Regras que ensinam a maneira de escrever e Orthographia da lingua Portuguesa

    • Título
    • Regras que ensinam a maneira de escrever e Orthographia da lingua Portuguesa
    • Subprojeto

    • Corpus Ortográfico do Português

    • Tecnologia

    • Tratado Metaortográfico

    • Língua Objeto
    • Português
    • Metalinguagem
    • Português
    • Autor
    • Gandavo, Pero de Magalhães de (fl.1574-1576)
    • Biografia sucinta do autor
    • De Pero de Magalhães de Gandavo (fl.1574-1576) desconhecem-se as datas de nascimento e de óbito. De ascendência flamenga, daí a origem do seu apelido. Foi copista da Torre do Tombo, professor de latim e português na província natal de Entre douro e Minho. Esteve por duas vezes em território brasileiro, território acerca do qual também dedicou os seus estudos, os seus estudos com a obra Historia da prouincia Santa Cruz: a que vulgarmente chamamos Brasil (Lisboa, 1576), sendo por isso considerado o primeiro historiador do Brasil. Costuma-se afirmar que terá sido amigo pessoal de Luís de Camões (1524-1580).
    • Editor
    • -
    • Biografia sucinta do editor
    • -
    • Tipo de documento
    • Impresso
    • Local de impressão
    • Lisboa
    • Impressor/Editora
    • António Gonçalves (século XVI)
    • Ordem Religiosa
    • -
    • Edição
    • 1.ª ed.
    • Ano
    • 1574
    • Volume de páginas/fólios
    • 36 fols.
    • Outras edições conhecidas
    • 1.ª ed.    Regras qve ensinam a maneira de escreuer e orthographia da lingua Portuguesa: com hum Dialogo que a diante se segue em defensam da mesma lingua, Avtor Pero de Magalhães de Gandauo, Em Lisboa: Na officina de Antonio Gonsaluez. 1574.

      2.ª ed.    Regras qve ensinam a maneira de escrever a orthographia da lingva Portuguesa: com hum Dialogo que adiante se segue em defensão da mesma lingua, Avtor Pero de Magalhães de Gandauo, em Lisboa: por Belchior Rodriguez; Vendemse em casa de Ioão d'Ocanha, liureiro. 1590.

      3.ª ed.    Regras qve ensinam a maneira de screver a orthographia da lingva Portuguesa: com hum Dialogo que adiante se segue em defensão da mesma lingua, Autor Pero de Magalhães de Gandauo, em Lisboa: em casa de Alexandre de Siqueyra; Vendemse em casa de Ioão d'Ocanha liureiro. 1592.

      4.ª ed.    Rolf Nagel (1969): Die Orthographieregeln des Pêro de Magalhães de Gândavo. Aufsätze zur Portugiesischen Kulturgeschichte: Portugiesische Forschungen der Görresgesellschaft 1/9: 110-135.

      5.ª ed.    Regras que ensinam a maneira de escrever e a ortografia da língua portuguesa: Com o diálogo que adiante se segue em defensão da mesma língua. Edição fac-similada da 1.a Edição, Introdução de Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: Biblioteca Nacional.

      6.ª ed.    To¯ru Maruyama (2001): Keyword-in-Context-Index of the Regras que Ensinam a Maneira de Escrever e a Orthographia da Lingua Portuguesa (1574) By Pero de Magalhães de Gandavo. Nagoya: Department of Japanese Studies, Nanzan University.

      7.ª ed.    Carlos Assunção, Rolf Kemmler, Gonçalo Fernandes, Sónia Coelho, Susana Fontes & Teresa Moura (2019): As Regras que ensinam a maneira de escrever e ortografia da língua portuguesa (1574) de Pero de Magalhães de Gandavo: Estudo introdutório e edição. Vila Real: Centro de Estudos em Letras; Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Ortógrafos Portugueses; 1). ISBN: 978-989-704-386-4; e-ISBN: 978-989-704-387-1. https://www.utad.pt/wp-content/uploads/sites/7/2020/04/CEL_Orto%CC%81grafos-Portugueses_1-1.pdf. http://hdl.handle.net/10348/9783.

    • Mencionado em

    • Descrição sumária

    • Interesse linguístico
    • Foi o primeiro tratado ortográfico propriamente dito da língua portuguesa e o de maior sucesso editorial anterior à obra de Madureira Feijó (1734), uma vez que foi a única obra metaortográfica do século XVI a ser editada várias vezes no mesmo século. Marca o início da inclusão expressa de ideias etimológicas nos tratados metaortográficos portugueses; surge na sequência da necessidade de uniformização ortográfica provocada pelo aumento da circulação de obras impressas.
    • Inovações metalinguísticas
    • -
    • Influência recebida de
    • Grammatica da Lingoagem Portuguesa (1536) de Fernão de Oliveira
      Grammatica da Lingua Portuguesa (1540) de João de Barros

    • Influência exercida sobre
    • Apesar da sua importância no mercado livreiro da época, não consta que a obra de Gandavo tenha exercido qualquer influência sobre tratados metalinguísticos posteriores, o que possivelmente se deve ao impacto maciço da obra de Duarte Nunes de Leão (1576)

    • Índice da obra
    • [rosto] – fols. 1r

      [página em branco] – fol. 1v

      [licenças] – fol. 2r

      [dedicatória] A elRey nosso senhor. – fol. 2v

      PROLOGO AO LECTOR. – fols. 3r-5r

      De como se ha de fazer differença na pronunciação de alguas letras em que muitas pessoas se costumão enganar. – fols. 5r-7v

      ¶ DAS LETRAS COM que se escreue, & syllabas que se formão dellas. – fols. 8r-8v

      Dos lugares onde se hade vsar destas letras maiusculas, & das pausas & distinções que se requerem no discurso das escripturas. – fols. 9r-9v

      ¶ DO QVE SE POEM per parenthesis. – fol. 10r

      ¶ Do que se ha de pôr com interrogação. – fol. 10v

      ¶ DOS SINAES QVE SE hão de vsar quando se não acabar a dição no fim da regra, & de como se ha de fazer esta diuisaõ. – fols. 11r-12v

      ¶ DOS ACCENTOS QVEse hão de vsar em alguas letras, ou vocabulos que teuerem duuidosa a significação. – fols. 13r-14v

      ¶ DAS LETRAS SVPERfluas que se hão de vedar nas partes onde não forem necessarias – fols. 14v-15v

      ¶ DE COMO SE HAõ DE escreuer os nomes & verbos compostos. – fols. 15v-16r

      ¶ Da pronunciação G. – fols. 16r-16v

      ¶ DAS PARTES A QVE se ha de ajuutar esta aspirção H. – fols. 16v-18r

      ¶ DE QVE MANEIRA & em que lugares se ha de vsar desta letra I, & onde hade ser grego. – fols. 18r-19r

      ¶ DOS LVGARES onde se ha sempre de seguir M. – fols. 19r-19v

      ¶ DE COMO SE HA DE vsar desta letra R. – fols. 19v-20r

      ¶ DE COMO SE HA DE vsar desta letra V. – fols. 20r-20v

      SEGVESE HVM Dialogo em defensaõ da lingua Portuguesa, sobre a qual tem disputa hum Portugues com hum Castelhano, onde por se tratar desta materia vsa cada hum de sua linguagem na maneira seguinte. – fols. 21r-36v

    • Localização na biblioteca/proprietário
    • Biblioteca Nacional de Portugal
    • Referências
    • REFERENCES

    • Autor(es) deste ficha
    • Mónica Sofia Botelho Lima Augusto, Rolf Kemmler & Carlos Assunção
    • Como citar esta ficha
    • Augusto, Mónica Sofia Botelho Lima, Rolf Kemmler & Carlos Assunção. 2023. Gandavo, Pero de Magalhães de (fl.1574-1576): Regras que ensinam a maneira de escrever e Orthographia da lingua Portuguesa. https://pml.cel.utad.pt/ViewEntry.aspx?id_entry=8.

    Edição semidiplomática

    REGRAS 
    QVE ENSINAM 
    A MANEIRA DE ESCRE- 
    VER E ORTHOGRAPHIA DA 
    lingua Portuguesa, com hum Dialo- 
    go que adiante se segue em de- 
    fensam da mesma 
    lingua.
      AVTOR
      PERO DE MAGALHÃES 
    DE GANDAVO.
      EM LISBOA
      Na officina de Antonio Gonsaluez.
      Anno de 1574.
    fol. 1r

    fol. 1v
    VI por mandado dos illustrissimos & reueren- 
    dissimos senhores da sancta & geral Inqui- 
    sição esta obra de Pero de Magalhães sobre a or- 
    thographia da lingua Portuguesa com hum Dia- 
    logo em fauor da mesma lingua. E não achey 
    nella cousa contra a Fee & bõs costumes antes 
    tenho o tal exercicio por licito & proueitoso ne- 
    ste genero de materias desta qualidade, & me pa- 
    rece se deue imprimir. Em fe do qual assiney a- 
    qui viij. de Octubro. 1574.
    F. Bertholameu 
        Ferreira. 
    ¶    Vista a enformação acima escripta 
        imprimase. Em Lixboa a 9. de O- 
        ctubro de 1574.
      Lião Anriquez.     Manoel de Coadros.
    fol. 2r
      A elRey nosso 
    senhor.
    POR SER A PRESEN- 
    te obra (muito alto & 
    serenissimo Rey senhor 
    nosso) em defensão da 
    lingua Portuguesa, & 
    V. A. ter tanta razão de a honrar & en- 
    grandecer muito, pella professar & ser 
    senhor da mesma nação, cobrey ani- 
    mo pera a dedicara V. A. a quem hu- 
    milmente peço ma receba debaixo 
    de seu emparo, pera que seguramen- 
    te sem temor dos mal dizentes possa 
    sair a luz, illustrandoa com o nome 
    de V. A. Cuja real pessoa nosso Se- 

      nhor guarde & deixe reinar per 
    longos annos em muita 
    felicidade.
    fol. 2v
    PROLOGO AO LECTOR.
    HVã das cousas (discreto 
    & curioso lector) que 
    me pareceo ser muy ne- 
    cessaria & conueniente 
    a toda pessoa que escre- 
    ue, saber bem guardar a orthogra- 
    phia, pondo em seu lugar as letras & 
    os accentos necessarios que se reque- 
    rem no discurso das escripturas. E 
    porque nesta parte os mais dos Por- 
    tugueses saõ muy estragados & vi- 
    ciosos, & com innumeraueis erros 
    que cometem, corrompem a verda- 
    deira pronunciação desta nossa lin- 
    guagem Portuguesa, quis fazer estas 
    regras da orthographia a rogo de al- 
    g?s amigos, as quaes trabalhey por 
    comprehender em breues palauras 


    fol. 3r
    com a menos difficuldade que pude, 
    pera com ellas aproueitar a toda pes- 
    soa que as quiser seguir. Porem hase 
    de entender que minha tenção não 
    foy fazellas, senão pera os que não são 
    latinos. E por esta razão quis nellas 
    vsar de alg?s ex?plos, pera que assi fi- 
    cassem mais claras, & cõ menos tra- 
    balho fossem ent?didas de qualquer 
    pessoa ainda que nam tenha (como 
    digo) inteligencia de latim. Porque 
    se meu intento fora sómente aprouei- 
    tar com ellas aos grammaticos, ouue- 
    ra os taes ex?plos por escusados: pois 
    estâ claro não serem necessarios senão 
    a estes que escassamente sabem que 
    cousa he nome, & que cousa he ver- 
    bo. Os quaes ainda que tenhão mui- 


    fol. 3v
    ta experiencia de escreuer, não po- 
    derão deixar de cair em muitos er- 
    ros, se não teuerem alg?as regras 
    que nesta parte os allumiem. E al- 
    lem da orthographia que nas pre- 
    sentes se pode comprehender, ha 
    muitos vocabulos em que se comet- 
    te vicio, & são tantos que seria cou- 
    sa muy comprida querer aqui ex- 
    primir & tratar de raiz como se hão 
    todos de escreuer. Porque h?s se es- 
    creuem com c, outros com s, & 
    outros com z: cada hum em fim 
    segue sua origem, & assi h?s per 
    descuido, & outros por não sa- 
    berem latim (que he a fonte don- 
    de manou a mayor parte de- 
    stes nossos vocabulos) costumão 


    fol. 4r
    trocar muitas vezes h?as letras por 
    outras, o que realmente se nam pode 
    fazer sem offenderem â pronuncia- 
    ção desta nossa linguagem. E se os 
    Portugueses nisto quisessem aduertir 
    com diligencia mostrandose h? pou- 
    co mais curiosos desta arte de que tão 
    pouco se prezão, não aueria pela ven- 
    tura tantos que praguejassem desta 
    nossa lingua: porque com saberem 
    bem escreuer, saberião bem pronun- 
    ciar os vocabulos, & com os saberem 
    bem pronunciar, ficaria a mesma lin- 
    gua parecendo melhor aos naturaes 
    que a professam. Por onde não auia 
    de auer pessoa que se prezasse de si, q? 
    não trabalhasse por saber alg? latim, 
    que nisso consiste o falar bem Portu- 


    fol. 4v
    gues: & desta maneira facilm?te eui- 
    tarião todos estes erros, & serião per- 
    fectos em guardar a orthographia cõ- 

    forme â ethymologia & pro- 
    nunciação dos vocabulos
    De como se ha de fazer 
    differença na pronunciação de al- 
    g?as letras em que muitas pessoas 
    se costumão enganar.
    AS LETRAS 
    que se costumão muitas ve- 
    zes trocar h?as por ou- 
    tras, & em que se co- 
    metem mais vicios nesta 
    nossa linguagem, são estas que se seguem, 


    fol. 5r
    conuemasaber, c, s, z, & isto nace 
    de não saberem muitos a differença que 
    ha de h?as ás outras na pronunciação. 
    E assi ha nesta parte erros tão manife- 
    stos, & tambem recebidos de alg?as pes- 
    soas, que cuidão que dous ss, em meyo 
    de parte, tem muito mais semelhança de  
    z, que de c, no que totalmente se enga- 
    não, porque dous ss, tem mais semelhan- 
    ça de c, que de z, assi como remissão, 
    profissão, &c. E hum mais de z, que de 
    c, (digo em meyo de dição entre duas 
    vogaes) assi como, casa, peso, &c. 
    que se esteuer diante consoante ainda que 
    seja em meyo de parte, hum sô terà a 
    mesma força que tem dous, assi como 
    defensão, descanso, curso, &c. En- 


    fol. 5v
    fim que esta letra s, em principio de di- 
    ção, & em meyo diante consoante, 
    & em meyo dobrado entre duas voga- 
    es, sempre tem h?a mesma força & se 
    pronuncia de maneira que parece ter ma- 
    is semelhança de c, que de z, & em 
    meyo singello entre duas vogaes mais de 
    z, que de c, (como ja tenho dito.) 
    Mas ainda que isto assi pareça, nem 
    por isso terão licença de pôr c, em lu- 
    gar de s, nem s, em lugar de z, nem 
    z, em lugar de s, nem s, em lugar de 
    c, porque na verdade seria corrompe- 
    rem a verdadeira pronunciação dos voca- 
    bulos, & muitas vezes significar h?a 
    cousa por outra, assi como, passos que 
    se escreuem com dous ss, quando significão 


    fol. 6r
    os que se dão com os pês, & paços quan- 
    do se entendem pellas casas reaes com c. E 
    outros alg?s nomes & verbos ha, que não 
    tem outra differença na significação, se não 
    escreuerem se com s, ou com c, ou com z, 
    assi como cozer que se escreue com z, 
    quando he por cozinhar alg?a cousa em 
    fogo, & coser com s, quando he por coser 
    com agulha. Tambem ceruo se escreue 
    com c, quando he pelo veado, & seruo com 
    s, quando se entende pelo escrauo. E assi 
    tambem cella com c, quando se toma pelo 
    aposento do religioso, & sella com s, 
    quando significa a que se poem no cauallo. 
    E porque de todas estas diuersidades de vo- 
    cabulos que ha em nossa lingua, se não po- 
    dem fazer regras geraes pera se conhecer 
    com que letras se hão de escreuer, he for- 


    fol. 6v
    çado que todos os escriuães que nesta par- 
    te quiserem ser perfectos, tenhão algum 
    conhecimento de latim, ou ao menos conhe- 
    ção a differença que ha na pronunciação do 
    c, ao s, & do s, ao z, porque se cairem 
    nella, com mais facilidade poderão vedar 
    muitos erros conforme ao sentido da ore- 
    lha que nesta parte não he pouco fiel. E 
    pera saber como se ha de fazer esta diffe- 
    rença, entendam que quando pronuncia- 
    rem qualquer dição com c, hão de fazer 
    força com a lingua nos dentes debaixo de 
    maneira, que fique algum tanto a ponta 
    dobrada pera dentro, & quando for com 
    s, porão a lingua mais folgadamente pera 
    cima que fique soando a pronunciação á 
    maneira de assuuio de cobra, que esta foy 
    a causa porque os Antiguos formàram o s, 


    fol. 7r
    da feição da cobra, & o c, à maneira 
    de meyo circulo que fica dobrado semelhan- 
    te à lingua quando o pronuncia. Quanto 
    esta letra z, composerão os Gregos de du- 
    as letras, conuemasaber, do s, & do 
    d, & assi a pronunciação della não he ou- 
    tra cousa, senão a de hum s, carregado 
    por respecto daquelle d, que lhe formão 
    diante, o qual d, não deixa soltar a lin- 
    gua tão liuremente como quando o mesmo 
    s, per si se pronuncia. Assi que esta & 
    todas as mais letras inuentaram os mes- 
    mos Antiguos sapientissimamente, porque 

      cada h?a tem a forma conforme à 
    natureza & semelhança de 
    sua pronuncia- 
    ção.


    fol. 7v
    ¶ DAS LETRAS COM 
    que se escreue, & syllabas que se 
    formão dellas.
    NESTA arte do escreuer ha vinte 
    letras, ou vinte & h?a com este y gre- 
    go, a fora h, que lhe não chamão os Latinos 
    letra, senão aspiração. Destas vinte & h?a, 
    são seis vogaes & quinze consoantes. As 
    vogaes são estas, a, e, i, o, u, y. As consoantes 
    as mais que restão. E quantas vogaes teuer 
    h?a dição, de tantas syllabas sera. Saluo quã-
    do acontecerem duas vogaes juntas, estas du- 
    as não terão mais que h?a sô syllaba: quero 
    dizer que aquelle u, que se segue sempre di- 
    ante q, & alg?as vezes diante g, que não 
    se conte por vogal, nem se faça menção, se- 
    não da outra vogal que se segue diante del- 
    le. E assi tambem quando j, ou v, seruirem

    fol. 8r
    de consoantes, nam se entenderão então 
    por vogaes. As syllabas são estas que se 
    seguem, & destinguemse desta maneira 
    que neste vocabulo significo con, ue, ni, en, 
    te. Finalmente que h?a syllaba não he ma- 
    is que hum som que se faz com a voz co- 
    mo cada h?a destas que atras ficam destin- 
    tas. Tambem he necessario saber fazer to- 
    das estas letras grandes (ou maiusculas por 
    melhor dizer como lhe chamão os Lati- 
    nos) pera vsarem dellas (como a diante di- 
    rey) nas partes onde forem necessarias. 
    As quaes se fazem desta maneira seguinte. 
    A, B, C, D, E, F, G, H, I, K, L, M, 
    N, O, P, Q, R, S, T, V, X, Z, Y.
    fol. 8v
    Dos lugares onde se hade 
    vsar destas letras maiusculas, & 
    das pausas & distinções que se re- 
    querem no discurso das escriptu- 
    ras.
    EM principio de regra quan- 
    do se começar a escreuer al- 
    g?a cousa, sempre se vsarà 
    de h?a letra destas maiuscu- 
    las. E no discurso da escriptura auerá tres 
    maneiras de distinções, pera que o lector 
    saiba melhor pausar & entender o senti- 
    do da sentença, ou clausula, conuemasa- 
    ber, auerá virgula, dous pontos: hum 
    ponto. (da maneira que fica significado) 
    Da virgula se vsarà quando quiserem de- 

    fol. 9r
    stinguir h?a parte da outra indo proseguin- 
    do pela sentença adiante todas as vezes que 
    for necessario. Dos dous pontos em alg?s 
    lugares, onde se fezer mais pausa. De 
    hum ponto no fim da clausula, onde se a- 
    caba de concluir alg?a cousa. E logo a di- 
    ante do mesmo ponto a primeira letra que 
    se seguir serà maiuscula: porque hum pon- 
    to sô tem mais força que dous, & os do- 
    us mais que a virgula. E assi todos os 
    nomes proprios, & sobrenomes de hom?s, 
    ou de molheres, & nomes de cidades, de 
    villas, ou de lugares, de reinos, prouinci- 
    as, nações, & rios, & de nomes exqui- 

      sitos de animaes, ou bichos feroces, & os 
    doze meses do anno, tambem se 
    escreuerão com letra ma- 
    iuscula.
    fol. 9v
    ¶ DO QVE SE POEM 
    per parenthesis.
    QVANDO se offerecer em 
    alg?a parte da escriptura dizer al- 
    g?a cousa fôra da sentença, que 
    muitas vezes se não escusa pera ornamen- 
    to, & declaração do que se escreue, pôr-
    seha entre dous meyos circulos (desta ma- 
    neira.) Todauia não sera muita lectura, 
    porque se não embarace o lector, nem per- 
    ca o tino da sentença ou pratica que leua 
    enfiada. A isto chamão os Latinos Par?- 
    thesis, o qual ainda que se não lea, nem 
    por isso fica o proposito, & sentido da 
    pratica desatado, como em alg?as partes 
    no discurso da presente escriptura se po- 
    de ver.
    fol. 10r
    ¶ Do que se ha de pôr com interro- 
    gação.
    QVANDO for necessario 
    escreuer alg?a cousa em que 
    se faça alg?a pregunta a mo- 
    do de exclamação, ou de 
    qualquer maneira que seja, no fim della 
    se porà hum ponto, & junto delle hum 
    risco reuolto pera cima, como se pode ver 
    neste exemplo que se segue. Ha pela ven- 
    tura cousa no mundo que o homem com a 
    industria não alcançe? A isto se chama in-

      terrogação, a qual sempre se ha 
    de vsar desta maneira que 
    digo nas partes se- 
    melhan- 
    tes.
    fol. 10v
    ¶ DOS SINAES QVE SE 
    hão de vsar quando se não aca- 
    bar a dição no fim da regra, & 
    de como se ha de fazer esta diui- 
    saõ.
    QVANDO no fim de 
    alg?a regra se não acabar 
    a dição de escreuer por não 
    caber na mesma regra, pôr-
    seha junto da parte que fi- 
    ca escripta dous sinaes desta maneira = que 
    significão irse acabar a outra parte que 
    resta no principio da regra que se ha de 
    seguir. Porem hase de ter aduertencia 
    que em semelhantes lugares nunqua se par- 
    ta syllaba pelo meyo ainda que pareça ser 
    necessario partirse pera igualdade da escri- 

    fol. 11r
    ptura: porque não se sofre estar a con- 
    soante em h?a regra, & a vogal na ou- 
    tra, digo quando ambas se ajuntão que fa- 
    zem h?a syllaba. Saluo esta letra s, nun- 
    qua se apartará de p, nem de t, ainda que 
    pareça que se parte a syllaba pelo meyo, assi 
    como, estes vocabulos que se seguem & ou- 
    tros semelhantes, quando se ouuesse de par- 
    tir a syllaba que está antes do s, por não 
    caberem na regra, diuidirsehião desta ma- 
    neira, re= sponde, de= spacho, hone= sti- 
    dade, con= stranger, &c. Finalmente que 
    sempre andará o s, pegado no p, & no t, 
    pera perfectamente se auer de escreuer.
    ¶ E tambem esta letra c, pelo conseguinte 
    em tal caso nunqua se apartará do t, assi 
    como, san= cta, conje= ctura, vi= ctoria, 
    &c. Ainda que nesta nossa linguagem pela 

    fol. 11v
    corrupção dos vocabulos, vsão muito poucas 
    vezes, ou quasi nunqua de c, ante t: mas 
    quando o vocabulo o tem de sua origem, & 
    assi inteiramente foy vsurpado do latim pe- 
    ra nosso vso, não sera desnecessario, nem 
    inconueniente vsallo (como alg?s querem di- 
    zer) antes vsandose (como digo) nos taes 
    vocabulos, sera muita perfeição: porq? quan- 
    to mais chegarmos ao latim estes & outros 
    quaesquer vocabulos latinos que corrupta- 
    mente vsamos guardandolhes fielmente sua 
    orthographia, tanto sera nossa lingua mais 
    polida, & ficara nesta parte mais singular, 
    & appurada que as outras. ¶ E assi tam- 
    bem quando em algum vocabulo se dobrar a 
    consoante, quero dizer quando duas letras 
    semelhantes esteuerem entre duas vogaes, 
    ou ?tre vogal & cõsoante, assi como, approuo, 

    fol. 12r
    affligo, asseguro, &c. & que cada hum 
    dos taes vocabulos se haja de diuidir por 
    não caber na regra, nunqua a consoante 
    se apartará da vogal que está antes della: 
    & assi não auendo lugar em que possa ca- 
    ber mais do vocabulo que a syllaba que 
    está ante das duas consoantes, h?a dellas fi- 
    cará no fim da regra junto da vogal que lhe 
    antecede, & a outra que resta responde- 
    rá no principio da regra á outra letra & 
    ás mais que a diante se seguirem, assi co- 

      mo, ap= prouo, of= ficio, neces= 
    sidade, & outros infinitos a 
    que sempre em seme- 
    lhantes lugares 
    se ha de guar- 
    dar esta regra.
    fol. 12v
    ¶ DOS ACCENTOS QVE 
    se hão de vsar em alg?as letras, ou 
    vocabulos que teuerem duuidosa 
    a significação.
    QVANDO este articulo a, ou 
    as, se ajuntar a alg?s nomes fe- 
    meninos, a que se concede ou 
    nega alg?a cousa, terá hum accento em 
    cima, assi como, à vossa geração se deue 
    esta honra, ás cousas diuinas se ha de ter 
    grande acatamento, &c. Enfim que assi 
    como dixeramos, ao, ou aos em nomes mas- 
    culinos, assi diremos à, ou âs, com este 
    accento em cima em nomes femininos: sal- 
    uo quando se ajuntar a alg?s nomes pro- 
    prios, não sera necessario vsarse deste ac- 
    cento nelle ainda que sejão femeninos, por- 

    fol. 13r
    que se dixessemos, a Lixboa se deue esta 
    honra, està claro não ter alli este a, necessi- 
    dade de accento, pois se não deue vsarse 
    não quando a pronunciação carrega nelle 
    da maneira que nos exemplos acima fica 
    declarado onde se denota com o tal accento 
    o mesmo que outros denotão com dous aa, 
    não sendo a meu juizo necessario mais que 
    hum sô, vsandose nelle deste accento que digo.
    ¶ E assi tambem quando se ouuer de vsar 
    desta letra o, em alg?a inuocação, pôrseha 
    com hum accento emcima, assicomo. Vos ô 
    poderoso Senhor valeinos, ô grão Rey a- 
    judainos, &c. Tambem ha muitos verbos 
    que não se sabe se falão do tempo passado, 
    se do por vir: & pera se tirar esta duuida, 
    quando falarem do tempo passado, se porá o 
    accento na penultima, que não he a derradei- 

    fol. 13v
    ra syllaba, senão que esta antes della, assi- 
    como, alcançára, louuára, agradecéra, &c. 
    E quando falarem do por vir, pôrseha na 
    vltima desta maneira, assicomo, alcança- 
    rá, louuoará, agradecerá, &c. E estes 
    verbos & todos os mais no plurar, quan- 
    do falarem do passado que fezerem o accen- 
    to na penultima se escreuerão com m, assi- 
    como, alcançaram, louuaram, &c. E quan- 
    do falarem do futuro que fezerem o accen- 
    to na vltima, se escreuerão com ão, assi- 
    como, alcançarão, louuarão, &c. Ou tam- 
    bem se podem escreuer com m, quer falem 
    do passado quer do por vir, distinguindo 
    esta duuida com os mesmos accentos da 
    maneira que acima digo. Alem destes 
    ha outros muitos vocabulos, em que he 

    fol. 14r
    necessario vsarse deste & doutros accen- 
    tos, pera que melhor se saibão pronunciar, 
    & entender a significação delles. Mas por 
    agora não quis tratar aqui, senão destes 
    em cuja significação pode auer duuida não 
    se vsando do tal accento que acima fica de- 
    clarado.
    ¶ DAS LETRAS SVPER 
    fluas que se hão de vedar nas par- 
    tes onde não forem necessarias.
    NVNQVA em principio 
    nem em cabo de dição, se vsa- 
    rá de duas letras semelhan- 
    tes, nem ainda no meyo, 
    saluo quando a origem do vocabulo as pe- 
    dir, ou quando algum nome ou verbo for 

    fol. 14v
    composto como adiante se dira.
       Em nenh?a dição diante consoante se 
    seguirão nunqua dous rr, porque sera 
    grande vicio, assi como, Anrique, honra, 
    &c. que se escreuem com hum sô r, & 
    não com dous como muitas pessoas costu- 
    mão: porque hum r, diante consoante tem 
    tanta força como em principio de dição, & 
    por isso he desnecessario nas taes dições vsa- 
    rem de dous, senão de hum sô.
    ¶ Outras impropriedades de letras se vsão 
    em alg?s nomes, que são tão bem recebi- 
    das & acceitas na terra, como se as te- 
    uessem de sua origem, os quaes são estes, 
    & costumão se escreuer desta maneira á 
    imitação dos Gregos, Xp?o, Ih?s, Xpão, 
    Xpuão, espriuão: auendose de escreuer 
    destoutra, Christo, Iesus, Christão, Chri- 

    fol. 15r
    stouão, escriuão. E ainda que destas du- 
    as maneiras se vse, & a pronunciação toda 
    seja h?a, todauia como eu digo sera melhor 
    vsado, pois estas são as letras de sua natu- 
    ral origem com que se deuem escreuer.
    ¶ DE COMO SE HAõ DE 
    escreuer os nomes & verbos 
    compostos.
    TODOS os nomes & ver- 
    bos que forem compostos de- 
    stas letras, a, i, o, di, a pri- 
    meira que se seguir diante 
    de qualquer dellas, sera 
    dobrada. De a, assicomo, affirmo, acciden- 
    te, asseguro, &c. De i, assicomo, illustre, 
    innumerauel, irrigular, &c. De o, assico- 

    fol. 15v
    mo, officio, oppressão, offendo, &c. De 
    di, assi como, differente, dissimular, dif- 
    ficuldade, &c. E pelo mesmo caso que esta 
    regra se guarda em o latim, se deue tam- 
    bem guardar com a mesma fidelidade nesta 
    nossa linguagem.
    ¶ Da pronuncia- 
    ção G.
    SEMPRE diante g, se 
    seguirá u, ante e, & ante 
    i, quando se pronunciar com 
    força, assicomo, guerra, san- 
    gue: guitarra, guia, &c. E se não 
    teuer este u, ante e, & ante i, te- 
    rá a pronunciação desta maneira, assi- 

    fol. 16r
    assicomo, gente, geração: fugida, regi- 
    mente, &c. E quando diante g, se seguir 
    a, ou o, nunqua se porà u, assicomo Gon- 
    çalo, gozo, braga, lugar, &c. Saluo 
    quando for necessario a pronunciação go- 
    star delle, assicomo, igual, guarda, lin- 
    gua, &c.
    ¶ DAS PARTES A QVE 
    se ha de ajuutar esta 
    aspirção H.
    A ESTA letra a, se a- 
    juntarà h, quando for ver- 
    bo, que significar auer al- 
    g?a cousa, quer com elle 
    se affirme quer se negue, 
    assicomo, ha muitos annos que vi foão, não 

    fol. 16v
    ha impedimento de ninguem, &c.
       E assi tambem ao mesmo a, se ajuntará 
    h, quando com elle significar alg?a excla- 
    mação, então neste lugar se porá h, dian- 
    te, assicomo. Ah desauentura tão grande. 
    Ah campos Lusitanos suspiray, &c.
    Tambem a esta letra e, se ajuntará h, 
    quando for verbo, que significar ser alg?a 
    cousa, quer negando quer affirmando, assi 
    como, he muito meu amigo. não he quem 
    parecia, &c. E isto não porque o tenha de 
    sua origem, mas pera com elle denotar que 
    he verbo como digo, & não conjunção. Po- 
    sto que tambem costumão alg?as pessoas 
    por escusar este h, no tal verbo, escreuello 
    somente com hum accento em cima desta 
    maneira é. Finalmente que de qualquer de- 
    stas se pode vsar. Mas porque com este ac- 

    fol. 17r
    cento he muito pouco vsado, & muitas 
    pessoas o auerão por nouidade, ignorando 
    pela ventura o que o tal accento denota, 
    pareceme que sera mais acertado & me- 
    lhor escreuello com h, por ser pelo costume 
    mais claro & facil a todos, que destoutra 
    maneira que digo (saluo meliori iudicio.)
    ¶ E pelo conseguinte he necessario vsar 
    se tambem deste h, em alg?s vocabulos ain- 
    da que de si o não tenhão, não porque seja 
    necessario a pronunciação gostar delle, mas 
    por razão de se entenderem, & significa- 
    rem melhor, conforme ao vso desta nossa 
    linguagem, assicomo, hum, h?a, hia, hi. 
    Porem tirando estes, muy raramente, ou 
    nunqua teremos necessidade em principio 
    de dição, vsar mais delle, saluo em alg?s 
    vocabulos que o teuerem de sua origem, 

    fol. 17v
    assicomo, homem, honra, honestidade, hi- 
    storia, &c.
    ¶ DE QVE MANEIRA 
    & em que lugares se ha de vsar 
    desta letra I, & onde ha 
    de ser grego.
    ESTA letra I, se ha de 
    escreuer de tres maneiras, 
    & de cada h?a se ha de 
    vsar nas partes onde for ne- 
    cessario, conuemasaber, j, 
    comprido, y, gregro, i, pequeno. Deste j, 
    comprido se vsarà, quando seruir de conso- 
    ante, quer em principio de dição, quer em 
    meyo, assicomo, jornada, sobeja, &c. Este y 
    grego se seguirá sempre ? meyo de dição, q?ndo 

    fol. 18r
    acontecer entre duas vogaes, & nunqua te-
    ra pronunciação de consoante, assicomo, jo- 
    ya, mayor, moyos, &c. E noutra nenh?a 
    parte se deue vsar, nem sera sofriuel, sal- 
    uo se for em cabo de dição diante vogal, 
    assicomo, Rey, darey, foy, muy, &c. que 
    parece bem em semelhantes lugares, & não 
    offende â pronunciação da linguagem. Não 
    trato dos vocabulos que o tem de sua ori- 
    gem, porque esses de seu se está não lho ne- 
    garmos quando se offerecerem, & nos vie- 
    rem á noticia. E posto que aja opiniões de 
    alg?as pessoas que sô nos taes vocabulos q? 
    o teuerem de sua origem se ha de vsar del- 
    le, não faltão outras muitas (cujo parecer 
    he digno de grande authoridade) que affir- 
    mem auerse de vsar deste y, nos lugares q? 
    digo, ainda que o não tenhão de sua orig?, 

    fol. 18v
    assi pela necessidade que nesta nossa lingua- 
    gem temos delle, como por estar ja tão bem 
    recebido pelo costume, que pareceria estra- 
    nho querer vedallo, mayormente sendo tão 
    necessario como digo nas partes semelhan- 
    tes.
       Este i, pequeno seruirá sempre em to- 
    das as mais partes que se offerecer.
    ¶ DOS LVGARES 
    onde se ha sempre de se- 
    guir M.
    ANTE p, m, b, sempre se es- 
    creuerá m. Ante p, assicomo, 
    imperio, companhia, emparo, 
    &c. Ante m, assicomo, immenso, summo, 
    immortal, &c. Ante b, assicomo, Ambro- 

    fol. 19r
    sio, ambição, embargo, &c. E noutra 
    nenh?a parte se seguirá ante consoante se 
    não n.
    ¶ DE COMO SE HA DE 
    vsar desta letra R.
    QVANDO em meyo de 
    dição a pronunciação desta 
    letra r, for dobrada, sem- 
    pre se escreuerá com dous 
    rr, assicomo, terra, socor- 
    ro, ferro, &c. Saluo diante consoante se 
    seguirá hum só (como ja tenho dito) ain- 
    da que pareça que a pronunciação pede do- 
    us, assicomo, tenro, genro, &c. porque se 
    não sofrem duas letras semelhantes diante 
    consoante.
    fol. 19v
    Nunqua se vsará deste R, maiusculo em 
    meyo de parte alg?a, nem ainda em princi- 
    pio, como vsão muitos, saluo nos lugares on- 
    de se ouuer de vsar de letra maiuscula co- 
    mo a tras deixo declarado.
    ¶ DE COMO SE HA DE 
    vsar desta letra V.
    SEmpre em principio de qual- 
    quer dição se vsarà deste v, 
    meão, & em meyo sempre 
    sera u, pequeno, ainda que 
    sirua de consoante, assicomo, viuua, viuer, 
    &c.
    Outras regras não sinto ao presente que a- 
    qui possa trazer, nem de que deua mais par- 
    ticularmente fazer menção, porq? meu int?to 

    fol. 20r
    não foy tratar aqui, senão destas que boa- 
    mente se podessem entender dos que não sa- 
    bem latim pera com ellas euitar alg?a par- 
    te dos muitos vicios & barbarismos que ne- 
    sta nossa linguagem se cometem. E por 

      isso pretendi ser nellas facil, & 
    passar por tudo isto com 
    breuidade.
      ¶ Fim.
    fol. 20v
    g SEGVESE HVM 
    Dialogo em defensaõ da lingua Portugue- 
    sa, sobre a qual tem disputa hum Portu- 
    gues com hum Castelhano, onde por 
    se tratar desta materia vsa ca- 
    da hum de sua lingua 
    gem na maneira 
    seguinte.
      Interlocutores.
    Petronio.                                    Portugues.
    Falencio.                                  Castelhano.
    Pet. LEmbrame, senhor 
    FaIencio, que os dias 
    passados nos acha- 
    mos em casa de Fla- 
    minio nosso amigo, 

    fol. 21r
    onde reuoluendo certos liuros de 
    diuersas linguag?s, a que menos 
    vos quadrou & mais vitupera- 
    stes, foy esta nossa Portuguesa de 
    que todos praguejaes, sendo ella 
    em si tão graue & tão excellente 
    assi na prosa como no verso que só 
    a latina lhe pode nesta parte fazer 
    ventagem. Quisera logo então 
    (como sabeis) prouaruos esta ver- 
    dade, & mostraruos per razões 
    claras quanto esta nossa excede á 
    vossa: mas porque o tempo nem 
    o lugar erão pera esta disputa, não 
    fomos com ella mais por diante. 
    Pelo que assentamos (se vos lem- 
    bra) de concluir esta questão o 
    primeiro dia que nos vissemos.
    fol. 21v
    Falen. Por cierto señor Petronio que 
    no es poco de agradecer el amor 
    que en esso mostrais a vuestra na- 
    turaleza. Porque siendo essa opi- 
    nion tan contraria de todos, y 
    conoscida vuestra lengua por la 
    mas tosca y grossera del mundo, 
    quereis defenderla y sustentar el 
    contrario: lo que yo creo que 
    que no sera, sino con algunas ap- 
    parentes razones, o argumen- 
    tos sophisticos de que suelen vsar 
    los hombres sabios & de buenos 
    ingenios para que se juzguen por 
    buenas y verdaderas sus opinio- 
    nes.
    Petro. Pouca necessidade tenho eu 
    senhor Falencio, de buscar pera 

    fol. 21r
        esta disputa argumentos dessa qua- 
    lidade, auendo tantas & tão ver- 
    dadeiras razões que nesta parte 
    me fauorecem & com verdade 
    posso alegar. Mas ja que temos 
    mouida esta questão, & o tempo 
    nos dá lugar pera a concluir, ago- 
    ra vos peço me digais, qual he a ra- 
    zão que tendes pera julgar por tos- 
    ca, & grosseira esta nossa lingua, 
    que em estremo folgarey de a ou- 
    uir?
    Fal. La causa señor Petronio, de vue- 
    stra lengua ser juzgada por essa 
    (no solo de todas las naciones del 
    mundo, mas aun de los mismos 
    Portugueses que la posseen) es por- 
    que en su principio como se pue-

    fol. 22v
    de ver enel lenguaje de algunas hi- 
    storias y chronicas antiguas de Por- 
    tugal, vsauan muchos vocabulos 
    muy differentes y improprios de 
    su natural signifícacion y origen. 
    Y despues conosciendo los hom- 
    bres por el tiempo adelante la im- 
    propriedad, y poca policia deste 
    lenguaje, vinieron poco a poco ap- 
    purando lo con diriuar y compo- 
    ner vocabulos de diuersas lengu- 
    as ayuntando los ala suya: y ansi 
    con fauor delas agenas supplieron 
    muchos defectos que ella en si te- 
    nia. Por dõde se no puede llamar 
    verdadero Portugues el que agora 
    en estos tiempos vsais, sino el an- 
    tiguo que en principio se vsaua,

    fol. 23r
        como ya tengo dicho. Y por esso 
    con razon llaman todos a esta len- 
    gua barbara, que en la realidad 
    dela verdad lo es, pues de si es tan 
    pobre, y tan poco polida, que 
    sin ayuda delas otras quedaria tan 
    ruda y tosca, que en estos tiem- 
    pos no se poderia oir, ni aun en- 
    tender delos mismos Portugue- 
    ses:
    Petro. Nessa opinião não consenti- 
    rey eu, nem vos senhor Falencio 
    deuieis de ir com ella mais por di- 
    ante: porque aueis de saber que 
    esta nossa lingua foy inuentada 
    como forão as outras linguas. E 
    se alg?a nesta parte a fauoreceo 
    foy a Latina, da qual todos estes 

    fol. 23v
    nossos vocabulos, ou a mayor par- 
    te delles trazem sua origem. E 
    assi a linguagem que nesse anti- 
    guo tempo se vsaua neste nosso 
    Portugal a que vos chamais tosca 
    & ruda, está claro em muitos 
    vocabulos ser mais chegada ao la- 
    tim que esta que agora vsamos: 
    porque hoje em dia ha neste Rei- 
    no lugares onde ainda se vsa del- 
    les como antiguamente. Pelo 
    que se póde affirmar com verda- 
    de q? não era outra cousa esta ma- 
    neira de falar senão h? latim cor- 
    rupto. Mas como a g?te pelo t?po 
    a diãte fosse ? crecim?to, & os ho- 
    m?s teuess? necessidade de exerci- 
    tar? esta lingua ? varios negocios, 

    fol. 24r
    cada vez a forão mais appurando 
    descobrindo nella outros voca- 
    bulos que ainda que não saõ la- 
    tinos como estes antiguos que a- 
    tras deixamos, todauia soam me- 
    lhor aos ouuidos da gente polida, 
    & saõ mais proprios & accomoda- 
    dos pera significarem aquillo que 
    queremos, que outros que aja em 
    nenh?a lingua. Ora naquelles em 
    que seguimos o latim, não ha 
    que reprehender, pois claramen- 
    te se vé que quanto mais a elle 
    nos chegamos, tanto melhor pa- 
    recem & mais authorizada fica 
    nossa linguagem. Pela qual razão 
    se não pode negar ser este o natu- 
    ral, & verdadeiro Português que 

    fol. 24v
    agora vsamos: no qual se desapassio- 
    nadamente quiserdes pôr os olhos, 
    & notar a ethymologia & signifi- 
    cação de alg?s vocabulos desta nos- 
    sa lingua, achareis que em muitas 
    partes faz ventagem á vossa, como 
    logo vos posso moftrar em hum 
    nosso vocabulo que agora me lem- 
    bra (allem doutros muitos que a- 
    qui não alego por escusar proluxida- 
    de) & he que dizemos olhar, & 
    vós mirar: pois se o instrumento 
    com que vemos chamamos olhos, 
    com razão dizemos olhar & vós cha- 
    maislhe ojos, & dizeis mirar. O qual 
    verbo não pode ser conueniente, 
    nem conforme a sua significação, 
    sem dizerdes ojar, ou chamardes 

    fol. 25r
    aos olhos miros. Outras muitas 
    impropiedades de vocabulos ha de- 
    sta maneira em vossa lingua que 
    muy raramente ou nunqua se acha- 
    rão na nossa. E allem disso outros 
    temos cá de que vos lá careceis, sem 
    os quaes não podeis por nenhum 
    modo bem explicar aquillo que el- 
    les significão, conuemasaber, dize- 
    mos geito, saudade, lembrança, pra- 
    guejar, enxergar, agasalhar, &c. E 
    nos não carecemos daquelles com 
    que vós quereis significar estes & os 
    mais que ha. E por todas estas ra- 
    zões, & outras muitas que alegarey, 
    não se pode a esta nossa lingua cha- 
    mar pobre nem grosseira, pois na 
    realidade da verdade o não he, nem 

    fol. 25v
        pessoa que sentir bem della auera 
    que tal confesse.
      FALENCIO.
    ¶ Bein se señor Petronio, que siem- 
    pre en vuestras razones y argumen- 
    tos os aueis mostrado hombre de 
    grande ingenio: mas aun que conel 
    pretendais escreuer las mias, no de- 
    xaré de sustentar esta opinion de 
    vuestra lengua ser la que digo, ha- 
    sta no ver contra my otras mas vr- 
    gentes que me obliguen a confessar 
    el contrario. Y por esso os suplico me 
    digais ya q? ella es tan dilicada y excel?- 
    te como dezis, y tiene tãta grauedad ? 

    fol. 26r
    su estylo: qual es la causa porque 
    todas las naciones del mundo la a- 
    borrecen tanto, y la tienen en tan 
    poco.
      PETRONIO.
    A causa desse aborrecimento, & des- 
    prezo (ou por melhor dizer inue- 
    ja) senhor Falencio, naceo de ella 
    ser em si tão difficultosa, que de ma- 
    rauilha vimos estrangeiro algum que 
    a podesse bem tomar, ainda que ne- 
    ste Reino andasse muitos annos, & 
    trabalhasse pela imprender quanto 
    humanamente fosse possiuel. E da- 
    qui vem a todas as nações aborrece- 
    rem na tanto, & não na poderem 

    fol. 26v
    gostar, por lhes ser (como digo) tão 
    pouco facil, & de tão ruim desistão. 
      FALENCIO.
    ¶ Luego si assi es, muy mejor es la 
    Castellana y mas vtil a todos: pues 
    no hay nacion enel mundo que no 
    la tome con mucha facilidad, y la 
    tenga en mucho mas estima que la 
    vuestra, la qual con razon se deue 
    llamar grossera y tosca, ya que es tan 
    escabrosa y difficil de tomar, que no 
    aprouecha a nadie el vso della sino a 
    sus naturales.
      PETRONIO.
    Antes h?a das prouas que eu tenho

    fol. 27r
    de ella ser melhor, & muito mais 
    delicada que a vossa, he por essa 
    difficuldade que vós lhe achais, por- 
    que vemos por experiencia que quã- 
    to as cousas em si saõ melhores, & 
    mais excellentes, tanto he mais tra- 
    balhoso & difficil ao homem alcan- 
    çallas. Quanto mais se esta nossa 
    lingua fora difficultosa por causa de 
    ser barbara, & grosseira, de crer he, 
    que a mesma difficuldade tiueramos 
    em tomar as outras linguas, que 
    tem os estrangeiros em tomar a nos- 
    sa. Mas pela contrario he ella tal, 
    & de tanta preminencia, que a to- 
    dos os naturaes habilita & dispoem 
    de maneira, que em pouco tempo 
    & com muita facilidade (como cla-

    fol. 27v
    ramente se vé por experiencia) to- 
    mão qualquer lingua estranha, & 
    nisto fazem ventagem a todas as ou- 
    tras nações.
      FALENCIO.
    ¶ Esso no niego yo, ni dexo de 
    conoscer, señor Petronio, 1a razon 
    que en essa parte teneis: porque he 
    visto muchos Portugueses en Casti- 
    lla hablar nuestra lengua, como si 
    fuera de su naturaleza suya. Y en 
    Italia por el consiguinte algunos vi- 
    de que en ella no diffirian delos 
    mismos Italianos. Mas esso tam- 
    bien se puede refirir a sus buenos 

    fol. 28r
    buenos ingenios y habilidades que 
    tienen de su naturaleza, y no ala dis- 
    pusicion de su lengua.
    Petronio.
    Dizeime senhor Falencio, se hum 
    homem não for bom musico, & te- 
    uer ruim vóz, por muito habil, & 
    sentido que seja, poderá bem contra 
    fazer a outros quaesquer musicos 
    que ouça?
      Falencio.
    Esso mal podra ser, si el no tiene boz 
    que le ayude.
    Petronio.
    Pois de crer he, que se os Portugueses 
    teuerão ruim lingua, & fora tão gros- 
    seira como dizem, que não contra- 
    fezeram com ella também as outras 

    fol. 28v
    linguas, nem lhes aproueitára nesta 
    parte seu bom ingenho.
      Falencio.
    Pues señor Petronio, ya que essa gra- 
    cia es attribuida a la capacidad de vu- 
    estra misma lengua, y por virtud 
    della sois tan habilissimos en tomar 
    las agenas, qual es la causa porque 
    los mismos Portugueses siendo ella 
    suya la desdeñan, y por su boca con- 
    fiessan ser ella la mas tosca y barbara 
    del mundo?
    Petronio.
    A isso vos respondo, senhor Falencio, 
    que esta nação Portuguesa pela ma- 
    yor parte, he mais affeiçoada ás cou- 
    sas dos outros Reinos, que ás da sua 
    mesma natureza, cousa que se não 

    fol. 29r
    acha nas outras nações: porque to- 
    das engrandecem sua lingua, & fa- 
    zem muito pelas cousas que qua- 
    drão nella, sós os Portugueses pare- 
    ce que negão nesta parte o amor á na- 
    tureza. E daqui vem a muitos dize- 
    rem mal de sua lingua, & consenti- 
    rem na opinião dos estrangeiros, o q? 
    realmente se póde attribuir mais a 
    ignorancia, que a razão alg?a que a 
    isso os moua. Porem os hom?s de 
    bom juizo que bem a sentem, não 
    podem deixar de engrandecer mui- 
    to, & confessar comigo que a ella se 
    deue mais louuor que á vossa.
      Falencio.
    ¶ Creo yo señor Petronio, que de- 

    fol. 29v
    uen ser muy pocos o quiça ningu- 
    nos, los que quieran assentir con 
    vós en essa opinion. Porque hom- 
    bres Portugueses muy principales y 
    de grandes ingenios, escriuieron, y 
    aun oy dia escriuen sus obras en Ca- 
    stellano por ser lenguage mas appa- 
    zible y dulce, y sonar mejor a los 
    oydos que la vuestra: y esto es tan 
    notorio y manifiesto, que hasta los 
    niños vuestros naturales conoscen y 
    confiessan esta verdad.
      Petronio.
    ¶ Não he bastante razão essa que a- 
    legais pera que vossa lingua por esse 
    respecto mereça ser prefirida á nossa, 

    fol. 30r
    Porque aueis de saber que cada lin- 
    gua per si tem hum estylo mais pro- 
    prio, & em que melhor parece, co- 
    mo he, a Grega nos versos, a Latina 
    nas orações, a Toscana nos sonetos, 
    a Portuguesa nas comedias em pro- 
    sa & no verso heroyco, a Castelhana 
    nas trouas redondas & garridas que 
    naturalmente parecem feitas & in- 
    uentadas pera ella. E daqui veo a 
    muitos Portugueses vendo quã bem 
    parecia neste estylo, & que nella se a- 
    chaua mais facilm?te cõsoantes pera 
    verso, exercitarem na por seu passa- 
    tempo em eglogas, canções, elegias, 
    & cantos pastorijs que saõ materias 
    leues, & accomodadas ao estylo da 
    mesma lingua. Mas cousas graues, 

    fol. 30v
    & de importancia, não me dareis ne- 
    nhum Portugues antiguo nem mo- 
    derno que as tratasse nem escreuesse 
    em vossa lingua. E se quereis sa- 
    ber quam pouca necessidade temos 
    della, vede o estylo das comedias & 
    dos versos do nosso verdadeiro por- 
    tugues Francisco de Sâ de Miranda, 
    que foy o primeiro que nesta nossa 
    Lusitania o descubrio com tamanha 
    admiração, que de todos em geral 
    ficou confessada esta verdade. Vede 
    a Asia daquelle famoso & excellen- 
    te escriptor Ioam de Barros que por 
    ella em Veneza está prefirido a Pto- 
    lomeu. Vede a primeira & segunda 
    parte da Imagem da vida Christãa 
    daquelle doctissimo varão Frey He- 

    fol. 31r
    ctor Pinto que agora em nossos dias 
    sahio a luz: Vede o estylo da lingua- 
    gem de Lourenço de Caceres, de Frã- 
    cisco de Moraes, de Iorge Ferreira, 
    de Antonio Pinto, & doutros illu- 
    stres varões que na prosa tanto se as- 
    sinalaram, descobrindo com seus in- 
    genhos peregrinos o segredo da graui- 
    dade & fermosura deste nosso Portu- 
    gues. Pois se no verso heroyco vos 
    parece que a vossa lhe pode fazer ven- 
    tagem: vede as obras do nosso famo- 
    so poeta Luis de Camões de cuja fa- 
    ma o tempo nunqua triumphará, ve- 
    de a brandura das daquelle raro espi- 
    rito Diogo Bernardez: vede finalm?- 
    te as do doctor Antonio Ferreira de q? 

    fol. 31v
    o mundo tantos louuores canta: & 
    em cadada hum destes autores acha- 
    reis hum estylo tão excellente, & tão 
    natural & accomodado a esta nossa 
    lingua, que forçadamente aueis de 
    vir a deceruos de vossa opinião, & 
    confessar comigo ser ella indigna 
    desse nome que vos lhe dais. Pois 
    se quereis ver a lingua de que he 
    mais vizinha, & donde manou, 
    lede a arte da grammatica da lin- 
    gua Portuguesa que o mesmo Ioam 
    de Barros fez, & o mesmo podeis 
    ver no liuro da antiguidade de E- 
    uora de Mestre Andre de Resende, 
    onde claramente se mostra, que cõ 
    pouca corrupção deixa de ser Latina. 

    fol. 32r
    Enfim que se alg?a com razão se po- 
    de chamar barbara he a vossa, a qual 
    toma da lingua Arabia, & a mayor 
    parte dos vocabulos falais do papo 
    com aspiração: & assi fica h?a lin- 
    guagem imperfecta, & mais corru- 
    pta do que vos dizeis que a nossa he.
      Falencio.
    Pues señor Petronio, ya que con el 
    arteficio de vuestras razones quereis 
    ahogar, y confundir las mias, y pien- 
    sais quedar vencedor, y triumphar 
    de my opinion: agora os quiero pro- 
    uar en como la nuestra lengua es mas 
    propinqua al latim que la vuestra, 
    con algunos vocabulos que aqui 
    offereceré, conuieneasaber. Dezis 
    hontem, nos hayer, el latin heri. 

    fol. 32v
    Dezis engenho, nos ingenio, el latin 
    ingenio. Dezis dores, nos dolores, el 
    latin dolores. Dezis cores, nos colo- 
    res, el latin colores. Dezis calmas, 
    nos calores, el latin calores. Dezis pai-
    xões, nos passiones, el latin passiones. 
    Dezis pessoa, nos persona, el latin per- 
    sona. Enfim otros muchos vocabu- 
    los ha en nuestra lengua, que diffe- 
    ren muy poco, o quasi nada dela la 
    latina, delos quales la vuestra es muy 
    remota, como en estos os t?go mo- 
    strado. Pues como la lengua Latina 
    sea madre delas otras lenguas, y mas 
    copiosa y excellente de todas quantas 
    hay (como sabemos) aquella q? mas 
    semejãte y propinqua fuere a ella, essa 
    serâ mejor y mas singular q? las otras.
    fol. 33r
      Petronio.
    ¶ Se cõ essa razão vos parece, senhor 
    Falencio, que tendes concluido, ain- 
    da vos prouarey que a nossa he mais 
    chegada ao latim que a vossa, como 
    se pode ver em outros muitos voca- 
    bulos nossos de que a vossa tambem 
    se desuia: alg?s delles são estes que se 
    seguem. Vos dizeis lengua, nos lin- 
    gua, o latim lingua. Dizeis pluma, 
    nos penna, o latim penna. Dizeis t?- 
    prano, nos cedo, o latim cito. Dize- 
    is lexos, nos longe, o latim longe. Di- 
    zeis años, nos annos, o latim annos. 
    Dizeis daño, nos damno, o latim dã- 
    no. Finalmente que se quantos me 
    occorrem vos quisesse aqui dizer, se- 
    ria cousa infinita de nunqua acabar, 

    fol. 33v
    porq? (como digo) a mayor parte dos 
    vocabulos pron?ciaes cõ aspirações, 
    por onde fica vossa lingua muito ma- 
    is remota, & desuiada do latim que a 
    nossa: & se não vedeo nestes que ago- 
    ra vos direy. Vos dizeis hembra, nos 
    femia, o latim femina. Dizeis hierro 
    nos ferro, o latim ferro. Dizeis hiel, 
    nos fel, o latim fel. Dizeis hado, nos 
    fado, o latim fato. Dizeis huir nos fu- 
    gir, o latim fugere. Dizeis hazer, nos 
    fazer, o latim facere. Pois daqui pode- 
    is inferir quanto melhor, & mais gra- 
    ue he a nossa lingua: & se quiserdes sa- 
    ber quanto nesta parte excede não só- 
    mente á vossa, mas ainda ás outras de 
    q? não tratamos, a este proposito vos 
    contarey, que hum dia em Paris se a- 

    fol. 34r
    cháram n?a certa parte hom?s de di- 
    uersas nações, os quaes vierão a di- 
    sputar de suas línguas, & cada h? fez 
    versos em latim buscando vocabulos 
    mais semelhantes á sua, & nenh?a se 
    achou que mais participasse do latim 
    que a nossa: porque dez ou doze ver- 
    sos se fezerão, q? não descrepão da lin- 
    gua Latina cousa alg?a, nem da Por- 
    tuguesa: dos quaes me lembrão estes 
    que se seguem.
    O quam diuinos acquiris terra triumphos, 
    Tam fortes animos alta de sorte creando. 
    De numero sancto gentes tu firma reseruas. 
    Per longos annos viuas tu terra beata. 
    Cõtra non sanctos te armas furiosa Paganos. 
    Viuas tu semper gentes mactando feroces, 
    Quae ethiopas Turcos fortes Indos dás saluos. 
    De Iesu Christo sãctos mõstrãdo Prophetas.
    fol. 34v
    ¶ Ficarão todos tão enleados quando 
    nestes versos virão a perfeição desta 
    lingua, que não podéram deixar de a 
    confessar por melhor, & mais chega- 
    da ao latim de todas. E assi tambem 
    vós senhor Falencio, diuieis de cair na 
    conta, & acabar de conhecer que por 
    todas as vias he ella mais polida & del- 
    gada que a vossa.
      Falencio.
    ¶ Aunque con todas essas razones os 
    paresca que aueis prouado fuerça cõ- 
    tra las mias, con todo esso no creo se- 
    ñor Petronio, que totalm?te sean ba- 
    stantes para deshazer my opinion. 
    Porque supuesto que en essos versos 

    fol. 35r
    se muestre vuestra lengua tan cerca 
    del latin, tambien se de espacio pen- 
    sassemos en la nuestra, podria ser que 
    hallassemos vocabulos con q? hiziesse 
    mos otros tantos, o mas en nuestro 
    lenguaje, y tan latinos como essos q? 
    aueis alegado.
      Petronio.
    Não me parece, senhor Falencio, que 
    sera possiuel achardes vocabulos tão 
    perfectamente latinos nem que tão 
    bem pareção em vossa linguagem, q? 
    vos síruão ?a versos desta qualidade.
    Falencio.
    ¶ Y que razon aura, señor Petronio, 
    para que tan perfectam?te los no ha- 
    llemos en la nuestra, au?do entre am- 
    bas ? vna ala otra tan poca differ?cia?
    fol. 35v
      Petronio.
    Porque alem de as aspirações q? vsais 
    vos corromperem (como ja disse) a se- 
    melhança que a vossa lingua podia 
    ter com a Latina, tendes nella muitas 
    syllabas que se dobrão per duas letras 
    vogaes, que o latim nem nós nunqua 
    vsamos: como he, tierra, fuerte, muer- 
    te, fuerte, luengo, cierto, & outros in- 
    finitos vocabulos, nos quaes a nossa 
    segue o latim, & não descrepa delle 
    cousa alg?a, & a vossa totalmente pa- 
    rece que nelles se esmerou em se des- 
    uiar delle, como se desta maneira fi- 
    casse mais perfecta.
    Falencio.
    ¶ Ora senhor Petronio, vos lo teneis 
    muy bien hecho, y hasta aqui dispu- 

    fol. 36r
    tado sabiamente como hombre de 
    grande ingenio, y que no dessea poco 
    engrandecer las cosas de su naturale- 
    za. Y por esso demos fin a nuestra di- 
    sputa, y seamos amigos como siem- 
    pre lo fuimos, que lo demás poco nos 
    importa.
      Petronio.
    Dessa maneira, senhor Falencio, ja q? 
    contra minhas razões não tendes ma- 
    is q? arguir, & o campo fica por meu, 
    demos por concluida nossa questão, 
    que isto he tarde, & vãose faz?do ho- 
    ras. Por isso não me detenho mais, fi- 
    quaiuos embora que outro dia nos 
    veremos.
      Fim.
    fol. 36v