não as original-
m?te Latinas, ou Hespanhoes, como: Hieronymo,
Hippolyto, hydropico, crystal, myrrha, mysterio,
& outros infinitos, q? os versados na l?goa Grega sabe-
rão. Dos quaes poerei, os q? pod? vir sob certa regra:
como são todos os cõpostos desta preposição, syn, q?
quer dizer cum, & acerca de nos, cõ, como: syllaba
syllogismo, synagoga, syncopa, syndico, synodo.
Item os nomes deriuados de chrysos, q? quer dizer
ouro, como Chryseis, Chrysippo, Chrysogono,
Chrysostomo.
Item os deriuados de pyr, q? quer dizer fogo, como
Pyreneo, pyramis, Pyramo, Pyrrho, & pyropo.
Item os deriuados de lycos, que quer dizer lobo,
como Lycaon, Lycaonia, Lycómedes.
fol. 21v
Item os deriuados de poly, que quer dizer muito,
como polypus, Polycrates, Polydoro.
Item os deriuados de hydor, que quer dizer agoa,
como hydria, hydra, hydropico, hydropesia.
Item os deriuados de physis, que quer dizer na-
tureza, como physico, metaphysico, & physiono-
mia, por o qual os idiotas dizem phylosomia.
Item os compostos da preposição hyper, que quer
dizer, super, ou vltra, como hyperbole, hyperbatõ,
hyperboreus.
Item os compostos de hypo, que quer dizer sub,
como hypocrita, hypotheca.
No que se deue aduertir, que todalas vezes, que a
dição se começar em .y. sempre vai com aspiração,
como nos exemplos acima dictos.
Item há alg?us nomes Latinos, a que dão origem
Grega, que se screuem com .y. como sylua, de hy-
le, & consyderar de sydus. O que em cõsiderar não
admittiria, porq? sidus he nome Latino (como diz
Macrobio sobre o sonho de Scipião) & diz se de si-
do, que quer dizer star fixo, que he mais verisimel
etymologia, que a que lhe dão de syn, & de eidein,
palauras Gregas, que querem dizer juntamente
veer.
fol. 22r
Polo que fique por regra, q? toda a dição screuamos
per .i. Latino, tirando os vocabulos Gregos, em que
entra .y. porq? da mesma maneira os screueremos.
Z.
Z. Não he h?a soo letra, mas abbreuiação, ou figu-
ra de duas letras, como o .x. porque se compre-
hendem nesta figura .s. & .d. Porque assi pronun-
ciauão os Gregos, & Latinos, Zacynthos, como se
screuerão Sdacynthos. E a mesma pron?ciação te?
Ezrás, que Esdrás. Mas com o t?po, perdeo se a pro-
pria pronunciação desta letra, que os antigos lhe da-
uão, & damos lha agora per h?a maneira, que soa en-
tre .s. & .ç. A qual letra, porque muitos vulgares a
confundem com o .s. & aas vezes com .ç. poerei al-
g?us lugares, onde a deuemos vsar. E cõ ella screue-
remos todolos nomes patronymicos Portugueses,
como de Aluaro, Aluarez. de Nuno, Nunez. de Pe-
dro, Pirez. de Antonio, Antunez. de Paio, Paaez.
de Garcia, Garcez. de Martinho, Mart?jz. de Ro-
drigo, Rodriguez. de Rui, Ruiz. de Lopo, Lopez.
de Tello, Tellez. de Gonçalo, Gonçaluez. de Men-
do, Mendez. de Vasco, Vaaz. Lainez, de Lain. Ber-
mudez, de Bermudo. de Henrique, Henriquez. de
fol. 22v
Ximeno, Ximenez. de Diogo, Diaz. de Ioanne,
Ianez, ou Ianes. de Marcos, Marquez.
Item se screuem com esta letra, os nomes femini-
nos denominados, d'outros desta figura: auareza,
largueza, fraqueza, simpleza.
Item todolos nomes, que na vltima syllaba teem
a. com o acc?to nella, como: arganáz, cabáz, rapáz.
E os que significão augmento, ou abundancia, que
as mais vezes se tomão em maa parte, como: bebar-
ráz, ladrauáz, lingoaráz, truanáz, &c.
Item se screuem alg?s nomes, que teem accento,
& .e. na vltima syllaba, como, axedrêz, vêz, pêz,
feéz, treéz, & garoupéz. E estes são poucos: porque
os mais se screuem per .s. ainda que tenhão o accen-
to na vltima, como: Português, Ingrês, Marquês,
reués, conués, &c.
Item se screuem com .z. os nomes, que teendo .i.
na vltima syllaba, teem o acc?to nella, como: abuíz,
almofaríz, chafaríz, chamaríz, codorníz, juíz, per-
díz, raíz, verníz.
Item os nomes, que teem da mesma maneira na
vltima o acc?to, & .o. vogal, como: albornóz, algôz,
arrôz, atróz, Badaióz, Estremôz. E os monosylla-
bos .s. de h?a soo syllaba, que teem o accento agudo,
fol. 23r
como: coz, foz, noz, voz, tirando nos, & vos pro-
nomes, que se screuem com .s.
Item os nomes que teem .u. na mesma vltima
com accento, como: alcaçuz, arcabuz, Andaluz, al-
catruz, Ormuz, cuscuz. E as dições de h?a syllaba,
como cruz, luz: tirando a primeira pessoa do prete-
rito perfecto, do verbo, ponho, que he pûs, que se
screue com .s.
Item se screuem com esta letra, as terceiras pessoas
destes verbos, & seus descend?tes: faz, diz, jaz, traz,
como: fazia, dizia, jazia, trazia . fazer, dizer, ja-
zer, trazer.
Item estes nomes numeraes, dez, onze, doze, treze
quatorze, quinze, dezaseis, dezasete, dezoito, deza-
noue. dozentos, trezentos. Mas quatrocentos, & os
mais ate mil, se screuem per .c.
Item se ha de notar, que por esta letra em si ser do-
brada, se não pode dobrar na scriptura. Polo que he
grãde abuso o dos Italianos, os quaes todalas vezes,
que o .z. vem entre duas vogaes, o dobrão, & dizem,
vaghezza, bellezza, dolcezza. O que não pode ser: porq? os
dous .zz. te? força de quatro consoantes, q? não teem
vogaes, a que vão atadas. Saluo se dixerem, q? esta le-
tra perdeo a propria pronunciação antiga das letrasdobra-
fol. 23v
das, & que agora he h?a specie de .s. que dobrado
vem dar no nosso .ç.
Til.
TIL não he letra, mas h?a linha & abbreuiatura,
que se põe sobre as dições, com que supprimos
muitas letras. Dõde veo chamar se til, que quer di-
zer titulo, como se vee nesta palaura, misericordia,
que abbreuiando a com o til, escusamos todas estas
letras. isericord. screuendo assi, m?a. & assi outras
muitas letras em outras palauras, como, bispo,
apostolo, tempo, bp?o, aplõ, tp?o. Mas o mais fre-
quente vso desta abbreuiatura, he seruir de .m.n.
A qual sendo a todas nações, que della vsão, volun-
taria, a nos he necessaria, quando com ella suppri-
mos o .m. com que formamos alg?us diphthõgos.
E a causa desta necessidade he, que a razão da ortho-
graphia, em todalas lingoas, requere, quando en-
tre duas vogaes vem h?a consoante, que sempre essa
consoante va com a vogal seguinte, como: amo,
Roma. As quaes dições he manifesto, que se hão de
screuer assi, a-mo. Ro-ma. Mas acerca de nos,
ha h?a peculiar, & propria pronunciação, & estra-
nha das outras nações, que em alg?as dições, onde
fol. 24r
o .m. vem entre duas vogaes, pronunciamolo de ma-
neira, que fica com a vogal precedente, & não com a
seguinte. A qual pronunciação de .m. não he perfe-
cta, nem inteira. Polo que não sem razão, o chama-
remos liquido, porque fica mais apagado, & froxo,
que quando vai com a vogal seguinte, como se vee
nestas palauras, Alemam-o, capitam-o. Onde as-
si soa o .m. como se ficasse com o .a. precedente, sem
ferir no .o. que se segue.
E por assi ser liquido este .m. & não ferir a vogal
seguinte, & ainda soar pouco, dá lugar, que as duas
vogaes, em que elle interuem, se aj?tem sempre em
diphthongo, fazendo h?a soo syllaba, ainda que as
vogaes ambas sejão de hum genero. Polo que para
denotarmos esta differença, de quando vai com a vo-
gal precedente, & he assi froxo, o screuemos neces-
sariam?te per a dicta abbreuiatura, por não teermos
outra letra, cõ que o representemos. E assi dizemos,
Alemão, capitão, falcões, belegu?js.
E a causa d'esta pronunciação he, por a proprieda-
de da nossa lingoa Portuguesa, que sempre põe .m.
no fim das dições, onde os Castelhanos põem .n. Po-
lo q? dizendo elles, hermano, hermana, lana, era ne-
cessario, q? dixessemos, hermamo, hermama, lama,
fol. 24v
que ficaua em outra forma, & mui desuiado da ra-
zão, & analogia Latina, & Hespanhol, a que a nossa
lingoa sempre teem respecto. E por tanto fazendo
aquelle .m. liquido, ficamos imitando a pronun-
ciação, & analogia da lingoa Castelhana, & não fo-
gindo da Latina, & guardãdo a propriedade de nos-
sa lingoa, de fugir o .n. & dizemos irmão, irmãa,
lãa. E assi respondemos com o .til. a todolos voca-
bulos Castelhanos, que se acabão em .n. como ma-
is largamente diremos, em o capitulo dos diph-
thongos.
DA AFFINIDADE, QVE
alg?as letras teem entre si, & como se con-
uertem h?as em outras.
AS letras entre si teem h?as com as outras
muita semelhança, & affinidade, & por tã-
to facilmente se corrõpem & mudão h?as
em outras, não soomente de h?a lingoa a outra, mas
em h?a mesma lingoa. Polo que teendo noticia de-
sta semelhança, & mudança, que fazem de h?as em
outras, facilmente viremos dar cõ a origem dos vo-
cabulos corruptos. O q? muito serue, para saber a pro-
priedade das palauras, & verdadeira scriptura dellas.
fol. 25r
A. primeiramente se muda em .e. como de alacris
alegre. factus, feito. amaui, amei. & aas vezes ? .o.
como são todolos diphthongos de .au. em .ou. co-
mo de aurum, ouro. de laurus, louro. de taurus,
touro. de caulis couue. por Autumnus, outomno.
E (por não gastar t?po) todos os mais vocabulos,
em que este diphthongo .au. entra, tirãdo author,
authoridade, aução, caução, causa, agouro, Ago-
sto, Agostinho, & poucos mais.
B. mudase em .u. como de debeo, deuo. de caballus,
cauallo. de cibus, ceuo. E aas vezes em .p. como de
rabosa, raposa.
C. mudase em .g. como de caecus cego. locusta, la-
gosta. secretum segredo. periculum, perigo. & tã-
b? em .z. como de rec?s, rezente. de sarcio, sarzir.
de faço, fazer. de jaço, jazer.
E. mudase em .i. como de legi, lij. feci, fiz.
F. mudase em .b. como de rafanus, ou raphanus, ra-
bão. de fremo, bramo. E muda se em .u. com que
teem mais parentesco, como teemos dicto, como
de ruffus, ruiuo. de trifolium, treuo.
G. mudase em .c. como de gammarus, cãmarão. de
Gades, Calez. E o .gn. corrompe se em .nh. como
de lignum, lenho. de pignus, penhor.
fol. 25v
I. mudase em .e. como de cibus, ceuo. de pica, pega.
de bibo, bebo. de lign?, lenha. de pignus, penhor.
L. corrompese em .r. como de blandus, brando. de
clauus, crauo. E quãdo vem despois de .c.f.p. cor-
rompe se em .ch. como de clauis, chaue. de flam-
ma, chama. de plaga, chaga.
O. corrompese em .u. como de locus, lugar. de co-
gnatus, cunhado, ainda que em errada significa-
ção. de constare, custar.
P. corrompese em .b. como de prunum, brunho. ca-
pra, cabra. capillus, cabello. pustula, bustella.
Q. em .ç. como laqueus laço: & aas vezes em .z. co-
mo de coquus, cozinheiro. de coquo, cozo, por co-
zer no fogo. Porque por coser com agulha, de cõ-
suo, dizemos per .s. Outras vezes em .g. como de
aquila, aguia. aqua, agoa.
S. mudamos em .ç. como de succus, çumo.
T. corrompese em .d. como de amatus, amado. de
de auditus, ouuido. de fatum, fado.
V. vogal corrompese em .o. como de vnda, onda.
musca, mosca. nurus, nora. lupus, lobo. vmbra,
sombra.
X. corrompese em .z. como de nux, noz. de pax,
paz. de vox, voz.
fol. 26r
DOS DIPHTHONGOS
da lingoa Portuguesa.
DIphthongo he hum ajuntamento, ou cõ-
curso de duas vogaes, q? guardão sua força
em h?a soo syllaba: & he palaura Grega,
que quer dizer dobrado som. E todalas lingoas te?
seus diphthongos proprios, & alg?as te? triphthõ-
gos, que quer dizer, ajuntamento de tres vogaes
em h?a soo syllaba, como se vee nestas palauras Frã-
cesas, veau, beau & nestas Castelhanas, buei, bueitre, vaiais.
E estes diphthongos se formão em cada lingoa de
differentes maneiras, & per diuersos ajuntamentos
de vogaes. Item h?as nações teem mais diphthon-
gos, & outras menos. Porque os Gregos vsão de.
XII. & os Latinos de VI. s. ae. au. ei. eu. oe. yi. Posto
que antigamente tinhão .X. dos quaes se forão es-
quecendo quatro. Mas em nossa lingoa há XVI. di-
phthongos .s. ãa, ãe, ai, ão, au, ?e, ei, eu, ?j, oa, oi,
õe, õo, ou, ui, ?u. Dos quaes teemos tres comm?us
com os Latinos .s. au, ei, eu. & outros tres com-
m?us com os Castelhanos .s. ai. oi. ui. E .X. são
peculiares nossos, & não d'outra alg?a nação .s. ãa,
ãe, ão, ?e, ?j, oa, õe, õo, ou, ?u.
fol. 26v
O primeiro diphthongo he .ãa. que he h?a com-
posição de dous .aa. com hum til, em que se acabão
muitos nomes femininos, que se não pod? screuer
com as letras directas dos Latinos, que são as do nos-
so alphabeto, de maneira que fiquem scriptas, como
as nos pron?ciamos. Porque se screuerem, irmam,
romam, lam, vão dar em outro soido mui diffe-
rente. Porque ficão soando, quasi como irmão, ro-
mão, lão. E não faz dizer, que com hum .a. & com
hum til, representarão o som, q? nos pronunciamos,
& que se escusará o inconueniente, de formar hum
diphthongo de duas uogaes semelhantes. Porque
esse til, assi soa no fim da dição, como .m. ou .n. por
ser abbreuiatura das dictas letras.
Item se ha de aduertir, que os nomes femininos,
que em Portugues se acabão em .ãa. teem a mesma
differença de seus masculinos acabados em .ão. que
teem os Latinos acabados em .ana. dos acabados em
anus, ou .ano. se são Italianos, ou Castelhanos, & a
mesma analogia, & proporção guardão. Polo que
assi como dizemos, germanus, ou germano, & ger-
mana, mudada a terminação significatiua do gene-
ro masculino de .us. ou .o. em a feminina de .a. assi
esta palaura fica na mesma regra, acabãdo em .a. por-
fol. 27r
que o til, que se põe em irmão, não he sobre o .o.
que he a derradeira letra, senão sobre o .a. que he
a penultima, como teemos dicto no capitulo do
Til. O qual mettendose no meo, faz aquelle vin-
culo de duas letras, que he o diphthongo. Assi que
irmaã, hauendo de guardar a mesma analogia, de-
ue se screuer mudada soo a terminação do .o. em .a.
E desta maneira fica o .a. dobrado.
O .II. diphthongo he .ãe. em que se acabão os no-
mes pluraes, cujos singulares se acabão em .ão. co-
mo capitães, gauiães, Alemães, & outros infinitos,
que pelo vso se sabem, posto que outros faz? os plu-
raes em .ãos. como cidadãos, villãos, aldeãos, & ou-
tros em .ões. como cordões, roupões, quinhões, co-
mo vereis abaxo no quarto diphthongo.
O .III. diphthõgo he .ai. como: gaita, bailo, Cai-
ro. As quaes duas vogaes .a. & .i. podem concorrer
em h?a mesma dição, sem formar diphthongo, &
fazer cada h?a syllaba per si, como rainha, bainha,
cair. O que se conhece, que quãdo não he diphthõ-
go, vai sempre o accento no .i.
O .IIII. diphthongo he .ão. o qual he o mais fre-
quentado da nossa lingoa, & sobre que ha mais o-
piniões, & duuida, em que lugares se ha de vsar. Por-
fol. 27v
que h?us indistinctamente o vsão, & o confundem
com esta terminação .am. não fazendo de hum a
outro differença alg?a. O que he erro manifesto.
Porque no fim das palauras, que acabamos com esta
pronunciação, achamos hum sabor de .o. que não
achamos no fim da primeira syllaba desta palaura,
campo. E he manifesto (como diz Prisciano, refe-
rindo a Plinio) que o .m. no principio da dição dá
hum som claro, & no meo mediocre, & no fim mui
obscuro, & apagado. De maneira que se nossas di-
ções acabassemos em .am. soarião mui mais apaga-
damente, do que soa a primeira syllaba de cam-po.
E nos pelo contrario, nas dictas dições sentimos h?
som muito descuberto, & mui desuiado de .m. que
o não podemos exprimir, & representar, senão com
o nosso diphthongo .ão.
De maneira que com este diphthongo hemos
de screuer necessariamente as terceiras pessoas do
plural do indicatiuo modo, da primeira conjugação
dos Portugueses, como amão, accusão. It? as tercei-
ras pessoas do plural de todolos verbos, de qualquer
cõjugação, do preterito imperfecto, como amauão
tinhão, ouuião. Item as terceiras pessoas do plural,
do preterito perfecto, de todolos verbos indistincta-
fol. 28r
mente como amárão, lérão, ouuírão. Item todas as
terceiras pessoas do futuro de todas as conjugações,
como: amarão, screuerão, ouuirão com o acc?to na
vltima. Item todalas terceiras pessoas do impera-
tiuo modo do plural dos verbos da segunda, & ter-
ceira conjugação dos Portugueses, como: leão, ou-
ção. Item as terceiras pessoas do futuro do optati-
uo modo da segunda, & terceira cõjugação, como:
oxala leão, oução. Item as mesmas pessoas do pre-
sente do conjunctiuo, como: leão, oução.
Finalmente, com o dicto diphthõgo se hão de scre-
uer, na final terminação, todolos nomes, q? vulgar-
m?te se screuem per .am. diz?do, capitão, Alemão,
galeão, taballião, se queremos screuer, como pron?-
ciamos. De maneira que nenhum nome, nem ver-
bo se screua no fim per .am. que he pronunciação
alhea, da q? nos damos aos dictos vocabulos. E qu?
quiser veer a pronunciação propria de .am. & quam
differente he, da que damos aos dictos vocabulos as-
si acabados, coteje a primeira syllaba desta palaura
cam-po, com a final desta palaura, falcam. A qual
pronunciação, de nenh?a outra maneira podemos
representar, senão assi, falcão. Polo que per .am. me
não atreueria screuer outras palauras, senão aquel-
fol. 28v
las, tam, & quam, que dos Latinos nos ficarão in-
teiras, & aquellas syncopadas, gram, por grande,
quando se segue consoante, &, sam, por sancto: por
as quaes alg?us screuem, grand, & sanct.
E a razão d'os dictos vocabulos se não screuerem
per .am, & succeder aquelle diphthongo, em lugar
das dictas letras, segundo tenho aduertido, he a ana-
logia, & respecto, que a lingoa Portuguesa vai te?do
com a Castelhana, que sempre onde a Castelhana
diz, an. ou .on. que he sua particular terminação,
responde a Portuguesa com aquella pronunciação
de .ão. que succede em lugar da antiga terminação
dos Portugueses de .om. q? punhão em lugar do .an.
ou .on. dos Castelhanos. A qual ainda agora guar-
dão alg?us hom?es d'entre Douro & Minho, & os
Gallegos, que dizem, fizerom, amarom, capitom,
cidadom, taballiom, appelaçom. O qual respecto,
& analogia, se guardão em muitas palauras, h?as
lingoas a outras, como se vee nas lingoas, Latina,
Thoscana, Castelhana, & Portuguesa, em muitos
nomes, que começão em letra muta com liquida,
que sempre vão em h?a proporção, respondendo
h?as lingoas a outras, como se vee nestes exemplos
seguintes.
fol. 29rLatino.
Italiano.
Castelhano.
Portugues.Clamare.
chiamare.
llamar.
chamar.
clauis.
chiaue.
llaue.
chaue.
flamma.
fiamma.
llama.
chama.
plaga.
piaga.
llaga.
chaga.
planus.
piano.
llano.
chão.
plenus.
pieno.
lleno.
cheo.
pluma.
piuma.
pluma.
chumaço chumella
pl?bum.
piombo.
plomo.
chumbo.
pluuia.
pioggia.
lluuia.
chuiua.
pluit.
pioue.
llueue.
choue.
plantago.
plantagine.
llanten.
chantag?.Nos quaes ex?plos de industria me quis deteer, para
saberem os lectores, q? pela analogia, & correspõden-
cia, de h?as lingoas a outras, podem saber a origem
de muitos vocabulos, que per outra maneira não po-
derião alcançar: & para veerem per esta semelhãça,
a razão do nosso diphthongo .ão. que sempre vai res-
pondendo ao .n. dos Castelhanos, & dos Latinos, &
Italianos, como ao amarunt Latino, amarono Ita-
liano, amaron Castellano, o amarão, Portugues.
Mas porque alg?us, que se não prezauão de maos
fol. 29v
Portugueses vierrar, & embaraçar se, no formar dos
pluraes destes nomes, cujos singulares se acabão em
ão: & h?s diz?, villões, & outros villãos, cidadões, &
Alemões, quero lho poer em arte, para quãdo duui-
dar?. E tenhão esta regra: q? vejão esse nome acabado
em .ão. como acaba acerca dos Castelhanos no singu-
lar. Porq? se acaba em .an. faz o plural acerca d'elles
em, anes, como: capitan, capitanes, gauilan, gauila-
nes, Aleman, Alemanes. E assi forma sempre, sem
excepção alg?a, o Portugues o singular em .ão. & o
plural em .ães. dizendo de capitão, capitães, de ga-
uião, gauiães, de Alemão Alemães: & assi os mais.
Mas se acerca dos Castelhanos, o singular que o
Portugues forma em .ão. se forma em ano, como vi-
llano, ciudadano, aldeano, de que elles formão o seu
plural em, anos, o nosso plural seraa em, ãos. E assi
como elles dizem, villano, villanos, ciudadano, ciu-
dadanos, aldeano, aldeanos. diremos nos, villãos,
cidadãos, aldeãos.
Mas se o singular acerca dos Castelhanos he ? .on. se-
rá o nosso em .ões. E assi como elles diz? sermon, ser-
mones, opinion, opiniones, coraçon, coraçones, assi
diremos nos sermão, sermões, opinião, opiniões, co-
ração, corações. Porq? nisto, & ? muitas cousas outrasfol. 30r
que por breuidade deixo, t?e respecto, & correspõ-
dencia a lingoa Portuguesa aa Castelhana. D'onde
vem, que dizemos por o seu, can, canes, cão, cães: &
por o seu, cano, canos, cão, cãos.
Porem se os vocabulos em .ão. são meros Portu-
gueses, ou comm?us a outras lingoas, & os não há
em Castelhano, sempre se acabará a voz do plural
em .o?s. como patacão, patacões, tecelão, tecelões,
follião, folliões. Porque se t?e nisto respecto, que as
palauras, que se agora acabão na lingoa Portuguesa
em .ão. se acabauão todas antigamente em .om. co-
mo acima stá dicto. E pelo costume (que nisto sem-
pre hemos de seguir) ficárão fora das dictas regras,
taballiães, & scriuães, que por a dicta analogia, hou-
uerão de fazer, taballiões, & scriuãos. E tãbem ficão
fora desta regra estes indifferentes, cidadãos, & ci-
dadões, de cidadão, villãos, & villões, de villão.
O V. dipthongo he .au. com que se screuem os
nomes Latinos, que ficarão incorruptos na nossa
lingoa, como author, authoridade, Aurelio, causa.
Mas bem podem concorrer estas duas vogaes, sem
formar diphthongo, & ir cada letra per si, & fazer
syllaba, como em saúde, alaúde, ataúde. O que se co-
nhece no accento, que vai no .u.
fol. 30v
O .VI. diphthongo he .ei. como geito, feito, Rei.
As quaes letras podem outro si cõcorrer, sem se coa-
lharem em diphthongo, como em Deíphobo, Deí-
phile. O que se conhece pelo accento q? vai no .i.
O .VII. diphthõgo he, ?e. q? vem nos nomes plu-
raes, cujos singulares se acabão em .em. b?, b?es, vin-
t?, vint?es. Os quaes pluraes, se não pod? formar ?
nossa lingoa, sem o vinculo do .til. q? liga os dous .ee.
por não dizermos, bemes, como a razão & analogia
da nossa lingoa pedia, n? benes, como Castelhanos.
O .VIII. diphthõgo he .eu. como Euphrates, Eu-
genio, meu, teu, seu. O qual concurso de letras pode
tambem fazer suas syllabas separadas, sem se diph-
thõgarem, como, ceúmes, teúdo, mãteúdo, meúdo.
O que se conhece no accento que vai no .u.
O .IX. diphthõgo he, ?j, o qual v? necessariamente
nos pluraes dos nomes, cujos singulares se acabão ?
im. como malsim, mals?js. roim, ro?js. beleguim, be-
legu?js. Os quaes se não pod? formar sem o dicto di-
phthõgo, como teemos dicto no diphthõgo .?e.
O .X. diphthongo he .oa. q? vem despois do .g. em
lugar do .u. liquido, que vinha em vocabulos Lati-
nos despois do .q. como de aqua, agoa. equa, egoa.
lingua, lingoa. & em outros meros Portugueses, co-
fol. 31r
mo fragoa, ou corruptos, & cõtractos, como de ma-
cula, magoa. Mas quando se o accento põe no .o. que
denota diuisão da syllaba, não forma diphthongo,
como Lisbôa, borôa, azambôa.
O .XI. diphthongo he .oi. como noite, coiro. Mas
não sempre se estas letras aj?tão em h?a syllaba, for-
mando diphthõgo: porq? muitas vezes se diuidem,
como em soidade, soido, arroido, moinho, & outros
muitos. O q? se conhece no accento, que vai no .i.
O .XII. diphthongo he .õe. como cordões, rou-
pões, quinhões.
O .XIII. diphthongo he .õo. q? vem para forma-
ção dos nomes pluraes, cujos singulares se acabão ?
om. como, bom, tom, som, Dom. Porq? dizemos,
bõos, tõos, sõos, Dõos, pela razão, que deemos no
diphthõgo. VII. E de caminho l?bro aos lectores, q?
esta palaura Dom, quãdo faz Dõos, he prenome de
nobreza, q? vem de dominus, & quãdo significa be-
neficio, ou doação, q? vem de donum, faz dões, pela
razão da analogia, q? deemos no .IIII. diphthõgo.
por o qual diz? os outros Hespanhoes, don, dones.
O .XIIII. diphthongo he .ou. q? succedeo acerca
de nos, em lugar do .au. dos Latinos. Porq?, por o que
elles dizião aurum, dizemos nos ouro, & por laurus,
fol. 31v
louro. & por raucus, rouco. & assi os mais.
O .XV. diphthõgo he .ui. como, muito, cuidado,
ruiuo. As quaes duas vogaes pod? ir desatadas, sem
fazer diphthongo, como Luis, ruina.
O .XVI. diphthõgo he .?u. q? serue para formação
dos nomes pluraes, cujos singulares se acabão em
um. como de vaccum, vacc?us. de atum, at?us, pela
dicta razão do .VII. Diphthongo.
E não serão diphthongos, senão as vogaes, que se
coalhão, & ajuntão em hum soido, fazendo h?a syl-
laba. No que muitos teem errada opinião, cuidan-
do, que são diphthongos, quando concorrem estas
vogaes .ae, como amae .ao, como pao .ea, como cea.
eo, como ceo .ia, como Maria .ie, como frieira .io, co-
mo rio .oë, como poëta .üa, como rua .üe, como
crueza .üo, como nuo .üu, como muü. Porque a ore-
lha nos ensina, que são letras soltas, & sem vinculo,
que fazem cada h?a per si syllaba, posto que breues,
por serem vogal ante vogal: & que em verso, quan-
do fosse necessario, facilmente se poderião fazer de
duas ? h?a syllaba, per a figura chamada syneresis,
como em o concurso de alg?as das dictas vogaes se
pode veer, ? os Poetas Thoscanos, & Hespanhoes.fol. 32r
DAS SYLLABAS, E DIÇÕES.
SAbida a qualidade, & natureza das letras,
fica tractarmos, que cousa he syllaba. Por-
que das letras constão as syllabas, & das
syllabas as dições, ou palauras. Qua as syl-
labas são partes das dições. E syllaba he hum vincu-
lo, & ajuntamento de letras, que se pron?cia debaxo
de hum spiritu, & hum accento. E dizse de syllam-
bano, verbo Grego, que quer dizer comprehendo.
E a syllaba, em quãto he parte de dição, carece de sen-
tido, & significação. Porque dizendo templo, q? he
dição, entendemos que quer dizer, casa de oração.
Mas separada per si esta primeira syllaba, tem, não
quer dizer nada, nem menos a final, plo. Mas bem
podia h?a syllaba, & h?a soo letra, ser dição, & teer
significado, como, vou, vas, &, i, por ide, seg?da pes-
soa do imperatiuo modo. Porque então não signi-
fica em quanto syllaba, senão em quanto dição aca-
bada. Mas este ajuntamento de letras, a que chama-
mos syllaba, não pode ser, sem interuir alg?a vogal,
com que as consoantes vão ligadas. E h?as syllabas
são de menos letras, outras de mais, & outras de h?a
soo letra, & essa necessariam?te, há de ser vogal. Por-fol. 32v
que as consoantes não podem fazer syllaba per si.
E por isso se chamão vogaes, porque per si sem con-
soante, pod? soar, & fazer syllaba. E a que he de h?a
soo letra, não he propriamente syllaba, mas abusiua-
mente se chama assi. De maneira que pode hauer
syllaba de h?a letra, de duas, de tres, de quatro, &
de cinquo, como se vee nesta palaura, a-ua-ren-to.
de que a primeira syllaba, he de h?a letra, a segunda
de duas, a terceira de tres. E como na primeira syl-
laba desta palaura, scripto, que he de quatro, & na
palaura Latina, scrobs, que he de h?a syllaba, & cin-
quo letras. Item pode começar a syllaba pela vogal,
como auarento, & pode preceder a vogal h?a con-
soante, como, Deos, & pod? preceder duas como,
prado, & tres, como, scripto.
DAS LETRAS EM QVE AS
syllabas podem acabar no meo
das dições.
EM todas vogaes, & diphthõgos, se pode
acabar h?a syllaba acerca de nos, tirando
os diphthongos .ãe. a que necessariam?-
te accrescentamos .s. porque não serue,
senão no numero do plural de alg?us nomes: tirã-
fol. 33r
do o diphthõgo .ão. no meo das dições, pelas razões,
que deemos acima, onde tractamos delle. Polo q? er-
rão, os q? screuem cãopo, & brãoco, & outros assi.
Em .b. pode acabar a syllaba, se a que se segue co-
meçar em outro .b. como abbade, gibba, gibboso,
sabbado. Saluo se são dições Latinas, compostas cõ
estas preposições ab, ob, sub, porq? seguindose vogal,
acaba a syllaba em .b. como de obedio, ob-edeço,
ab-ortiuo, ab-ominauel, ab-undante, ab-orreço, &
tirando absente, obscuro.
Em .c. pode acabar a syllaba, seguindo se outro .c.
ou .q. como Bac-cho, vac-ca, vac-queiro, ac-quirir.
Em .d. não há syllaba de dição simplez, q? se acabe,
senão composta, como, addição.
Em .f. não se acaba syllaba de alg?a dição simplez,
senão das compostas, quando em lugar de .b. d. s. x.
derradeiras letras das preposições, entra o .f. como
em sufficiente, affeição, difficil, effecto.
Em .g. da mesma maneira não se acaba syllaba al-
g?a de dição simplez, se não das compostas, quando
se muda a letra final da preposição em .g. como ag-
grauar,
Em .h. não acaba syllaba alg?a em meo de dição.
Em .k. não acaba syllaba, porque he letra ociosa,
fol. 33v
& que não serue.
Em .l. se pode acabar a syllaba, ainda que se sigão
quaesquer consoantes, tirando .k. x. z. que nunqua
se seguem despois do .l. como, albarrada, alcofa, col-
dre, alfaça, Algarue, aljaba, collo, olmo, alno nome
de aruore, culpa, alqueire, palrar, salsa, alto, caluo.
Em .m. se pode acabar a syllaba, se a seguinte co-
meçar em b. m. p. como ambos, comm?tario, tem-
po, & quando a syllaba de .m. he de composição, co-
mo circumcisão, circumflexo, circumferencia, ain-
da que não se siga alg?a das dictas tres letras. Posto q?
alg?us na composição, mudão o .m. em .n. & diz?
circuncisão, circunflexo.
E se em alg?a dição se ajuntar o .m. cõ .n. o .m. irá
ligado com a syllaba seguinte: & não se acabará a syl-
laba nelle: como autu-mno. da-mno. de que a diã-
te no capitulo seguinte faremos menção.
Em .n. se pode acabar h?a syllaba, se a seguinte co-
meçar em .c. d. f. g. n. q. r. s. t. & em .j. & v. con-
soantes como, cancella, Conde, inferir, manga, can-
na, nunqua, honra, conselho, tentar, conjurar, con-
uerter. O q? muito se deue encomm?dar aa memo-
ria, por os erros em que caimos, screuendo .m. an-
tes das dictas letras.
fol. 34r
Em .p. não pode acabar syllaba alg?a, senão come-
çando a seguinte tãbem em .p. como, ceppo, poppa,
supplicar.
Em .q. se não acaba syllaba, nem dição alg?a.
Em .r. se pode acabar a syllaba, ainda que se siga
qualquer consoante, como, orbe, arca, arder, garfo,
Margarida, marlotar, arma, carne, corpo, arquibã-
co, serra, verso, arte, Xerxes, Aribarzanes. E ante
.i. & .u. consoantes, como, perjuro, aruore.
Em .s. não se acaba syllaba alg?a em meo de dição
simplez, senão seguindose outro .s. como passo,
spesso. Porque quando se segue .c. m. p. t. como em
pascoa, cosmographia, prospero, testemunha, vai o
s. ligado com a consoante seguinte, por serem letras
compatiueis, como a diante se dirá.
Em .t. se não pode acabar syllaba alg?a, se não
seguindo se outra, que comece na mesma letra, co-
mo, gotta, metto, admitto, prometto.
Em .x. nenh?a syllaba se pode terminar, tirando
sexto, texto, dextra, mixto.
Em .z. não se acaba syllaba alg?a em meo de di-
ção, porque sempre he principio de syllaba, como,
Zacyntho, Zephyro, gozo.fol. 34v
DAS LETRAS, EM QVE SE PODEM
acabar as dições da lingoa Portuguesa.
AInda que as syllabas se possão acabar nas
dictas letras, no meo das dições, no fim
dellas não he assi. Porque soomente se po-
dem acabar nestas. Primeiramente, em
as vogaes Latinas, como, serua, serue, seruí, siruo,
tu. E nos diphthongos todos, tirando .au. ?e, ?j,
?u, ãe, em que se não pode acabar dição, como, pai,
irmãa, irmão, Rei, meu, agoa, põe, boi, bõo, grou,
fui. E nestas consoantes .l. m. r. s. z. como.Cardeal.
anel.
barril.
Sol.
azul.
tam.
tambem.
malsim.
com.
Vaccum.
fallar.
screuer.
ouuir.
senhor.
Artur.
Æneas.
Achilles.
Paris.
Marcos.
Mattheus.
rapaz.
axedrez.
Codorniz.
voz.
luz.Mas se forem dições peregrinas, trazidas ao vso da
nossa lingoa, podem se acabar em outras letras .s.
em .b. como Iob. em .c. como Melchisedec. em .d.
como Dauid. em. g. como Agag. em .n. como Sion.
em .ch. como Lamech. em .ph. como Ioseph. em
th. como Nazareth.fol. 35r
DA DIVISÃO DAS DIÇÕES, E
como se deuem separar as syllabas.
SOletrar bem as palauras, & cortalas em
partes de maneira que vaa cada parte, ou
syllaba cõ suas letras, he cousa mais dif-
ficultosa, do que parece, & que alg?us, dos
que hão de teer esta minha empresa por baxa, não sa-
bem. Polo q? deuem sempre de trabalhar os q? scre-
u?, por acabar no fim de cada regra, as dições, para q?
as não diuidão & acabem no principio da regra se-
guinte, assi por o sentido se não distrahir, como
por a maa diuisão, que fazem alg?us, esfarrapando
as syllabas, como os maos trinchantes, quando não
acertão com a juntura, do que querem cortar. D'on-
de veo, que o Emperador Octauio Augusto, prin-
cipe doctissimo, nas cartas, que screuia de sua mão
(como conta Suetonio Tranquillo na sua vida) por
não fazer alg?a maa repartição de letras, soia s?pre
acabar as regras com as palauras inteiras. E para sa-
ber diuidir as palauras, & dar a cada syllaba suas le-
tras, teerão as regras seguintes.
Presupponhão primeiramente, que nenh?a vo-
gal em palaura Portuguesa, pode teer ante si mais q?
tres consoantes, como, screuo, nem despois de si,
fol. 35v
mais que h?a: saluo em alg?a palaura contracta, &
abbreuiada, como alg?us screu?, sanct, por sancto,
quando se ajunta a nome, que começa em consoãte,
como, sanct Pedro. O q? alg?us screuem per .m. Sam.
Item n?qua despois de h?a cõsoante, de qualquer
genero, se podem seguir duas outras consoantes ir-
mãas. Polo que erradamente screu?, conlluio, ou
traslladar, cõ dous .ll. & Henrrique, & honrra, com
dous .rr. Porque o .l. & .r. primeiros não fer? vogal,
nem são feridos, nem teem letra, a que se ajuntem.
E tal erro he o dos que dizem, Elrrei, começando
rrei, em duas letras de h?a sorte.
Item se há de presuppoer, q? toda letra muda, que
despois de si leua liquida, são ambas compatiueis, &
não se podem separar, como, ma-dre. ale-gre.
Isto presupposto, a primeira regra de diuidir as le-
tras, seja esta. Se na dição não há cõsoante entre h?a
vogal & outra, não há que fazer mais, q? acabar h?a
syllaba em vogal, & começar em outra vogal a ou-
tra syllaba, como, ce-o. De-os.
Se entre h?a vogal & outra há h?a soo consoante,
essa consoãte há sempre de ir com a syllaba seguin-
te, como, fa-ma. lu-me. ainda q? essa cõsoante se-
ja aspirada, como ba-nho. bata-lha. Porque .h.
fol. 36r
não he letra, senão figura de aspiração.
Se entre vogal, & vogal, há duas consoantes, & são
incompatiueis de se ajuntarem a h?a vogal, h?a das
consoantes ficará com a syllaba precedente, & outra
irá com a seguinte, como, fal-so. cam-po. par-te.
cor-po.
Se da mesma maneira, se ajuntarem duas conso-
antes ambas de hum genero, h?a dellas ficará com
a syllaba precedente, & outra com a seguinte, como
vac-ca. ab-bade. ad-dição. af-feiçoar. ag-gres-
sor. val-lo. flam-ma. an-no. cep-po. ter-ra.
pas-so. got-ta.
Se as duas consoantes forem compatiueis de se a-
ajuntarem, ambas irão sempre com a vogal seguin-
te, & nenh?a com a precedente, como di-gno,
re-gno. ho-spede. ca-sto. scri-pto.
Se entre vogal & vogal, vão mais q? duas consoan-
tes, hi ha moor trabalho, de saber, quaes letras vão
com a vogal precedente, & quaes com a seguinte.
Polo que he necessario saber, que letras são compa-
tiueis, de se ajuntar em h?a syllaba, para que concor-
rendo, as não apartemos. Porque ha alg?as consoã-
tes, que assi vão ligadas a outras, que não se podem
apartar, de que diremos por sua ordem.
fol. 36v
DAS LETRAS, QVE SE PODEM
ajuntar a outras, na composição das syllabas.
B Podese ajuntar a .d. como neste nome
bdelium de certa aruore. & como em
A-bdera cidade de Thracia. E pode se
aj?tar a .l. & a .r. como, Hi-blea. o-bra
& ante outras consoantes não se soffre.
C. podese ajuntar a .l. como, Hera-clito, & a .r. co-
mo ale-crim. & a .m. n. t. como nestes nomes
Al-cmena. Ara-cne. He-ctor. do-ctrina, & a
outras consoantes não se ajunta.
D. podese ajuntar a .r. como, pa-dre. a-dro. E em
alg?as dições peregrinas a .l. m. n. como Abo-
dlas, nome de hum rio. Ca-dmo. Aria-dna.
F. ajuntase a estas duas consoantes .l.r. como flam-
ma, fresco.
G. ajuntase a .l. m. n. r. como, e-gloga. au-gm?to.
di-gno. a-gro.
L. nunqua se ajunta a outra, que vá diante delle: mas
sempre elle vai despois destas letras mudas .b. c. d.
f. g. p. t. com as quaes fica liquido, como blasphe-
mo .claro. Abodlas. flãma. gloria. Platão. Atlante.
M. nunqua se põe na mesma syllaba antes d'outra
consoante, senão em alg?as palauras Gregas, &
fol. 37r
Latinas, seguindose .n. como, hy-mno. autu-
mno. da-mno. tirãdo a palaura Latina, hyems, q?
antes de .s. t?e .m. & alg?us nomes proprios pere-
grinos, como. Amri, Nemrot, Samson.
N. n?qua se põe antes d'outra consoante, mas antes
vai despois de alg?as, como, en-ten-di-men--
to. pneu-ma. Ara-cne. di-gno.
P. se pode ajuntar em h?a mesma syllaba antes de .l.
n. r. s. t. como disci-plina. Tera-pne. le-pra.
psal-mo. Hiem-psal. scri-pto. a-pto.
Q. não se põe antes d'outra consoante alg?a, porq?
necessariam?te leua despois de si hum .u. liquido.
E ainda despois desse .u. nunqua se segue outra cõ
soante, senão sempre vogal, nem o .q. se ajunta a
outra consoante, que vá antes delle.
R. não se põe antes d'alg?a consoante na mesma syl
laba, mas ella segue sempre as consoantes, como
vimos nos exemplos acima dictos.
S. podese ajuntar na mesma syllaba a .c. m. p. q. t. co-
mo screuer. scudo. fi-sco. Co-smo. spa-smo.
a-spereza. Ga-spar. me-squinho. e-squadrão
te-stamento.
T. podese na mesma syllaba ajuntar a .l. como A--
tlas. & a .m. como, Tmolus, por h? mõte de Sici-fol. 37v
lia. Ari-thmetica, & a .r. que he o mais cõmum
como, ma-trimonio. qua-tro.
V. consoante não se ajunta a outra alg?a consoante,
soomente na lingoa Portuguesa ao .r. nestas pala-
uras. la-urar. la-urador. li-ura. li-ure. li-uro. v. ure
& em nenh?a outra dição, que me lembre.
X. & Z. como são letras dobradas, não se ajuntão cõ
outras consoantes em palaura alg?a.
DA DIVISÃO DAS DIÇÕES
compostas.
SE a dição for composta, & a quiserem cortar pe-
la primeira syllaba, sempre as preposições, ou
particulas cõpositiuas, q? pola moor parte são de
h?a syllaba, saião com as letras com que entrarão,
ainda que a derradeira letra da particula composi-
tiua, stee conuertida em outra letra, por causa da cõ-
posição, como, cõ-stituir, pre-screuer, re-scri-
pto, re-stituição, de-scender, sob-stabelecer,
ap-pellar, an-notar.
E se se houuer de cortar pela segunda syllaba, &
a dição for composta de preposição, ou particula
outra de duas syllabas, cortarseão da mesma ma-
neira, saindo a preposição com as suas duas syl-
labas inteiras, ainda que a derradeira letra stee
fol. 38r
corrupta, & mudada em outra, por causa da com-
posição, como subter-fugio, super-fluo, circum-
ferencia, presup-posto.
DAS LETRAS, QVE SE
dobrão nas dições.
H?as letras se dobrão nas dições per natu-
reza das palauras: outras per deriuação:
outras per significação: outras per cor-
rupção: outras per variação: outras per
composição. Das que se dobrão per natureza, não
se pode dar regra: nem he cousa que consiste em ar-
te, senão em vso. Porque os vocabulos primitiuos,
forão compostos aa vontade, de quem os inuentou.
Polo que não se pode dar rezão, porque este nome,
gotta, teem dous .tt. ou cauallo, dous .ll. Mas com
o vso, & conhecim?to da lingoa Latina, se pode sa-
ber, quaes dobrão as letras, & os que Latim não sou-
berem, com imitar a scriptura de hom?es doctos.
As que dobrão per deriuação, são os nomes, ou ver-
bos, q? se tirão d'outros, os quaes guardão a scriptura
de seus primitiuos, como de terra, terreno, terrestre,
enterrar, soterrar, enterreirar, terrreiro. E de caual-
lo, caualleiro, caualleria. E de gotta, gottejar, got-
fol. 38v
teira, esgottar. E de ferro, ferreiro, ferraria, ferrar,
ferrador, ferradura, ferram?ta, ferragem, ferrenho,
ferrolho, ferrão, ferrugem, afferrolhar, ferropea. As
quaes dições dobrão as dictas letras, porque seus pri-
mitiuos, de q? se ellas deriuão, as dobrão. E por aqui
saberão a scriptura de muitos vocabulos, como há
de ser, sabendo soomente a de seus primitiuos.
As que dobrão per significação, são os diminuti-
uos, que em nossa lingoa acabão em, te, que parece,
não podemos screuer bem, sem dobrar o .t. seg?do
nos a orelha pede, como, verdette, pequenette, scu-
dette, panette, camarotte, piparotte, franchinotte,
& outros assi, que para significar diminuição, aca-
bamos nestas terminações, como os Latinos acabão
os seus diminutiuos em ellus, ou illus. Como os Ita-
lianos tãbem dobrão a dicta letra, nas terminações
de, etto, ou otto, por denotar? significação diminu-
tiua. Porq? de Laura, diz? Lauretta, & de piccolo, pi-
ccoletto, Antoniotto, Gianotto. Polo q? pedindono
lo a orelha, não deuemos ser mais couardes, em do-
brar h?a letra, maiorm?te teendo ex?plo de outras
nações. E assi dobrão .s. por causa da significação os
superlatiuos, como a diante tornaremos dizer.
As que dobrão per corrupção, são as q? stando na
fol. 39r
lingoa Latina de h?a maneira, & pronunciação, as
mudamos, & fazemos nossas, dobrãdolhe alg?as le-
tras, querendoas accommodar a nos, como por no-
ster, vester, nosso, vosso: & por ipse, & ipsum, esse, &
isso: & por persona, pessoa: & por vrsus, vsso: & por
mori, morrer, & outros muitos desta maneira.
As que dobrão per variação, são as que per varia-
ção de conjugação, ou declinação, accrescentão al-
g?a letra, para mostrarem differ?ça de tempos, & nu-
meros, & significação, como nos verbos de todalas
cõjugações, em alg?us t?pos dos modos, optatiuo,
& conjunctiuo, quando dizemos .amasse, leesse, ou-
uisse. E nos nomes, que sendo masculinos, varião a
terminação, para formar os femininos, como, mao,
maa. pao, paa. reo, ree. ou que sendo do singular, for-
mão seus pluraes, como, couil, couijs.
As que dobrão per composição são muitas, & per
muitas maneiras. O que se faz, mudandose a derra-
deira letra da preposição compositiua, em outra tal
como a primeira do verbo, ou nome composto.
E porq? estas cõposições, se fazem cõ as preposições
Latinas, q? se ajuntão aos verbos, para lhe alterar a si-
gnificação, ou lha accresc?tar, ou diminuir, diremos
das q? nos seruem .s. das q? fazem dobrar as letras.
fol. 39v
Ad, preposição dos Latinos, que quer dizer para,
junta aos verbos, que começão em .b. c. f. g. l. n. p. r.
s. t. conuerte o .d. na primeira letra do verbo, a que
se ajunta, & assi fica dobrada, como, abbreuiar, ac-
correr, accumular, affecto, affeiçoar, aggressor, alle-
gar, alludir, annotar, approuar, assinar, attribuir,
attentar. O que hemos de ent?der, nos verbos, & no-
mes em q? já pela cõposição Latina, se dobra a letra.
Porq? outros verbos que nos formamos de nosso, co-
meçados em .a. não admitte a orelha, nem o vso, q?
a dobrem. Porq? te? os Hespanhoes hum .a. seu pro-
prio, & peculiar, com q? formão os verbos, q? quer?,
como quãdo dizemos. de manso, amãsar. de pedra,
apedrejar. de nocte, anoctescer. de cabo, acabar. de
proueito, aproueitar. de puro, apurar. & outros infi-
nitos. Os quaes são simplezes & não cõpostos, porq?
a verdadeira composição he, quãdo se ajunta a pre-
posição aos verbos: o que não ha nestes. Porq? não
ha, proueitar, n? pedrejar, nem mansar, para dizer-
mos, que se compõe com a dicta preposição, ad.
Mas alg?us há, que o vso, & orelha nos ensinão, q?
dobrão a letra, como são os que teem .f. r. ou .s. des-
pois do .a. seguindose por? vogal despois das dictas le-
tras, como: afforar, affinar, affogar, arremessar, ar-
fol. 40r
redar, arruinar, assombrar, assoelhar, assanhar, & as-
si todos os mais sem fallencia.
Ex, preposição junta a dições, que começão em .f.
muda o .x. em f. & assi fica dobrado, como, effecto,
effectuar: & em outra nenh?a se muda.
In, preposição muda o .n. em .m. se em .m. come-
çar? os verbos, ou nomes com q? se compõe, como,
immemorial, immunidade, immudauel, immo-
uel. Ao que responde a nossa preposição .en. cõposta
com os verbos Portugueses começados em .m. co-
mo, emmadeirar, emmastear, &c.
Ob, preposição junta a dições, que começão em
c. f. p. muda se o .b. nas taes letras primeiras, como,
occorrer, offender, oppoer.
Con, preposição inseparauel soom?te, muda o .n.
em .l.m.r. quando nas dictas letras começão os no-
mes, ou verbos, a que se ajunta, como, collegir, cõ-
metter, corromper.
Dis, preposição inseparauel, cõposta com dições
começadas em .f. conuerte o .s. em .f. & assi fica do-
brado, como, differir, differença, diffinir, difficil.
Sub, preposição, ou a nossa sob, cõposta cõ dições,
que começão ? .c. f. p. cõuerte o .b. nellas, como, suc-
correr, ou soccorrer, suffici?te, supprir, supplicar.
fol. 40v
DAS DIÇÕES, QVE DOBRÃO
as letras.
TEem para si alg?us curiosos da lingoa
Hespanhol, que o dobrar das letras, he es-
cusado acerca de nos. Porque não senti-
mos, quando se dobrão, senão o .r. ou
s. & que tiradas estas, as outras todas se deuem scre-
uer singellas. O que he grãde erro. Porque a razão,
que ha, para se dobrarem essas, há para se dobrarem
essoutras: ainda que nem toda a orelha sinta a diffe-
rença, q? há de singellas a dobradas. E quanto ao .r. &
s. quando se dobrão, quem quer o sintirá. Qua assi
como o som de hum atambor, & de h?a trombetta,
até os cauallos, & bois o entend?, & os aluoraça, mas
nem por isso os mouerá hum instrum?to de cordas
(porq? isso fica resguardado para os hom?es, que te?
razão) assi nas letras há h?a musica occulta, & não
menos delicada, que a das cordas, que (como diz
Quintiliano) se não deixa sentir de todos. E ainda
que na verdade, as nossas orelhas não cõprehende-
rão a differença das letras dobradas, para conserua-
ção da orig? & etymologia dos vocabulos, era ne-
cessario dobrar?se, tomando os nos dos Latinos, ou
Gregos, assi como elles nolos dão. E porq? aos q? lin-
fol. 41r
goas não sab?, seria mui difficultoso, saber as letras,
que se dobrão, & ainda para os que as sabem, se não
he exquisitamente, me pareceo, que não se perderia
o trabalho, de poer specificadamente as dições, que
dobrão, por não ser cousa, de que se podia dar em to-
das certa regra.
E ainda me pareceo mais necessario poer as dições,
que aspirão as letras. Porque como a aspiração, não
sentimos na pronunciação de nossas palauras Por-
tuguesas, segundo tenho dicto acima na letra .K.
ficaua mais difficultosa a orthographia dellas, pois
era screuer differ?te, do que pronunciamos. E posto
que de h?us & outros, aja alg?us mais dos que aqui
ajunto, bastem estes, para quem não tomou de em-
preitada, fazer vocabulario, senão reduzir a regras,
o que podia ser.
¶ Das dições que dobrão .A.
A. Dobrão os nomes femininos, cujos masculi-
nos se acabão em, ao. como, mao, maa. Iao, Iaa.
pao, paa.
Item os nomes, a que per corrupção do Latim em
nossa lingoa, cortamos alg?a consoante, que staua
entre dous .aa. como de ala (que quer dizer braço de
fol. 41v
aue) aa, & de palatum, paadar.
Item os que te?do .a. antes d'outra letra, corrom-
pemos essa letra em .a. como de aër, aar.
Item o articulo feminino de datiuo, que se expri-
me com a preposição .aa. que tambem fica seruindo
ao accusatiuo, como, dou esta regra aa memoria,
vou aa India, de que a diante tractaremos.
¶ Das que dobrão. B.
B. Dobrão, abbreuiar, abbade, abbadessa, abbadia,
gibba, gibboso, sabbado.
¶ Das que dobrão. C.
C. Dobrão os verbos, q? começando na dicta letra,
se composerão com a preposição, ad. Porque se
muda o .d. em .c. como accelerar, accelerado, acc?-
der, accento, accentuar, accepto, accesso, accidente,
accidental, accommodar, accorrer, accumular, ac-
cumulatiuo, accusar, acquirir. Porq? o .q. como staa
dicto, & .c. são h?a mesma cousa.
Item todolos verbos, que começando em .c. se cõ-
poserão com estas preposições ob, sub, & os descen-
dentes delles, como, occasião, occidente, occorrer,
occultar, occulto, occupar, occupação, succeder, suc-
cessor, succorrer, ou soccorrer.
fol. 42r
Item estes não compostos, Baccho, bocca, bocca-
do, aboccanhar, Graccho, peccado, peccador, sacco,
sacquinho, ensaccar, seccar, secco, seccura, secqui-
dão, socco, vacca, vaccum, vacqueiro,
¶ Das que dobrão. D.
D. Dobrão addição, addicionar, addiuinhar.
¶ Das que dobrão. E.
E. Dobrão os nomes contractos, ou abbreuiados,
a q? na corrupção da lingoa Latina na nossa, se ti-
rou alg?a letra, q? staua entre duas vogaes, como, de
fides, fee. de balista, beesta. de pedica, peega. de sedes,
see. de pedes, pee. de sagitta, seetta. E assi creedor, de
creditor, & creença. & preego, & preegador, de pr?-
dico. E pela mesma razão, de generalis, dizemos ge-
eral. & de generare, dizemos geerar, & geeração. E
assi estes verbos, teer, de tenere. leer, de legere. veer,
de videre. Porque seria cousa desproporcionada,
ser o infinitiuo, ou outras quaesquer partes do ver-
bo, de menos syllabas, q? a primeira pessoa do mes-
mo verbo. Polo q? diremos, vejo, vees, vee, veemos,
veedes, veem, veer. Porque a primeira syllaba
he necessaria para o começo, analogia, & forma-fol. 42v
ção, & a segunda para terminação, & demonstração
de tempo, numero, & pessoa. Ainda que alg?us ver-
bos aja, que são de h?a soo syllaba, como, vou, vas,
vai, i, por ide. sou, es, é. stou, stás, stá.
Item se screuem cõ dous .ee. todas as dições, q? no
singular acabão em esta terminação .em. como bem
b?es, vintem, vint?es, per diphthongo.
Item dobrão, dee, na segunda pessoa do impera-
tiuo presente do verbo, dou, & na primeira, & se-
gunda do futuro do optatiuo, & do presente do sub-
junctiuo.
Item dobrão galee, Loulee, maree, polee, ree.
¶ Das que dobrão. F.
F. Dobrão os verbos, ou nomes começados em .f.
compostos da preposição, ad, cujo .d. se muda no
f. como, affabil, affecto, affeiçoar, affeiçoado, affeite,
affeitar, affim, affinidade, affirmar, affligir, affligi-
do, afflição.
Item os verbos da lingoa Portuguesa começados
em .a. que teem .f. entre vogal & vogal, como affo-
rar, affugentar, affrontar, afferrolhar.
Item os verbos, & nomes compostos da preposi-
ção, dis, q? começão em .f. como diffamar, differença,
fol. 43r
differir, difficil, difficultoso, difficuldade, diffinir,
diffinição, diffuso, tirando disforme, & disformi-
dade, que muitos erradam?te dizem por deforme,
& deformidade.
Item os compostos da preposição ex: se elles co-
meção em .f. como effecto, effectuar, effeminado, ef-
ficaz, efficacia, effigie.
Item os cõpostos da preposição, ob, como officio,
official, officiar, officina, offender, offensa, offeres-
cer, offerescimento, offerta, offertar, offuscar.
Item os compostos da preposição sub, como suffi-
ciente, sufficiencia, suffragio, suffraganeo.
¶ Das que dobrão. G.
G. Dobrão as dições começadas nesta mesma le-
tra cõpostas cõ a preposição, ad, por se mudar
o .d. em .g. como aggrauar, aggrauo, aggressor, ag-
gerar, & exaggerar, bagga, de bacca.
¶ Das que dobrão. I.
I. Dobrão os nomes acabados em .il. na formação
do seu plural, como barril, barrijs. septil, septijs.
couil, couijs. buril, burijs. E assi todos os mais, ac-
crescentando ao singular hum .i. em lugar do .e.fol. 43v
que os outros nomes acabados em consoante to-
mão, na formação de seus pluraes.
Item os nomes pluraes, cujos singulares se acabão
em, im. como arbim, arb?js. beleguim, belegu?js. del-
fim, delf?js. malsim, mals?js. Os quaes entre os dous
ijs. admittem o .til. q? os ata, & faz ser diphthõgos.
Item dobrão .i. estes preteritos .lij, de legi. vij, de
vidi. corrij, de cucurri. & crij, de credidi.
K. não se dobra, porque he o mesmo que .c.
¶ Das que dobrão. L.
L. Dobrão muitos, d'onde veo, que alg?us ignorã-
do a natureza das palauras, & sitio das letras, &
syllabas, o dobrão em quasi todas as dições sem jui-
zo, não deuendo fazelo assi. Porque lhe alterão o ac-
cento, & as vozes, & a significação. E os que deuem
screuer com .l. dobrado são estes. Primeiramente os
compostos com a preposição, ad, junta a verbos co-
meçados em .l. como allegar, alludir, alluuião.
Item os compostos de dições começadas em .L.
com a preposição, con, por mudarem o .n. em .l. co-
mo: collação, collaço, collateral, collegio, collegial,
collegir, collector, collocar, colloquio, colludir,
colluuião.fol. 44r
It? os cõpostos cõ a preposição, in, como, illação,
illicito, illiberal, illudir, illusão, illustrar, illustre.
Item todos os nomes diminutiuos acabados em
lo. ou .la. como bello, libello, castello, bacello, cadel-
la, donzella, janella, portella, codicillo, pupillo.
Item todos os nomes acabados em .lo. ou .la. a que
precede .e. ainda que não sejão diminutiuos: porq?
assi parece, que o pede a orelha, como adella, cara-
uella, scudella, amarello, singello, verdizello. E ou-
tros taes: porque nenh?a differença lhe achamos de
janella, nem de bello.
Mas aquelles screueremos com .l. singello, que os
Latinos assi screuem (digo dos acabados em .lo. ou
la.) como, camelo, pelo, querela, cautela, tutela, tela,
pela, que he o mesmo, que pila, vela polo instrum?-
to da nao, & vela, de vigilia.
Item os verbos, a que ajuntamos os relatiuos, o, a,
em lugar de is, ea, id, Latino, a que por bom soido
mudamos o .s. em .l. em alg?as pessoas do singular,
& plural, como, vistela? vistelo? fizestela? fizestelo?
amastela? amastelo? amalo? amala? amamolo. Item
tirando a preposição, per, & por, junta aos artigos
masculino & feminino, pelo, pela, polo, pola. Item
tirando os nomes, que teem .l. aspirado, como abe-
fol. 44v
lha, ouelha, coelho, trebelho.
Item dobrão .l. estes superlatiuos, facillimo, dif-
ficillimo, humillimo, simillimo.
Item dobrão estes per natureza das mesmas pa-
lauras, sem virem debaxo de regra geeral.
Achilles, alli aduerbio local, amollescer, ampolla,
annullar, appellar, appelação, appellante, appelli-
dar, appellido, Apelles, Apollo, Apollonio, aquel-
le, aquella, aquelloutro, aquello, ou aquillo, auellãa,
auelleira.
Bellicoso, bulla.
Cabello, calle, callo, Calliope, Camillo, Camilla,
cauallo, cebolla, cella, celleiro, chanceller, colla por
grude, colle por monte, collo, collar, colleira, col-
lyrio, compeller.
Degollar.
Elle, ella, ello, excellente, excellencia.
Falla, fallar, fallacia, fallencia, fallescer, fallescido,
fallescimento, folle, follia.
Gallego, Galliza, Gallia, gallo, gallinha, galli-
nheiro, gallinhola.
Helleboro, Hellesponto, Hollanda.
Illyrico, interuallo.
Marcello, martello, melles, mellado, meollo,
fol. 45r
molle, mollette.
Nullo, nullidade.
Ollaria, olleiro.
Parallelo, Pallas, pelle, & os que delle descendem,
como pellica, pelliteiro. Mas não pelóme, porq? não
vem de pelle, senão de pelo, & de pelar, que se scre-
uem com .l. singello. pollegar, pollo por aue pe-
quena, pollução, polluto, pusillanimo, pusillani-
midade.
Repeller, reuellar ou rebellar, reuellia.
Sella, selleiro, sello, Sibylla, stillar, strella, Sylla,
syllaba, syllogismo.
Tollo, tolla, Tullio.
Vacillar, valle, vallado, vallo, vello de lãa, vello
por cabello, velloso, villa, villão, villania, mas não
vileza, que vem de vil, vllo.
¶ Das que dobrão. M.
M. Dobrão os compostos das preposições, con, &
in, juntas a verbos, ou outras dições, que co-
meção em .m. como, commemoração, comm?dar,
commendador, commendatario, commercio, com-
metter, commissario, commiserar, commissura,
commodo, incommodo, commodidade, accom-
fol. 45v
modar, commutar, commutação.
Immemorial, immenso, immodesto, immodico,
immortal, immouel, immundo, immunidade, im-
mutauel.
Item estes meros Portugueses compostos com a
nossa preposição, en, emmadeirar, emmagrescer,
emmanquescer, emmastear, emmininescer, emm?-
ta, emmudescer.
Item dobrão cammarão, cimmerio, commum,
communidade, communicar, commungar, excõ-
mungar, communhão, epigramma, flamma, in-
flammar, gomma, grammatica, summa, summo,
summario, summariamente, consummado.
¶ Das que dobrão. N.
N. Dobrão os cõpostos destas preposições, ad, &
in, j?tas a dições, q? começão ? .n. como, anno-
tar, annumerar, ann?ciar, annunciação, ann?ciada,
innauegauel, innocente, innouar, innouação, innu-
merauel. E os Portugueses cõpostos da nossa prepo-
sição, en, como: ennastrar, ennobrecer, ennuurar.
Item dobrão per natureza, anno, & seus cõpostos,
& deriuados, como, annal, anniuersario, annojal,
por cousa de h? anno, annata, ou mea annata, annel,
perenne, perennal, solenne, solennidade, triennal.fol. 46r
Item dobrão banno, bannido, Britannia, Britan-
no, canna, cannaueal, cannauoura, cannaue, gannir,
Gebenna, Ioanna, Ioanne, Iannez nome patrony-
mico de Ioanne, panno, penna, por pluma: porque
por castigo he com .n. singello, tinnir, tyranno, ty-
rannia, tyrannizar, Vianna.
¶ Das que dobrão. O.
O. Dobrão os nomes contractos, & abbreuiados, a
que se tirou alg?a consoãte do meo de duas vo-
gaes, como, noo, de nodo, onde se tirou o .d. &
moo, de mola. & soo, de solo, onde se tirou o .l. &
poo, de poluo, & de puluere Latino. & noctiuoo, de
noctiuolans. A qual letra se dobra em outros para
denotar a vltima syllaba ser longa, & teer o accento
agudo. Porq? para mostrar a vogal ser longa, se per-
mitte, que se dobre na scriptura, como os antigos fa-
zião segundo Quintiliano no lib .I. das instituições
oratorias cap. vj. & Angelo Politiano nas Miscel-
laneas. Polo que screueremos tambem assi enxoo,
eiroo, ilhoo, ichoo, traçoo, malhoo, auoo. E isto soo-
mente nas dições, que teem .o. final, & o accento a-
gudo nelle.
¶ Das que dobrão .P.fol. 46v
P. Dobrão os verbos compostos, que teendo .p. no
principio, se cõposerão com as preposições ad,
ob, sub, como,
Apparar, apparato, apparo, apparelhar, appares-
cer, appar?cia, apparescim?to, appellar, appellação,
appellante, appellado, appellidar, appellido, appeti-
te, appetescer, applacar, applanar, applauso, appli-
car, apportar, appresentar, appresentação, appropin-
quar, appropriar, approuar, approuação, approua-
damente.
Oppilação, oppilar, oppilado, oppoer, oppoente,
opposição, opportuno, opportunidade, oppressão,
opprimir, opprobrio, oppugnar.
Supplicar, supplicação, suppoer, supposto, presup-
poer, presupposto, sapphira, supportar, supprir, sup-
primento, supprimir,
Item estes não compostos, Agrippa, Agrippina,
Appio, Appiano, cappa, Cappadocia, cappella, cap-
pello, ceppo, mappa, pappar, pappa por comer de
meninos: porque por summo Pontifice se diz Papa,
poppa. sapphira.
Item os nomes Gregos deriuados desta palaura
hippos, que quer dizer cauallo, como Aristippo,
Chrysippo, Cratippo, Damasippo, Hippocentau-
fol. 47r
ro, Hippocrates, Hippocrene, Hippodamia, Hip-
polyto, Hippomenes, Hipponax, Philippo, Xan-
thippo, Xanthippe.
Q. Não se dobra, porque se muda em .c. sua seme-
lhante, quero, acquiro, vacca, vacqueiro.
¶ Das que dobrão .R.
R. Como as mais outras letras, que se dobrão, não
se pode dobrar, senão vindo entre duas vogaes,
como, arra, carro, ferro, terra. E porque a aspereza
da letra he tal, que vindo dobrada, logo se conhece,
he escusado particularmente poer aqui os que a do-
brão: porque não ha mais, que screuer, como pron?-
ciamos .s. o aspero per dous .rr. & o mais brãdo per
hum. Soomente nos deue lembrar, que quando esta
letra vier em principio de dição, ou despois, ou an-
tes de outra consoante, ainda que soe, quam aspero
quiser, não se screuerá dobrada, como ja teemos di-
cto, no capitulo desta letra .R.
¶ Das que dobrão .S.
S. Dobrão muitos, que he escusado poer particular-
m?te: porque he letra tam apparente, quando se
dobra, q? qualquer orelha o sinte: como dixemos do
r. Polo que não fica mais, que screuer, como pron?-
fol. 47v
ciamos com a obseruação, & regras, que teemos da-
das, no capitulo desta letra .s. & com nos lembrar, q?
nenh?a letra se dobra, senão vindo entre duas vo-
gaes, q? he h?a regra, em que poucos caem. D'onde
vem dizerem mansso, immensso, & outros assi erra-
dam?te. Mas o que se pode dizer em somma, & per
via de regra he, q? dobrão esta letra os superlatiuos, co-
mo, doctissimo, illustrissimo, serenissimo. Mas não
os numeraes, como alg?us mal cuidão, como, vigesi-
mo, trigesimo, porque erradamente dizem, viges-
simo, trigessimo.
Item os verbos Portugueses, q? começão em .a. &
teem logo depos elle .s. & despois outra vogal, como
assacar, assanhar, asseettear, assegurar, ass?tar, assesse-
gar, assinalar, assoelhar, assolar, assoldadar, assomar,
assombrar, assouiar.
Item os nomes femininos de dignidades como
Abbadessa, Prioressa, Alcaidessa, Baronessa, Cõdes-
sa, tirando estes, Princesa, Duquesa, Marquesa, &
da mesma maneira Deosa, que stá recebido pron?-
ciaremse, & screueremse per hum .s.
Item dobrão os verbos deste tempo de todas con-
jugações, amasse, leesse, ouuisse, per todos seus nu-
meros, & pessoas.
fol. 48r
¶ Das que dobrão. T.
T. Dobrão, attento, attenção, att?tado, attonito,
attraher, attribuir, attrição, & os nomes pro-
prios, Atteio, Attico, Attica, Attilio. Item gatto,
gotta, gotto, metter, arremetter, permittir, promet-
ter, Scotto, Scottia, seetta.
Item os diminutiuos em .te. ou .ta. como verdet-
te, pequenette, pequenetta, mocette, mocetta, &c.
¶ Das que dobrão .V.
V. Dobrão, cruu por cruo .nuu, por nuo .muu, por
muo. & assi no plural .cruus. nuus. muus.
X. & Z. não se dobrão por serem letras dobradas.
Y. Não se dobra porq? não entra, senão em dições
Gregas, em que não há dobrarse vogaes.
DAS LETRAS QVE SE ASPIRÃO.
AS consoantes, que se aspirão, são quatro
c.p.r.t. das quaes porei alg?us exemplos
de dições, que podem vir em vso em nossa
lingoa. E não chamamos aspiradas .ch
(da maneira que os Portugueses a pronuncião diffe-
rente dos Latinos) nem .lh. nem .nh. porque o não
são, como teemos dicto acima.fol. 48v
¶ Das dições que aspirão .C.
C. Aspirão todos os nomes compostos desta pala-
ura Grega archos, que quer dizer principe, ou
principal, como Archangio, architriclino, archi-
tecto, monarcha, monarchia, patriarcha, tetrarcha,
tetrarchia.
Item os compostos desta palaura Grega, chrysos, q?
quer dizer ouro, como Chrysostomo, Chrysolito,
Chryseida, Chrysippo.
Item os compostos da palaura chír, que quer dizer
mão, como chiromantia, chirurgia.
Item aspirão estes: Achaia, Achilles, anchora, An-
tiocho, Antiochia, Baccho, charo, charissimo, cha-
ridade, cherubin, chimera, cholera, choro por con-
gregação, CHRISTO, Christouão, drachma, machi-
na, mechanico, melancholia.
Os quaes vocabulos para b? ser, se hão de screuer
assi, posto que a pronunciação, que vulgarm?te da-
mos a .ch. seja mui differente da que se ha de dar aos
dictos vocabulos. Porque a q? os Gregos, & Latinos
lhe dão he como .c. & a que agora lhe damos he en-
tre .s. & .c. Pola qual razão aos que não souber? dif-
ferençar os nomes Gregos, & Latinos dos vulgares,
será trabalhoso entenderem, quando o pronuncia-
fol. 49r
rão aa maneira dos Latinos, ou Gregos, & quando
aa maneira vulgar. Polo que deuiamos de fazer h?a
de duas, ou screuermos os dictos nomes Gregos, &
Latinos, per .c. simplez, como fazem os Franceses, q?
teendo a mesma differença q? nos, os nomes vulga-
res de .ch. pronuncião como com .x. & os Gregos,
& Latinos, que teem .ch. screuem com .c. simplez,
para fazerem differença na scriptura, como fazem
na pron?ciação, dízendo por camara, chambra, & pro-
nunciando xambra. & por caualleiro screuem cheualier,
& pronuncião xeualier. & por castello, chasteau, & pro-
nuncião xasteau, & por dizerem cholera, cham?leon.
dizem, colera, cameleon. Ou screuamos o ch. dos nomes
vulgares, que se pronuncia como .x. ou .s. ou .ç. cõ
a cifra a baxo do .c. que faça a differ?ça, de choro por
pranto, a choro por ajuntamento, q? se faz de cappa,
a çapa, dizendo, choro, & çhoro, taçha, monarcha.
Porque não ha duuida senão, q? se screuessemos per
c. simplez, os que teem .ch. aspirado, q? nos embara-
çariamos, quãdo viessemos screuer, Antiochia, An-
tiocheno. Porque seria necessario soccorrermonos a
letras alheas, & dizer Antioquia, Antioqueno. Por
que dizendo Antiocia, vai dar em outro soido diffe-
rente, por o corrupto, que viemos dar ao .c. junto afol. 49v
e. i. Polo que fica mais necessidade da aspiração, pa-
ra screuer o dicto vocabulo, do q? tinhão os Latinos.
Porque assi se pronunciaua acerca delles Antiocia,
sem aspiração, como Antioquia, como teemos di-
cto mais largamente no capitulo da letra .C.
¶ Das que aspirão .P.
P. Aspirado teerão acerca de nos os nomes Gregos
assi como o tinhão acerca dos Latinos, como
antiphona, aphorismo, apophthegma, blasphemo,
blasphemia, philosopho, philosophia, phantasma,
phantasia, physico, physionomia, Philippe, trium-
pho, nympha, camphora, diphthongo, porphydo.
¶ Das que aspirão .R.
R. Aspirão os nomes Gregos, q? começão na dicta
letra como, Rhetorica, Rhodes, Rhodope, Rha-
damãtho, & os q? teem .r. dobrado, sempre aspirão o
derradeiro delles, como Tyrrheno, Pyrrho, catar-
rho.
Das que aspirão .T.
T. Aspirão asthma, Arithmetica, Athenas, Athe-
ni?se, anathema, anathematizado, author, & au-
thoridade, segundo o costume, ainda que Andre
Alciato diz, que em h?a pedra antiga vio scriptofol. 50r
auctor, a qual scriptura agora os mais seguem na lin-
goa Latina. Item cantharo, catholico, Carthago,
Carthagines, Corintho, cathedra, Ethiopia, epitha-
lamio, Iacyntho, Labyrintho, Mathematica, me-
thodo, parenthesis, orthographia, rithma, Scythia,
theatro, amphiteatro, thema, Thebas, Theseu,
Thracia, thio, Thessalia, thesouro, Thetis, Thosca-
no, throno,
Item os nomes compostos desta palaura, theos, q?
quer dizer deos, como, theologo, theologia, Theo-
dosio, Theotonio, Theodoro, Theophrasto, Theo-
crito, Theophilo, Theophilacto, Timotheu.
Item os nomes proprios Gregos, q? se compõem
desta palaura, Sthenos, q? quer dizer força, ou pot?-
cia, como Demosthenes, Callisthenes, Antisthenes.
E os que se compõem de agathos, que quer dizer
bom como, Agathocles, Agathosthenes.
Item estes peregrinos. Elizabeth, Nazareth, Iu-
dith, Iapheth, Ruth, Goliath, Thamar, Seth, Ze-
nith, Martha, Mattheus, Thomas, Bartholomeu,
Mathias, Mathusalem.
Item os nomes de q? a sagrada scriptura vsa, cõpo-
stos de beth, q? quer dizer casa, como, Beth-ania, Be-
th-phage, Beth-le?, Beth-sabee, & outros muitos.
fol. 50v
REGRAS GEERAES
Da orthographia da lingoa
Portuguesa.
¶ Regra. I.
DO que tractei em particular da força, &
natureza de cada letra, podemos inferir
a primeira regra da orthographia Por-
tuguesa: que assi hemos de screuer, co-
mo pronunciamos, & assi hemos de pronunciar co-
mo screuemos.
¶ Regra. II.
D'Esta primeira regra se infere, q? nunqua na scri-
ptura accrescentemos, nem mudemos letras a
dição alg?a, querendonos accommodar aa origem,
& scriptura Latina. Porque isso he fazer noua lin-
goagem, & mudar a commum & vsada, que falla-
mos. Porque não consiste a policia da lingoa Por-
tuguesa, em as palauras serem mui conjunctas &
parecidas com as Latinas. Mas antes quanto nos
desuiamos da Latina, tanto fica teendo mais gra-
ça, & sendo mais nossa, como tambem dizem os
Italianos da sua. Os quaes chegada aa Latina cha-
mão lingoa pedantesca, que quer dizer lingoa de pas-
fol. 51r
casios. Polo que he nojenta scriptura, & fora de ra-
zão, a dos que diz? princepsa, por princesa. & epse,
por esse. & oclho, por olho. & comptar, por contar,
por ser mais conforme ao Latim. Porq? sendo a nossa
lingoa corrupta da Latina, & fazendo nos desta cor-
rupção noua lingoa propria, & peculiar nossa, q? pelo
vso se foi deriuãdo, & introduzindo, não hemos de
mudar, nem torcer os vocabulos, do soido, & vso cõ-
m?. Qua as palauras são como as moedas, q? não va-
lem senão as correntes, & as q? stão em vso. E d'ou-
tra maneira, se fosse melhor reduzirmos as pala-
uras todas ao Latim, & por, esse, podessemos dizer,
epse, tãb? diriamos por elle, ille, & por, agoa, aqua.
& assi ficariamos fallando tudo Latinamente. Qua
menos mudãça he, cõuerter h?a letra em outra sua
affim, q? accrescentarlhe outra differente. Polo q? nos
fique por regra, q? aa comm? pronunciação, não ac-
cresc?temos, nem diminuamos, nem mudemos le-
tra alg?a. Mas que na scriptura sigamos corrupção
dos vocabulos corruptos, & não a orig?, & digamos
p?tem, & não pectem. feito, & não fecto. contar, &
não comptar: pois já stão corruptos. No q? se deue ad-
uertir, q? alg?us vocabulos há, q? descendendo todos
de h? primitiuo, em h?us seguimos a scriptura La-fol. 51v
tina, & ? outros a corrupta: porq? na verdade os pro-
n?ciamos assi differ?temente. Porq? h?us vocabulos
corrõpemos, & outros deixamos incorruptos, q? po-
la maior parte são os de q? a g?te vulgar não vsa tãto.
Porq? screuemos insigne, significar, & significação
cõ .g. porq? stão incorruptos: mas sinal, sinette, assi-
nar, sem .g. por star? corruptos, sendo certo q? todos
descend? de signum. E screuemos vnidade sem aspi-
ração, por star quasi incorrupto, & o primitiuo ser
vnus. Mas, h?, & h?a, screuemos com ella, pelo co-
stume, que não carece de razão. Porque se dixera-
mos, um, & ?us, ?a, & ?as, causara duuida, por se
encontrarem com outras dições de differente signi-
ficado. O que tambem fazemos em o verbo substã-
tiuo, he, por se desencontrar do, e, conjunção.
Item se deue aduertir, que aquelles vocabulos po-
deremos screuer cõ orthographia Latina, q? achar-
mos incorruptos. E incorruptos chamo aquelles,
em q? não stá mudado mais, que a terminação final,
que he geeral em todas as lingoas corruptas. Polo q?
se ha de screuer officio cõ dous .ff. porq? officium se
screue assi, & cauallo cõ dous .ll. porq? caballus se scre-
ue assi. E screueremos docto, doctor, doctrina, pre-
cepto, preceptor, pecto, pectoral, perfecto, cõtracto,
fol. 52r
usufructo, & outros taes. E se alg?us de orelhas mais
mimosas dixerem, que lhe soa melhor, pronunciar
se estes como corruptos, & dizer douto, doutor, dou-
trina, noute, ou noite, peito, perfeito, não lho estra-
nharia. Porque na verdade, a pron?ciação d'aquel-
les vocabulos, & de outros semelhantes, alg?us a fa-
zem sem .c. Mas por starem tam inteiros na forma
Latina, eu os não screueria senão per .c. que o uso tu-
do vem amoll?tar, & fazer corr?te. Polo que a cada
hum fique, screuelos como os pronuncia. Mas os
versificadores, cujo trabalho he buscar consoantes,
poderão screuer de h?a maneira, ou d'outra.
¶ Regra. III.
ITem se infere da sobredicta regra, que na scriptu-
ra não ponhamos letras, que não se ajão de pron?-
ciar, & de que as mesmas palauras não constão, co-
mo os vulgares fazem no nome de CHRISTO, que o
screuem com .x. & p. dizendo Xp?o, & Xp?ouão,
não sendo estas dições compostas d'aquellas letras.
No qual erro tiuerão esta occasião de cair, q? os Gre-
gos screuião o nome de Christo com suas letras ca-
pitaes assi XP?? como se em letras Latinas dixessem
CHRS. E como este sanctissimo nome por a cele-
fol. 52v
bridade, & frequ?cia delle, seruia de figura tanto co-
mo de letras, como agora, IH?S, que scripto em le-
tras cabidolas, o ent?dem os que não sabem leer, os
mesmos Latinos o screuião com as mesmas letras
Gregas. Mas os scriptores indoctos despois, não en-
tendendo os characteres Gregos, cuidarão, que erão
as letras Latinas, & que o .X. era .x. & que o .P. era o
p. nosso, não sendo assi. Porque esta figura .X. he o
c. aspirado dos Gregos .s. ch. & .P. he o seu .R. por
que são suas letras assi na figura differentes das cor-
respondentes Latinas. Polo que enganados cõ os di-
ctos characteres, screuião despois Xp?o, & Xp?ouão,
não entrando em taes nomes .x. nem .p. E da mes-
ma maneira se houuerão com o nome de IESV. Por
que screuendoo os Gregos abbreuiado desta manei-
ra, IH?. cuidarão, que a letra do meo era .h. nota de
aspiração, não sendo assi senão .H. letra vogal dos
Gregos, que pronunciamos como .é, longo, como
se dixerão .I?S. D'onde veo, screuerem este diuino
nome com .H. não o teendo, assi IHESV, notando
com cinquo figuras de letras o nome tetragrama-
ton, que he de quatro per secreto mysterio.
¶ Regra. IIII.
fol. 53r
ITem se infere, que deuemos fugir o abuso, que al-
g?us teem, por se conformarem com o Latim na
scriptura, os quaes screuem crux, por cruz. & vox,
por voz. pax, por paz. perdix, por perdiz. No que
errão de duas maneiras, a h?a porque screuem diffe-
rente do que pronuncião (o que não deue, n? pode
ser) a outra porq? quando viessem formar os pluraes
dos taes nomes, era necessario, que dixessem de vox,
voxes. & de crux, cruxes. & de pax, paxes. & de per-
dix, perdixes. Porque a formação dos Hespanhoes
nos pluraes, he accresc?tar aos dictos nomes, & aos
mais dos acabados em consoantes, hum .es. sobre a
terminação do singular. Polo que accrescentando a
pax as dictas letras, dirá paxes. & de vox, se dirá vo-
xes. & de crux, cruxes. Assi que fique por regra, que
todo nome Latino acabado em .x. de que os Portu-
gueses vsão cõuerte .x. em .z. como cruz, luz, paz,
perdiz, verniz, simplez, anthraz, capaz, rapaz, voz,
noz, pez, féz, atroz. O que como digo, se ent?de dos
nomes Latinos, que a lingoagem toma sem outra
corrupção. Porque muitos se acabão em .x. acerca
dos Latinos, que não screuemos com .z. em Portu-
gues, porq? stão corruptos, & mudados. Qua de rex,
dizemos rei, & de grex, grei, & de lex, lei. & de sex,fol. 53v
seis. & de dux, duque. & de nox, nocte, & outros, que
d'outras maneiras stão corruptos.
¶ Regra. V.
AInda que digamos, que os nomes Portugueses
hauião em todo de seguir a orthographia Lati-
na, não sejamos tão supersticiosos, que alg?a dição,
que já he feita Portuguesa, ainda que stee inteira La-
tina, screuamos com diphthongo de .æ. nem de .œ.
dizendo ædificio, hærdeiro, æstio, Æthiopia, pœna,
fœno. Porq? nem nossa lingoa os recebe, nem a nos-
sas orelhas soão mais que .e. Mas diremos edificio,
herdeiro, estio, Ethiopia, pena, feno. E soomente po-
deremos screuer com diphthongo, os nomes pro-
prios Latinos, ou Gregos, que o tiuerem, que não fo
rem mui vsados, para que nos não fação duuida, &
ent?damos de qu? se falla, como Oenone, Oedipo,
Ælio, pola razão, q? deemos no capitulo da letra .I.
¶ Regra. VI.
QVe não sigamos o abuso, de accresc?tar a toda-
las dições Latinas, q? começão em .s. h? .e. fazen-
doas sempre de mais h?a syllaba, do q? teem de sua co-
lheita. Porq? dizem vulgarmente escriuão, esperar,fol. 54r
espirito, Esteuão, & outros infinitos. O que he grã-
de erro, & maa maneira de screuer. E o q? enganou
aos vulgares foi, que o .s. como he mais assouio, que
letra, da h?a appar?cia de lhe preceder hum .e. Mas
os doctos, que são os que fazem o costume, não scre-
uem assi. E assi veemos, que os Italianos, & Fran-
ceses, que da mesma maneira tomarão dos Latinos
as dictas dições, não as screuem, nem pron?cião per
e. No qual erro a g?te Castelhana tãbem cae. Assi q?
hemos de dizer, stado, studo, star, statua, Steuão,
spirito, sperar, scriptura, scriuão, &c.
¶ Regra. VII.
QVe não soomente os vocabulos Portugueses,
que stão inteiros, como no Latim, mas os corru-
ptos, no que não stiuerem mudados, deu? guardar
a mesma orthographia. De maneira que assi como
stella, dobra o .l. em Latim, assi o dobrará strella em
Portugues. E assi como dizemos gutta, diremos
gotta: & como dizemos spissus, diremos spesso.
¶ Regra. VIII.
QVe esta particula, se, junta aos verbos da tercei-
ra pessoa do singular, de quarquer tempo, faz q?fol. 54v
signifiquem passiuam?te, ou impersoalmente, per
arrodeo, por falta de palauras, de q? a lingoa Hespa-
nhol careçe. Porque em lugar de amatur, & amaba-
tur, impersoal, dizemos ámase, & amáuase, & em
lugar de amatur da voz passiua, dizemos tambem
ámase, em lugar de he amado, como dizemos, a vir-
tude amase dos bõos. A qual particula, se, deuemos
screuer separada, & per hum .s. no que vulgarm?te
os mais errão, & dizem, digasse, façasse, passesse, não
attentando, que alterão assi as syllabas na quãtida-
de, & mudão o accento, & de duas dições faz? h?a,
& causão confusão no significado. Polo que assi co-
mo dizemos aquillo se ama, prepo?do o, se, assi he-
mos de dizer separadamente, amase, quãdo o post-
poemos, & cõ hum .s. soomente, como faz se, diz se,
nauega se, ajunte se, póde se, passe se.
¶ Regra. IX.
QVe não confundamos esta particula, ou preposi-
ção, de, com as dições, a que se ajunta, que co-
meção em vogal. E que ainda que o .e. da dicta par-
ticula, se aja de elidir, & comer na pronunciação, q?
se não coma na scriptura, que he cousa fea, & barba-
ra. Porque screuem vulgarmente, a cidade deuora,
fol. 55r
anel douro, homem darmas, delle, della, tudo liga-
do, como se fosse h?a dição, hau?do de dizer a cida-
de de Euora, assi como dizem de Roma, anel de ou-
ro, homem de armas, de elle, de ella. E já que quises-
sem logo na scriptura tirar o .e. como se tira na pro-
nunciação, fação como os Italianos, & Franceses,
que denotão a detracção d'aquella vogal com hum
apostropho, como os Gregos, desta maneira cidade
d'Euora, anel d'ouro, homem d'armas, d'elle, d'ella.
O que parece mui b?, & vsão já alg?us Hespanhoes
curiosos das lingoas. O que tambem fazem nestas
particulas, no, na (q? são a preposição, en, junta a arti-
culo) quãdo as ajuntão a pronomes, ou nomes come-
çados em vogal, como n'este, n'aquelle, n'quella, n'a-
quelloutro, n'outro, n'algum n'um. Dos quaes direi
no capitulo dos apostrophos.
¶ Regra. X.
QVe não vsemos fallãdo, ou screu?do indistincta-
mente destas preposições, per, & por, nem as cõ-
fundamos, como faz? vulgarm?te, não faz?do diffe-
r?ça de h?a a outra, sendo entre si tam differ?tes, co-
mo no Latim são, per, & pro, q? te? differ?te significa-
ção, & ped? diuerso caso. Assi q? quãdo quisermos di-
fol. 55v
zer o meo, per q? se faz alg?a cousa, o hemos de signi-
ficar, & screuer per esta preposição, per, & não per
esta, por, como he quando dizemos: Eu vos mostra-
rei isto per razões euidentes: Este liuro he compo-
sto per tal author: & tudo o mais, que os Latinos di-
zem per a dicta preposição.
Mas o nosso, por, poemos em lugar do, pro, dos La-
tinos, como quando dizemos: Eu vos tenho por a-
migo, este lugar stá por elRei, trocaime este liuro
por outro. O que não se soffria dizer assi: Tenhouos
per amigo, este lugar stá, per el Rei, trocaime este li-
uro per outro. E aas vezes se põe a mesma preposi-
ção em lugar de propter, como nestes ex?plos: Por a
tempestade q? vai, não nauego: fazei isto por h? vos-
so amigo. Posto q? quando se põe na dicta significa-
ção, pola maior parte se lhe aj?ta esta palaura amor,
ou causa. Porq? dizemos: Por amor das neues não pas-
so os alpes: & por amor dos Turcos não passo o mar.
As quaes palauras, amor, ou causa, não seruem de
mais, que de explicar a significação da dicta prepo-
sição. Porque não t?e a lingoa Portuguesa voz,
que responda a, propter, & por isso vsão d'aquel-
le rodeo. E a mesma ordem se deue guardar no v-
so das mesmas preposições juntas aos articulos, o,
fol. 56r
a, quando por bom soido, mudamos o .r. em .l.
dizendo. Polo amor de Deos, pola honra, pelo ca-
minho, pela terra. Porque do, per, v? pelo, pela, & do
por, polo, pola, & a conjunção polo que, q? dizemos
por a Latina, quapropter. De que se collige tam-
bem, que se deuem screuer per hum soo .l. que suc-
cede em lugar do .r.
¶ Regra. XI.
QVe tiremos outro abuso, de poer a letra .p. entre
m. & .n. como alg?us maos Hespanhoes, & pi-
ores Latinos fazião, que screuião, sompno, dampno,
solempnidade, & aas vezes antes de .u. consoante,
como, scripuão, screpuer, & peor ainda que isto de-
zião, spriuão, spreuer.
¶ Regra. XII.
QVe reduzamos a melhor scriptura muitas di-
ções, que sendo Latinas, & stando incorruptas
em muitas syllabas, & alg?as em todas, tirada a da
terminação, lhe tiramos suas letras, como são estas:
calidade, cantidade, contia, nunca, cinco, ca, acolá,
como? aduerbio interrogatiuo, hauendo de dizer:
qualidade, quantidade, quãtia, nunqua, cinquo, qua
aquola, quomo?
fol. 56v
¶ Regra. XIII.
QVe nunca dobremos a primeira letra de alg?a di-
ção, porq? a nenh?a vogal nem consoãte, podem
preceder duas letras semelhantes. Porque a primei-
ra não teeria vogal que ferir, nem letra, a que se aj?-
tar: o que não pode ser. E pela mesma razão, não do-
braremos a letra final de alg?a palaura: porque a vl-
tima não teeria vogal, a que fosse atada. Assi q? errão
os q? screuem, llourenço, rrei, & elrrei, quall, mill,
& outros assi.
¶ Regra. XIIII.
QVe por abbreuiar a scriptura, não screuamos per
notas numeraes, ou de algarismo as palauras, q?
não denotão numero, como fazem alg?us por igno-
rancia da lingoa Latina, & da propriedade, & natu-
reza das palauras, guiados do som dellas, & não da
significação. Porque dizem: Não vos vades, sem 1º.
fallar comigo. E por dizerem, segundo Platão, diz?
2º. Platão. E por dizerem: Eu serei neste negocio bõ
terceiro, screuem 3º. O que he grande erro, & feal-
dade da scriptura. Porq? alli a palaura, primeiro, he
aduerbio, que significa antes, & a palaura, segundo,
he preposição, q? quer dizer acerca, & a palaura, ter-
ceiro, he nome, que quer dizer intercessor, & me-fol. 57r
dianeiro. Polo que fica claro, que não denotando
numero, não se podem screuer com cifras, ou notas
numeraes.
¶ Regra. XV.
Qve guardemos a analogia, & ordem nos voca-
bulos deriuados, & q? não variemos nelles. Porq?
dizem muitos, rindeiro, vindeiro, vistido, não res-
peitando aos primitiuos. Porq? se renda se screue cõ
e. necessariamente, se ha de screuer assi, rendeiro, q?
he seu deriuado. E se dizemos veste, & vestimenta,
assi vestir, & vestido, & assi de venda, vendeiro. E co-
mo dizemos, pelle, tambem diremos pelliteiro, &
pellica, & não pillica, nem pilliteiro. E assi como di-
zemos pomo, diremos pomar, & não pumar, como
muitos dizem. E de gemer, diremos gemido, & não
gimido. E como dizemos pedir de peço, diremos
petição, & não pitição, pedinte, & não pidinte. E de
ferir, diremos, ferimento, & ferida, & não, firim?to,
nem firida. E de mealha, diremos, mealheiro, & não
mialheiro. E de meço, medes, medida, & não midi-
da. E de mento, m?tes, m?tira, & não mintira: posto
que tambem digamos, minto, & mintes.
¶ Regra. XVI.fol. 57v
QVE tenhamos grande t?to nos vocabulos, em q?
entra .c.s. & .z. Porq? a mais da gente, & não soo
a vulgar, se engana na scriptura, confundindo estas
letras, & poendo h?as por outras, sem distinção, sen-
do ellas differentes, & distantes na pronunciação, &
natureza, assi como o são na figura. Das quaes letras
o que se pode reduzir a regra he isto: Que com .c. se
screuem todos os nomes verbaes, corruptos dos La-
tinos acabados em, tio, de qualquer conjugação que
sejão deriuados, como, oração de oratio, geeração,
de generatio, lição, de lectio: tirando razão de ratio,
que dizemos aa differença de ração, por porção.
Item todos nomes cujos Latinos se acabão em,
tium. como seruiço, de seruitium, negocio, de ne-
gotium, exercicio, de exercitium. Por o que não
dirão negotio nem exercitio. Porque como dixe na
letra .C. he pronunciação mui alhea. Nem menos
diremos, offitio, como alg?us, querendo ser mais
Latinos do que he necessario, dizem. Porque os La-
tinos não dizem offitium, senão offici?, por vir de
facio, assi como tamb? dizem judicium, de judico,
que corrompemos, & mudamos em juizo.
Item screueremos per .c. os vocabulos acabados
acerca dos Latinos em, tia, que são os nomes, q? cha-
fol. 58r
mão denominados, como prudencia, de prud?tia.
paciencia, de patientia. sciencia, de scientia. Porque
a nossa lingoa não admitte nelles a pron?ciação La-
tina, que não he, a que lhe nos damos vulgarm?te.
Polo q? os hemos de screuer, como os pron?ciamos.
O que se vee em alg?us, a que tiramos o .i. per syn-
copa, q? necessariamente ficão em .ç. como justiça de
justitia, sentença, de sententia. E pela mesma analo-
gia, conuença, differença, Valença.
Item os verbos deriuados dos ditos nomes deno-
minados acabados em ça, como de sentença, sent?-
ciar. de justiça, ajustiçar. de preguiça, espreguiçar.
de cobiça, cobiçar.
Item todos nomes deriuados de outros, ainda que
meros Portugueses desta figura, confiança, medrã-
ça, possança, bonança, abastança, &c.
It? todos os verbos cõ toda sua inflexão de t?pos,
modos, & pessoas, cujas primeiras pessoas do pres?te
do indicatiuo, se acabão ?, iço, como espreguiço, es-
preguiçar. esperdiço, sperdiçar. enfeitiço, enfeitiçar.
Item todos nomes acabados da mesma maneira, q?
por a maior parte significão ab?dancia, ou frequen-
cia, como chouediço, fugidiço, feitiço, castiço, met-
tediço, maciço, dobradiço, agastadiço, nouiço, &c.
fol. 58v
Item todos os verbos desta figura, preualeço, pre-
ualeçer, basteço, basteçer, appareço, appareçer, & assi
conheço, stabeleço, emmagreço. E assi mesmo os
nomes que delles descendem, como conhecim?to,
bastecimento, sobstabelecimento.
Item se screuem per .c. todos nomes, que acerca
dos Castelhanos se acabão em zo. ou za. que signifi-
cão grandura, ou abundancia, que são contrarios na
significação aos diminutiuos, como bargantaço, ca-
uallaço, porcaço, negraço, gordaço, gordaça, &c.
E todos os nomes que os Castelhanos acabão na di-
cta terminação, zo. ou za. ainda que não tenhão a-
quella significação augmentatiua, como laço, agra-
ço, inchaço, chumaço, aço, couraça. &c.
Item os nomes desta figura, ladroice, truanice, be-
bedice, sandice, velhice, meninice, paruoice, garri-
dice, &c.
Per .s. se screuerão aquelles, cujos Latinos teem .s.
Polo que de mensa diremos mesa, & não meza. E de
casa não diremos caza. E assi screueremos os deri-
uados delles, como casal, caseiro, casamento, & não
cazal, nem cazamento. E se dizemos diuisio, não di-
remos diuizão, & de defensa, não diremos defeza,
nem prezente, por presente. Polo que nos fique por
fol. 59r
regra, que todo nome verbal, que acerca dos La-
tinos se acaba em sio, mudemos em, são, & digamos
de diuisio, diuisão, de conclusio, cõclusão, de p?sio,
pensão: & todos os mais pela mesma maneira, tirã-
do paixão, que dizemos de, passio.
Per .z. se screuem aquelles, de que a tras fizemos
menção no titulo da letra .Z.
¶ Regra. XVII.
QVe todo nome proprio de homem ou molher, se
screua com a primeira letra grande, & capital,
como Lourenço, Antonio, Duarte, Maria, Ambro-
sia. E assi os cognomes, ou appellidos, ainda que em
outra maneira sejão appellatiuos, ou cõm?us, como
Sylua, Pereira, Carualho, Lobo, Raposo, Gama, pa-
ra cõ a dicta maneira ? screuer, se tirar a duuida q? aas
vezes incide, ? quãdo são appellatiuos, ou proprios.
Item todos nomes de prouincias como: Portugal,
Algarue, França, Alemanha, India. E de cidades,
como: Euora, Lisboa, Coimbra. E os nomes das g?-
tes, que das prouincias, ou cidades se deriuão: como,
Portugues, Arabio, Lisbones, Coimbrão.
Item os nomes de montes: como, Sion, Olympo,
Tauro, Ætna.
fol. 59v
E de rios como: Tejo, Guadiana, Danubio, Eu-
phrates.
E de fontes como: Arethusa, Castallio.
E de meses como: Ianeiro, Março, Maio, Nou?bro.
E de deoses da gentilidade como: Iuppiter, Ne-
ptuno, Venus, Diana.
Finalmente todo o nome, que não pode competir,
senão a h?a soo pessoa, ou cousa.
Item se screue com letra capital & grande, todo o
principio de lectura, & qualquer clausula, que se siga
despois de acabar outra clausula precedente, em põ-
to final, ou interrogatiuo, ou admiratiuo, como se
veraa nos ex?plos, que poeremos, quando tractar-
mos dos pontos das clausulas.
Item se screue com letra capital, o q? vai despois do
cõma, quãdo se muda de h?a sent?ça a outra, como,
Dicam Deo: Noli me condemnare. Direi a Deos:
Não me queirais cõd?nar. Ou quãdo se passa de h?a
pessoa a outra, como, Dixit aut? quidã: Ecce mater
tua. Dixe então h? certo hom?: Ex aqui vossa mãi.
E em meo de alg?a dição, se não poeraa letra maiu-
scula, q? seria feo dizer. IoAm. LouR?ço. AnRique.
¶ Regra. XVIII.
QVe em a scriptura não liguemos h?as letras afol. 60r
outras & muito menos h?a dição a outra, como fa-
zem geeralmente scriuães, por razão de com h?a pe-
nada fazer? muitas letras, & em pouco spaço mais
scriptura, respectando mais ao seu proueito, que ao
dos lectores. Porq? da tal ligatura nasce confusão, &
obscuridade, ainda em letra de bõa mão, & não se lee
senão o que se tira per descrição. Porque por causa
das ligaturas, não se pod? formar as letras perfecta-
mente. De que vem que per discurso de tempo, ou
de se costumarem outras ligaturas, ou se não costu-
marem, se não leerão muitas scripturas. No que de-
uemos imitar a nossos passados, cujas scripturas an-
tiquissimas, por não screuerem ligado, leemos sem
nenh?a difficuldade, o que nossos posteros não farão
das nossas. Outro inconueniente se segue das liga-
turas, que por causa dellas, nenhum estrangeiro po-
de leer, nem entender nossas cousas. O que não fo-
ra se as letras forão soltas, porque os characteres, &
figuras de nossas letras puros em si, são comm?us a
todas nações, que vsão do alphabeto Latino. Ache-
gase a isto, q? toda letra solta & desapegada, por maa
que seja, representa ao sentido de quem a vee, & faz
conceber, o que nella se cont?e, & por maa que seja,
se lee, sem difficuldade. E pelo contrario, sendo li-fol. 60v
gada, ainda que bõa letra seja, se lee com trabalho, &
muitas vezes se não entende. Do que quis fazer re-
gra de orthographia não o sendo, por o trabalho q?
scriuães dão, a quem lee seus processos, que por co-
biça de pouco ganho, muitas vezes offuscão a justiça
das partes, & porque meu intento he ser este tracta-
do, hum preludio da arte & instrução dos notarios,
que despos elle spero logo diuulgar.
¶ Regra. XIX.
QVe não confundamos, nem misturemos as fi-
guras numeraes da cõta Romana cõ a Arabica,
como fazem alg?us, que por dizerem, xxv. xxvj.
xxvij. xxviij. screuem xx5. xx6. xx7. xx8. que he
cousa fea, & nojenta para quem entende. Nem co-
mecemos a conta em figura, & acabemos em letra,
mas toda a conta screuamos junta, ou per palauras,
ou per notas numeraes, & digamos: Anno de mil, &
quinhentos, & setenta & seis, ou: Anno de 1576. &
não: Anno de mil, & quinhentos & 76. nem Anno
de 150. & setenta & seis, que outro si he cousa fea &
desproporcionada.
¶ Regra. XX.
A Vltima regra, que na lembrança deue ser a pri-fol. 61r
meira seja, que trabalhemos sempre, por inuestigar
a orig? dos vocabulos. Porq? pela etymologia del-
les, se sabe a orthographia, & pela bõa orthographia
a etymologia. E esta he a fonte & a raiz de fallar-
mos, & screuermos bem, & propriamente, ou mal.
Porque de as palauras andarem tiradas de seu curso,
& scriptura, vem não se saber a origem, & pro-
priedade dellas: & de não sabermos a origem, vem
andarem muitas tam mal scriptas, que por starem
tam recebidas do vulgo, não podem já teer em?da.
Esta palaura, memposteiro, ategora andou mal scri-
pta, mas agora, q? com outras muitas vola dou em?-
dada em, mamposteiro, facilm?te caireis no q? quer
dizer, & dõde se deriua, que he hom? posto da mão
d'algu?, para alg? negocio, na forma que dizemos
mãteudo, o que stá teudo, & alim?tado da mão d'al-
guem. E assi sabendo, que farropea vem de ferro, &
de pea, direis ferropea com .e. & não com .a. como
quem sabe, donde se deriua. E quem soubera, q? man-
to bernio, queria dizer, mãto de Hybernia, ilha a q?
per outro nome chamão Irlanda, onde se faz?, co-
mo, Paris, Ruão, Hollãda, por outros panos, dixera
hybernio, & não bernio, q? não he menos grosseria, q?
se dixessemos, Taliano, por Italiano, & Lemão, porfol. 61v
Alemão, o q? se não soffre. Porq? em nomes proprios
ou deriuados d'lles, não pode hauer mais corrupção,
que na terminação final. Ao q? não obsta dizer, q? isso
he o effecto da corrupção das lingoas, & q? assi he em
todos os mais vocabulos, em q? se mudão h?as letras
em outras, & se accrescentão, & diminuem. Porque
h?a cousa he a corrupção, q? se faz por a propriedade
da lingoa, a que traspassamos os vocabulos, & perq?
corrõpemos h?as letras em outras suas affijs, outra
he, a q? se faz por a ignorancia da origem dellas, q? he
corrupção, q? as orelhas de hom?s polidos, & de bom
ent?dim?to não admitt?, como he dizer enxucação,
por execução, socresto, por sequestro, rendição de ca-
ptiuos, por redempção, alicornio por vnicornio, so-
rodio, por serodio, & outros infindos vocabulos, q?
muita g?te pron?cia, & screue mal, por não saber a
orig? delles, sem a qual he impossiuel screuer certo,
nem fallar proprio. Assi q? ainda q? da vulgar g?te ve-
jamos, q? stá recebido, screueremse d'outra maneira,
como não deuem, attreuamonos aos screuer, como
deuem sem medo, & por memposteiro, digamos
mamposteiro, por sorodio, serodio, & por bernio, hy-
bernio, q? o vso tudo vem abrãdar, & fazer corrente,
& natural. E reuendiquemos, & restituamos a seu lu-fol. 62r
gar os vocabulos, & façamos costume do q? consiste ?
razão, & analogia. Porq? em nenh?a cousa pode mais
o costume, que na orthographia, & nas palauras, q?
se mudão, & varião como as moedas. Scipião Afri-
cano (segundo Quintiliano screue) de vorto, vor-
tex, & vorsus, começou a screuer, verto, vertex, &
versus, & assi ficou em vso. Caio Cesar de optumus
& maxumus, que então dizião, screueo optimus, &
maximus, que nos durão ategora. Por magister di-
zião os antigos magester. por liber, leber. por nu-
trix, notrex. por Hecuba, Hecoba. & por sibi dizião
sibe. & por quasi, quase. & outros infindos, q? se mu-
darão com o tempo em outra maneira de screuer.
E de dez diphthongos que os Latinos tinhão se fo-
rão esquecendo os quatro. E assi veemos na lingoa
Portuguesa, per quam differente maneira se screue
agora do que se screuia & pronunciaua, no tempo
antigo ate o delRei dom Ioão o primeiro, que pa-
rece outra differente lingoagem. E mui facilm?te
(para tornarmos ao proposito que comecei) se alcã-
çaraa a origem dos vocabulos (moormente per os q?
a lingoa Latina souberem) se considerarmos as le-
tras que se conuertem em outras, como acima vos
mostrei.
fol. 62v
DA OBSERVAÇÃO
Dos articulos, & como se deuem
screuer.
AInda que na lingoa Latina se escusem os
articulos, por as terminações dos casos,
que mostrão quaes são, na lingoa Portu-
guesa, onde os nomes são indeclinaueis
(tirada a differença dos numeros) são necessarios,
porque per elles vimos em conhecim?to dos casos,
pois no caso em que elles stão, sabemos star os no-
mes, a que se ajuntão. Mas porque aos articulos, que
tambem são indeclinaueis, & soo teem variação no
genero & numeros, não podiamos dar esta demõs-
tração dos casos, soccorremonos aas preposições,
de, &, a, pelas quaes os mostramos. Porque, de, nos
serue pera o genitiuo, & ablatiuo, &, a, para o datiuo
desta maneira.Articulo masculino.
Articulo feminino.Singular.
Plural.Singular.
Plural.
Ntõ.
o.
os.
Ntõ.
a.
as.
Gtõ.
d' o.
d' os.
Gtõ.
d'a.
d'as.
Dtõ.
a o.
a os.
Dtõ.
a a.
a as.
Acctõ.
o.
os.
Acctõ.
a.
as.
Ablti.
d' o.
d' os.
Ablti.
d' a.
d'as.
fol. 63r
O vocatiuo não t?e articulos. Porque o .ô. cõ que
chamamos, he aduerbio de chamar, & não articulo.
Porque a natureza dos nomes relatiuos, & demon-
stratiuos, como os articulos são, não padece aquelle
caso, que requere presença da pessoa, a que se dirijão
as palauras de chamar. E assi vereis, que não t?e
variação de genero, nem de numero. Porque di-
zemos. ô senhor, ô senhores, ô senhora, ô senhoras.
Assi que errão, os que cuidão que o articulo t?e va-
riação de caso .s. o, a, do, da, ao, aa, ô. Porque não ha
mais que, o, a, & o que se lhe prepõe, são as dictas
preposições. Porq? por dizermos de o .de a. viemos
dizer, do, da, comendo, & apagando o .e. per h?a fi-
gura chamada synalepha, assi como de en o, & de
en a, viemos dizer no, na. & de com o, co. & de
com a, coa. De maneira que quando dizemos ao, a,
he preposição & o, he articulo. E quando dizemos
aa, da mesma maneira o primeiro, a, he preposição,
& o segundo articulo feminino. Donde se segue, q?
necessariamente, quando a preposição se ajunta ao
articulo feminino, que he no caso datiuo, screuere-
mos per dous, aa. O que antes parecia duro a alg?us
que não caíão na razão disso. Porque o, a, como di-
go, per si soo he preposição.
fol. 63v
E porque ha alg?us de engenhos obstinados, a que
não sei se persuadi, quero lho prouar per h?a demõ-
stração nas lingoas Castelhana, Italiana, & Frãcesa,
que nisto cõformão com a nossa. Porque acerca dos
Castelhanos, quando dizem voy a Roma, aquelle, a, he
preposição, & não põem articulo, por Roma ser no-
me proprio, que o não admitte. E quando dizem
voy a la Iglesia, fica manifesto, que o, a, he preposição,
& o, la, articulo como tambem fazem no masculi-
no, quando dizem, voy a Toledo, sem articulo por a
dicta razão de ser nome proprio, & voy al mercado por
ser appellatiuo, com o articulo, al, que he o mesmo
que a el, de q? fazem syncopa. E os Italianos da mes-
ma maneira diz? ando a Roma, & ala piazza, & io passai per
Bologna, & passai per la strada, E os Franceses dizem, ie voy a
Naples, & a Rome: & ie voy a la maison, & a la eglise. Do que fica
conuencido, que necessariamente hauemos de scre-
uer dous .aa. quando ajuntamos a preposição, a, ao
articulo feminino no caso datiuo, & dizer, vou aa
igreja, doume aa virtude, das te aas armas.
Item deueis saber outra regra, que nunca ouuiri-
eis, que por os nomes proprios serem demonstra-
tiuos de seu genero, & por não teerem necessida-
de de articulos, demonstramos os casos d'elles,
fol. 64r
soomente com as dictas preposições sem articulo,
& dizemos: Pedro corre, & não, o Pedro. & Cæsar
vence, & não o Cæsar: & de Cæsar he vencer, & não
do Cæsar: & a Cæsar conuem vencer, & não ao Cæ-
sar: & com Cæsar stá a victoria, & não com o Cæsar.
O que tudo he per as dictas preposições, sem articu-
lo. Mas nos appellatiuos, dizemos assi: O capitão
vence: Do capitão he vencer: Ao capitão conuem:
Com o capitão, &c. Dõde se segue, que errão h?us,
que por se fazerem mais Portugueses do necessario,
& muito anciãos, dizem, o Bartolo diz isto, o Baldo
diz aquell'outro. O que he cõtra a propriedade dos
articulos, que não se ajuntão aos nomes proprios:
porque não demostrão, o que naturalmente stá de-
mõstrado. Ainda que nos appellidos, & cognomes
de pessoas mui conhecidas, de que frequentemente
fazemos m?ção, se ponhão alg?as vezes, como quã-
do dizemos, o Pinheiro, o Nauarro.
E assi como aos nomes proprios, se não ajuntão
articulos, assi nem aos pronomes, porque stão em
vez de nomes proprios, soomente lhes aj?tamos as
preposições, como de mi, de ti, de si, de este, d'estou-
tro, a mi, a ti, a si, a nos, a vos, a aquelles. Mas não
ao mi, ao ti, ao este, aos nos, &c.
fol. 64v
Item se ha de aduertir acerca d'estes articulos outra
cousa, a que não se pode dar razão, senão pedilo assi
a orelha & costume, que a alg?us nomes de prouin-
cias ajuntamos articulos, & a outros não. Porque di-
zemos: Italia he prouincia fertil, & cidade de Italia,
& d'isto vem b? a Italia, & vou a Italia, & o mesmo
em Frãça, Lombardia, & Hespanha, & outros. Mas
não he assi nesta palaura, India, onde não nos soffr?
as orelhas dizer, India he terra grãde, cidade de In-
dia, nem vou a India. Porq? dizemos, a India, da In-
dia, aa India. E assi dizemos Cambaia stá na India,
& vou a Cambaia. Mas não diremos, China stá no
oriente, senão a China, & assi vou aa China. E assi di-
zemos vou a Corintho, vou a Toledo, & não ao Co-
rintho, nem ao Toledo. Mas não diremos vou a
Cairo, se não ao Cairo.
Outra obseruação he, que quando os nomes das ci-
dades podião per outra maneira ser appellatiuos, ou
cõm?us, sempre lhes damos articulo. Porq? ainda q?
digamos vou a Toledo, vou a Roma, não dizemos
assi, vou a Porto, vou a Guarda, senão vou ao Porto,
vou aa Guarda. E da mesma maneira quando se as
prouincias nomeão pluralm?te, como vou aas Hes-
panhas, vou aas Canarias. O que não he nos nomes
fol. 65r
das cidades: porque dizemos vou a Athenas, vou a
Bruxellas, vou a Thebas, vou a Cumas.
Item hão de aduertir, q? dizemos vou a casa, quãdo
ent?demos da nossa morada, & vou a casa de Pedro,
& não aa casa. Mas quãdo não he casa de habitação,
dizemos cõ preposição, & articulo, vou aa casa dos
tabelliães, vou aa casa da India, &c.
E porque muitos aspirão os articulos, cuidando, q?
os tomamos dos Gregos, que no masculino, & femi-
nino do primeiro caso os teem aspirados, dizendo,
?. ?. lembro que he escusada curiosidade, assi porq?
os não pronunciamos aspirados, como porq? não to-
mamos esses articulos dos Gregos, ainda q? como el-
les os tenhamos. Porq? os nossos articulos, o, a, são o
pronome, is, ea, id, por o qual dizemos, o, a, o, o qual
pronome não soom?te vai antes dos nomes, como ar-
ticulo, mas antes & despois dos uerbos, como relati-
uo q? he. Porq? dizemos a Pedro eu o amo, & dizemos
amoo, amoa .s. eu o amo a elle, & amo a ella. E dize-
mos nos o amamos, & amamolo .s. por amamos o,
mudando o .s. em .l. por bom soido, como quando
dizemos fizestelo? ouuistela? por fizestes o? ouuistes
a? Por tanto he desnecessario aspirar o que de sua na-
tureza não t?e aspiração.
fol. 65v
DOS ACCENTOS, E QVANDO
Os deuemos vsar na scriptura.
COmo as palauras constão de vozes, naturalm?-
te as não podemos pronunciar, senão com dif-
ferença de accentos. s. h?us altos, & predomi-
nantes, & outros graues & baxos. E accento cha-
mamos, o tom que damos a cada syllaba, que em ca-
da h?a dição leuantamos, ou abaxamos. E o predo-
minãte, de que tractamos, não he mais que hum em
cada syllaba. E tirada aquella syllaba, em q? stá o acc?-
to predominante, as mais teem accento graue, que
propriamente não he accento, senão quanto em re-
specto do agudo. E os accentos são tres .s. agudo, gra-
ue, circumflexo. Agudo he, o q? leuãta mais a voz,
& t?e esta figura, á. O graue he o q? abaxa & he assi, à.
Circumflexo he o que participa de ambos, & assi
t?e a figura, â. E porque muitas dições se parecem
com outras, por teerem as mesmas letras, & todauia
por serem differentes na significação, teem differ?ça
no accento, releua vsar destes accentos, para demõ-
stração da differença. Dos quaes nas dições, que não
teem outras semelhantes, não deuemos vsar. Porq?
não seruirão de mais, que de causar confusão aa g?te
vulgar, & fazer cair em erro, os que os quiserem imi-
fol. 66r
tar, não o sabendo per arte.
Assi que onde o acc?to faz mudãça de significação,
o notaremos sempre, como nas terceiras pessoas do
preterito ?fecto, do modo demõstratiuo de todalas
cõjugações. Porq? concorrem cõ as terceiras pessoas
do futuro do mesmo modo, & numero, em as mes-
mas syllabas, senão que differem no accento. Qua
as vozes do preterito teem o accento agudo na pe-
nultima, & as do futuro na vltima. Polo q? para tirar-
mos a differença dos modos, & tempos, de que falla-
mos, quãdo for preterito, diremos amára, leéra, ou-
uíra. E quãdo for futuro diremos, amarâ, leerâ, ou-
uirâ, com accento circumflexo.
O mesmo vsaremos nos nomes, onde assi for ne-
cessario, como nesta palaura, cór, por võtade, que no-
taremos com accento agudo, aa differença de côr
por color, que o teem circumflexo: & como em fêz
pessoa do verbo faço, aa differença de féz por borra:
& ía pessoa do verbo vou vás, aa differença de já ad-
uerbio t?poral, &, ê, terceira pessoa do verbo sou, aa
differença de, e, conjunção, ainda q? neste a differ?ça
se tira sem accento, ou pela aspiração, q? se lhe põe de
costume, quando he verbo, ou por a figura que dão
ao, e, quando he conjunção assi, &.
fol. 66v
Mas alg?us ha, que por não teerem noticia dos ac-
centos, em lugar delles, dobrão as vogaes do acc?to
predominante, & screu?, amaarão, ouuijrão, aa dif-
fer?ça do futuro, & amaraa no futuro do indicatiuo,
& amaara no presente do optatiuo, & preterito im-
perfecto do subjunctiuo, & assi em os mais. Porque
as syllabas, que teem o accento, pela moor parte são
lõgas acerca de nos. O q? não carece de exemplo dos
antigos, como acima teemos dicto, dos q? dobrão .o.
Mas o melhor será, notar a differença com os accen-
tos, por não poer letras ociosas, que na verdade se
não pronuncião.
DOS APOSTROPHOS
APostropho he h?a figura, que os Gregos
contão entre seus accentos, sem ser acc?-
to. Porque soo denota a vogal que se tira
do fim da dição, per h?a figura chamada
synalepha, quando se segue outra dição, que outro si
começa em vogal. O que se faz no verso, para se eui-
tar o hiato & abertura da bocca, que se causa acabã-
do h?a dição em vogal, & começando outra tamb?
em vogal. A qual nota se põe sempre sobre a derra-fol. 67r
deira consoante da dição, ficando em lugar da vo-
gal que se tira, cuja figura he ametade de h? circulo
assi .?. E as dições acabadas em vogal, em que mais
cõmummente comemos & tiramos a dicta vltima
vogal, são estas, de, me, te, se, que, ante, no, na, esse,
este, aquelle, outro. Polo q? as screueremos assi, quã-
do lhe tirarmos & elidirmos aquellas vogaes, m',t'.
s', qu', n', n', ant', ess', est', aquell', outr', como d'am-
bos, d'isto, não m'ouuis? não t'ouui, não s'entende,
qu'andais diz?do? n'este, n'esta, n'outro, ant'ontem,
ess'outro, est'anno, aquell'outr'anno. E cõfundindo
tudo, & ajuntando o na scriptura, como fazemos na
pronunciação, seria cousa fea, & que causaria duuida
no significado, como se screuessemos, não mamais,
por não me amais, ou não touço, por não te ouço.
E em alg?us lugares necessariamente hemos de v-
sar deste apostropho, ainda q? seja em prosa, como he
nesta preposição, de, j?ta a dições, q? começão em vo-
gal, se na pronunciação comemos aquella vogal, de
que já teemos feita m?ção nas regras geeraes da or-
thographia. Item he necessaria, para screuer alg?us
nomes cõpostos, quãdo o primeiro simplez, se aca-
ba em vogal, & o segundo começa em outra vogal,
em que necessariamente tiramos a primeira vogal,
fol. 67v
como em Montagraço, Montargil, Portalegre. Os
quaes se hão de screuer assi, Mont'agraço, Mont'ar-
gil, Port'alegre, Font'arcada,
E da mesma maneira he necessario, para os nomes
proprios & cognomes. Qua por o que vulgarm?te
dizemos, Fernão daluarez, Pedrafonso, tudo junto,
hemos de dizer separado Fernand' Aluarez, Pedr'
Afonso. E assi não diremos, foão Dalmeida, Da-
guiar, Dantas, Doliueira, senão d'Almeida d'Agui-
ar, d'Antas, d'Oliueira, &c.
DAS ABBREVIATVRAS.
SOccede ser? na scriptura necessarias as abbreuia-
turas, q? já forão mui costumadas dos antigos, pa-
ra celeridade & presteza do screuer. Mas o abuso,
que entre nos anda, fora do costume d'outras nações
de abbreuiar as palauras per entrelinhas, se deue fu-
gir. Porq? he rem?dar a scriptura, q? pode ir limpa, &
inteira. Qua n?ca nos hemos de soccorrer a screuer
em spaço, senão quãdo despois de tudo scripto nos l?-
bra alg?a cousa, q? se houuera de screuer em regra,
que por não hauer já lugar, a mettemos em spaço, ti-
rando a abbreuiatura do, til, q? he necessaria, & não se
pode poer em regra. Polo que as abbreuiaturas, que
fol. 68r
houermos de fazer, não sejão para poupar papel, se-
não para poupar tempo. Porque screuendo em spa-
ço, não he abbreuiar, senão mudar o lugar do papel.
Assi que nossas abbreuiaturas sejão de tal maneira,
que nas palauras, que stão mui notorias, ponhamos
letra por parte, & nas que o não forem tanto, ponha-
mos tantas letras em regra dereita, ate que fique ma-
nifesto, que palauras são. As muito notorias são, as
que andão em vso, & vão em consequencia de ou-
tras, como. S. por senhor, & V. A. por vossa alteza.
V. E. vossa excellencia. V. S. vossa senhoria. V. M.
vossa merce. V. P. vossa paternidade. V. R. vossa re-
uerencia. E por elrei nosso senhor ElR. n. s. & por
autor .A. & por reo .R.
Mas nas outras partes, que não stão recebidas pelo
vso, screueremse per h?a letra, poremos mais letras
& em regra dereita, & não per entrelinha, como por
Elrei Dõ Sebastião nosso senhor, Elrei D. Seb. N. S.
E por Caio Iulio Cæsar, C. Iul. Cæs. por Quinto
Fabio Maximo. Q. Fab. Max. por Marco Tullio
Cicero, M. T. Cicero. M. Tul. Cic. por Francisco,
Franc. por Bartholomeu, Barthol. & por Andre,
And. & por supplicante, supp. E assi todas as mais
abbreuiaturas que se fazem em regra dereita com o
fol. 68v
til. como apl?o. m?a. snçã. & outros taes.
Mas deuemos ser auisados, que na abbreuiatura de
alg?a palaura, nunqua ponhamos letras, q? a palaura
scripta ao extenso não tenha, nem dobremos letra
alg?a, se outro si a não teem. Polo que por Gonçal-
uez, que he impossiuel teer dous .ll. não diremos,
Gllz?. senão Glz?. nem por Fernandez, Frrz?. mas
Frz?.
Item por euitar prolixidade de scriptura, se costu-
mão os numeros screuer per notas, & abbreuiaturas
pela conta Romana assi.
Vnidade.
I. II. III. IIII. V. VI. VII. VIII. IX.
Dezena.
X. XX. XXX. XL. L. LX. LXX. LXXX. XC.
Centena.
C. CC. CCC. CCCC. D. DC. DCC. DCCC. DCCCC.
Milhar.
M. IIM. IIIM. IIIIM. VM. VIM. VIIM VIIIM. IXM.
Dezena de m.
XM. XXM. XXXM. XLM. LM. LXM. LXXM. LXXXM. XCM.
C?tena de m.
C?. C?C?. C?C?C?. C?C?C?C?. D. D?C?. D?C?C?. DC?C?C?. DCCCC.
C?tena de m.
CM. CCM. CCCM. CCCCM. DM. DCM. DCCM. DCCCM. DCCCCM.
Conto
M?. ??M?. ???M?. ????M?. V?M?. V??M?. V???M?. V????M?. ?X?M?.fol. 69r
REFORMAÇÃO DE
alg?as palauras que a gente vulgar
vsa & screue mal.ERRADAS
EMENDADAS.
ACipreste dignidade.
Arcipreste.
Acipreste aruore.
Cypreste.
Acolá.
Aquolá.
Acupar.
Occupar.
Adaião.
Deão ou Daião.
Agabar.
Gabar.
Agardecer.
Agradescer.
Alanterna.
Lanterna.
Alcorcouado.
Corcouado.
Alicornio.
Vnicornio.
Alifante.
Elefante.
Almario.
Armario.
Almazona.
Amazona.
Aluidrar.
Arbitrar.
Aluidro.
Arbitro.
Antre.
Entre.
Apoupar.
Poupar.
Astim de terra.
Hastim.
Astrolomia.
Astronomia.
Aualuar.
Aualiar.
Aualuação.
Aualiação.
Auangelho.
Euangelho.
Auoar.
Voar.
Auto, por conueniente.
Apto,
BAixo.
Baxo.
Barrer.
Varrer.
Bisconde.
Vizconde.
fol. 69vERRADAS.
EMENDADAS.
Bitalha, bitualha.
Vitualha.
Boutiçar.
Baptizar.
Boutiço.Baptismo.
CA, aduerbio local.
Qua.
Ca, por quia.
Qua.
Calidade.
Qualidade.
Cantidade.
Quantidade.
Caronica, coronica.
Chronica.
Caronista, coronista.
Chronista.
Chançarel.
Chançeller.
Cileiro.
Celleiro.
Cinco.
Cinquo.
Coadrar.
Quadrar.
Como, aduerbio interrogatiuo.
Quomo ?
Compeçar.
Começar.
Compeço.
Começo.
Concurdir.
Concluir.
Conselho por pouo.
Concelho.
Consinar.
Consignar.
Consirar.
Considerar.
Contia.
Quantia.
Coresma.
Quaresma.
Creligo.
Clerigo.
Crelesia.Cleresia.
DEdo meiminho.
Dedo minimo.
Desenuergonhado.
Desauergonhado.
Desdeque.
Desque.
Despeçome.
Despidome.
Disforme.Deforme.
EDitos.
Edictos.
Emprouecer.
Empobrecer.
Enfatiosi.
Emphiteusi.
Enfatiota.
Emphyteuta.fol. 70r
ERRADAS.
EMENDADAS.
Enxerca.
Enxerga.
Enxucação.
Execução.
Enxucatar.
Executar.
Era, herua.
Hera.
Escuro,
Obscuro, oscuro.
Escuma.
Spuma.
Eprimentar.
Experimentar.
Esprital.
Hospital.
Esprito.
Spirito.
Estiba.
Estima.
Estibar.
Estimar.
Estormento.
Instrumento.
Estreuer.
Atreuer.
Estribuidor.
Distribuidor.
Estribuição.
Distribuição.
FArnesia.
Frenesia, ou phrenesia.
Farnetego.
Frenetico, phrenetico.
Farropea.
Ferropea.
Ferrugem de chamine.
Felugem, de fuligo.
Filosomia.
Physionomia.
Fogir.
Fugir.
Freima.
Flegma, ou fleuma.
Frol.
Flor.
Frolido.
Florido.
Fugareiro.
Fogareiro.
Ho, articulo.
.O.
IHESV.
IESV.
Impunar.
Impugnar.
Increo.
Incredulo.
Interlucutoria.
Interlocutoria.
Ioelhos.
Giolhos.
MAgestade.
Majestade.
Mancipado.
Emancipado.fol. 70v
ERRADAS.
EMENDADAS.
Manicordio.
Monocordio.
Manifico.
Magnifico.
Manincolizado.
Melancolizado.
Memposteiro.
Mamposteiro.
Menagem.
Homenagem.
Menhãa.
Manhaã.
Mercaderia.
Mercadoria.
Mialheiro.
Mealheiro.
Milhor.
Melhor.
Milhoria.
Melhoria.
Monipodio.
Monopolio.
Mouro deixo a vida.
Morro.
Mulher.
Molher.
NEgrigente.
Negligente.
Negrigencia.
Negligencia.
Nunca.
Nunqua.
OBsequias.
Exequias.
Oucioso.
Ocioso,
PEcição, precissão.
Procissão.
Pera, preposição.
Para,
Pessuir.
Possuir.
Pirolas.
Piloras, ou pilulas.
Praceiro por companheiro.
Parceiro.
Precurador.
Procurador.
Precuração.
Procuração.
Pregunta.
Pergunta.
Preguntar.
Perguntar.
Preimatica.
Pragmatica.
Priol,
Prior.
Proluxo.
Prolixo.
Prometor.
Promotor,
Proue.
Pobre.
Pruuico.
Publico.fol. 71r
ERRADAS
EMENDADAS.
Pruuicar.
Publicar.
Quiça.
Quiçais.
RAbiscar.
Rebuscar.
Reima.
Reuma.
Rendição de captiuos.
Redempção.
Resido.
Residuo.
Reueria.
Reuellia.
Rezão.
Razão.
Rindeiro.
Rendeiro.
Rolação.
Relação.
Rossio.
Ressio.
SAlmo.
Psalmo.
Sambixuga.
Sanguixuga.
Socresto.
Sequestro.
Solemne.
Solenne.
Solorgião.
Cirurgião.
Solorgia.
Cirurgia.
Somana.
Semana.
Sorodio.
Serodio.
TAballião.
Tabellião.
Teima.
Thema.
Theor.
Teor.
Theudo, mantheudo.
Teudo, manteudo.
Tisouro.
Thesouro.
Titor.
Tutor.
Titoria.
Tutoria.
Trelado.
Traslado.
Tribulo.
Thuribulo.
VEador.
Veedor.
Visorei.
Vicerei, vizrei.
fol. 71v
VOCABVLOS QVE
Screuendo se com differentes letras,
teem differente significação
H?a das cousas, per que se vee, quanto im-
porta a razão de bem screuer, ao entendi-
mento dos conceptos & palauras, he a di-
uersa significação, que muitos vocabulos
teem, por soo distarem de outros em h?a letra, perq?
fica conuencida a barbara practica de alg?us, q? por
palliar sua ignorancia, ou negligencia, dizem q? pou-
co vai screuer com h?as letras, ou cõ outras, ou ser?
as letras singellas, ou dobradas, como elles fazem, q?
fortuitamente as dobrão, sem saberem onde, nem
porque. Do que poerei alg?us vocabulos, dos que
me occorrerão, para exemplo do que digo, & para
emenda dos que o mal screuem.ABraço, com os braços.
Abraso, com fogo.
Acamar o pam.
Açamar os porcos.
Aço, ferro fino.
Asso a carne.
Acoutar, ir ao couto.
Açoutar, castigar.
Actor ou autor o que demanda.
Auctor ou author de alg?a obra.
Acude, verbo.
Açude, de moinho.
Amegeas, marisco,
Amexeas, frutta de aruore.
Assas a carne verbo.Assaz, aduerbio.
BArca que nauega.
Barça, vaso de palha.
Braça, medida.
Brasa, caruão acceso.
fol. 72rCaçar aues, ou animaes.
Casar tomar molher, ou marido.
Caça de aues, ou animaes.
Casa em que habitamos.
Caiado, branqueado.
Cajado bordão.
Cal branca.
Qual homem ?
Canto, faço melodia.Canto, cantiga.
Quanto nome relatiuo.
Canto, esquina.Ce, aduerbio de chamar.
Se, particula condicional.
Ceda de cauallo, ou porco.
Seda, que vestimos.
Cegar dos olhos.
Segar o pam.
Cella de frade.
Sella de cauallo.
Celleiro de trigo.
Selleiro que faz sellas.
Ceo & janto.Ceo empyrio.
Seo de Abraham.
Ceo hei ceumes.Cerrar com fecho.
Serrar, com serra.
Cerra verbo, fecha.
Serra instrum?to de serrar, ou montanha.
Ceruo, Veado.
Seruo captiuo.
Cesta vaso de vime.
Sesta nome numeral por sexta.
Ceuo, comida.
Seuo, grossura do animal.
Cinto que cinge.
Sinto, tomo sentimento.
Como, mastigo.Como por cum conjunção.
Quomo ? aduerbio interrogatiuo.
Concelho ajuntamento de pouo.
Conselho dos sabios.
Coso o panno com agulha.
Cozo a carne no fogo.
EMpoçar, metter no poço.
Empossar, tomar posse.
Era, verbo substantiuo.
Hera herua.
Era dos annos.FOrça, fortaleza.
Forca de ladrões.
Forçado que padece força.
Forcado pao de duas pontas.
Franca liberal.
França prouincia.
¶¶ Incerto duuidoso.
Inserto enxerido.
LAço armadilha, ou prisão.
Lasso, froxo.
Liço de tear.
Liso, sem aspereza.
Louça de barro.
Lousa, armadilha.fol. 72v
MAça de ferro, ou pao.
Massa de farinha.
Marquesa dignidade.
Marqueza nome proprio.
Meça, verbo de medir.
Mesa em que comemos.
Moça, que serue.
Mossa de spada.
Ouço o que falla.
Ouso, atreuome.
PAço, casa real.
Passo, de cinquo pees.
Parceiro, companheiro.
Praceiro de praça, ou publico.
Passo, ando.
Pasço o gado.
Peço com rogo.
Peso com as balanças.
Poço de agoa.
Posso, tenho poder.
Preço valor da cousa.
Preso na carcere.
QVeijada de queijo.
Queixada, parte da cabeça.
Queijo de ouelhas.
Queixo da cabeça.
Queijar, fazer queijos.
Queixar, fazer queixume.
RAça, casta.
Rasa, chãa.
Ração, quinhão, ou porção.
Razão, causa.
Ressio campo largo.
Rocio chuiua meuda.
Roça de mato.
Rosa de cheiro.
Roido dos ratos, ou traça.
Ruido de agoa.
¶ Spera, teem sperança verbo.
Sphera, corpo redondo, nome.
¶ Vaso de prata, ou barro.
Vazo entorno, ou derramo.VOCABVLOS QVE SCRIPTOS COM
letra singella significão de h?a maneira, &
com dobrada de outra.ATras, aduerbio, retro.
Attraz, verbo, attrahir.
BArata de pouco preço.
Baratta, bicho.
Besta animal.
Beesta, arma.
Bota de calçar.
Botta de vinho.
Botar, lançar.
Bottar perder a côr, ou agudeza.
CApa, os bois, verbo.
Cappa vestido.
Caro que custa muito.
Carro de bois.
Caso accontescimento.
Casso irrito & vão.
Caso com minha molher.
fol. 73rCera de mel.
Cerra fecha verbo.
Cometa, strella.
Commetta verbo.
Coro de Igreja.
Corro de touros.
¶ Encerar, vntar com cera.
Encerrar fechar.
FEro, cruel.
Ferro, metal.
Fora aduerbio local.
Forra liure.
Foro, tributo.
Forro, liure.
MAscara figura fingida.
Mascarra de caruão.
Meses do anno.
Messes do campo.
Moleira do moinho.
Molleira de cabeça.
Molinhar, moer.
Mollinhar, chouer meudo.
PEco nescio, nome.
Pecco, faço peccados, verbo.
Pega, aue.
Peega, prisão de bois.
Pena, castigo.
Penna pluma de aues.
Pero por pomo.
Perro por cão.
Polo por o ceo, ou norte.
Pollo, animal pequeno.
Prego o crauo na parede.
Preego o euangelho no pulpito.
Presa molher que staa em prisão.
Pressa celeridade, ou trabalho.
¶ Quinta nome numeral de cinquo.
Quintãa, casal.
¶ Reuelar, descobrir.
Reuellar, ou rebellar, resistir.
SAca tirada para fora.
Sacca sacco grande.
Se conjunção dubitatiua.
See cathedral,
Sesta por sexta numeral.
Seesta hora da calma.
Serão tempo da tarde.
Serrão cousa da serra.
VEelo, tu o vees.
Vello de lãa.
Velar de noite.
Vellar a freira, ou os casados.
Vso, costume.
Vsso, animal.VOCABVLOS, QVE MVDADO O
accento, significão de diuersa maneira.ACérto dou no fito.
Acerto, caso.
Amára, preterito.
Amará, futuro.fol. 73v
Auóo, ou auoa, mãi de meu pai, ou mãi.
Auô, pai de meu pai, ou mãi.
¶ Báia, corada.
Baía, enseada.
Céo, empyrio.
Cêo, como a noite.
Cópo de beber.
Côpo, de lãa, ou algodão.
Cór vontade.
Côr, por color.
Córte, quintal.
Côrte delrei.
¶ Gósto, verbo.
Gôsto, nome.
¶ Mólho de crauos.
Môlho de coelho.
Pégo, do rio.
Pêgo, aue.
Péso, com a balança.
Pêso com que pesão.
Pésame a carga.
Pêsame leuo desprazer.
Póde de presente.
Pôde de preterito.
Sáio, vestido.
Saío, verbo.
Sóldo, moeda.
Sôldo, stipendio.
¶ Véo, toucado.
Vêo, he vindo.TRACTADO DOS
Pontos das clausulas, & de outros que
se põem nas palauras, ou
oração.
NO processo da oração, ou practica, que fa-
zemos, naturalmente vsamos de h?as di-
stinções de pausas & silencio, assi para o
que ouue entender, & conceber o que se
diz, como para o que falla, tomar spirito & vigor,
para pronunciar. E assi he da mesma maneira, quã-fol. 74r
do screuemos. Porque como a scriptura he h?a re-
presentação do que fallamos, para se tirar a cõfusão,
do que queremos dar a entender, & para saber onde
começamos & acabamos as clausulas, vsamos de
pontos, como de h?as balisas & marcos, que diuidão
as sentenças, & os membros de cada clausula. E he
tam importante o apontar a scriptura, que muitas
vezes se ignora o verdadeiro sentido della, por falta
ou erro dos pontos. Item serue para cõceber na me-
moria, o que se lee. Porque os spaços ou balisas fa-
zem parecer o caminho mais pequeno, & ser mais
facil, & o que não stá diuidido, he mais comprido,
& enfadonho.
E os pontos que neste tempo se vsão, no partir & di-
uidir as clausulas, assi na scriptura de mão, como na
stampada, são tres .s. virgula, coma, colon, que teem
estas figuras.
Virgula ,
Comma :
Colon .
E a differença que há entre estes tres pontos he,
que a uirgula se põe, & faz distinção, quando ainda
não stá dicto tal cousa, que dee sentido cheo, mas soo-
mente descansa para dizer mais.fol. 74v
O segundo se põe, quando stá dicto tanto, que dá
sentido mas fica ainda mais para dizer, para perfei-
ção, & acabam?to da sentença. O qual ponto se cha-
ma comma, que quer dizer cortadura.
O terceiro se põe, quando teemos chea a sent?ça,
sem ficar della mais que dizer. E chamase colon, que
quer dizer m?bro. Porque elle he parte do periodo,
que he a clausula ou materia acabada, de que a baxo
diremos mais. O qual periodo, que quer dizer arro-
deo, cõsta de tres membros, & ao menos de dous.
E os exemplos destes põtos, como se deuem vsar,
se pod? veer nestas clausulas: Creo em Deos padre,
todo poderoso, criador do ceo, & da terra: & em
Iesu Christo seu filho, h? soo nosso senhor. Amer-
ceaiuos senhor de mi, segundo vossa grande miseri-
cordia: & segundo a multidão de vossas misericor-
dias, apagai minha maldade.
Item se ha de notar, que em h?a clausula pode vir
h? cõma, ou mais, sem nenh?a virgula, como nestes
exemplos: Senhor não me argüaes em vosso furor:
nem me compreh?daes em vossa ira. No principio
era a palaura: & a palaura era acerca de Deos: & Deos
era a palaura.
E assi podem vir muitas virgulas, sem algum cõ-
fol. 75r
ma, como neste ex?plo. Quem me dará pennas, co-
mo de pomba, & voarei, & descansarei? E em ver-
dade vos digo, q? qu? não receber o regno de Deos,
como hum menino, não entrará nelle.
Item pode hauer clausulas, em que não entre vir-
gula, nem cõma: se não soo o ponto final como aqui.
No principio criou Deos o ceo & a terra. Qual de
vos me arguirá de peccado?
Mas para saberdes vsar destes pontos em seu lugar,
heis de notar, q? a virgula se põe para distinguir, não
soomente h?a oração da outra, mas ainda para distin-
guir h?as dições de outras. Porque se põe despos no-
mes adjectiuos, quando cõcorrem muitos em hum
mesmo caso, como aqui: Deuida cousa he ao prin-
cipe ser humano, liberal, justo, prudente, & constan-
te. Item se põe entre substantiuos, como aqui: As
virtudes são quatro, fortaleza, justiça, temperança,
prudencia. Item se põe despois de adjectiuo junto a
substantiuo assi: Homem de grãde coração, de sin-
gular prudencia, & de diligencia estremada. Item se
põe entre aduerbios puros, sem outra cousa, como el-
le o fez galantemente, valerosamente, & diligente-
mente. Item se põe despos verbos simplezes, sem al-
gum caso que rejão, como aqui: Pecquei em comer,
fol. 75v
em beber, em rijr, em escarnecer. E o mais cõmum-
m?te, despos verbos, que regem casos, que he a ora-
ção perfecta & acabada, como seruir a Deos, amar o
proximo, lembrar da morte.
O comma se põe sempre em sentença suspensa, &
não acabada, como nos exemplos acima dictos. It?
se põe, quãdo na practica que fazemos, referimos pa-
lauras d'outrem, como aqui: Sam Paulo diz: fee sem
obras he morta. E Platão diz: Os hom?es não nas-
cerão para si soos. Item vsamos do comma quando
conuertemos as palauras em alguem, como naquel-
las palauras: Direi a Deos: Não me condeneis: Mo-
straime como me julgaes assi.
O colon & periodo tudo se assinala com hum põ-
to, & nisso ha pouco que dizer, pois são pontos, q? se
põem no fim da sentença acabada, ou da clausula to-
da, em que não ha que errar.
De maneira, que h? cõma pode cõprehender mu?-
tas virgulas, & hum colon muitos cõmas, & h? pe-
riodo muitos colõs, desta maneira: O Emperador
conhec?do, quam melhor he viuer em paz, q? andar
em guerra, fez concertos com elRei de França: &
para confirmar estes concertos, se vírão em Niça: da
qual vista ficarão reconciliados, & os poucos mui cõ-
fol. 76r
tentes. Agora se spera por a resolução do que se as-
sentou. Prazerá a Deos, será para quietação do pouo
Christão. Isto se chama periodo, onde vai a clausula,
& materia toda acabada, incluindo tres membros,
que são tres sentenças, que vão distinctas com o pon-
to final, que he o colon.
De outro ponto vsão agora alg?us modernos, que
consta de hum colon, na parte superior, & de h?a vir-
gula na inferior assi; do qual dizem, q? querem vsar,
onde não stá dicto tanto, que se aja de poer comma,
nem tãpouco, que se aja de poer virgula. Mas a meu
veer, he inu?ção de pouca vtilidade, & desnecessaria,
& que eu não imitaria. Porque pelos pontos antigos
se distingue tudo, & este faz mais toruação, que di-
stinção, que he o fim dos pontos.
ALem d'estes pontos, que seruem de demarcar as
clausulas, há outros mais para outros effectos,
cujas figuras são as seguintes.
Interrogatiuo ? Hyphen -
Admiratiuo ! Asterisco *
Paragrapho § Obelisco (
Parenthesis ( ) Brachia ?
Meo circulo ) Diuisão –
Apices ¨ Angulo ^
O primeiro he o interrogante, q? se põe no fim da
fol. 76v
clausula ou sentença interrogatiua .s. quando se per-
gunta alg?a cousa, como nestas palauras: Se vos eu
digo verdade, porque me não credes? Qual de vos
m' arguira de peccado?
O II. ponto he o admiratiuo, que quasi se parece
na figura cõ o interrogatiuo senão que teem a plica
direita para cima. O qual se põe no fim da clausula,
que pron?ciamos cõ alg? espãto ou indignação, co-
mo neste ex?plo: Quãta difer?ça ha de h? hom? a ou-
tro! Com quã grãde trabalho se sostenta a virtude!
O III. he o paragrapho, o qual he ponto de di-
stinção, não de h?a clausula a outra, mas de h? tracta-
do a outro, ou de h?a materia a outra, cuja figura era
esta ?. donde se tirou o § dos Iuristas. Mas o pro-
prio deste ponto he, poer se no principio da cousa di-
uidida, como o vulgarmente veemos vsar.
O IIII. he par?thesis, que he h?a formação de di-
uersa sentença, & palauras estranhas, q? se interpõem
na clausula, & se podem tirar, ficando perfecto o sen-
tido. As quaes palauras interpostas incluimos em
meo destes dous meos circulos. ( ). para denotar-
mos, q? são alheas d'aquella clausula, em que se inter-
põem, como quando dizemos: Se accõtecesse caso
(o q? Deos não permitta) q? eu não torne da India:
fol. 77r
Bem auenturadas serão as republicas (seg?do dizia
Platão) quando os Reis philosopharem, ou os philo-
sophos reger?. E aas vezes seruem estes dous meos
circulos, sem força de parenthesis, quando nelles in-
cluimos alg?a addição, ou declaração nossa, sobre a
materia que tracta algum author, q? interpretamos.
O V. he hum meo circulo da parte directa, de que
vsamos, quãdo glossamos alg?a sentença de algum
author, ou quãdo declaramos alg? dicto, incluindo
nelle palauras glossadas assi. )
O VI. são h?s apices ou cimalhas, das quaes vsa-
mos, quãdo se ajuntão duas vogaes, q? se podião leer
de duas maneiras, ou j?tas em h?a syllaba, ou separa-
das em duas. Polo q? quando queremos mostrar, q? as
vogaes se hão de leer diuididas, poemos os apices
nesta maneira, aïo por mestre de criação, caïado por
brãqueado, a differ?ça de, cajado, por bordão, ïa, pre-
terito imperfecto do verbo vou, a differ?ça de já, ad-
uerbio t?poral, & assi boïada, boïa, argüir, saüde.
O VII. he o hyphen, q? quer dizer vnião, ou ajun-
tam?to. O qual se vsa de duas maneiras: a primeira,
quãdo se aj?tão em h? corpo duas dições differ?tes,
ficãdo feitas h?a soo, como passa-t?po guarda-por-
ta, val-verde, Mont'-agraço & aquellas palauras La-
fol. 77v
tinas, venum-dare, pessum-dare, ab-intestato, & ou-
tras muitas. A outra maneira de q? a vsamos he, quã-
do per caso, ou per erro, se acerta de screuer h?a pala-
ura cõ as syllabas muito separadas h?as das outras,
para denotarmos, q? se hão de aj?tar em hum corpo,
para formar h?a dição, & tirar a duuida em q? staria
o lector, como aqui: Confia-do na vossa palaura. De
maneira que he sinal de vnião & ajuntamento, & co-
mo h?a solda, & ferruminação de syllabas.
O VIII. he o asterisco, que quer dizer strellinha.
Do qual vsauão os antigos, & se vsa agora, quando
se notão alg?us versos, ou palauras, que faltauão em
o author, ou quando querem mostrar alg?as pala-
uras, que são dignas de se notar, & he assi, *
O IX. he o obelisco ( cõtrario ao asterisco, &
quer dizer pequena ponta de espeto ou seetta, com q?
assinalauão os versos ou palauras adulterinas, d'alg?
author. Das quaes duas figuras, o q? primeiro vsou,
foi Aristarcho, na censura q? fez dos versos de Ho-
mero. Porque os bõos & genuinos notaua com aste-
riscos, & os maos & adulterinos com obeliscos. De
quem despois os tomarão Origenes, & S. Hiero-
nymo, & os vsarão na sagrada scriptura.
O X. he a nota, que os Gregos chamão brachia.
fol. 78r
O que he sinal, de ser breue a vogal, sobre q? se põe.
Da qual vsamos, quando queremos fazer differ?ça,
em alg?a palaura, de que h?a syllaba pode ser longa
& breue, & que sendo breue, t?e differente signifi-
cado, de quando he longa, como cag?do por o ani-
mal aquatico, a que os Latinos chamão testudo, &
no Latim occ?do por cair, a differ?ça de occido por
matar.
O XI. se chama nas impressões diuisão, quan-
do no fim da regra acerta de vijr h?a dição, que
por não caber nella, se parte, para se acabar na regra
seguinte. O qual se põe no fim da regra, na derradei-
ra syllaba da dição interrupta, desta maneira, Anto-
nio, para demostrar que a dição não stá acabada.
O XII. he o angulo ou meta, que os scripto-
res de mão vsão, quando lhe esquecerão palauras, q?
vão per entrelinha, ou se põem na margem da scri-
ptura, com o qual mostramos que naquelle lugar
onde elle stá, se hão de metter as taes palauras desta
maneira.
do nascimento
Anno de nosso senhor Iesu Christo.
^
FINIS.

