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Título
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Orthographia Portugueza, ou Regras para escrever certo: Ordenadas para uso de quem se quizer applicar
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Subprojeto
Corpus Ortográfico do Português
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Tecnologia
Tratado Metaortográfico
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Língua Objeto
Português
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Metalinguagem
Português
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Autor
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Sotomaior, Francisco Félix Carneiro (1744-ca.1827)
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Biografia sucinta do autor
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Nascido em Lisboa em 1744, Francisco Félix Carneiro Sotomaior era descendente de uma família de nobreza secundária. Em 1746, foi levantado no foro de nobreza para 'Escudeiro-Fidalgo' e para 'Cavaleiro Fidalgo'. Frequentou o curso de Cânones na Universidade de Coimbra desde 1759 até 1761, acabando por não se formar. Para além das receitas a que tinha direito por causa do foro, não se sabe mais nada sobre a vida dele.
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Editor
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Biografia sucinta do editor
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Tipos de documentos
Impresso
Manuscrito
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Local de impressão
Lisboa
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Impressores/Editoras
Francisco Luís Ameno (1713-1793)
João Baptista Reycend, livreiro (fl.1758-1808)
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Ordem Religiosa
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Edição
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1.ª ed.
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Ano
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1783
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Volume de páginas/fólios
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xxxii, 111 pp.
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Outras edições conhecidas
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1.ª ed. Orthographia Portugueza, ou Regras para escrever certo, Ordenadas para uso de quem se quizer applicar. por Francisco Felis Carneiro Souto-Maior, Fidalgo da Casa de sua Magestade Fidelissima Nossa Senhora, que Deos guarde, &c. Lisboa: Na Of. Pat. de Francisco Luiz Ameno. Vende-se na Loja de Joaõ Baptista Reycend, e Companhia, Mercadores de livros ao Calhariz. M. DCC. LXXXIII.
2.ª ed. Carlos Assunção, Rolf Kemmler, Gonçalo Fernandes, Sónia Coelho, Susana Fontes & Teresa Moura (2022): A Orthographia da Lingua Portugueza, ou regras para escrever certo (1783) de Francisco Félix Carneiro Sotomaior: Estudo introdutório e edição. Vila Real: Centro de Estudos em Letras; Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (= Ortógrafos Portugueses, 9). ISBN: 978-989-704-465-6 / e-ISBN: 978-989-704-466-3.
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Mencionado em
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Descrição sumária
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Interesse linguístico
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Elevação da ortografia à categoria de arte, em paralelo com a gramática. Contributo para a ortografia normativa, unificadora e etimologizante. Tratas-se do mais fiel continuador de Feijó (1734).
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Inovações metalinguísticas
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Influência recebida de
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Grammatica da lingua portuguesa (1540) de João de Barros
Orthographia da Lingoa Portvgvesa (1576) de Duarte Nunes de Leão
Orthographia, ov modo para escrever certo na lingua portuguesa (1631) de Alvaro Ferreira de Vera
Ortografia da lingua portugueza de João Franco Barreto (1671)
Regras Gerays (1666) de Bento Pereira
Orthographia, ou Arte de Escrever e Pronunciar com acerto a Lingua Portugueza (1739) de João de Morais de Madureira Feijó
«Prosa Grammatonomica Portugueza» (1728) de Rafael Bluteau
Nova Escola para aprender A ler, escrever, e contar (1722) de Manuel de Andrade Figueiredo;
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Influência exercida sobre
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Índice da obra
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[rosto] – [i]
[página em branco] – [ii]
DEDICATORIA a’ preclarissima senhora DONA ANNA magdalena xavier dos passos mascarenhas, &c. &c. &c. – iii-vii
PROLOGO. – viii-xxv
INTRODUCÇAÕ A’ ORTHOGRAPHIA. Da Origem, Necessidade, Proveitos, e Historia da Orthographia. – [xxvi]-xxvii
§ 1. Da origem da Orthographia. – [xxvi]-xxvii
§ II. Da necessidade da Orthographia. – xxvii-xxix
§ III. Dos proveitos da Orthographia. – xxix-xxxi
[citação latina] – [xxxii]
ORTHOGRAPHIA PORTUGUEZA, ou regras para escrever certo. – 1-3
CAPITULO I. Da Syllaba; definiçaõ da Letra, e explicaçaõ das suas qualidades, differenças, uso, e valor. – 4-65
§ I. Da Syllaba. – 4-5
§ II. Da definiçaõ da Letra. – 5-6
§ III. Qualidade das Letras. – 6-8
§ IV. Da differença das Letras. – 8
§ V. Do uso das Letras. – 8-13
§ VI. Do valor das Letras. – 13-65
CAPITULO II. Do que he Accento; quantos saõ, e aonde se devem pôr. – 66-68
§ I. Do que seja Accento. – 66-66
§ II. Da quantidade dos Accentos. – 66-67
§ III. Do uso dos Accentos. – 67-68
CAPITULO III. Da diversidade de caracteres da Pontoaçaõ, e do seu uso. – 69-91
§ I. Dos caracteres da Pontoaçaõ. – 69-70
§ II. Do Til. – 70
§ III. Da Cedilha. – 71
§ IV. Do Apostropho. – 71
§ V. Da Virgula. – 72-74
§ VI. Do Ponto e virgula. – 74-75
§ VII. Dos dois Pontos. – 75-76
§ VIII. Do Ponto simplex, ou final. – 77
§ IX. Do Ponto admirativo. – 78-79
§ X. Do Ponto interrogativo. – 79-80
§ XI. Dos Pontos de continuaçaõ. – 80-81
§ XII. Da Linha de separaçaõ, e de seguimento. – 81-86
§ XIII. Da Parenthesis, e seu uso. – 86
§ XIV. Do Asterisco, e seu uso. – 87-89
§ XV. Do Gripho. – 89-91
CAPITULO IV. Da formaçaõ dos nomes pluraes pela terminaçaõ dos seus singulares. – 92-103
§ I. Dos nomes pluraes, que se formaõ dos singulares acabados em vogal. – 92
§ II. Dos pluraes dos nomes singulares acabados em consoantes mudas. – 93-95
§ III. Dos pluraes dos nomes singulares acabados em consoantes semivogaes. – 96-101
§ IV. Dos pluraes dos nomes singulares acabados no duplex X. – 101
§ V. Dos pluraes dos nomes singulares, que terminaõ em Aõ. – 102-103
CAPITULO V. Das Partes da Escrittura. – 103-106
§ II. Das coizas necessarias, e uteis â Respublica. – 105-106
CAPITULO III. Da origem, introducçaõ, e proveitos da Fabula. – 106-107
§ I. Da origem da Fabula. – 106-107
LIVRO III. Da Poesia em geral. – 107-108
CAPITULO I. Da introducçaõ, origem, e proveitos da Fabula. – 107-108
§ I. Da introducçaõ da Fabula. – 107-108
INDICE. – 109-111
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Localização nas bibliotecas/proprietários
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1. Biblioteca Pessoal Rolf Kemmler / Rolf Kemmler Private Library
2.
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Endereços Eletrónicos ou URL
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1. -
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Referências
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Autor(es) deste ficha
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Mónica Sofia Botelho Lima Augusto, Rolf Kemmler & Carlos Assunção
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Como citar esta ficha
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Augusto, Mónica Sofia Botelho Lima, Rolf Kemmler & Carlos Assunção. 2023. Francisco Félix Carneiro Sotomaior (1744-ca.1827): Orthographia Portugueza, ou Regras para escrever certo: Ordenadas para uso de quem se quizer applicar. https://pml.cel.utad.pt/ViewEntry.aspx?id_entry=18.
Edição semidiplomática
ORTHOGRAPHIA
PORTUGUEZA,
OU
REGRAS PARA ESCREVER CERTO,
Ordenadas para uso de quem se qui-
zer applicar,
POR
FRANCISCO FELIS CARNEIRO
SOUTO-MAIOR,
FIDALGO DA CASA DE SUA MAGESTA-
DE FIDELISSIMA NOSSA SENHORA,
QUE DEOS GUARDE, &c.
LISBOA
Na Of. Pat. de FRANCISCO LUIZ AMENO.
————————————
M. DCC. LXXXIII.
Com licença da Real Mesa Censoria
Vende-se na Loja de Joaõ Baptista Reycend,
e Companhia, Mercadores de livros ao Calhariz.pág. [i]
pág. [ii]DEDICATORIA
A’ PRECLARISSIMA
SENHORA
DONA ANNA
MAGDALENA XAVIER DOS PASSOS
MASCARENHAS, &c. &c. &c.
PRECLARISSIMA SENHORA.
VACILLANDO por algum
tempo na eleiçaõ de Mecenas, para
amparo da minha Obra, assentei quepág. iii
só a V. SENHORIA devia ser dedica-
da, para que debaixo da sua Pro-
tecçaõ se faça mais estimavel.
Desafiar os Alexandres, os Cesa-
res, os Augustos para as grandes em-
prezas he fazer-lhes justiça; porém
dedicar a V. SENHORIA obra taõ li-
mitada, seria fazer-lhe injuria, se-
naõ fosse dar-lhe a conhecer os puros
effeitos da minha gratidaõ, e vonta-
de.
O Mar, que em si recebe os ar-
rebatados rios, naõ despresa, com tu-
do, os pequenos regatos, que a elle
se recolhem: O Sol naõ só vigora os
robustos troncos, taõbem alenta as
tenras plantas: O Fogo tanto abra-
za os soberbos palacios, como as hu-
mildes choupanas.
V. SENHORIA naõ estima as da-
divas pela sua grandeza, senaõ pe-
la sinceridade de quem lhas offerece;
eu bem desejava offerecer a V. Se-
NHORIA neste pequeno Trattado to-
das as producções de. Cicero, e de
Demosthenes. Porém, PRECLARIS-
pág. iv
SIMA SENHORA, de hum espiri-
to taõ debil, como o meu, que mais
se podia esperar? Eu me persuado,
de que se este meu pequeno volume naõ
tiver a felicidade de sair á luz de-
baixo dos Auxilios de V. SENHO-
RIA, naõ será attendido, nem ain-
da pelos pequenos talentos.
A razaõ, que me obrigou a offe-
recer a V. SENHORIA esta peque-
na Obra (pequena, digo, por ser mi-
nha, mas naõ pela materia, de que
trata) foi ver que logo desde o ber-
ço começáraõ a divisar se em V. SE-
NHORIA as virtudes dos seus glo-
riosos Antepassados, que tanto enno-
brecêraõ a Patria, naõ só com a pen-
na na maõ, senaõ tambem com a es-
pada; já nestes Dominios, já nos da
India: em cujo Vice-Reinado hum Tio
dos Progenitores de V. SENHORIA
fez taõ relevantes serviços á Coroa
Portugueza, foraõ recompensados em
hum Sobrinho seu com o primeiro Con-
dado de Cucolim da CASA de V. SE-
NHORIA.
pág. v
Bem quizera demorar-me na ex-
aggeraçaõ do Heroismo, e Nobreza
de taõ ILLUSTRE CASA, porém,
nem a minha tosca penna he para as-
sumpto taõ nobre, nem a rara mo-
destia de V. SENHORIA mo permi-
te; fique para as pennas mais apa-
radas o trattar de materia taõ su-
blime, que eu me contento com o si-
lencio.
V. SENHORIA ama por na-
tureza, e inclinaçaõ as Sciencias; e
ama-as, porque as conhece. A minha
composiçaõ dirige-se a ensinar a es-
crever sem erros; e se as regras, que
prescrevo, forem uteis, mereceráõ a
attençaõ de muitos; a benignidade de
V. SENHORIA lhe desculpará os de-
feitos, e nem por isso deixará de a re-
colher debaixo do seu Patrocinio.
Acceite V. SENHORIA esta li-
mitada offerta, tributo indispensavel
da minha obrigaçaõ; e proteja-a com
o seu Respeito: ficará servindo esta
acçaõ, para V. SENHORIA, de
eterno monumento á sua Generosida-
pág. vi
de; e para mim, de dar quotidiana-
mente públicas mostras do meu reco-
nhecimento; confessando com profun-
do respeito que sou,
PRECLARISSIMA SENHORA,DE V. SENHORIA
Humilissimo servo
Francisco Felis Carneiro Sotomaior.
pág. vii
PROLOGO.
SEMPRE os homens sabios foraõ
inimigos de dar á luz as suas Com-
posições, só por se naõ exporem
á mordacidade dos Zoilos: porém se
todos se guiassem por estes receios,
estava acabada a Respublica das letras.
He verdade que naõ ha coiza mais
trabalhoza, do que o compor; prin-
cipalmente em huma materia, que
mais he fundada nos principios da boa
razaõ, do que na authoridade daquel-
les, que escrevêraõ sobre o mesmo
assumpto: e como eu me hei de afas-
tar em muitos lugares do que disse-
raõ os mais a semelhante respeito,
naturalmente serei mal-ouvido de mui-
tos, só pela novidade; ainda que se
profundarem bem o negocio, espe-
ro sejaõ commigo indulgentes: po-
rém, ou o sejaõ, ou naõ, como o
meu intento he ser util á Patria, pres-
crevendo-lhe, no modo possivel, re-pág. viii
gras certas para se escrever com me-
nos erros, do que atéqui, pouco se
me dá que digaõ bem, ou mal; o
caso he que fallem com razaõ.
Naõ ha coiza mais lastimoza, do
que ver as controversias, que padece
a nossa Orthographia; andando todos
ás escuras em huma coiza de tanta
ponderaçaõ.
Querem alguns A.A. que assim co-
mo a pronuncia he a verdadeira re-
gra da Orthographia, se deva escre-
ver a nossa lingùa, como a pronun-
ciâmos; e que por esta razaõ se devem
desterrar da nossa escrittura todas as
letras duplices, menos os RR, quan-
do a pronuncia he aspera; e todos
os HH, quando naõ servem de aspi-
rar o L, ou o N, e o C, para va-
ler de X; dizendo que assim como
nós naõ damos valor ás duplices, se-
naõ de huma só letra, assim taõbem
devemos escrever huma letra só.
Todas as lingùas cultas tem letras,
que se naõ pronunciaõ, e se conservaõ
na escrittura, para mostrar a deriva-
çaõ das palavras. E por que razaõ naõ
pág. ix
devemos nós usar o mesmo? A ori-
gem das palavras, havendo-a, ha de
conservar-se; que o mais seria ingra-
tidaõ; ter-mos nós composto o nosso
Dialecto de outras lingùas, e agora
querer-mos escurecer isto, dando no-
va fórma ás palavas, só para que se
ignore o donde as adoptámos; quan-
to mais que todos os homens cultos
seguem a Orthographia da origem das palavras.
Duarte Nunes de Leaõ quer que
sempre nos monosyllabos acabados em
A, e nas palavras, que terminaõ em
Am, se devaõ dobrar os AA, co-
mo: Máa, Páa, Certãa, Covilhãa.
Na pronuncia naõ fazemos caso dos
segundos AA, e por que razaõ os
devemos escrever? Na origem taõ-
bem naõ ha semelhantes AA, e com
muito mais razaõ naõ devemos usar
delles na escritta; e os accentos ti-
raõ toda a duvida, e ensinaõ a pro-
nunciar as palavras, como em seu lu-
gar se dirá.
Com a mesma razaõ querem ou-
tros AA. que se dobrem as vogaes
pág. x
dos outros monosyllabos, como: Fée,
Sée, Víi, Líi, Póo, Dóo, Núu,
Crúu, &c. Naõ posso perceber em
que elles se estribáraõ para estabele-
cerem regras; para semelhante fim;
dizem que se devem escrever, como
disse, taes palavras, por se encosta-
rem a huma pronuncia antiga. Quero
que algum dia assim se pronunciassem;
porém se com o tempo se foi polin-
do a lingùa, e já hoje naõ pronun-
ciâmos as segundas vogaes, por que
razaõ as devemos escrever?
Muitos AA. enxem longas pagi-
nas para assinarem regras sobre os lu-
gares, em que deve ter entrada o C
com cedilha Ç; e o peor he todos
serem discordes. Naõ ha duvida que
o ponto he algum tanto controverso,
mas nem por isso deixa de sujeitar-se a
regras; e me parece que as prescre-
vo, quando tratto do C.
O Bluteau nos seus Opusculos quer
que sempre o Ch valha de X, e nun-
ca de K; mas elle mesmo se contra-
diz no Diccionario, pois quer que se
escreva Archanjo, Patriarcha, &c.
pág. xi
com Ch. Se elle naõ variasse de pro-
jecto, parece-me que tinha razaõ;
porque o Ch quando vale de K he
só nas dicções adoptadas das Gregas,
onde ha K, ou das Latinas, onde
ha Ch: e nestes casos já costumamos
escrever semelhantes palavras com Qu;
ainda que em Arcanjo, Patriarca naõ
se precisa de Qu, porque o simplex
C faz a pronuncia verdadeira, como
se vio.
Duarte Nunes de Leaõ quer que
todas as vozes, que na origem Latina
houver C antes de T, na adopçaõ
Portugueza se escreva taõbem; e assim
quer que escrevâmos: Docto, Doctri-
na, Doctor, &c. Naõ me conformo
com isto; que nós escrevamos C an-
tes de T naquellas vozes, ou onde o
pronunciâmos, ou onde o omittimos,
como: Acto, Projecto, está muito
bem; mas que nós os escrevamos na-
quellas dicções, em que na pronuncia
o convertemos em U, I, ou em ou-
tra alguma letra, assim como em Dou-
to, Doutor, Doutrina, Effeito, &c.
que he como pronunciamos semelhan-
tes palavras, he sem razaõ.pág. xii
O Bluteau he do mesmo parecer
de que se deve escrever C antes de T,
quando as palavras saõ equivocas; po-
rém o arbitrio taõbem me naõ agrada:
porque o equivoco, ou o tira hum ac-
cento, ou o contexto da oraçaõ.
Naõ falta quem diga que se deve
desterrar o G de Magdalena, e de to-
das as mais palavras, onde se naõ pro-
nuncía; e que só se deve conservar,
quando fazemos caso delle na pronun-
cia, como em Magno, Signo, &c.
Quem diz isto he pouco amigo da ety-
mologia das palavras; e naõ adverte
que em Magno, Significar, Signo, &c.
escrevemos o G por conservar a ori-
gem das palavras, e que pela mesma
razaõ o devemos taõbem escrever em
Magdalena, e em outras semelhantes;
ainda que o naõ pronunciâmos, por
naõ affettar a pronuncia.
Quando o H he principio de pala-
vra, diz o Bluteau no seu Dicciona-
rio, que algumas vezes se póde omit-
tir, outras naõ: do mesmo parecer he
Joaõ Franco Barreto na sua Orthogra-
phia, e o Padre Bento Pereira na sua
pág. xiii
Grammatica linguæ Lusitanæ; e nisto
naõ dizem mal. Todas as vezes que
naõ houver H na origem Latina, naõ
o devemos escrever, ou seja no prin-
cipio, ou no meio das dicções; por
cuja razaõ o naõ approvo nas palavras
He, Huma, Contheudo, &c. porque
o He verbo distingue-se do E conjunc-
çaõ com o accento agudo; e naõ ha
razaõ para se escrever He verbo com
H, e Era, Eras, Eramos, &c. in-
flexões do mesmo verbo, sem elle:
porém por seguir-mos o uso invete-
rado dos Authores cultos, escrevere-
mos com H He, Huma; em Contheu-
do, &c. por nenhum modo póde ser
admissivel o H. Dizem outros que em
Houve, verbo auxiliar, se deve usar
de H, para o distinguir de Ouve, ver-
bo de ouvir: naõ dizem mal, ainda
que a razaõ he diversa: No verbo
auxiliar usa-se de H por uso, e no
verbo ouvir naõ se usa delle porque
em Audio o naõ ha; e esta he a razaõ,
e naõ o equivoco das palavras; por-
que, quantas ha com equivocaçaõ? e
por ventura põe-se-lhes H para tirar
a duvida? Naõ, certamente.pág. xiv
Sobre as duas qualidades de I J taõ-
bem. ha sua bulha, mas em se sabendo
distinguir o I vogal do J consoante, o
que he muito necessario, está acaba-
da toda a duvida. Os II distinguem-se
pelo feitio, ou sejaõ grandes, ou pe-
quenos: O J consoante, quer seja
grande, quer pequeno j, sempre he
rasgado, e os Ii vogaes naõ. Quan-
do nas dicções se deva usar de hum,
ou de outro, mostrará a pronuncia da
palavra: se o I ferir a vogal, que se
lhe segue, he consoante; porque es-
te sempre he principio de syllaba; e
se a naõ ferir, he vogal.
Outra difficuldade maior se en-
contra no J consoante, seguindo-se-
lhe E, I, por ter analogia com elle
em semelhantes casos o G; porém
quando a pronuncia for de J, recor-
ra-se á origem, e veja-se se ha J, ou
G, e o que houver escreva-se; e se
naõ houver nem huma, nem outra
letra, use-se sempre do J; porque a
sua propriedade he ferir a vogal, que
se lhe segue, como: Jarro, Jejum,
Jogo, Jugo, &c. Quando á pronun-
pág. xv
cia do J consoante se segue I, se de-
verá pôr G, e naõ J consoante; por-
que de seguir-se a este, I vogal, ha
raros, ou nenhuns exemplos em pa-
lavra Portugueza, como: Ginja, Gi-
baõ, Gineta, Gigante, &c. que to-
das saõ escrittas com G, e naõ com J.
A respeito das letras dobradas taõ-
bem ha que dizer. Manuel de Andra-
de de Figueiredo no seu Trattado ter-
ceiro da Orthographia Portugueza assi-
nalla sinco razões, porque se dobraõ
as letras, que saõ: Natureza, Sig-
nificaçaõ, Corrupçaõ, Variaçaõ, e
Composiçaõ: porém eu digo que as
letras só se dobraõ: Em primeiro lu-
gar, para mostrar a origem da pala-
vra, como: Vassallo; onde se do-
braõ o S, e o L, para mostrar a ori-
gem Latina Vassallus, donde se adop-
tou: Em segundo lugar, quando na
adopçaõ convertemos huma letra da
origem em outra, como: Isso, de Ip-
sum, Pessoa, de Persona, Trattado,
de Tractatus, &c. onde na primeira
palavra convertemos o P da raiz La-
tina em S; na segunda o R em S;
pág. xvi
e na terceira o C em T: E em tercei-
ro lugar, quando as palavras saõ com-
postas de outras com a particula A;
principiando suas simpleces por con-
soante; que, pela maior parte, se
accrescenta á particula outra consoan-
te igual á da voz primitiva, como:
Assaltar de Saltar, Aggravar de
Gravar, Afferrar de Ferrar, &c.
Assina mais o dito Manuel de An-
drade de Figueiredo sexta razaõ por-
que se dobraõ as consoantes, que he
Derivaçaõ. He verdade que as vozes
derivadas conservaõ a natureza das
suas primitivas, como: Abbade; que
desta palavra se fórma Abbadessa, Ab-
badessado, Abbadia; e em todas se
conservaõ os BB: porém quem do-
bra naõ he o derivado, he o primi-
tivo.
Diz mais o dito Manuel de Andra-
de de Figueiredo, que as consoan-
tes C, L, M, N, R, S, se conhece
que dobraõ na pronuncia, e pelo soí-
do; e para provar isto traz humas
poucas de palavras de duplex C, co-
mo: Acçaõ, Dicçaõ, Occidente, &c.
pág. xvii
Que esta letra se conhece que dobra,
quando se pronuncîa, he certo; po-
rém dizer que o L se conhece que do-
bra, quando carregâmos na vogal an-
tecedente, he engano manifesto: por-
que aí está em Marmelo, Martelo
Bala, Gala, Cola, Bola, que se naõ do-
bra o L, e mais carrega-se na sua vo-
gal antecedente; com que a tal regra
he fallivel.
Dizer taõbem que o M se conhe-
ce que dobra, quando se enxe mais
o som, como em Immenso, Immor-
tal, he galantaria; pois tanto se en-
xe o som nas duas palavras, como em
Imagem, Imaginar, Imitar, que tem
hum M só.
Naõ tem menos graça dizer que o
N se conhece que dobra em Anno,
Anna; tanta força fazem na pronun-
cia os dois NN, como só hum.
Que o R se conhece que dobra na
pronuncia, quando ella he aspera, e
forte, he certo; mas estabelecer que
o S dobra entre vogaes, e nos super-
lativos, tem que dizer. Muitas vezes
entre vogaes se dobra o S; mas ou-
pág. xviii
tras, nem se dobra, nem ha S, ain-
da que a pronuncia seja delle; como
se póde ver em Graça, Paço, Aço,
e em muitas outras palavras: Nos su-
perlativos he certo que ha dois SS;
porém ha-os, porque na lingùa La-
tina, de donde nós derivámos a nossa,
quasi todos os superlativos os tem;
por isso os escrevemos, ainda que mui-
tos naõ tenhaõ analogia.
Affirma o dito Andrade que as con-
soantes B, D, F, G, P, T, naõ se
conhecem na pronuncia pelo soído
quando dobraõ. Diz bem: porém o
mesmo succede ás outras de que aca-
bámos de falar: porque as dupleces
consoantes na nossa escrittura tem o
soído de huma só, á excepçaõ do R;
e concorda o mesmo Andrade com Joaõ
Franco Barreto na sua Orthographia,
que estas consoantes se naõ devem es-
crever, por se naõ axarem na pronun-
cia. Se nós naõ escrevermos duplex
consoante, senaõ quando a axar-mos
na pronuncia, estou certo que nunca
dobraremos, senaõ o R; porém se
as primeiras consoantes se devem do-
pág. xix
brar pelas razões, que apontei, as se-
gundas naõ tem menor privilegio; e
assim, ou dobremos todas, ou ne-
nhumas.
Sobre as terminações em AM, ou
em AÕ, ha muita controversia. O Blu-
teau na sua Prosa Apologetica diz que
a terminaçaõ AÕ se deve preferir á
terminaçaõ AM, por ser melhor; e
que se deve conservar, para se con-
servarem taõbem as palavras acabadas
em AO, como: Máo, Páo, Berim-
báo, Catimbáo, &c. e que o til sup-
pre hum N; mas ainda isto naõ he
ferir bem o ponto, e profundar bem
a materia. O til, he verdade que naõ
he risco, como querem alguns, mas
sim hum rigoroso M, naõ final, co-
mo muitos intendem, mas pertencen-
te á vogal, sobre que elle está, que
se naõ escreve, para naõ fazer duvida
com que vogal faria syllaba. E que
tem a terminaçaõ em AÕ com as pa-
lavras acabadas em AO, como as do
exemplo? Bem podia haver as taes
palavras, e naõ haver a terminaçaõ
em AO, porque humas tem accento,
pág. xx
tras til. Por esta razaõ, naõ he que
se deve conservar a terminaçaõ em AÕ;
agora por ella ser a legitima, isso sim.
Ha quem diga que o til faz inten-
der hum M final, e que se póde es-
crever sem erro Coraçaom; e que es-
crevendo nós Coraçam, he huma syn-
cope da outra. Nem o til denota M
final, nem ha tal syncope, nem deve
haver terminaçaõ em AM em palavra
alguma, como largamente tratto em
seu lugar desta materia.
Na terminaçaõ em AN ha quem
queira que acabem os nomes femeni-
nos, cujos masculinos acabaõ em AM,
como: Vam, Van, Irmam, Irman,
&c. Naõ sou desta opiniaõ; porque
semelhantes nomes femeninos he que
se devem escrever com M por final, e
os masculinos com AÕ, v. g. Irmaõ,
Irmam, Vaõ, Vam, &c.
Duarte Nunes de Leaõ, e Joaõ de
Barros nas suas Orthographias assen-
taõ que se naõ deve escrever PH por
F, ainda em nomes de origem estran-
geira, como: Philostrato, Philoso-
phia, &c. mas que semelhantes no-
pág. xxi
mes se devem escrever com F, e naõ
com PH. He verdade que nós já hoje
escrevemos estes nomes com F; mas
nem por isso commetterá erro quem os
escrever com PH.; principalmente
naquelIes nomes, que ainda naõ estaõ
bem naturalizados, ou que tem ana-
logia com as palavras da origem.
Bluteau na sua Prosa Grammatono-
mica quer que se escreva S antes de
consoante no principio de palavra,
quando esta tiver derivaçaõ, e analo-
gia Latina; e assim quer que escreva-
mos Sparto, Spirito, Squeleto, Sce-
na, Scipiaõ, &c. Em semelhantes
palavras, como se intende hum E an-
tes do S, segundo a pronuncia La-
tina, pozemo-lo claramente na escrit-
ta; e pronunciâmos taes palavras,
como as escrevemos, assim: Espar-
to, Espirito, Esqueleto, &c. Nas
palavras, que principiaõ por P antes
de S, perde-se o P, assim como:
Psalterio, PsaImo, Psalmista, &c.
que escrevemos Salterio, Salmo, Sal-
mista; porém, quando na pronuncia
fazemos caso do P, ou do S, escre-
pág. xxii
vemos entaõ huma, ou outra, de que
fazemos caso.
Quando as palavras, principiaõ por
S antes de C, conservâmos o S, e o C;
porém perdemos o C na pronuncia,
como: Sciencia, Scena, Scipiaõ, que
pronunciâmos Siencia, Sena, Sipiaõ.
Porém quem teimasse a escrever estas
palavras com S antes de outra conso-
ante, e com P antes de S, ou N,
nem por isso o condemnaria; com
tanto que pronunciasse, como costu-
mâmos.
O P antes de T no meio das dic-
ções deve escrever-se, ainda que se
naõ pronuncie, se na raiz Latina, com
quem tiverem analogia, houver o dit-
to P.
Alvaro Ferreira de Vera quer que
nenhuma dicçaõ Portugueza acabe em
X. Porém eu aconselho que se termi-
nem em X aquelles nomes, que for-
maõ os seus pluraes em Ces, v. g.:
Simplex, Simpleces, Index, Indeces,
&c.
Naõ sei porque regra o U deva em
alguns lugares valer de I; o certo he
pág. xxiii
que este uso foi introduzido sem se es-
tribar em razaõ. Eu sigo escrever sem-
pre I, e nunca U, porque desta sor-
te venho a dar a cada letra o seu valor
natural: e assim escrevo taes pala-
vras, como se pronunciaõ; I sendo a
pronuncia de I, e U, sendo a pro-
nuncia de U, como: Noite, Oito,
Agoiro, Dois, Pois, Ouve, Pouco,
Outono, Outorga, &c.
O Y, diz Bluteau, e Bento Pe-
reira que se deve escrever para mostrar
a origem da palavra. Cuido que di-
zem bem; pois he só nos casos, em que
eu o admitto: agora em que eu naõ
concordo com elles, he em dizerem
que o I vogal naõ he sufficiente pa-
ra formar diphthongo com as vogaes,
e que se deve usar do Y, como: Pay,
Rey, Ruy, Eloy, &c., e do mes-
mo parecer he Manuel de Andrade de
Figueiredo. Naõ posso perceber a ra-
zaõ, em que se fundáraõ estes Escrit-
tores: porque o Y antigamente tinha
hum soído mais de U, do que de I;
e nós com o tempo na adopçaõ, que
fizemos delle, demos-lhe valor de I
pág. xxiv
vogal. Ora se elle vale de I vogal,
que necessidade temos do tal Y para
formar-mos os diphthongos? Por que
razaõ naõ os formaremos com o I vo-
gal? Eu assento, e estabeleço, como
regra geral, que em palavras Portu-
guezas se naõ deve usar nunca do Y; e
só se deve escrever naquellas, que ti-
verem derivaçaõ, e analogia Grega.
Estas saõ as observações, que te-
nho feito sobre alguns pontos princi-
paes da Orthographia, de que per-
tendo trattar; porém se nellas se des-
cubrirem erros, taõ longe estou de naõ
querer confessa-los, que protesto ser
o primeiro, que os emende, tanto
que os axar, ou mos advertirem; pois
naõ quero comprar os prejuizos alheios
a troco da minha contumacia.
pág. xxv
INTRODUCÇAÕ
A’ ORTHOGRAPHIA.
Da Origem, Necessidade, Proveitos,
e Historia da Orthographia.
§ I.
Da origem da Orthographia.
A ORTHOGRAPHIA, (que traz a
sua origem destas duas dicções
Gregas Orthos, e Graphe; boa
escrittura) teve seu principio logo
com a Grammatica. Tanto que os ho-
mens começáraõ a querer reduzir a
methodo o que falavaõ, compoze-
raõ Grammaticas da sua mesma lin-
gùa, que os ensinassem a falar sem
erros.
Entre os Antigos, os que mais
se avantajáraõ nas Artes de Gramma-
tica, foraõ os Gregos Athenienses;
e delles passou o costume aos Roma-
nos, com tanto excesso, que chegá-
raõ a dar nas Escholas a Grammatica
da sua propria lingùa. Era forçoso
pág. [xxvi]
que logo tivesse principio a Ortho-
graphia: porque se a Grammatica he
a Arte de falar sem erros, a Ortho-
graphia he a Arte de escrever sem de-
feitos; e tanta necessidade temos nós
de falar, como de escrever. Isto se
prova com os mesmos Gregos, e Ro-
manos, que tanto compunhaõ Gram-
maticas, como Orthographias: que
bem ponderada a materia, a Ortho-
graphia he huma rigorosa parte da
Grammatica, a que se chama Proso-
dia.
§ II.
Da necessidade da Orthographia.
A Necessidade, que temos de hu-
ma boa Orthographia, todos a
conhecem. Sem ella tudo saõ confu-
sões, e desordens na escrittura; sem
se poder formar juizo sobre o que
vemos escritto. Quem interpretaria
muitas palavras equivocas, se naõ fos-
sem denotadas com algum accento?
Quem distinguiria o discurso, se naõ
fosse separado pela pontuaçaõ?pág. xxvii
Logo que os homens inventáraõ a
escrittura, começáraõ a escrever con-
fusamente as palavras; porém, ven-
do pelo decurso do tempo a equi-
vocaçaõ, que havia na escrittura, por
falta de alguns sinaes, que distinguis-
sem humas palavras de outras, e se-
parassem no discurso huns de outros
membros; e vendo igualmente que a
mesma escrittura estava desfigurada, e
sem graça; usando-se de letra peque-
na em quasi todas as palavras, (inven-
tada que foi a Grammatica) entraráõ
logo a reduzir a methodo a escrittura,
inventando os Accentos, e a Pontua-
çaõ; huns, para tirarem a duvida nas
palavras, e a outra, no discurso.
Era de necessidade que a Gramma-
tica fosse mais antiga, do que a Or-
thographia; porque esta requer a ou-
tra sabida: e sem se saber que coisa
he Grammatica, mal se póde saber o
como se ha de virgular, e usar dos
Accentos; quanto mais, que nós pri-
meiro pensâmos, e falâmos, do que
escrevemos.
Naõ obstante a invençaõ dos Ac-
pág. xxviii
centos, e Pontuaçaõ, nem por isso
entráraõ logo destas duas coisas a fa-
zer o seu uso devido; e ainda havia
na escrittura equivocos, e confusões,
até que com o tempo se foraõ polin-
do de tal fórma as coisas, que tem
chegado á sua maior perfeiçaõ a escrit-
tura.
§ III.
Dos proveitos da Orthographia.
A Orthographia he a porta, a que
vem bater todas as sciencias, pois
ella lhes deve servir de base; e do
pouco caso, que muitos fazem della,
he que procede axarem-se pessoas nos
empregos litterarios sem saberem que
coisa seja escrever huma carta perfeita.
A Orthographia he, a que põe em or-
dem as letras do Abcedario para a for-
matura de qualquer palavra; he a arte
de escrever bem; e a alma da escrittura.
Da Orthographia saõ partes as Le-
tras, os Accentos, e a Pontuaçaõ:
de cada coisa destas trattarei especifi-
camente em seu lugar.pág. xxix
§ IV.
Da historia da Orthographia.
MUitos saõ os Escrittores, que
tem trattado de Orthographia:
em todos os seculos sempre esta ma-
teria mereceo a attençaõ dos homens;
elles se desveláraõ por assinalarem
regras, com que de huma vez se fixas-
se a nossa Orthographia patria; po-
rém debalde se cansáraõ; pois tan-
tas opiniões ha em semelhante mate-
ria, quantos saõ os AA., que della
trattáraõ.
Bem quizera eu expor aqui os di-
versos sentimentos, que ha neste ca-
so; porém temo cair na reprehençaõ
dos leitores pelo extenço; e refrean-
do nesta parte o meu genio, concluo
dizendo; que os curiosos, que qui-
zerem melhor profundar a materia,
pódem recorrer á fonte; vendo as Or-
thographias dos Authores, que se ci-
taõ neste Prologo, e as de outros
muitos, que ha, como saõ: as depág. xxx
Aires Barboza; de Amaro de Robo-
redo; do Padre Antonio Pessoa; de
Antonio da Silva Alvares; de Bartho-
lomeu Rodrigues Chorro; de Bar-
tholomeu Soares da Fonceca; de Igna-
cio de Britto Nogueira; de Ignacio
Garcez Ferreira; de Joaõ Moraes de
Madureira Feijó, &c, e as de outros
mais modernos, como Pinheiro, e
Madureira, &c.
pág. xxxi
Omnia breviora reddet ordo, &
ratio, & modus. Quintilianus Instit.
Orator. Lib. 12. cap. 11.
pág. [xxxii]
ORTHOGRAPHIA
PORTUGUEZA,
OU
REGRAS PARA ESCREVER CERTO.
NENHUMA coiza he taõ na-
tural no homem, como o
pensar, por ser essencia do
principal caracter com que
Deos o distinguio, logo apenas o for-
mou. A necessidade, que temos de
communicar aos outros o que pensâ-
mos, deo causa para a invençaõ das (a)
palavras: e como estas, muitas vezes
era preciso, ou parteciparem-se a pes-
soas, que viviaõ em distancia, ou fa-
zerem-se lembradas na posteridade;
vendo os homens que o instrumento da
tradiçaõ naõ era sufficiente para conse-
guir o fim, que desejavaõ, ideáraõ
outro admiravel, que foraõ as letras;
e com ellas formáraõ as palavras. Por————————————————
(a) Palavra, tomada em toda a sua extençaõ,
he aquella voz, que significa alguma coiza.
pág. 1
cuja razaõ vem a ser a Escrittura hu-
ma imagem da palavra: e se para a
copia dizer com o original, he preci-
so que o quadro seja feito debaixo dos
preceitos da boa Pintura; para a Es-
crittura representar a palavra, deve
taõbem ser executada, segundo as re-
gras da melhor Orthographia.
Esta ensina a escrever sem erro as
palavras, tanto nas Letras, como
nos Accentos, e Pontuaçaõ. Nas Le-
tras; mostrando o como devem ser
escrittas as (a) dicções, segundo a sua
derivaçaõ, (b) analogia, e uso. Nos
Accentos; denotando as syllabas com
algum sinal, para as eximir de (c)
amphibologia. E na Pontuaçaõ; dis-
tinguindo o discurso por caracteres
proprios, que denotem as suas pausas:
porque assim como falando, usâmos
dellas, para melhor nos intenderem,
assim taõbem escrevendo, as devemos————————————————
(a) Dicçaõ, he o mesmo que palavra.
(b) Analogia, he semelhança, ou propor-
çaõ, que huma coiza tem com outra.
(c) Amphibologia, he duvida, ou equivo-
caçaõ, que huma coiza faz, ou tem com outra.pág. 2
assinalar; para que o leitor, obser-
vando-as, distinga o sentido, e o faça
distinguir aos que o ouvem.
Para executarmos o que fica ditto,
me propuz a compor este pequeno
Trattado, que dividirei em sinco Ca-
pitulos. No primeiro mostrarei que
coisa seja Syllaba; darei a definiçaõ da
Letra; explicando as suas qualidades,
differenças, uso, e valor. No segun-
do mostrarei que coiza seja Accento,
de quantos se usa, e aonde se devem
applicar. No terceiro mostrarei as di-
versidades de caracteres, de que se
compõe a Pontuaçaõ, e o como se de-
ve usar della. No quarto estabelecerei
algumas regras para a formaçaõ dos
nomes pluraes, pela sua terminaçaõ
singular. E no quinto darei huma bre-
ve noticia das partes; de que se com-
põe a Escrittura.
pág. 3
————————————————CAPITULO I.
Da Syllaba; definiçaõ da Letra, e ex-
plicaçaõ das suas qualidades, diffe-
renças, uso, e valor.
§ I.
Da Syllaba.
TOda a palavra consta de syllabas,
e estas de letras. A syllaba he
hum som perfeitamente formado, ou
por huma vogal sómente, ou por hum
diphthongo, ou por huma vogal uni-
da com huma, duas, ou mais conso-
antes, as quaes lhe precedaõ, ou se
lhe sigaõ, assim como: A-man-te. Es-
ta palavra tem trez syllabas; a primei-
ra consta só da vogal A; a segunda
da mesma vogal com M, N; e a ter-
ceira da vogal E com T. E assim di-
remos que huma palavra consta de tan-
tas syllabas, quantas vogaes, ou di-
phthongos tem. Os Accentos se assi-
nálaõ sobre a vogal da syllaba. Al-
pág. 4
guns naõ querem que a syllaba; que
consta só de huma vogal, seja syllaba,
e lhe daõ o titulo de * Monogramma:
porém chamem-lhe o que quizerem,
he huma perfeitissima syllaba.
§ II.
Da definiçaõ da Letra.
A Letra he hum caracter, ou figu-
ra, em que se comprehende hum
som individuo; e se compõe o nosso
Alphabeto puramente Portuguez de
vinte e huma letras, ou caracteres,
distinctos huns dos outros, que saõ:
A, B, C, D, E, F, G, H, I, L,
M, N, O, P, Q, R, S, T, U, X,
Z. Dezoito das quaes, segundo di-
zem os AA. inventou Nestor, e as
trez o Capitaõ Diomedes axando-se
na guerra de Troya. Além das vinte
e huma, usâmos mais das quatro Gre-————————————————
* Monogramma, he deliniaçaõ; por isso daõ
tal nome ás syllabas de huma vogal só, porque
serve de deliniar a palavra: porém todas as syl-
labas tem o mesmo prestimo.pág. 5
gas: J, ou Jod, J consoante; V,
ou Vau, V consoante; K, e Y. As
primeiras duas J, e V, saõ-nos mui-
tos precisas, as segundas K, e Y,
naõ. O som, que tem cada letra des-
tas, quando se nomeia, he este: A’,
Bê, Cê, Dê, E’, êFè, Gê, àgá,
I, J, éLè, éMè, éNè, O’, Pê,
Quê, érRè, ésSè, Tê, U, V, Xis,
Zê, Ká, Ypsilon.
§ III.
Da Qualidade das Letras.
DEstas Letras se chamaõ vogaes:
A, E, I, O, U, Y; porque ca-
da huma por si só póde fazer som ou
syllaba. Com estas se fazem os diph-
thongos ai, au, ei, eu, oi, ou, ui;
e alguns assinalaõ mais dois, que saõ:
aõ, eo.
Diphthongo he palavra Grega,
composta destas duas dicções Di, que
quer dizer dois, e Thongos, que sig-
nifica voz; por cuja razaõ o Diph-
thongo he huma syllaba formada por
duas vogaes, que se pronunciaõ de
pág. 6
hum só respiro, dando-se valor a am-
bas, como: Parai. A ultima syllaba,
que he o rai, deixa perceber na pro-
nuncia o A, e o I.
Todas as mais Letras saõ consoan-
tes, porque por si só naõ pódem fa-
zer syllaba, sem soccorro de vogal.
Exemplo: A-mor, Sil-va.
Das letras consoantes, humas saõ
Mudas, B, C, D, G, J, K, P,
Q, T, V, Z; porque além de terem
hum som obscuro, quando saõ sinaes
de dicçaõ, e ainda de syllaba, se Ihes
intende a vogal E: Outras saõ Semi-
vogaes, como: F, L, M, N, R, S;
porque naõ, só tem hum som mais cla-
ro, do que as Mudas, mas sendo fi-
naes de dicçaõ, naõ se lhes intende a
vogal E na pronuncia, como nas Mu-
das: E outra he dobrada, como: X;
porque em muitos lugares vale de mais
de huma letra, como se dirá, quan-
do se tratar do seu valor.
Das Semivogaes se fazem Liquidas
na nossa lingùa sómmente o L, e o
R, quando saõ precedidas de Mudas,
com quem façaõ syllabas; porque em
pág. 7
taes casos perdem muita parte da sua
força, e som natural, como: Clero,
Droga, &c.
§ IV.
Da differença das Letras.
AS Letras tem duas differenças, ou
figuras, ainda que o valor he
o mesmo; porque humas saõ grandes,
ou mayusculas, como: A, B, C, &c.
outras saõ pequenas, ou minusculas,
como: a, b, c, d, e, f, g, h, i,
j, k, l, m, n, o, p, q, r, s, t, u,
v, x, z, y.
§ V.
Do uso das Letras.
PAra perfeiçaõ da Escrittura he ne-
cessario sabermos em que lugar se
lhe applicará letra grande, ou peque-
na. Porém antes que demos regras pa-
ra isto, advirta-se, que quando usar-
mos de letra grande, só a primeira
letra da palavra he que o deve ser;
ainda que ás vezes o sejaõ todas, co-
mo mais abaixo se dirá.
Advertido o que disse: principia-
pág. 1
remos com letra grande a Escrittura.
Poremos letra grande depois de
ponto final, de ponto interrogativo,
e admirativo; quando estes dois fi-
zerem sentido perfeito, e indepen-
dente.
Poremos letra grande no princi-
pio dos (a) nomes proprios, sobre-
nomes, appellidos, e alcunhas de pes-
soas.
No principio dos nomes proprios
de todas as coizas (b) animadas, ou
inanimadas, sensitivas, ou insensiti-
vas, como: (c) Bucephalo, (d) Ida,
&c.
No principio dos nomes (e) appel-————————————————
(a) Nome proprio he aquelle, que significa
huma pessoa, ou coiza certa, sem equivocaçaõ
com outra, como: Anna, Norte.
(b) Animadas, ou sensitivas, se chamaõ a-
quellas coizas, que sentem, ou saõ capazes de
nutriçaõ. As inanimadas, ou insensitivas saõ
pelo contrario.
(c) Bucephalo era hum cavallo de Alexandre
Magno, que tinha cabeça de boi.
(c) Ida, he hum monte de Creta.
(e) Os nomes appellativos saõ o contrario
dos nomes proprios substantivos; saõ os que
pág. 9
lativos tomados por substantivos pro-
prios de pessoa, ou coiza, ou por
coiza particular como: O Orador Gre-
go, por Demosthenes: A Mãi das scien-
cias, por Athenas. A Mestra universal
das gentes, pela Experiencia, &c.
No principio dos nomes (a) adje-
ctivos tomados por substantivos pro-
prios, como: O Divino pertence a
Deos, por Divindade.
No principio dos attributos, ou
predicados, (isto he, o que se affir-
ma, ou nega de algum sujeito) que se
daõ a grandes pessoas, como Salva-
dor, a Deos: Legislador, ao Rei;
liberal, ao Princepe; &c. E ás ve-
zes, por excellencia, saõ grandes to-
das as letras, tanto do predicado, co-————————————————
significaõ huma pessoa, ou coiza indetermina-
da, e que se póde applicar a outra, como:
Rei, Senhor; &c.
(a) Os nomes adjectivos saõ aquelles, que
declaraõ as qualidades dos substantivos com de-
pendencia dos mesmos. E os nomes substanti-
vos saõ aquelIes, que naõ dependem dos adje-
ctivos para significar alguma coiza, como; Pe-
dro he bom: o primeiro he substantivo, o se-
gundo adjectivo.
pág. 10
mo do sujeito. V. g. CLEMENTE
REI, &c.
No principio dos nomes (a) con-
cretos, e abstractos de dignidade, oc-
cupaçaõ, emprego, ou officio nobre,
como: Rei, Reinado, Provedor, Pro-
vedoria, &c.
No principio dos nomes (b) gen-
tilicos; e patrios, como: Portugue-
zes, os de Portugal: Eborenses, os
d’ Evora, &c.
No principio dos que significaõ ge-
nero, ou especie, tomados em toda
a sua extençaõ, como: O Fogo abra-
za; a Religiaõ he util, &c.
No principio dos nomes, ou coi-
zas, que fazem a principal figura no
discurso, a respeito da materia, de
que se tratta, como: A Colera incita;————————————————
(a) Nome concreto, he aquelle, que dá a
denominaçaõ ao abstracto, e este he o que a
recebe do concreto, como: Rei, Reinado: o
primeiro he concreto, o segundo abstracto, &c.
(b) Nomes gentilicos saõ os que significaõ a
gente de huma Naçaõ; e patrios a de huma Pro-
vincia, ou Cidade, como: Romanos, Algar-
vios: os primeiros saõ gentilicos, os segundos
patrios, &c.
pág. 11
o Vencer agrada; o A he a primeira
letra do Alphabeto, &c.
No principio dos nomes, que sig-
nificaõ sciencias, ou artes liberaes, e
os seus professores, como: Philoso-
phia, Pintura, Poeta, &c.
No principio dos nomes, que sig-
nificaõ coizas assinadas pelo Rei, ou
pessoas de authoridade, como: Lei,
Avizo, Sentença, &c.
No principio dos nomes, que
contém em si misterio, ou excellen-
cia, como: A Missa he dos maiores
sacrificios, a Prudencia regula os ho-
mens, &c.
No principio dos nomes, que per-
tencem a grandes pessoas, como: O
Braço de Deos, o Poder do Rei, &c.
No principio dos versos.
Quando huma só letra significa hu-
ma palavra inteira, taõbem deve ser
grande, como: A. por Antonio, &c.
as quaes se chamaõ iniciaes.
Nos titulos dos livros, e em quasi
todo o frontespicio delles, costumaõ
escrever-se as palavras todas com le-
tra grande; como taõbem se costu-
pág. 12
ma escrever com letra grande a pri-
meira palavra toda, com que se prin-
cipia a trattar qualquer materia.
A’ excepçaõ do que fica ditto, tu-
do o mais se deve escrever com letras
pequenas.
§ VI.
Do valor das Letras.
A.
A Letra A tem trez sons differentes,
que saõ os que denotaõ os trez
accentos, como: Amârgurádà. Nes-
ta palavra estaõ todos os trez sons,
que tem a letra A, denotados pelos
accentos.
Quando esta letra he final dos (a)
monosyllabos longos, costumaõ mui-
tos denotalla com o accento agudo,
como: Má, Pá; o que naõ sigo, se-
naõ fazendo amphibologia: e o mes-
mo uso nos monosyllabos das outras
vogaes, pela regra geral dos accen-————————————————
(a) Monosyllabos, saõ as palavras de huma
só syllaba.
pág. 13
tos, que só se devem pôr para tirar a
duvida. Outros dobraõ a ditta letra
nos monosyllabos, como: Máa, Páa;
o que taõbem me parece mal; por-
que naõ axo lei, que dê faculdade a
huma letra para carregar outra: o que
se póde fazer com o accento, que he
o seu officio.
B
A letra B seguida de consoante,
ou sendo final de dicçaõ, pronuncia-
se, como se depois de si tivera hum
E mudo, como Bredo, Abdicaçaõ,
Jacob. As quaes palavras se pronun-
ciaõ, como se fossem escrittas: Be-
redo, Abedicaçaõ Jacobe adoçando
o E, e pronunciando-o taõ rápido,
que mal se deixe perceber. O mesmo
succede a todas as Mudas. Dobra-se
esta letra pela (a) etymologia da pa-————————————————
(a) Etymologia he a origem das palavras: e
as nossas quasi todas saõ derivadas da lingua Lati-
na: por isso devemos escrever: Abbade, Abba-
dessa, Abbreviar, &c.: porque saõ derivadas
das palavras Latinas Abbas, Abbatissa, Ab-
brevio, &c.pág. 14
lavra; e pela mesma razaõ se lhe naõ
põe o E nos casos, que assima disse-
mos; e quando for duplex, isto he
dobrada, vale de huma só letra; e per-
tence huma para a syllaba precedente,
outra para a seguinte. A razaõ disto
he, porque nenhuma syllaba principia
por consoante dobrada, como se disse
na syllaba. O mesmo se observa nas
mais consoantes dobradas. Nesta letra
nunca termina palavra Portugueza, e
só he final de alguns nomes Hebraicos,
como: Jacob, Job, Moab, &c.
C
A letra C, sendo seguida de A, O,
U, vale de K; tendo cedilha, e se-
guindo-se-lhe as mesmas letras, vale
de S; e taõbem vale de S, antes de
E, I. Quando esta letra for seguida
de consoante, ou final de dicçaõ,
vale da palavra Que, como Clemen-
te, Alcmena, Halec, &c. As quaes
palavras se pronunciaõ, como se fos-
sem escrittas Quelemente, Alqueme-
ena, Aleque, &c.pág. 15
Dobra-se esta letra, para mostrar
a derivaçaõ da palavra; e quando he
dobrada, ou está antes de T, muitos
pronunciaõ a primeira, dando-lhe va-
lor de Que mudo, como já se disse,
outros naõ; como: Acçaõ, Affecto,
&c. que muitos pronunciaõ, como se
fossem escrittas: Aqueçaõ Affequeto;
outros: Açaõ, Affeto, &c. A pri-
meira pronuncia he affectada, a se-
gunda he melhor; mas ambas se pó-
dem usar.
Quando o ditto C he seguido de
H, e depois deste houver E, I, va-
le de Qu naquellas palavras adopta-
das da lingùa Latina, onde ha o Ch,
ou da lingua Grega, aonde ha K. Ex-
emplos: Chimica, Cherubim, Chi-
rios; de Chimica, Cherubim, Kirios.
As quaes palavras se pronunciaõ, co-
mo se fossem escrittas: Quimica, Que-
rubim, Quirios; fazendo-se liquido,
o U depois do Q, como muitas ve-
zes se faz. E muitas palavras, que no
Latim tem Ch, escrevemos já hoje
com Qu, como: Monarquia, de Mo-
narchia, &c.pág. 16
Outras vezes o ditto Ch vale de
X; e ainda que he quasi impossivel
querer reduzir a regras o uso do C,
quando vale de S, e do Ch, quando
vale de X; com tudo, guiado por mui-
tas observações, que fiz a este respei-
to, direi os lugares, em que se deve
usar do ditto C, quando for analogo,
com o S, e do Ch, quando valer de
X.
Ninguem duvîda, que as lingùas saõ
derivadas, humas das outras; princi-
palmente da Latina, e Grega, como
mãis, e origem de todas as mais: isto
se prova pela semelhança, que muitas
palavras das lingùas da Europa ainda
hoje conservaõ da lingùa Latina. En-
tre as nações, que deriváraõ, e adop-
táraõ palavras da lingùa Latina, pa-
ra compor o seu dialecto particular,
foi a Portugueza huma: e tanto se
namorou da Latinidade, que lhe fi-
cou conservando palavras inteiras;
destas, pela quantidade, se podiaõ
enxer paginas; porém apontarei só
algumas, para provar, o que perten-
do. Conservaõ toda a analogia Latina
pág. 17
as palavras seguintes: Amo, Amas,
Ama, Ames, Amor, Amores, Ap-
pello, Appellas, Baba, Baculo, Bap-
tizo, Barba, Ceremonia, Callos,
Carta, Declaro, Delator, Diade-
ma, Dionysio, &c.
Ora quem he taõ apaixonado de hu-
ma lingùa, que lhe conserva palavras
inteiras, naõ se envergonha taõbem
de a imitar em quasi tudo. O que sup-
posto: começáraõ os Portuguezes a
dar valor de S ao C, (tirando-o fó-
ra do seu natural, que he valer de K,
com qualquer vogal; por terem des-
terrado do Alphabeto o ditto K, e
supprirem o seu lugar com o C, ou
Q.) seguido de E, I, naquellas dic-
ções, que na Latina o tinhaõ; ainda
que a analogia seja pequena, ou ne-
nhuma com as dittas dicções Latinas;
mostrando com isto que se lhe perdiaõ
a semelhança, lhe conservavaõ a ety-
mologia. E assim entráraõ a escrever
Sem, (a) preposiçaõ, com S, por se————————————————
(a) Preposiçaõ he huma das nove partes, de
que se compõe a nossa oraçaõ Portugueza, isto
pág. 18
derivar de Sine; e Cem, numero, por
se derivar de Centum; Cera, nome,
por se derivar de Cera, e Será, ver-
bo, por se derivar de Sum; Ceda ver-
bo, e Seda nome; por serem deri-
vadas, aquella de Cedo, e esta de Se-
ricum: Cilicio, de Cilicium; Sine-
te, de Sigillum, &c.
————————————————he, qualquer periodo, que saõ: Nome, Pro-
nome, Partecipio, Particula, Verbo, Preposi-
çaõ, Adverbio, Interjeiçaõ, e Conjuncçaõ.
Nome he huma palavra, com que as coizas se
nomeaõ, como: Pedro, Dado.
Pronome he huma palavra, que se põe em
lugar do substantivo, para o significar, como:
Falei a Pedro, e elle me abraçou. Onde elle,
significa o mesmo que Pedro.
Partecipio he huma palavra, ou nome adje-
ctivo, que significa com tempo as qualidades do
nome substantivo, como: Pedro he amante. On-
de amante declara que Pedro agora he que tem
amor.
Particula he huma voz que denota a pessoa,
em quem se emprega a acçaõ do verbo; ou a
pessoa, a que huma coiza pertence, como:
Amo a Pedro, Dei livros aos estudantes.
Verbo he huma palavra, que significa com
tempo alguma acçaõ, como: Tenho dinheiro.
Onde o verbo Tenho naõ só declara a acçaõ depág. 19
Para podermos fazer verdadeiro
uso do ditto C, he necessario advertir
que os Latinos davaõ valor de C ao
T; ou quando estava entre duas vo-
gaes, ou seguido de I, e outra vo-
gal, como: Obreptitius, Subrepti-
tius, Clementia, Prudentia, Patien-
tia, &c. As quaes palavras se pro-
nunciaõ, como: Officium, Indicium,
Sacrificium, que saõ escrittas com C:
e por esta razaõ, quando adoptámos
estas palavras para a nossa lingùa, lhe————————————————
ter, mas declara-a com o tempo prezente, que
já tenho.
Preposiçaõ he huma palavra, que se põe an-
tes de hum nome, para significar o modo da
acçaõ do verbo, como: Estou sem armas.
Adverbio he huma palavra, que se ajunta a
hum nome, ou verbo, para lhe augmentar a
sua significaçaõ, como: Muito rico.
Interjeiçaõ he huma palavra, que se põe de-
pois de hum nome, ou verbo, para declarar as
paixões do animo, com que se está, como: Ai
de mim:
Conjuncçaõ he huma voz, que serve de li-
gar os nomes, ou verbos regidos pela mesma
pessoa, ou coiza, como: Pedro, e Paulo, e
Joaõ, saõ bons. Amar, ou seguir as virtudes,
he util.
pág. 20
ficámos conservando o ditto C; e as-
sim devemos escrever: Obrepticio,
Subrepticio, Clemencia, Prudencia,
Paciencia; e outras de semelhante de-
rivaçaõ.
Pelos mesmos motivos da etymo-
logia, se introduzio este uso do Ç,
seguido de A, O, U, naquellas vozes,
que na raiz Latina tem C; ainda que
na adopçaõ perdessem a sua analogia,
pela pronuncia ser de S; e assim es-
crevemos Çapato, Aço, Açor, Açou-
gue, &c. por serem derivadas de
Calceus, Chalybs, Accipiter, Carni-
ficina, &c.
Com o mesmo fundamento escre-
vemos com Ç aquellas vozes, que
tem a terminaçaõ em AÕ, sendo de-
rivadas das Latinas acabadas em TIO,
pelo T valer de C, como: Abdi-
caçaõ de Abdicatio, Soluçaõ de So-
lutio, Acçaõ de Actio, Percepçaõ
de Perceptio, &c. E escrevemos com
S as que na raiz o tem., como: Con-
versaõ de Conversio, Expulsaõ de
Expulsio, Summersaõ de Submer-
sio, &c. E com dois SS aquellas vo-
pág. 21
zes, que na raiz os conservaõ, co-
mo: Oppressaõ de Oppressio, Sum-
missaõ de Submissio, Remissaõ, de
Remissio, &c. E finalmente com S,
valendo de Z, escrevemos aquellas
dicções, que na raiz Latina tem o S
com valor de Z, (que he quando o
ditto S está entre vogaes) como:
Provisaõ de Provisio, Lesaõ de Læ-
sio, &c. Advirta-se que nenhuma pa-
lavra Portugueza principia por Ç se-
guindo-se-lhe O; á excepçaõ de bem
poucas desusadas, como: Çorda,
Çorça, Çotea, &c.
O querer conservar a origem das
palavras, introduzio o uso de Ch por
X naquellas vozes adoptadas das La-
tinas, aonde ha C, naõ obstante per-
derem a analogia com a pronuncia de
X: e assim escrevemos: Bacharel,
por vir de Baccalarus, Sacho, por
vir de Sarculum, Bucho, (pelo ven-
tre, que pela arvore he com X, por
vir de Buxus,) de Ventriculus, &c.
E escrevemos com X as dicções,
que o tem na raiz Latina, como:
Convexo de Convexus, Sexo de
pág. 22
Sexus, Xantho de Xantho, Xeno-
phonte de Xenophon, Taxa de Ta-
xa, &c.
Nas mais palavras, ou puramente
Portuguezas, ou adoptadas das Lati-
nas, aonde naõ houver C, ou X, se
usará sempre de X; como; Baixe-
za de Vilitas, Baixo de Infimus,
Axe, Enxotar, Enxorrada, &c.
Esta regra do Ç valer de S, e
do Ch valer de X, tem suas ano-
malias. I. Vale o Ç de S nos no-
mes, que terminaõ em Ça, como:
Esquivança, Doença, Lembrança,
&c., e com tudo naõ vem de dicções
Latinas acabadas em Tia, aonde o T
vale de C: porém a razaõ disto creio
que procede de ficarem com amor ao
C, quando fizeraõ a adopçaõ das pa-
lavras Latinas acabadas em Tia, por
lhes ser a pronuncia muito semelhan-
te; ou porque, para differençarem
aquellas destas, lhes contrahiraõ a
vogal I, pela figura (a) Crasis ll,————————————————
(a) Crasis he huma figura, pela qual se sup-
prime huma vogal, fazendo de duas syllabas hu-
pág. 23
Vale o C de S, seguindo-se-lhe as vo-
gaes A, O, U, tanto nas syllabas ini-
ciaes, como nas medias, e finaes;
ainda naquellas palavras aonde naõ
ha C na raiz Latina, ou que saõ pu-
ramente Portuguezas: e para isto naõ
ha mais lei, do que o uso inveterado.
Outras vezes vale o Ç de S, seguin-
do-se-lhe as trez vogaes assima dittas,
em palavras, que naõ só saõ derivadas
das Latinas, aonde ha S, mas taõ-
bem que lhe conservaõ toda a analo-
gia, como: Çumo, Apreçar, &c.; e
persuado-me que a razaõ disto he fun-
dada em querer tirar por este modo o
equivoco, que as taes palavras tem com
outras suas analogas de diversa signi-
ficaçaõ, como: Çumo, succo de qual-
quer arvore, com Summo, grande;
Apreçar, fazer preço, com Apres-
sar, adiantar os passos, &c. Porém
ainda que esta seja a razaõ, nunca he
bem fundada; porque muitas se es-
crevem, como digo, sem serem ana-————————————————
ma na mesma dicçaõ, como: Antoni, por An-
tonii, &c.pág. 24
logas, nem terem equivoco com ou-
tras, como: Çafira, de Saphyrus,
Çanfonina, de Symphonia, &c. Com
que, naõ approvo semelhante uso;
antes escreverei taes palavras com a
letra da raiz Latina, tendo analogia,
e naõ a tendo, sempre com S; por
ser propriedade desta letra o ter som
sibilante. III. Escreve-se Razaõ com
Z, ou com S, sendo derivada de
Ratio, que termina em Tio: mas dis-
to percebe-se o fundamento. O C com
cedilha, Ç, vale de S, e naõ de Z;
e para escrevermos Raçaõ, formava-
mos idéa falsa da palavra; e por isso
muitos a escrevem com S, e pronun-
ciaõ com o Z, por estar entre vogaes,
aonde o S Latino vale de Z. IV. Taõ-
bem se escreve Coraçaõ com Ç, naõ
sendo derivada de dicçaõ Latina aca-
bada em Tio; mas a razaõ disto creio
que procede, ou da generalidade das
outras palavras acabadas em Çaõ, ou
da analogia, que as mesmas tem com
as palavras Hespanholas acabadas em
On, aonde ha o ditto Ç, como: Co-
raçon: das quaes derivámos a pro-
pág. 25
nuncia de Aõ. V. Vale o Ch de X
nas palavras puramente Portuguezas;
ou que na raiz Latina naõ tem C,
nem X: e taõbem lhe naõ descubro
fundamento mais, do que, ou a ge-
neralidade de outras, ou a analogia,
que muitas dellas tem com outras lin-
gùas, aonde ha Ch. v. g. Chapeo,
com a palavra Franceza Chapeau; de
donde parece que foi adoptada esta,
e outras muitas: ainda que o escre-
ver-se Chapeo com Ch, e naõ com X,
póde proceder da muita semelhança,
que entre os antigos Romanos tinha
o C, com o G; pois escreviaõ Le-
ciones, Pucnare, &c. em lugar de
Legiones, Pugnare, &c. e assim ven-
do escritto Galerus, ou Calerus,
quando adoptáraõ a palavra Chapeo,
escreveraõ-na com Ch, para conser-
var o C da raiz Latina, ainda que
naõ haja analogia. Com que, quem
quizer fazer verdadeira applicaçaõ do
C com cedilha, ou do Ch, se naõ
approvar este methodo, recorra ao
uso, que sendo practicado por homens
doutos, deve servir de lei.pág. 26
Para se extinguir de huma vez a
confusaõ, que o uso de algumas letras
faz na nossa Orthographia, bastava
porem-se em praxe as regras seguintes.
I. Nunca usar de C cedilhado, senaõ
de S.
II. Antes das vogaes E, I, pôr
sempre S, e naõ C; para lhe tirar a
analogia, que este tem com o S em
semelhantes casos.
III. Ou nunca usar de Ch por X,
ou usar sempre; menos naquellas dic-
ções, que tivessem analogia com as
Latinas, aonde houvesse X, e naõ Ch.
IV. Denotar com hum accento com-
petente o U illiquido depois de G,
e Q, para o distinguir do U liquido,
e mostrar que em taes casos o U fazia
syllaba com o G, ou Q; e que a vo-
gal seguinte do U fazia syllaba com a
letra, ou letras, que se seguissem á
ditta vogal. Exemplo Agùa, Lingùa,
Pingùe, Qùalidade, Qùanto, Qùal,
&c. E em Sangue, Guiné, Guindar,
Quero, Questaõ, Quinze, &c, naõ
usar de accento. Em Gusmaõ, Gut-
tural, &c. naõ necessitâmos de ac-
pág. 27
cento, porque depois do U, naõ ha
vogal, que o faça ser liquido.
V. Nunca usar de H, senaõ quan-
do elle serve de aspirar as trez letras
L, N, e C, como: Molho, Minha,
Chave, &c. ou naquellas vozes de-
rivadas das Latinas, aonde o houver;
como em Homem, Honestidade, Ha-
via, &c. de Homo, Honestas, Ha-
beo, &c. Por cuja razaõ o naõ appro-
vo em Hum, He, &c. porque na raiz
Unus, Sum, naõ vemos tal H.
VI. Nunca usar de S por Z, senaõ
nas palavras, que derivadas dos Lati-
nos, aonde o S vale de Z, lhes con-
servaõ a analogia, como: Uso de
Usus, Usura, de Usura, Causa, de
Causa, Visivel, de Visibilis, &c.
Em Coiza, Caza, &c. nunca usa-
ria de S, porque em Res, Domus,
o S final naõ vale de Z.
VII. Nunca o U depois de O va-
ler de I, como: v. g. nas palavras
Ouro, Agouro, Outo, &c. que se
pronunciaõ Oiro, Agoiro, Oito; e
sempre em taes casos se devia escre-
ver I; porque em Ouvia, Outro,
pág. 28
Ouvidor, Ouvidoria, Passou, Pou-
co, &c. tem o U toda a sua força;
e naõ ha mais razaõ em humas, do
que nas outras, senaõ o uso; porque
ainda que se queira dizer que o U nos
primeiros casos se conserva, ainda
que se pronuncia I, para mostrar o
U, que tem a raiz Latina, v. g. Ou-
ro, de Aurum, Agouro, Augurium;
responde-se que taõbem Outo se escre-
ve com U, e na raiz Latina Octo,
naõ ha U.
VIII. Finalmente naõ usar de Z
por S, senaõ no final daquelles no-
mes, que com a syllaba ES formaõ
os seus pluraes perfeitos, como Juiz,
Juizes, Perdiz, Perdizes, &c. e
naquellas vozes, de que se formaõ
outras com a pronuncia de Z, co-
mo: Diz, Dizemos, Dizem, Fiz,
Fizeste, Fizemos, &c.
Os escrupulosos poriaõ algumas
objeições a este modo de escrever,
dizendo: Que semelhante methodo
era innovar costumes; era perder a
belleza da nossa escrittura; sujeitalla
a amphibologias com o uso do S por
pág. 29
C, e naõ fazer caso da origem das
palavras. Porém nada disto conclue:
porque quando o costume, que se in-
nova, he fundado na razaõ, e tende
a livrar de duvidas os escrittores, de-
ve abraçar-se. Taõbem em nada se es-
tragava a belleza da escrittura com o
uso dos accentos; porque estes só ser-
vem para abbreviar, ou allongar as
syllabas, e para as tirar de duvida; e
com elles se tirava a amphibologia,
gue podesse causar o uso de S por C;
e quando naõ, o contexto do senti-
do eximiria a oraçaõ de duvida. Pouco
emportava taõbem que Cesta, por vir
de Cista, se escrevesse com S, e ou-
tras semelhantes: porque ainda que
tenha analogia, está primeiro assinar
regras certas para a escrittura, do que
mostrar cegamente a derivaçaõ Latina
em humas palavras, que pela anti-
guidade da adopçaõ, já lograõ os pri-
vilegios de naturaes. Só as palavras
Hebraicas terminaõ em C.pág. 30
D
A letra D segue em tudo o mesmo
que o B, e só as palavras perigrinas
acabaõ em D, como: David, Ma-
drid, Arad, &c.
E
A letra E segue em tudo as re-
gras do A; e só com a differença de
que quando he breve, tem semelhan-
ça de I; o que se póde observar no E
final da palavra Mamede. Nos mono-
syllabos acabados nesta letra, sendo
longos, dobraõ alguns o E, como:
Fee, See, &c. o que naõ approvo,
pelo que disse no A.
F
A letra F segue a regra do B; e
nella só terminaõ algumas palavras pe-
rigrinas; mas se as adoptâmos, per-
dem o F.pág. 31
G
A letra G, estando antes de con-
soante, ou sendo final de dicçaõ,
pronuncia-se, como se tivera depois
de si U, E; o U muito liquido, e o
E, muito mudo. Exemplo: Agna-
çaõ, Anglicano, Glicerio, &c. Agog,
Mogog, &c. as quaes palavras se pro-
nunciaõ, como se fossem escrittas: Ague-
naçaõ, Anguelicano, Guelicerio, Ago-
gue, Mogogue, &c. E para me ex-
plicar melhor; o nosso G antes das
consoantes, e das vogaes A, O, U,
tem a força do G Castelhano; e a mes-
ma tem, quando se lhe segue U liqui-
do, como: Gueto, Guia; cuja pro-
nuncia he guttural, e semelhante á
Castelhana, quando pronunciaõ Gen-
te, Giro, &c. Quando he seguido
de E, I, tem analogia com o J con-
soante, como: Gero, Giesta; que sen-
do escrittas Jero, Jiesta, se haviaõ
pronunciar da mesma fórma; porém
usa-se em semelhantes de G, e naõ
de J, para mostrar a derivaçaõ La-
pág. 32
tina aonde ha o ditto G; como em
Gero, por vir de Gigno, ou Genero;
Giesta, por vir de Genista: porém
escrevemos: Jejum, Jesuitas, por
se derivarem de Jejunium, Jesuitæ.
Nos casos porém em que, ou na raiz
Latina naõ ha G, ou J, ou as pala-
vras saõ puramente Portuguezas, se
usará sempre de J, e naõ de G; por
cuja razaõ naõ approvo escreverem-se
Geito, Gerselim, &c. porque em
Modus, Sesamum, naõ ha J, nem
G. E para tirar a confusaõ, que o G
faz na Orthographia, quando he se-
guido das vogaes E, I, pela analo-
gia, que tem com o J consoante, naõ
seria máo usar em semelhantes casos
sempre de J, e nunca de G: sem que
obstasse a etymologia das palavras;
porque taõbem nós escrevemos Geira,
naõ obstante vir de Jugerum: porém
naõ deixo de approvar o uso de G, e
naõ de J, quando na raiz Latina hou-
ver o ditto G; porque esta letra naõ
causa tanta confusaõ, como o C.
Quando o ditto G está antes de D,
e N, humas vezes naõ se pronuncia,
pág. 33
como: Magdalena, Ignacio; outras
sim, como: Magno, Magnifico: po-
rém, ou se pronuncie, ou naõ, sem-
pre se deve escrever, para se conser-
var a etymologia das palavras; e pe-
la mesma razaõ se dobra o ditto G,
ainda que vale só de hum; seguindo
a regra geral, de que as consoantes
dupleces sempre valem de huma só
letra; menos o C, como já se disse,
e o R, como se dirá. O uso mostrará
quando o G deve, ou naõ pronunci-
ar-se. Nesta letra se acabaõ alguns no-
mes proprios dos Hebreos, como os
do exemplo, e outros semelhantes.
H
He ponto muito controverso, se
o H he, ou naõ letra; porque unin-
do-se a huma vogal naõ tem som pro-
prio, mas serve de aspirar, (isto he,
dar diversa pronuncia,) o L, e o
N, quando lhe precedem, como:
Alho, Ninho. Usa-se desta letra, naõ
servindo de aspiraçaõ, para conser-
var a origem das palavras, como:
pág. 34
Homem por vir de Homo, Honra, por
vir de Honor, &c. Veja-se o mais
que se disse a este respeito, quando
se trattou do C. Esta letra nunca cos-
tuma dobrar-se, nem ser final de pa-
lavra, senaõ em algumas perigrinas,
como: Judith, Goliath, Japheth,
Zenith, &c.
I
A letra I vogal tem sómente o
som, que denotaõ os accentos, gra-
ve, e agudo; como: Antonìo, Des-
varío: e quando o ditto I tiver al-
gum accento, naõ se porá ponto;
porque aquelle suppre este.
J
O J consoante nunca, ou rarissi-
mas vezes he duplex, nem final de
dicçaõ; porque sempre principia a
syllaba, como: Ad-juncto, Per-ju-
ro, &c. Em tudo o mais he como
no B: e veja-se o que se disse desta
letra, quando se trattou do G.
pág. 35
K
O K he letra Grega; e por isso
naõ usâmos della na nossa escrittura,
porque a supprimos com o C, seguin-
do-se-lhe A, O, U, e com Qu, seguin-
do-se-lhe E, I, quando o I he liqui-
do. Exemplos: Monarca, Monar-
quia; que vale o mesmo que Monarka,
Monarkia, &c. Veja-se o mais que
se disse a este respeito, quando se trat-
tou do C; e se alguma vez se encon-
trar na nossa escrittura, será em pa-
lavra estrangeira, a quem queiramos
conservar toda a sua analogia: e en-
taõ sujeitar-se-ha á regra das conso-
antes mudas, como o B; porque nas
mais palavras, ainda que adoptadas
da lingùa Grega, a supprimos com o
que disse.
L
A letra L, sendo final de dicçaõ,
ou de syllaba, ainda que se lhe siga
consoante, naõ se lhe intende E, co-
mo no B; porque sempre he prece-
pág. 36
dida, ou seguida de vogal, (que este
he o privilegio das Semivogaes, e só
o S tem suas anomalias, como em seu
lugar se diráõ) como: Episcopal, Bal-
duino, &c. Dobra-se esta letra, ou
para conservar a analogia Latina,
quando a raiz a tem dobrada, como:
Elle, IIleso; alli, &c. de Ille, Il-
læsus, Illic, &c., ou quado huma
particula, ou pronome (a) relativo se
pospõe ao (b) infinito de hum ver-
bo, ou á terceira (c) pessoa do (d)————————————————
(a) Pronome relativo, he aquelle, que se
põe em lugar de hum nome, que já lhe fica
atrás, ou em que já se falou no discurso, co-
mo: Vi a Pedro, e disse-lhe, &c.
(b) Infinito, he o modo de explicar a acçaõ
de hum verbo sem tempo, ou limite certo, co-
mo: Amar as virtudes: aonde o verbo Amar,
nem tem limite, nem declara o tempo certo,
em que se ama, nem a pessoa, que ama.
(c) Pessoas, saõ trez em cada numero: Eu,
tu, elle, nós, vós, elles.
(d) Singular: Dois saõ os numeros: Singu-
lar, e Plural. Singular, serve para huma coiza,
ou pessoa só, e o Plural para o mais que passar
de hum, como: O amor, as virtudes: aonde
diremos que a primeira palavra he do numero
singular, e a segunda do plural.pág. 37
singular dos verbos do (a) modo (b)
finito, formando só huma palavra,
como: Fazella, Obrigalla, Dizel-
lo, Fello, Dillo, &c. que val o mes-
mo que Fazer-a, Obrigar-a, Dizer-o,
o Fez, o Diz: cujo R se converte
em dois ll, por ficar melhor a pro-
nuncia. E se a particula O, ou A se
ajunta á terceira pessoa do plural dos
verbos do modo finito, se lhes ac-
crescenta hum N antes das particulas,
e se separa dos verbos pela linha de
separaçaõ, assim: Dizem-no, Fazem-
no, Levaraõ-no, &c. que he o mes-
mo que: o Dizem, o Fazem, o Le-————————————————
(a) Modo, he a diversa fórma de significar a
acçaõ dos verbos: e quatro saõ os Modos: In-
dicativo, Imperativo, Conjunctivo, Infinito,
Indicativo, que mostra como eu amo: Impe-
rativo, que mostra a acçaõ do verbo, mandan-
do, como: Ama tu, Conjunctivo, que mos-
tra condicionalmente a acçaõ do verbo, como:
Eu ame; e Infinito, que mostra sem tempo,
ou limite a acçaõ do verbo, como: Amar.
(b) Finito he o modo de explicar a acçaõ de
hum verbo com tempo, ou limite certo, como:
Eu amo, tu amas, elle ama, &c.
pág. 38
M, N.
Estas duas Semivogaes M, N,
sendo finaes de syllaba, seguidas de
consoante, tem hum som analogo,
como: Ambrosio, Antonio; cuja pro-
nuncia naõ tem differença: mas naõ
succede assim, sendo finaes de dicçaõ;
aonde o M tem hum som mais mudo,
do que o N. E para fazermos o uso
devido destas duas letras, direi em
que lugares se deve pôr huma, ou ou-
tra.
Antes de B, P, se porá sempre
M, como: Ambos, Campa; nos de
mais casos será sempre N, como: An-
tigo, Anselmo, Andar, &c. muitas
vezes se põe M antes de N; mas he
naquellas vozes, que tem derivaçaõ,
e analogia Latina, como: Calumnia
de Calumnia, Calumniador de Ca-
lumniator, &c. e entaõ a ambas se
dá o seu valor. Dobra-se o M, naõ
só pela ditta razaõ, mas taõbem quan-
do na raiz Latina ha outra letra antes
delle, que nós naõ pronunciâmos, e
pág. 39
na adopçaõ convertemos em M, co-
mo: Summisso de Submissus, Sum-
mergir de Submergo, &c.
Dobra-se o N, naõ só para mostrar
a etymologia da palavra, mas taõbem
quando antes delle ha M na raiz Lati-
na, que na adopçaõ convertemos em
N, como: Solenne de Solemnis, &c.
ainda que muitos escrevem Solemne;
o que tudo he admissivel.
Na nossa escrittura poucas, ou ne-
nhumas palavras se devem escrever
com N no fim; porque as dicções,
que tem a terminaçaõ em Am, Em,
Im, Om, Um, sempre devem ter o
M por final, como: Covilham, San-
tarem, Malsim, Bom, Algum; por-
que a pronuncia do M final, he mais
muda, do que a do N: ainda que
alguns usaõ deste, principalmente nas
terminações em Am, para distinguirem
as terminações em Aõ, aonde põem
M em lugar do O; e taõbem porque
dizem que nos pluraes de semelhan-
tes nomes lhes basta pôr hum S,
para ficarem perfeitos: nada disto ap-
provo. Porque a terminaçaõ em Aõ,
pág. 40
nunca deve ter M, como logo direi;
e os pluraes dos nomes, que acabaõ
em M, he regra geral da sua forma-
çaõ, converterse o M do singular em
N, S, no plural; como em seu lugar
se mostrará: outros põem na ditta ter-
minaçaõ em Am hum A em lugar do
M, ou N, e hum til por sima de
hum dos AA; esta moda taõbem me
parece esquipatica. Porque o til deno-
ta hum M supprimido, a quem se dá
valor na pronuncia; e assim deveria-
mos pronunciar Golega-am, ou Go-
legam-a; conforme o A, a que per-
tencesse o M: cuja pronuncia naõ me
toa. Finalmente escrevem outros a dit-
ta terminaçaõ em Am supprimindo o
M, e pondo hum til por sima do A;
o que me naõ desagrada: porque faz
intender o M o til.
A’ classe da terminaçaõ em Am per-
tence a palavra Mãi, que na nossa lin-
gùa tem modo particular de escrever-
se: porque tendo a pronuncia, que
faria, Mam-i, pertencendo o M para
a syllaba do A, se escreve, como vi-
mos; mas a razaõ disto está clara:
pág. 41
Na palavra Mãi naõ se põe o M, pa-
ra evitar a duvida, que causava, so-
bre a que vogal pertenceria; e assim
usando do til por sima do A, se dá a
conhecer que o M lhe pertence. O
mesmo succede nas terceiras pessoas
do singular do (a) presente do indica-
tivo do vebo Ponho, e seus compos-
tos; Põe, Suppõe , Antepõe, &c. aon-
o til denota o M, que se supprime
na escritta, mas a que se dá valor na
pronuncia, depois do O: e taõbem
se usa de similhante escritta, para se
saber a que vogal pertence o M; pois
quando naõ, podia-mos pronunciar:————————————————
(a) Presente: Trez saõ os tempos, em que
se executa a acçaõ do verbo: Presente, Prete-
rito, e Futuro, como Amo, Amei, Amarei.
O Preterito divide-se em trez, que saõ: Per-
feito, Imperfeito: e mais que Perfeito, como:
Amei, Amava, Já tinha amado: e o Futuro
divide-se em dois, que saõ: Perfeito, e Imper-
feito. O Preterito perfeito denota a acçaõ do
verbo executada perfeitamente no tempo passa-
do: O Imperfeito denota-a taõbem no tempo
passado, porém incompleta: E o mais que per-
feito, denota-a com mais tempo, que o Per-
feito. A respeito do Futuro, he o mesmo; a
differença está no tempo.pág. 42
Po-me, Suppo-me, Antepo-me, &c.
As palavras, que tem a termina-
çaõ em Em, se pronunciaõ na nossa
lingùa com modo particular; porque
depois do M pronunciâmos hum I,
assim como em Mãi. Exemplo: Pa-
rabem; pronunciâmos esta palavra,
como se fora escritta, Parabem-i:
porém naõ pomos o I, para nos li-
vrarmos de duvidas, se elle faria syl-
laba só por si, ou se pertenceria para
o M: e poderiamos pronunciar en-
taõ: Parabe-mi. Com que esta pro-
nuncia he particular da nossa lingùa.
Que se intende I nas dittas pala-
vras, se prova taõbem pelos seus plu-
raes, que ficaõ perfeitos, accrescen-
tando-lhes hum S; pela regra geral
dos pluraes dos nomes singulares aca-
bados em vogal, que se formaõ só
com hum S, como se dirá: e se es-
crevessemos: Parabem-is, era como
o pronunciâmos; mas naõ se lhe vê
I, pelo que já disse: e supprimos os
pluraes de semelhantes nomes, con-
vertendo o M do singular em NS;
em que naõ corresponde a pronuncia
pág. 43
á escritta: porque a syllaba final Ens
de semelhantes nomes tem huma pro-
nuncia igual ao Ens dos Latinos.
O M da preposiçaõ Com muitas
vezes he liquido, principiando a dic-
çaõ pelas vogaes A, E, I; e se con-
trahe o M pela vogal da dicçaõ se-
guinte, (a que se chama Synalepha)
denotando a contracçaõ hum apostro-
pho, que se põe no alto do O, co-
mo: Co’ altura, Co’ esta, Co’ isto,
&c. as quaes palavras saõ: Com al-
tura, Com esta, Com isto, &c. E
quando ao ditto M da preposiçaõ Com
se segue dicçaõ, que principia por O,
U, naõ só se contrahe o M, mas taõ-
bem o O; e se põe o apostropho no
alto do C, como: C’o andar, C’un-
tura, &c. que naõ tendo o apostro-
pho, se escreveriaõ: Com o andar,
Com untura, &c. Na pronuncia usâ-
mos disto; porém na escritta, só no
verso.
O
A letra O he capaz de todos os
trez accentos, e consequentemente tem
pág. 44
os trez sons, que elles denotaõ; e só
quando he breve, he analogo com o
U, como: Donato, que se pronun-
cia como se se escrevera Dunatu. Pa-
ra se assinarem regras ao uso do O,
quando he semelhante ao U, seria
preciso enxer longas paginas; e o mes-
mo succederia ao E, quando tem se-
melhança de I: porém direi alguns
casos, em que forçosamente devemos
usar de O, ou de I. Commummente
convertemos o U da raiz Latina em O,
na adopcaõ das palavras; principal-
mente nas primeiras pessoas do plural
dos verbos, como: Amâmos, Lê-
mos, Estudâmos, &c. de Amamus,
Legimus, Studemus, &c. Nas pri-
meiras pessoas do singular do presen-
te do indicativo dos verbos conservâ-
mos o O da raiz Latina; como: Ce-
do, Ponho, Amo, &c. de Cedo, Po-
no, Amo, &c. Convertemos em O o
U das syllabas finaes dos nomes da
raiz Latina, como: Antonio, Mar-
cos, Affectos, &c. de Antonius,
Marcus, Affectus, &c. O mais mos-
trará o uso.pág. 45
Na letra I, precedendo-lhe con-
soante, terminaõ bem poucas pala-
vras na nossa lingùa, à excepçaõ dos
preteritos dos verbos da segunda, e
terceira (a) conjugaçaõ, na primeira
pessoa do singular do modo indicati-
vo, como: Vi, Li, Ouvi, &c. e
de alguns adverbios, como: Alli,
&c.
Todas as vezes, que a pronuncia
parecer de I breve, será sempre E;
menos naquellas vozes, aonde hou-
ver I na raiz Latina, porque entaõ
conserva-se o I, como: Clemente,
Prudente, Cosine, &c. mas dizemos:
Diacono de Diaconus, Digerir de Di-
gero, &c. nos mais casos se conser-
vaõ, pela maior parte, as letras da————————————————
(a) Conjugaçaõ; he aquella regra geral, que
os verbos regulares seguem, para a derivaçaõ das
suas vozes, como Amo, Amas, Ama, &c.
Trez saõ as conjugações dos verbos regulares: a
primeira faz o infinitivo em Ar: a segunda em
Er: e a terceiro em Ir: como: Amar, Ler,
Ouvir, &c. Alguns querem que na nossa lingùa
haja quarta conjugaçaõ, que he a que faz o infi-
nitivo em Or, como: Pôr, e todos seus com-
postos.pág. 46
origem Latina, como E, havendo-o;
e I, da mesma fórma. Quem quizer
maior exacçaõ nesta materia, recorra
ao uso.
Continuando, pois, a falar do O;
muitos dobraõ esta letra nos monosyl-
labos longos; outros lhes põe accen-
to; o que naõ sigo, pelo que disse na
letra A.
Nas palavras, que terminaõ em Aõ;
como: Coraçaõ, Sujeiçaõ, &c. se
deverá sempre usar do diphthongo de
Aõ: ainda que muitos doutos usaõ de
M em lugar de O, til, principalmen-
te nos verbos, como: Possaõ, Fa-
çaõ, Fizeraõ; que escrevem: Possam,
Façam, Fizeram, &c. o que naõ ap-
provo, e dou a razaõ. Esta termina-
çaõ em Aõ taõbem he particular da
nossa lingùa; porque na pronuncia,
depois do A, damos valor a hum M
unido ao A, e valor de U ao O muito
liquido, por lhe ser analogo, quan-
do he breve, como já disse. Exem-
plo: Affeiçam-u. Eisaqui a pronun-
cia, que faz a palavra Affeiçaõ, e ou-
tras semelhantes; e se naõ usâmos na
pág. 47
escrittura do ditto M, he porque se
naõ entrasse em duvida, para que vo-
gal pertenceria, se a vissemos escrit-
ta: Affeiçam-o: porque podia haver
alguem, que a pronunciasse assim: Af-
feiça-mo, o que seria erro; e com o
til, de que usâmos por sima do A, se
dá valor ao M supprimido, para fa-
zermos caso delle na pronuncia; de-
notando o mesmo til que o M perten-
ce ao A, com quem faz syllaba. Com-
prova-se mais esta opiniaõ com os plu-
raes regulares de semelhantes nomes,
que accrescentando hum S ao O dos
singulares, ficaõ perfeitos, como:
Maõ, Maõs, Christaõ, Christaõs,
Irmaõ, Irmaõs, &c. O mesmo di-
go que se deve observar nos verbos,
e nas syllabas medias das palavras,
quando houver a desinencia em Aõ,
como: Digaõ, Ouçaõ, Faraõ, Taõ-
bem, &c., cuja desinencia he rigo-
rosamente de Aõ.
P
A letra P seguida de H vale de F,
naquellas dicções, que adoptámos da
pág. 48
lingùa Latina, ou Grega, cuja ana-
logia conservâmos, aonde ha o ditto
Ph com valor de F, como: Philoso-
phia, Philippe, Phleimaõ, &c, de
Philosophia, Philippus, Phlegmon,
&c. com que, huma, e outra coiza
se póde seguir.
Quando o ditto P he principio de
syllaba, e se lhe segue S, commum-
mente naõ se pronuncîa o P, como:
Psalmo, Psalterio, &c. que pronun-
ciâmos: Salmo, Salterio; e muitos
escrevem semelhantes palavras já sem
o P: mas quando se queira pronunciar
o P, se lhe intenderá hum E mudo
antes do S; pela regra geral de huma
consoante antes de outra, como se dis-
se no B.
Sendo o P final de syllaba, e se-
guindo-se-lhe F, humas vezes naõ se
pronuncîa, outras sim, como: Apto,
Escripto, &c. que humas vezes se
pronuncîaõ, como se fossem escrittas:
Atto, Escritto, &c. outras: Apeto,
Escripeto: suppondo o E depois do
P, pelo que se disse assima. Porém
nos casos de fazerem estas palavras
[am-]pág. 49
phibologia com outras, como: Apto,
com Acto; se deve pronunciar sempre
o P, antes do F; nos mais casos he
arbitrario. Na escrittura devemos usar
sempre de P antes de S, e T, ou de
outra consoante, para mostrar a deri-
vaçaõ das palavras; e pela mesma ra-
zaõ se dobra taõbem o ditto P.
Q
A letra Q principiando syllaba
sempre se lhe segue U; porque de ou-
tra fórma naõ une com as vogaes: e se
este U naõ for liquido, tem o Q ana-
logia com o C, como: Qualidade,
Quanto, &c. que se fossem escrittas
com C: Cualidade, Cuanto, &c. fa-
ziaõ a mesma pronuncia. Taõbem he
analogo com o C, quando o U for
liquido, e a este se seguir A, O, U, co-
mo Quatorze, Quoto, &c. De se-
guir-se ao U depois de Q outro U,
naõ temos exemplo em palavra Portu-
gueza.
Quando ao U depois do Q se se-
gue E, ou I, quasi sempre o ditto U
pág. 50
he liquido; e entaõ tem o Q analogia
com o K, como: Quero, Quinto,
&c. que se fossem escrittas: Kero,
Kinto, davaõ a mesma pronuncia.
Nenhuma palavra puramente do
nosso idioma acaba em consoante mu-
da; á excepçaõ do Z, quando vale
de S: mas se algumas vezes o Q for
final de dicçaõ, ou de syllaba, seguido
de outra consoante, se pronunciará
intendendo-lhe U, E: o U liquido, e
o E mudo. Taõbem quasi nunca na
nossa escrittura he esta letra dobrada;
mas se o for, segue o mesmo, que fi-
ca ditto no B.
R
Esta letra R tem duas fórmas de
pronunciar-se; huma doce, e branda,
a outra aspera, e forte, como: Ca-
ro, Carro, &c. Quando a sua pro-
nuncia he forte, dobra-se o R; me-
nos em principio de palavra, ou no
meio della, se preceder ao ditto R ou-
tra consoante, como: Rancor, Hon-
ra. No primeiro caso, he pela regra
geral, de que nenhuma syllaba prin-
pág. 51
cipia por duplex consoante; e no se-
gundo, he porque o consoante prece-
dente faz aspera a pronuncia do R se-
guinte; e taõbem por naõ principiar
syllaba por consoante dobrada. Nos
mais casos sempre a pronuncia do R
he branda, ou seja principio, ou fim
de syllaba, como: Amaro, Amor.
S
A letra S, sendo principio de syl-
laba seguida de vogal, tem o seu som
sibilante, como: Santo, Perseverar,
&c. Sendo final de syllaba tem algu-
ma analogia com o X, quando a es-
te se segue E mudo, como: Basta,
Antunes: as quaes palavras se pro-
nunciaõ, como se fossem escrittas: Ba-
xeta, Antune-xe; ligando na pro-
nuncia a vogal precedente ao X, com
o mesmo, e pronunciando-lhe o E se-
guinte muito mudo; da mesma fórma,
que se pronuncia na palavra Xequita.
Quando he principio de palavra, e se
lhe segue consoante, pronuncia-se, co-
mo se antes de si tivera hum E breve,
pág. 52
como: Spirito, Scriptura, &c. E já
hoje escrevemos o E naquellas vozes
derivadas das Latinas, que com ellas
tem analogia; aonde ha S antes de
consoante, como: Esparto de Spar-
tum, Espaço de Spatium, Estatua
de Statua, &c. E quem escreve se-
melhantes palavras com SP, ou ST,
he para mostrar a etymologia dellas.
Seguindo-se ao S CI, E, perde-
se o C na pronuncia, como: Scien-
cia, Scena, Scipiaõ, &c. que pro-
nunciâmos: Siencia, Sena, Sipiaõ,
&c. A mesma pronuncia nos daria o
C sem o S; mas conservâmos este, pa-
ra mostrar a origem Latina, como:
Sei, por vir de Scio, &c. e nas in-
flexões, e derivações deste verbo, nem
se escreve o C, seguindo-se outra le-
tra, que naõ seja I como: Soube, Sa-
berei, &c. porque em taes casos ha
pouca analogia com a raiz Latina.
Das Letras semivogaes, só o S he
que sofre o naõ ser seguido, ou pre-
cedido immediatamente de vogal; por-
que ás vezes he final de syllaba prece-
dido de N, como em Trans-gres-
pág. 53
saõ, &c. e em taes casos se dá valor
ao S de X, como se disse assima; ou-
tras vezes he precedido, sendo final
de syllaba, de huma muda, como:
Abs-tençaõ, Ads-tringente, &c. e se-
gue taõbem a mesma regra assima;
dando valor na pronuncia a hum E de-
pois do B, por ser seguido de conso-
ante. Exemplo: A-bexetençaõ, A-de-
xetringente, &c. que he a pronuncia,
que fazem as duas palavras.
Vale o S de Z naquellas dicções
adoptadas das Latinas, aonde o mes-
mo S tem valor de Z, como: Visi-
vel, Caso, &c. de Visibilis, Casus,
&c. Em todas as mais dicções se de-
vêra pôr sempre Z, e naõ S.
O uso, que adoptámos dos Lati-
nos de dar valor de Z ao S, he que me
parece foi a causa da introducçaõ do
C com cedilha Ç naquellas palavras,
aonde na raiz Latina naõ ha C, co-
mo: Poço de Puteus, Braça de Ul-
na, Corça de Dama, &c. porque
como nós damos valor de Z ao S,
ainda em palavras puramente Portu-
guezas, e que naõ tem analogia com
pág. 54
as Latinas, como: Peso de Pondero;
se pozessemos S em semelhantes pala-
vras, pronunciariamos: Pozo, Bra-
za, Corza: (ainda que esta ultima,
sendo escritta com S, naõ se lhe ha-
via de dar valor de Z; por naõ estar
o S entre vogaes, que he quando va-
le de Z:) e usando de Ç, que tem
valor de S; se tira a amphibologia,
que as dittas palavras fariaõ com ou-
tras suas analogas, como: Poço no-
me, com Posso verbo; Braça medi-
da, com Braza lume, &c. Porém
usando-se do S, e do Z nos seus lu-
gares, estava tirada a duvida.
Taõbem seria empreza difficultoza
querer reduzir a principios certos o
verdadeiro uso do S; tanto quando
vale de Z, como quando tem o seu
som natural de S, sendo principio
de syllaba. Porque muitas vezes se usa
de S por Z, ainda sem o haver na
raiz Latina, como já se disse; outras
vezes de Ç por S, sem taõbem haver
C, o que taõbem fica ditto; e outras
vezes de dois SS, naõ os tendo taõ-
bem a origem, como: Assinar de Sig-
pág. 55
no, Passar de Transeo, &c. Porém
por naõ deixar de dizer alguma coiza
nesta materia, estabelecerei as obser-
vações seguintes.
I. Nunca se põe S por Z, senaõ
entre vogaes; e por esta razaõ se naõ
põe entre duas vogaes hum S só, quan-
do tem o seu valor natural, para lhe
naõ darmos valor de Z; mas se a raiz
Latina tiver hum S só, o conservâ-
mos taõbem na adopçaõ com força de
S; ainda que esteja entre vogaes, as-
sim como: Proseguir de Prosequor,
&c. que naõ pronunciâmos: Proze-
guir.
II. Quando as palavras, que tem
pronuncia de Z, saõ equivocas com
outras, que tem pronuncia de S, se
deve pôr sempre este em lugar daquel-
le; isto he, naõ tendo analogia com
as Latinas. Exemplo: Casa com Ca-
ça, Brasa com Braça, Teso com Te-
ço, Preso com Preço, Asar com Assar,
Mesa com Meça, &c. Mas quando
as palavras de pronuncia de Z naõ saõ
equivocas com outras de pronuncia de
S, se deverá pôr sempre Z, como:
pág. 56
Certeza, Nobreza, Menezes, Pe-
zar, Alteza, Coiza, &c. naõ ha-
vendo taõbem analogia Latina, por-
que entaõ se deve seguir a sua nature-
za.
Taõbem o S vale de Z naquellas
vozes, que se formáraõ de outras com
a syllaba Des, sem que sejaõ equivo-
cas com as que tem pronuncia de S,
como: Amor, Desamor, Ordenado,
Desordenado, Andar, Desandar, O-
bediente, Desobediente, &c.
III. Quando as palavras tem pro-
nuncia de S, se põe C com cedilha Ç,
estando entre vogaes: porque o S,
em semelhantes lugares, naõ póde ter
entrada, senaõ como Z; o que fica
ditto. Exemplo: Baraço, Graça,
Maça, Maçaõ, Madraço, Pescoço,
&c. isto se intende, naõ havendo ana-
logia com dicções Latinas: porque en-
taõ deve-se seguir a origem; como já
se advertio: por cuja razaõ se põe dois
SS em Posso, Passo, &c. por virem
de Possum, Passus, &c.
Usa-se tambem de Ç, seguindo-se-
lhe sómente vogal, naõ sendo as pa-
pág. 57
lavras analogas com as Latinas, aon-
de haja S, ou dois SS: como: Ber-
ço, Garça, Lembrança, Lanço, &c.
IV. Dobra-se esta letra S; naõ só
por seguir a etymologia das palavras,
como se disse, mas taõbem nos imper-
feitos dos verbos do conjunctivo, co-
mo: Amasse, Fizesse, Lesse, Ser-
vissem, &c. mas quando o Se he par-
ticula relativa, ou pronome, se põe
hum S só, separando-o do verbo pela
linha de separaçaõ.
Taõbem se dobra o S naquellas vo-
zes, que parece se formáraõ de outras,
pela semelhança, accrescentando-lhe
hum A, como: Assaltar de Saltar,
Assim de Sim, Assem de Sem; Asse-
gurar de Segurar, Asserenar de Se-
renar, Assocegar de Socegar, &c.
Dobra-se taõbem esta letra em Tra-
vessa, Traspasso, e em outras muitas;
sem que se possa saber a razaõ, mais
do que o uso; a quem pódem recor-
rer os que axarem anomalias, que saõ
algumas, nestas observaçõespág. 58
T
A letra T segue em tudo as regras
do B. Dobra-se, quando na raiz La-
tina he dobrada, como: Attrahir de
Attraho, Attribuir de Attribuo, &c.
Porém advirta-se que na nossa escrittu-
ra naõ se usa de ajuntamento de trez
consoantes, sendo huma duplex; se-
naõ em dicções analogas com as Lati-
nas, como as do exemplo. Na nossa
lingùa se formaõ as palavras, humas
das outras, com as particulas A, Des,
Dis, In, Re, Se: e quando as pa-
lavras, a que ellas se ajuntaõ, princi-
piaõ por vogal, vale o S de Z, como
já se disse; e se por consoante, ac-
crescenta-se á particula A outra conso-
ante igual á da dicçaõ; naõ fazendo
trez consoantes com a duplex, o que
naõ deve ser, como se advertio: e em
todas as vozes, que dellas se deriva-
rem, se conservaõ as dupleces; isto se
intende nas palavras, que naõ tiverem
analogia com as Latinas; porque en-
taõ devemos buscar a fonte. Dobra-se
pág. 59
taõbem, quando na raiz Latina ha le-
tra, que nós naõ conservâmos na pro-
nuncia, e que convertemos em T, co-
mo: Ditto de Dictus, &c. outras
vezes se converte o C em I, como:
Effeito de Effectus, &c. outras em
U, como: Douto de Doctus, &c. e
entaõ em taes casos naõ se dobra o T;
porque o C da raiz se converteo em
outra letra. Taõbem convertemos em
T o P de Septem; e assim escrevemos:
Sette; e conservâmos o T duplex em
todas as vozes derivadas desta, como:
Settenta, Settuagesima, Settima, Set-
teno, &c.
U
A letra U vogal sofre os mesmos
accentos, que o I vogal: o U depois
de G, e Q, seguido de vogal, humas
vezes he liquido, outras naõ. Exem-
plos; do liquido: Quinto, Sangue;
do illiquido: Pingùe, Qùanto. O uso
mostrará quando he, ou naõ liquido.
O diphthongo de Ou nos finaes de
dicçaõ conserva a sua força, como:
Ficou, Paçou, &c. porém em outros
pág. 60
lugares se converte na pronuncia o U
em I, algumas vezes, outras naõ. Ex-
emplos; do primeiro caso: Outava,
Ouro, &c. que pronunciâmos: Oi-
tava, Oiro, &c. do segundo caso:
Outra, Ouvi, &c. Taõbem os mo-
nosyllabos Dous, Pous, &c. pronun-
ciâmos: Dois, Pois, &c. e eu segui-
ra escrever sempre I, quando a pro-
nuncia fosse de I; U, quando a pro-
nuncia fosse de U; como em outro lu-
gar se disse.
Quando huma dicçaõ acaba em vo-
gal breve, e outra principia por vo-
gal longa, ou breve, se contrahe a vo-
gal precedente pela vogal seguinte;
denotando a contracçaõ hum apostro-
pho, como se disse no M. Exemplo:
Grand’ altura, Fort’ honestidade, &c.
e naõ faça duvida contrahir-se o E da
palavra Forte, principiando a outra
por H; porque como este em taes ca-
sos naõ serve de letra, taõbem naõ im-
pede a contracçaõ. Esta escritta só no
verso se usa; se bem que os Italianos
tanto a usaõ na prosa, como no ver-
so.pág. 61
V
A letra V consoante tem as mesmas
regras, que o J consoante; menos na
analogia, que nem a tem com outra
letra, nem outra letra com ella.
Algumas nações, principalmente
do Norte, usaõ desta letra duplex W;
e quem quizer conservar as taes pala-
vras a sua origem, naõ fará mal em
escrevellos.
X
A letra X tem diversas pronuncias;
porque humas vezes vale de CS, ou-
tras de IS, outras de S final, e outras
tem o seu valor natural de X: darei
algumas regras para prova do que di-
go.
Vale o X de CS, sendo principio
de syllaba, como nas palavras: Flu-
xo, Refluxo, Reflexaõ, &c. que se
pronunciaõ como se fossem escrittas:
Fluc-so, Refluc-so, Reflec-saõ, &c.
fazendo valer o dito C de Que mudo,
por estar antes de consoante; como se
pág. 62
disse, quando se trattou do mesmo C:
pois quando pronuncîo as dittas pala-
vras, parece que as vejo escrittas: Flu-
queso, Refluqueso, Reflequesaõ, &c.
porém quando valer de CS, taõbem
se lhe póde dar a sua pronuncia ver-
dadeira de X; o que eu approvo.
Vale o X de IS, sendo final de
syllaba em huma mesma dicçaõ, co-
mo: Explico, Exceder, Excellen-
cia, &c. que fazem a pronuncia, que
fariaõ: Eis-plico, Eis-ceder, Eis-
cellencia, &c. Mas advirta-se que se-
guindo-se ao X vogal, da-se ao S va-
lor de Z; por estar. entre duas vogaes.
Exemplo: Ei-zacçaõ, Ei-zordio, Ei-
zequias, &c. que he a pronuncia, que
fazem as palavras Exacçaõ, Exordio,
Exequias, &c.
Vale de S, sendo final de dicçaõ,
precedido de vogal, como: Simplex,
Index, &c. as quaes palavras se pro-
nunciaõ, como se fossem escrittas:
Simples, Indes, &c. Muitos em taes
casos usaõ já do S, e naõ do X; po-
rém quem quizer usar deste, o porá
naquelles nomes, cujos pluraes fiquem
pág. 63
perfeitos, mudando o X em Ces, co-
mo: Simpleces, Indeces, &c. Esta
letra nunca se dobra, e sendo prin-
cipio de dicçaõ tem o seu som natural
de X: e o mesmo tem em Taxa, Ca-
xa, &c. Veja-se o mais que disse a
respeito desta letra, quando se trattou
do C.
Z
A letra Z segue as regras do J con-
soante: e só vale de S nos finaes da-
quelles nomes, cujos pluraes ficaõ
perfeitos com a syllaba Es, como:
Juiz, Juizes, Perdiz, Perdizes,
Cruz, Cruzes, &c. Taõbem vale de
S naquellas vozes, de que se formaõ
outras com a dezinencia de Z, como:
Diz, Dizemos, Dizem, Fiz, Fi-
zeste, Fizeraõ, &c. as quaes pala-
vras, e outras semelhantes devem ser
escrittas com Z por final. He letra,
que taõbem se naõ dobra.
Y
A letra Y taõbem he Grega; por
pág. 64
isso naõ usâmos della, senaõ naquellas
palavras, que tem analogia com as
Latinas, ou Gregas, de donde as adop-
támos, em cujas o ha, como: Hy-
perbole de Hyperbole, Lyra de Lyra,
&c. Em todos os mais casos suppri-
mos o Y com o I vogal; ainda que
muitos usaõ do dito Y em dicções, ou
puramente Portuguezas, ou aonde o
naõ ha na origem das palavras, prin-
cipalmente depois das vogaes, sendo
as palavras nomes, como: Rey, Ley,
Sinay, Ruy, Eloy, &c. o que naõ
approvo; porque em todas estas pa-
lavras, e em outras semelhantes se de-
ve usar sempre do I vogal, e naõ do
Y; por ser letra estrangeira, que pe-
la mesma razaõ naõ usâmos do K, que
nos era mais necessaria.
pág. 65
CAPITULO II.
Do que he Accento; quantos saõ, e
aonde se devem pôr.
§ I.
Do que seja Accento.
ACcento he hum sinal, que se põe
por sima das vogaes das syllabas,
para as abbreviar, ou allongar na pro-
nuncia, conforme o pedir a natureza
da palavra.
§ II.
Da quantidade dos Accentos.
OS Accentos, de que usâmos na
nossa escrittura saõ trez; grave (`),
circumflexo (^), e agudo (´); o Ac-
cento grave denota rapidez de tempo
na pronuncia da vogal da syllaba,
sobre que elle está; dando-lhe hum
som breve, ou mudo: o Accento cir-
cumflexo denota demora de mais tem-pág. 66
po, do que o Accento grave, e hum
som mais claro na vogal da syllaba:
e o Accento agudo ainda denota mais
tempo, do que o circumflexo, e hum
som muito claro na vogal da syllaba,
que por essa razaõ he longa. Exem-
plo: Abrândádà. Nesta palavra estaõ
todos os trez Accentos.
§ III.
Do uso dos Accentos.
SAõ precisissimos os Accentos na es-
crittura, para tirar a amphibolo-
gia, que sem elles, muitas palavras
fariaõ com outras; por serem escrit-
tas com as mesmas letras, e terem di-
versa significaçaõ, conforme o Accen-
to, que se lhes applicar; v. g. Fica-
ra: esta palavra, naõ sendo denota-
da com algum Accento, faz o senti-
do duvidozo; por ter duas significa-
ções: huma de futuro; outra de pre-
terito. Porém se nós lhe assinalarmos
o primeiro A com o Accento agudo,
assim: Ficára; já naõ temos duvida
pág. 67
na sua significaçaõ: porque o Accen-
to, que faz carregar o ditto A, nos
mostra que esta voz falla no preterito;
e se nós assinalarmos só o segundo A
com o ditto Accento, v. g. Ficará,
nos dá a conhecer que falla do futuro:
o mesmo he com o Accento circumfle-
xo, v. g. Amâmos. Esta palavra, se
naõ tivera o segundo A denotado com
o Accento circumflexo, podia-nos dar
significaçaõ de preterito, Amámos.
Para naõ haver duvida na escrittu-
ra, se inventáraõ os Accentos; e por
esta razaõ os devemos pôr, quando as
palavras tiverem dois sentidos, como
as do exemplo; e naõ fazendo duvi-
da as palavras, naõ se deve usar de
Accento algum, como: Pato. Nesta
palavra naõ devemos usar de Accento;
porque como naõ ha outra coiza, que
ella signifique, senaõ huma ave, he
desnecessario o Accento, ainda que
carregâmos no A; e usallo, seria su-
perfluidade.pág. 68
————————————————CAPITULO III.
Da diversidade de caracteres da Pon-
toaçaõ, e do seu uso.
§ I.
Dos caracteres da Pontoaçaõ.
NAõ he menos precisa na ecrittu-
ra a Pontoaçaõ, do que os Ac-
centos: estes tiraõ a duvida nas pala-
vras; aquella exime de confusões o
discurso.
A Pontoaçaõ he o ornato da escrit-
tura; he a que aperfeiçoa o quadro,
que deliniáraõ as palavras; e finalmen-
te a que o pinta com cores taõ vivas,
que em nada differe do original. Sem
a Pontoaçaõ naõ podiamos conhecer
o discurso, que representavaõ as pa-
lavras, nem dar-lhe graça na pronun-
cia. Serve pois a Pontoaçaõ de mos-
trar-nos o lugar, em que devemos fa-
zer pausa na escrittura, para melhor
percebermos a materia, de que se trat-
pág. 69
ta; e o como devem ser lidas as pa-
lavras, para mostrarmos as paixões,
de quem as ecreveo.
Compõe-se a Pontoaçaõ de quator-
ze notas, ou sinaes differentes huns
dos outros, que saõ: Til ( ˜ ), Cedilha
( ¸ ), Apostropho ( ’ ), Virgula ( , ), Ponto
e virgula ( ; ), Dois pontos ( : ), Ponto sim-
plex, ou final ( . ), Ponto admirativo ( ! ),
Ponto interrogativo ( ? ), Pontos de con-
tinuaçaõ ( .... ), Linha de separaçaõ,
e de seguimento ( — ), Parenthesis ( ),
Asterisco ( * ), Gripho ( » ).
Destas notas as primeiras trez ser-
vem de dar valor ás palavras, e as
mais ao discurso.
§ II.
Do Til.
O Til he huma nota, que se põe
por sima de huma vogal perpen-
dicularmente, para denotar hum M
supprimido na escritta, mas a que se
dá valor na pronuncia; unindo-o á vo-
gal sobre que estiver o ditto Til, co-
mo: Tostaõ, Tostões, &c.pág. 70
§ III.
Da Cedilha.
A Cedilha he huma nota com a fi-
gura de virgula, ou de C mais
pequeno as vessas, que se põe logo
por baixo de um C perpendicular-
mente, para o fazer valer de S, co-
mo: Çapato, &c.
§ IV.
Do Apostropho.
O Apostropho, que he um sinal em
fórma de virgula posto no alto
de huma consoante, e ás vezes de hu-
ma vogal, denota vogal supprimida
na palavra, ou particula sobre que el-
le estiver; da qual se naõ faz caso na
pronuncia; e taõbem ás vezes denota
huma consoante, como se disse, quan-
do se trattou do M. Exemplos: Sant’
Antonio, Reliqui’ antiga, Co’ isto,
&c. Santo Antonio, Reliquia anti-
ga, Com isto, &c.
pág. 71
§ V.
Da Virgula.
A Virgula serve para distinguir os
nomes, os verbos, os adver-
bios, e as differentes orações de hum
discurso regidas pela mesma pessoa,
ou coiza, e que servem para a mes-
ma concluzaõ. Exemplos: Daniel,
Jeremias, Jonatas, foraõ Prophe-
tas. Amar, seguir, e exercitar as
virtudes he acçaõ de Catholico. Teme-
raria, indiscreta, e loucamente se
commettem os vicios. O amor das coi-
zas mundanas, a pouca lembrança
das eternas, faz com que se quebran-
te a Lei, para sermos de todo infeli-
zes. Porém advirta-se que se houver
muitos nomes proprios pertencentes
a hum sujeito, naõ teráõ virgula en-
tre si, como: Pedro Antonio Manuel
da Silva he homem de mericimento.
Porém se os nomes forem predicados,
ainda que pertençaõ ao mesmo sujeito,
devem ter virgulas entre si, como:
Pedro sabio, temerario, e dadivozo,
pág. 72
venceo a batalha; e só naõ devem ter
virgulas, se os predicados forem (a)
sinonimos, como: Pedro sabio dis-
creto, atrevido e temerario, venceo
a batalha.
Deve-se pôr virgula antes das con-
juncções copulativas, adversativas, e
disjunctivas, como: Paulo, e Anto-
nio: Nem Paulo, nem Antonio: Ou
Paulo, ou Antonio, &c. Porém se as
conjuncções estiverem entre sinonimos,
naõ se usará entaõ da virgula, como:
Pedro he discreto e sabio. Mas deve-
se pôr entre proposições sinonimas,
como: Nem amar, nem ser affeiçoado
aos vicios, póde ser bom.
Deve-se pôr virgula antes, e de-
pois da interrupçaõ, que se faz no dis-
curso, como: A Ira, paixaõ abomi-
navel, perturba os animos: Vós bem
sabeis, Grande Deos, a fragilidade
dos homens. Antes da palavra: Que,
quando esta he nome, que se refere á
oraçaõ, que lhe precede, taõbem se————————————————
(a) Sinonimos saõ aquellas palavras, que sig-
nificaõ o mesmo humas, que outras, como:
Amor, Affecto, &c.pág. 73
deve pôr virgula; e depois da oraçaõ,
ou sentido, que fórma a ditta palavra
Que, como: Os vicios, que os ho-
mens commettem, saõ odiosos a Deos.
Usa-se da virgula nos referidos ca-
sos, para denotar a pausa, que deve-
mos fazer no lugar, em que ella esti-
ver, tomando a respiraçaõ; e para
fazer mais claro o discurso, ou a ora-
çaõ.
§ VI.
Do Ponto e virgula.
O Ponto e virgula denota huma
pausa maior, do que a virgula,
e menor, do que os dois pontos; e
se deve usar delle, quando houver já
sentido perfeito, porém dependente
do que se segue, para inteligencia do
discurso, como: Indigno he de cle-
mencia aquelle homem, que sendo in-
grato ao seu bem feitor, lhe naõ pede
perdaõ; pois dá indicios de que naõ
tem arrependimento do peccado mais
abominavel. Porém se os periodos fo-
rem curtos, por-se-ha só virgula, e se
pág. 74
forem muito extenços, dois pontos,
ou ponto final; conforme o pedir o
sentido do discurso.
Deve-se usar de ponto e virgula,
quando no discurso ha enumeraçaõ de
partes, e todas se especificaõ. V. g.
Por dois principios devemos amar a
Deos: O primeiro, por sermos crea-
turas suas; o segundo, pelo premio
da Bemaventurança. Taõbem deve
haver ponto e virgula, quando se trat-
taõ extremos oppostos, como: Amou
as virtudes; aborreceo os vìcios; ma-
tou os inimigos; e deo vida aos seus.
§ VII.
Dos dois Pontos.OS dois Pontos denotaõ huma pau-
sa maior, do que o ponto e vir-
gula, e menor, do que o ponto fi-
nal.
Devem-se pôr depois de hum sen-
tido completo, em quanto á oraçaõ,
mas que ainda se continûa a dizer mais
alguma coiza a respeito da materia,
pág. 75
de que se tratta; ou para melhor se
comprovar o discurso, ou para lhe de-
clarar algumas circunstancias. Exem-
plos: Muitas coizas contribuem pa-
ra a felicidade dos homens: a uniaõ,
a saude, e mais que tudo a sabedoria.
E quando estas comprovações saõ ex-
tenças, depois dos dois pontos se de-
ve pôr letra grande, como: Grecia,
e Roma tiveraõ homens muito gran-
des na Respublica das letras. A pri-
meira contou entre os heroes do seu
tempo Demosthenes; aquelle Princepe
da eloquencia: A segunda, além de
muitos outros, teve Cicero, que tan-
to enobreceo a Patria pelo seu talento.
E nestes casos sempre se deve pôr le-
tra grande depois dos dois pontos;
por serem extenças as proposições. Pó-
dem repetir-se succecivamente os dois
pontos: porém o melhor uso he, quan-
do o discurso for extenço, pôr dois
pontos, e ponto e virgula alternativa-
mente, antes do ponto final.pág. 76
§ VIII.
Do Ponto simplex, ou final.
O Ponto final denota hum sentido
inteiramente acabado, e sem de-
pendencia do que se lhe segue, por
cuja razaõ se deve fazer, aonde elle
estiver, huma pausa grande; toman-
do a respiraçaõ, e mediando algum
espaço de tempo na continuaçaõ da lei-
tura. Deve-se pôr no fim de hum dis-
curso sem dependencia, como disse,
ainda que seja no meio da linha das le-
tras, como: Naõ ha coiza mais in-
constante, do que a fortuna da guer-
ra. Sempre assim pensáraõ os homens
sabios. Deve-se pôr no fim de hum dis-
curso acabado sem admiraçaõ, ou in-
terrogaçaõ; cuja materia se concluio.
Deve-se pôr depois de huma letra ini-
cial; depois de huma palavra em bre-
ve; e por sima dos i, j, pequenos,
vogal, e consoante.
pág. 77
§ IX.
Do Ponto admirativo.
O Ponto admirativo denota admi-
raçaõ, (a) ironîa, e exclamaçaõ;
e se deve pôr depois destas trez coi-
zas, ou o sentido seja completo, ou
naõ: se o sentido for completo, de-
pois do dito ponto se porá letra gran-
de, e se fará huma pausa igual á do
ponto simplex; e se naõ for completo,
depois delle se porá letra pequena,
e se fará huma pausa semelhante á do
ponto e virgula. Exemplos; de admi-
raçaõ: Quem dissera que hum conquis-
tador taõ grande, como Scipiaõ, ha-
via de ser odiado do seu mesmo povo
Romano! Elle venceo em Africa qua-
tro Generaes Carthagineses: Desba-
ratou em Hispanha quatro formida-
veis exercitos: Triunfou de Syphax,
Annibal, e Antiocho, &c. De excla-
maçaõ: O’ Bom Deos, tende compai-————————————————
(a) Ironia he huma figura, porque se fala,
quando se diz o contrario do que se pensa.pág. 78
xaõ de mim! Eu sou, Senhor, o que
mais vos tem offendido, por isso im-
ploro a Vossa Misericordia, &c. De
ironia: Que gentil presença tens!
(falando de huma pessoa enorme:)
Naõ posso deixar de me admirar de ti,
&c. De sentido incompleto: Que es-
malte! que côres! que delicioso xeiro
se naõ encontra em hum jardim florí-
do! Ah! que me succede!
§ X.
Do Ponto interrogativo.
O Ponto interrogativo denota per-
gunta; e se deve pôr depois da
interrogaçaõ, isto he pergunta, ou
o sentido seja completo, ou naõ, co-
mo: Que fazes neste sitio? Donde
vindes a taes horas? Que travessuras?
que desordens? que insultos commet-
tes, Pedro? E nestes ultimos casos
naõ se põe letra grande depois do pon-
to interrogativo; porque humas pro-
posições saõ dependentes das outras;
por serem regidas pela mesma pessoa,
pág. 79
ou coiza: e taõbem se faz entaõ huma
pequena pausa. Deve-se pôr ponto in-
terrogativo depois de hum sentido for-
mado por interrogaçaõ; ainda que naõ
esteja presente pessoa com quem fale,
mas que de algum modo pareça que ha
alguem, a quem eu applico a pergun-
ta. Exemplos: Dizei-me, homens per-
versos, quando haveis de pôr freio aos
vossos appetites? Donde procede, in-
nocentes avesinhas, a melodia do vosso
canto? A verdadeira sabedoria he o
temor de Deos. De que authoridades
me naõ podia eu servir para provar o
que digo? Mas para que? Ninguem
ignora huma verdade taõ sabida.
§ XI.
Dos Pontos de continuaçaõ.
OS Pontos de continuaçaõ denotaõ
imperfeiçaõ de sentido; e deve-
se fazer nelles huma pausa, como sus-
pensa, e dependente do resto das pa-
lavras, que faltaõ á oraçaõ: deve-se
usar delles, logo que no periodo co-
pág. 80
meçaõ a faltar palavras para a sua in-
teligencia, como: A vossa benevolen-
cia fez com que eu...... bem quize-
ra.... porém.... &c. Os pontos,
que estaõ depois das palavras, eu, qui-
zera, porém, denotaõ que ao sentido
faltaõ palavras para a sua inteligencia;
e que o discurso se deve acabar assim:
A vossa benevolencia fez com que eu
apertasse mais a cadeia da minha gra-
tidaõ. Bem quizera exaggerar as vos-
sas virtudes, porém a falta de elo-
quencia, &c. ou de outra fórma se-
melhante.
§ XII.
Da Linha de separaçaõ, e de se-
guimento.
COmo estas duas Linhas tem a mes-
ma figura, trattarei dellas neste
mesmo paragrafo. A Linha de separa-
çaõ serve para denotar que na pronun-
cia se deve unir hum verbo á parti-
cula, ou pronome relativo seguinte;
fazendo de tudo huma voz, e naõ pa-
rando, senaõ depois da particula. Ex-
pág. 81
emplo: Pedro fallou a Joaõ, e dis-
se-lhe naõ sei o que; e ouvindo-o Joaõ,
lhe naõ deo resposta. A Linha, que
está entre o verbo disse, e a particu-
la lhe; e entre o verbo ouvindo, e a
particula, ou pronome o, denota que
as duas palavras devem ser lidas assim:
Disselhe, Ouvindoo: formando de ca-
da coiza destas huma voz. Deve-se
pôr a ditta Linha sempre depois do
verbo, entre este, e a particula; e
naõ antes do verbo, como: Pedro lhe-
disse, Antonio se-queixou, &c. Ain-
da que alguns seguem esta segunda re-
gra, dizendo: Que assim como o ver-
bo se une á particula, e esta áquelle;
taõbem em ambos os casos se deve usar
da ditta Linha; o que naõ approvo.
A razaõ he, porque a Linha põe-se
para naõ pararmos nos verbos; e quan-
do as particulas estaõ antes delles,
nunca fazemos nellas pausa; porque
a pronuncia o naõ consente.
Quando a particula, ou pronome
Se está depois do verbo, e lhe denota
voz (a) passiva, antes della taõbem de-————————————————
(a) Duas saõ as vozes: Activa, e Passiva.
pág. 82
ve haver Linha, como: Amaraõ-se,
Nega-se, &c. E quando depois desta
particula ha outra, ou hum relativo,
entre ella taõbem deve haver Linha,
como: Nega-se-lhes, Ouvio-se-lhes,
Fizeraõ-se-lhes, &c.
As particulas A, O, depois dos ver-
bos no infinito, naõ só naõ tem Linha,
mas o R do infinito se converte em
dois LL, fazendo syllaba com o A,
ou O, como: Amalla, Fazello; que
he o mesmo que: Amar-a, Fazer o:
cuja pronuncia he dura. Porém se as
duas particulas precederem aos ver-
bos, nem haverá mudança de letras,
nem Linha, como já disse; e se sepa-
raõ dos verbos com hum pequeno in-
tervalo na linha das letras. V. g. a
amar, o fazer, &c. Se depois dos
verbos houverem os pronomes Nós,
Vós, taõbem devem ter Linha, co-
mo: Disse-nos, Deo-nos, Ama-nos;————————————————
Activa he a que denota a acçaõ do verbo, para
se empregar em outrem. Passiva he a que deno-
ta a acçaõ do verbo já empregada em outrem,
como: Eu amei a Pedro. Pedro foi amado por
mim, &c.pág. 83
sendo (a) casos dos verbos. A parti-
cula De, antes dos pronomes relati-
vos, que principiaõ por vogal, se
une com elles, naõ só na pronuncia,
mas taõbem na escritta; contrahindo-
se o E da particula pela vogal seguin-
te do pronome, com huma (b) syna-
lepha, como: Deste, Daquelle, Dis-————————————————
(a) Todo o nome tem seis casos em cada nu-
mero, que saõ: Nominativo, Genitivo, Da-
tivo, Accusativo, Vocativo, e Ablativo. No-
minativo, que denota o agente do verbo, co-
mo: Pedro ama: Genitivo, que denota a pos-
sessaõ de qualquer coiza, e sempre tem antes de
si a particula De, como: Livro de Pedro. Da-
tivo, que denota a perda, ou proveito de qual-
quer coiza, como: Dei dinheiro a Pedro. Ac-
cusativo, que denota a pessoa, ou coiza, em
quem se emprega a acçaõ do verbo, como: Amo
as virtudes. Vocativo, que denota chamamento,
como: O’ Antonio. E Ablativo, que denota
materia, de que alguma coiza he feita: lugar
em que se está: instrumento, com que huma
coiza se faz: causa, porque se faz: e modo, por-
que se faz. Exemplos: Cópo de oiro. Estou na
Cidade. Matei a Pedro com a minha espada. Ba-
nho-me de alegria. Com o estudo se fazem os ho-
mens sabios.
(b) Synalepha he huma figura, pela qual se
contrahe a vogal final de huma dicçaõ pela vogal
pág. 84
to, Daquillo, &c. as quaes palavras
saõ; De este, De aquelle, De isto,
De aquillo, &c.
A preposiçaõ Em, com os dittos
pronomes, se converte na preposiçaõ
Na; contrahindo-se o A, e seguindo
o mais da particula De, como: Nes-
te, Naquelle, Nisto, &c. as quaes
palavras saõ: Em este, Em aquelle,
Em isto: cuja pronuncia he aspera.
A Linha de seguimento denota fal-
ta de syllaba, ou syllabas na palavra;
e que as syllabas seguintes do princi-
pio da linha das letras se devem unir
com a syllaba, ou syllabas, que pre-
cedem á ditta linha. Exemplo: Abs-
ten-do-se. Deve-se pôr a ditta Linha
de seguimento no fim da linha das le-
tras depois de huma syllaba completa;
de sorte que na palavra Abstendo-se naõ
se pódem dividir as syllabas, senaõ no
lugar do exemplo. Quando no meio————————————————
inicial de outra seguinte, naõ se fazendo caso da
vogal precedente, tanto na escritta, como na
pronuncia, como: Nov’ annos: Estudant’ obsti-
nado, &c. Nove annos: Estudante obstinado,
&c.pág. 85
das dicções houver duplex consoante,
e for necessario nesse lugar dividir as
syllabas, por-se-ha a Linha de segui-
mento no meio da duplex, como:
Vassal-los, Ec-clesiasticos, Ac-çaõ.
§ XIII.
Da Parenthesis, e seu uso.
A Parenthesis denota interrupçaõ
no discurso, por causa de algu-
ma proposiçaõ separada do sentido,
que se lhe mete de permeio; ou para
excepçaõ, ou para declaraçaõ de al-
guma coiza. Exemplos: Todas as ci-
dades (naõ fallando em Numancia) se
renderaõ a Scipiaõ. O amor (como di-
zem as Sagradas Letras) póde tanto,
como a morte. Porém se a interrupçaõ
he breve, bastaõ duas virgulas, co-
mo: Ser grato, principalmente a
Deos, he util.
Deve-se usar da Parenthesis no prin-
cipio, e fim da interrupçaõ; como se
vio nos exemplos.
pág. 86
§ XIV.
Do Asterisco, e seu uso.
O Asterisco he huma senha, que se
põe na linha das letras, para por
outra igual se procurar a authoridade,
ou declaraçaõ, que se allega, ou faz,
para melhor se provar o argumento do
discurso.
Para se naõ perturbar a materia,
que se tratta, com sentidos alheios,
escrevendo-os seguidamente, se deo uso
ao Asterisco. Deve pôr-se, assim que no
discurso se allega authoridade alheia,
para o comprovar, ou se precisa de
alguma declaraçaõ, para melhor in-
teligencia. No principio da authori-
dade, ou declaraçaõ, se deve pôr ou-
tro Asterisco igual ao da linha das le-
tras; para por hum se procurar o
outro: e a authoridade póde pôr-se,
ou nas margens da escrittura, ou no
fim della; como melhor parecer a
quem escreve. Exemplos: A Gentili-
dade do Paganismo tinha Deozes desti-
nados para os Campos, para os Mon-
pág. 87
tes, para os Valles, &c. e além da
immensidade de Deozes empregados em
semelhantes redicularias tinha outros,
diz Santo Agostinho, * ainda mais
elevados, e de huma ordem mais con-
sideravel. Os Tribunos do Povo Roma-
no, conspirando-se contra Scipiaõ, o
accuzávaõ (diz hum Historiador **)
de que elle se jactava de que hum só
homem era a columna do Imperio; que
Roma, Senhora do Universo, devia a
sua gloria, e a sua segurança a Sci-
piaõ.
Quando se allegaõ segunda, tercei-
ra, ou mais authoridades, ou se faz
mais de huma declaraçaõ, dobraõ-se
os asteriscos á proporçaõ das authori-
dades, e declarações; tanto na linha
das letras, como nas margens, ou
fim da escrittura, como se vio nos ex-
emplos. Em lugar do Asterisco, póde-————————————————
* Numina selecta dicuntur: quia opera ma-
jora ab his administrantur in mundo.
** Unum hominem caput, columenque Im-
perii Romani esse: sub umbra Scipionis civita-
tem dominam orbis terrarum latere. Liv. lib.
38. n. 51.pág. 88
se usar de numeros, como: (1), (2),
(3), &c. entre parenthesis; ou de le-
tras mais pequenas sem parenthesis,
como: a, b, c, d, &c.
§ XV.
Do Gripho.
O Gripho denota discurso alheio,
que se insere no corpo do perio-
do; ou para mostrar o como outros
pensáraõ na mesma materia, transcre-
vendo as suas proprias palavras; ou
para fazer declaraçaõ de quem he a
sentenca, ou ditto, quando se narra,
ou expõe algum facto. Exemplos:
Muitas vezes se obráraõ acções famo-
sas por quem se naõ esperava: » Os
» grandes effeitos, diz Balzac, nem
» sempre procedem das grandes cau-
» sas: as moles saõ occultas, as ma-
» quinas apparecem; e quando se che-
» gaõ a descubrir essas moles, ficâ-
» mos admirados de as ver taõ peque-
» nas, e taõ debeis. »
Cataõ o Censor naõ deixava de re-
pág. 89
presentar no Senado as consequencias
funestas do luxo, que principiava no
seu tempo a introduzir-se na Respu-
blica. » Eu temo, dizia elle, que nós
» fiquemos escravos das riquezas, em
» lugar de sermos senhores dellas. »
Deve pôr-se o ditto gripho antes, e de-
pois do discurso alheio; e continuallo
nas margens do principio das regras,
até se concluir, como se vio nos ex-
emplos. Muitas vezes se acompanha o
discurso alheio naõ só com o gripho,
mas taõbem se escreve em letra diver-
sa, a que os impressores chamaõ letra
cursiva: Outras vezes se escreve o dis-
curso alheio só em letra cursiva sem
gripho; quando elle se expõe em di-
versa lingùa, ou quando serve de au-
thoridade para provar o que se per-
tende, sem declarar o seu author; ou
declarando-o nas margens da escrittu-
ra; porque entaõ basta a letra cursiva
para domonstrar a sentença alheia. Ex-
emplos: Nada ha taõ pernecioso a
hum Estado, como a injustiça. Naõ
póde subsistir, nem ser bem governa-
da huma Respublica, sem a inteireza
pág. 90
da Justiça: Nihil tam inimicum quam
injustitiam civitati, nec omnino nisi
magna justitia geri, aut stare posse
rempublicam.
Que ingratos, e loucos saõ aquel-
les homens, que só attribuem a sua
existencia á natureza, e naõ a Deos;
porque: Que outra coiza he a natu-
reza, senaõ Deos?
Os mais famosos Legisladores, e
os mais sabios Politicos sempre con-
cordáraõ que a melhor lei era, a que
tendia á utilidade publica: A saude
do povo he lei suprema. *
Quando quizermos que na impres-
saõ se ponhaõ algumas palavras, ou
regras em letra cursiva, poremos hu-
ma linha parallela ás palavras, ou re-
gras por baixo das mesmas. V. g. Na
guerra pódem mais as subtilezas, do
que as forças. Taõbem se usa da letra
cursiva nos exemplos, que se escreve-
rem, para provar alguma coiza, ou
nas palavras, que fazem a principal
figura no periodo, a respeito da ma-
teria, de que se tracta.
————————————————* Cic. Lib, 3. de Ieg. n. 18.
pág. 91
————————————————CAPITULO IV.
Da formaçaõ dos nomes pluraes pela
terminaçaõ dos seus singulares.
AInda que pareça que o trattar da
formaçaõ dos pluraes dos nomes
mais pertence á Grammatica, do que
á Orthographia; com tudo, como ha
muita variedade nas letras com que se
escrevem, axei que era conveniente
assinar regras certas para os escrever-
mos.
§ I.Dos nomes pluraes, que se formaõ dos
singulares acabados em vogal.
OS nomes singulares, que termi-
naõ em vogal, formaõ os seus
pluraes, accrescentando-se hum S á
vogal da terminaçaõ singular, como:
Coroa, Coroas, Trempe, Trempes,
Rei, Reis, Canto, Cantos, Nu,
Nus, &c.
pág. 92
§ II.
Dos pluraes dos nomes singulares aca-
bados em consoantes mudas.
NEnhum nome puramente Portu-
guez, seja do (a) genero que
for, termina em consoante muda; me-
nos no Z, quando serve de S, que
terminaõ aquelles nomes singulares,
cujos pluraes ficaõ perfeitos, accres-
centando a syllaba Es ao Z da termi-————————————————
(a) Genero, he aquelle sexo, a que perten-
cem as coizas. Trez saõ os generos dos nomes:
Masculino; Femenino; e Neutro.
Masculino, que pertence a homem, ou suas
qualidades, e attributos: ou a varaõ, como Pe-
dro, Livro, &c. E se conhece este genero,
quando se lhe póde accommodar o pronome Es-
te, como: Este Pedro, Este Livro, &c.
Femenino, que pertence a mulher, ou suas
qualidades, e attributos; ou a femea, como:
Anna, Palma, &c., e se conhece este genero,
quando se lhe póde accommodar o pronome Es-
ta, como: Esta Anna, Esta Palma, &c.
E Neutro, que nem pertence a varaõ, nem
a femea, nem se lhe póde accommodar nenhum
dos pronomes, como: Isto, Aquillo, &c. que
naõ dizemos: Este Isto, Esta Isto, &c.
pág. 93
naçaõ singular, e aquellas vozes, de
que se formaõ outras com a desinencia
de Z. Exemplos: Juiz, Juizes,
Francez, Francezes, Diz, Dize-
mos, Dizem, Faz, Fazes, Fazem,
&c.
Porém caso que haja alguma pala-
vra adoptada de outras lingùas, a quem
(por se lhe querer conservar a sua ety-
mologia) dêmos a terminaçaõ em con-
soante muda, formará o seu plural,
accrescentando a syllaba Es á muda
da terminaçaõ singular. Exemplos: Da-
vid, Davides, Jacob, Jacobes, &c.
Esta regra parece que mais per-
tence á terminaçaõ vogal, do que
consoante: porque, como fica ditto,
ás mudas, sendo finaes de dicçaõ, in-
tende-se-Ihes hum E na pronuncia; e
vem só a accrescentar-se hum S ás dit-
tas mudas da terminaçaõ singular, e a
pôr-se claro o E, de que se faz caso
na pronuncia.
Tiraõ-se da regra assima os nomes,
que terminarem em C; o qual se con-
verte nos pluraes em Ques; e segue a
mesma regra já ponderada no valor do
[dit-]pág. 94
to C, que he valer de Que, quando
for final de dicçaõ; e assim vem só a
accrescentar-se-lhe hum S, e a escre-
verem-se as letras, que pronunciâmos
no singular, pelo valor, que damos
ao ditto C.
Taõbem se tiraõ da mesma regra
assima os nomes terminados em G, e
Q; ás quaes letras, antes da syllaba
Es (com que formaõ os pluraes) se
deve pôr U, que se pronunciará liqui-
do; e taõbem seguem a mesma regra,
que se advertio, quando se trattou das
dittas duas letras, que vem a ser: in-
tender-se-lhes depois dellas UE na
pronuncia; e vem sómente a accres-
centar-se hum S ás dittas duas letras,
e a pôrem-se claras UE, de que fa-
zemos caso na terminaçaõ singular,
quando pronunciâmos dicções, que
tenhaõ por finaes ao Q, e G.pág. 95
§ III.
Dos pluraes dos nomes singulares aca-
bados em consoantes semivogaes.
OS nomes singulares acabados em
Al, Ol, formaõ os seus pluraes,
mudando-se o L em Es, como: Ani-
mal, Animaes, Sinal, Sinaes, Fa-
rol, Faroes, Caracol, Caracoes, &c.
Muitos querem que o L se converta
em Is, porque na pronuncia se deixa
perceber mais o I, do que o E; to-
talmente naõ condemno esta opiniaõ,
mas só digo: Que o E, sendo bre-
ve, ou mudo, he semelhante ao I; e
como mais vezes se formaõ os pluraes
com Es, do que com Is, parece que
devemos seguir a generalidade: além
de que nas escritturas dos homens mais
cultos se axaõ semelhantes pluraes
formados mais vezes com Es, do que
com Is.
Dos nomes acabados em Al tira-
se Mal, e naõ sei se mais algum,
que faz Males, e naõ Maes; e naõ
sei qual seja a razaõ, porque em lu-
pág. 96
gar de seguir a regra geral, dobre o
L, e se lhe accrescente a syllaba Es,
como se faz ás mudas. Porque se me
dizem, que por tirar a equivocaçaõ,
que poderia fazer com o adverbio
Mais, se deve escrever Males, e naõ
Maes; a isto respondo: I. Que taõ-
bem Sal, faz Saes, e naõ Sales; e
com tudo Saes faz amphibologia com
Saes, segunda pessoa do singular do
presente do indicativo do verbo Sair:
Cal faz Caes, e naõ Cales; e he
equivoco taõbem com a segunda pes-
soa do singular do verbo Cair: II. Que
Mais adverbio se escreve com I, e
isto basta para se tirar a duvida. E se
me respondem que os dois verbos Cair,
e Sair (para evitar a duvida, que as
suas inflexões possaõ fazer com outras
palavras,) se devem escrever com H
depois do A; digo que tal naõ ad-
mitto: porque na raiz Latina naõ se
vê tal H, nem semelhantes vozes tem
analogia com ella; e por isso se naõ
deve escrever o H, como se disse,
quando se trattou desta letra. Com que
o uso he que disculpa tal escritta, e
naõ a razaõ.pág. 97
Os nomes acabados em El formaõ
os seus pluraes, mudando-se o L em
Is, e naõ em Es; porque a pronun-
cia de dois EE seguidos he mal so-
ante, e languida, como Bacharel,
Bachareis, e naõ Bacharees, Aran-
zel, Aranzeis, e naõ Aranzees, &c.
Os nomes acabados em Il, sen-
do o I breve, formaõ os seus pluraes,
convertendo-se o Il em Eis, como:
Facil, Faceis, Habil, Habeis, Fu-
til, Futeis, &c. Porém, sendo o I
longo, converte-se o L em S: Civíl,
Civís, Subtíl, Subtís, Fuzíl, Fuzís,
&c. Porém eu dissera que em ambos
estes dois ultimos casos o L se muda
em Is, assim como nos nomes acaba-
dos em El, e que só está a differen-
ça: Que no primeiro caso, sendo o
I breve, se converte em E: E no
segundo caso, sendo o I longo, se
muda o L em Is; mas como a pro-
nuncia de dois II he intoleravel, e
naõ a temos na nossa lingùa, pronun-
ciâmos hum I só, contrahindo o ou-
tro pela figura Syncope. *
————————————————* Syncope he huma figura, pela qual se tira
huma syllaba, ou letra no meio da dicçaõ.
pág. 98
Os nomes acabados em Ul, sendo
o U longo, formaõ os seus pluraes,
mudando-se o L em Is, como: Paul,
Paúis, Azul, Azúis, &c. Porém
sendo o U breve, accrescenta-se a syl-
laba Es ao L da terminaçaõ singular,
como: Consul, Consules, &c.
Os nomes acabados em Am, Em,
Im, Om, Um, formaõ os seus plu-
raes, mudando o M em N, e accres-
centando-lhe hum S, como: Romam,
Romans, Parabem, Parabens, Mal-
sim, Malsins, Bom, Bons, Nenhum,
Nenhuns, &c.
Nenhum nome Portuguez deve ter-
minar em N; ainda que muitos que-
rem que terminem, os que tem soído
de Am, como: Maçam, Maçan;
dizendo: que para a formaçaõ dos
seus pluraes, basta accrescentar-lhes
hum S, para ficarem perfeitos; po-
rém esta razaõ naõ conclue: Porque
taõbem nós convertemos o M de Som, e
e de Algum em NS no plural, e
com tudo naõ escrevemos Son, Al-
gun: Quanto mais, que accrescentar
só hum S á terminaçaõ singular, para
pág. 99
formar os pluraes, he só privilegio
dos nomes acabados em vogal.
Os nomes acabados em Ar, Er,
Ir, Or, Ur, formaõ os seus pluraes,
accrescentando-se a syllaba Es, ao R
da terminaçaõ singular, como Am-
bar, Ambares, Chanceller, Chancel-
leres, Visir, Visires, Pandur, Pan-
dures, &c.
Na nossa escrittura nenhuma pala-
vra deve terminar em S no singular,
á excepçaõ dos appellidos das pes-
soas; como: Lopes, Antunes, San-
ches, &c. porque os que tiverem a
sua desinencia, seráõ escrittos com Z;
para formarem os seus pluraes, ac-
crescentando-se a syllaba Es ao ditto
Z da terminaçaõ singular. Exemplos:
Rapaz, Rapazes, Convez, Conve-
zes, Aprendiz, Aprendizes, Noz,
Nozes, Cruz, Cruzes, &c. E o mes-
mo se pratticará naquellas vozes de
que se formaõ outras, como se disse
no §. II. do Capitulo IV. Porém os
que quizerem pôr S na terminaçaõ sin-
gular, por naõ usarem de Z, aug-
mentaráõ ao S a mesma syllaba Es, e
pág. 100
mudaráõ o dito S em Z; que por evi-
tar esta mudança he melhor pôr logo o
Z no singular, porque fica já servin-
do para o plural. Alguns adverbios
taõbem acabaõ em S, como: Mais,
Pois, &c.
§ IV.
Dos pluraes dos nomes singulares
acabados no duplex X.
OS nomes acabados em X, prece-
dendo-lhe vogal, formaõ os seus
pluraes, mudando o X em Ces, co-
mo: Index, Indeces, Felix, Feli-
ces, Apendix, Apendices, &c. Mui-
tos terminaõ semelhantes nomes no sin-
gular com S; porém naõ approvo o
uso, porque entaõ he preciso perder
o S do singular, convertendo-o em
C; aliás teria pronuncia de Z, por
estar entre vogaes.
Os nomes, que saõ puramente Por-
tuguezes, antes do X final sempre
tem vogal; porém em alguns estra-
nhos conservar-se-lhe-ha a sua analo-
gia.
pág. 101
§ V.
Dos pluraes dos nomes singulares, que
terminaõ em Aõ.
OS nomes singulares, que tem a
desinencia final em Aõ, tem mui-
tas anomalias na formaçaõ dos seus plu-
raes. Os pluraes regulares se formaõ
accrescentando hum S ao O da termi-
naçaõ singular; seguindo a regra ge-
ral dos nomes singulares acabados em
vogal. Exemplo: Christaõ, Christaõs,
Maõ, Maõs, Graõ, Graõs, &c.
Os pluraes irregulares formaõ-se de
duas sortes: I. convertendo o O do
singular em Es no plural, como:
Capellaõ, Capellães, Capitaõ, Ca-
pitães, Alemaõ, Alemães, &c. II.
perdendo o A do singular, e accres-
centando ao O a syllaba Es, como:
Coraçaõ, Corações, Acçaõ, Acções,
Perdaõ, Perdões, &c.
Naõ se póde reduzir a regras o
quando semelhantes pluraes se formaõ
de huma, ou de outra sorte; e só o
uso he neste particular o melhor mestre.
pág. 102
Muitos escrevem semelhantes plu-
raes com N antes de S assim: Maons,
Capellaens, Coraçoens, &c. o que
inteiramente desapprovo; porque na
pronuncia naõ se percebe NS na syl-
laba final, mas sim Es, ou Os; pro-
nunciando-se o E, e o O, como I, e
U, por lhes serem analogos, quando
saõ breves; e o til denotando o M
supprimido na escritta, porém com
valor na pronnucia, pertencente á vo-
gal sobre que estiver o ditto til. Ex-
emplos: Mam-us, Limom-is, Capi-
tam-is, &c. que he a pronuncia, que
nos daõ os pluraes Maõs, Limões,
Capitães, &c. Veja-se o mais que
se disse a este respeito no § VI. do Ca-
pit. I. quando se trattou do O.
————————————————CAPITULO V.
Das Partes da Escrittura.
1 A Escrittura consta de pala-
vras; e como fique mostra-
do que coiza seja palavra, passarei a
pág. 103
trattar com brevidade do que se com-
põe com ellas.
2 Com a palavra se compõe a Ora-
çaõ, o Periodo, o Paragrafo, o Ca-
pitulo, o Livro, e o Volume.
3 A Oraçaõ he huma uniaõ de pa-
lavras com sentido perfeito, pelo qual
possamos formar juizo sobre alguma
coiza. V. g. Pedro he douto: Nesta
oraçaõ ha sentido perfeito, pois me
declara que Pedro naõ he ignorante,
e daqui formo juizo sobre o seu talen-
to.
4 Periodo he huma uniaõ de ora-
ções dependentes humas das outras,
com que se completa parte de hum
discurso. V. g. Sendo o amor sinal de
perfeiçaõ, aquelle homem, que for
capaz de mais amor, será mais per-
feito. Neste periodo estaõ trez orações,
porém todas com dependencia humas
das outras, para concluir que hum
homem he perfeito, quando tem a-
mor; e estas proposições saõ parte de
hum dicurso, porque ainda havia que
dizer na materia.
5 O Paragrafo, que em breve se
pág. 104
denota com este sinal ( § ) he huma
uniaõ de periodos dependentes huns
dos outros, com que se completa hum
discurso.
O Paragrafo sempre se começa no
principio de linha, immediatamente
á outra, em que se acabou o para-
grafo antecedente: Começa-se com
letra grande, e quando se acabou de
trattar toda huma materia, e se passa
a trattar outra diversa. Antes que se
comece o paragrafo, se põe em bre-
ve §, por titulo no centro da colum-
na, com o seu numero, em huma li-
nha immediata á antecedente; e logo
por baixo do ditto §, em outra linha
immediata se põe taõbem por titulo a
materia de que ha de trattar; e de-
pois se começa o paragrafo, como
disse. Exemplo.
§ II.
Das coizas necessarias, e uteis â Respublica.
Para a Respublica ser bem gover-
nada, primeiro que tudo, &c.
Porém advirta-se que em cartas nun-
pág. 105
ca se põe o paragrafo por titulo, as-
sim: §.
6 O Capitulo he huma uniaõ de §§,
com os quaes se acabou de trattar o
que se prometteo nelle. Escreve-se
taõbem no centro, ou meio da colum-
na, como o §, e depois delle as ma-
terias, de que se promette trattar,
como no §, e assim tudo o mais; e
depois entraõ a dividir-se os §§ por
seu numero. Exemplo.
CAPITULO III.
Da origem, introducçaõ, e proveitos da Fabula.
§ I.
Da origem da Fabula.
A necessidade de reformar os costu-
mes, que a perversidade dos homens,
&c.
Muitos daõ diversos epithetos ao
Capitulo, como: Artigo, Titulo,
&c. e dividem-lhe os seus §§, só
com hum numero na margem das li-
nhas, como se póde ver em todos os
deste Capitulo V.pág. 106
7 O Livro he huma uniaõ de capi-
tulos, com os quaes se concluio a ma-
teria, que se prometteo trattar nelle.
Escreve-se taõbem no centro, ou meio
da columna, como o capitulo; logo
depois a materia, de que se ha de trat-
tar, e daí entra-se a dividir a ditta
materia em capitulos, e a subdividir
em §§. Exemplo:
LIVRO III.
Da Poesia em geral.
CAPITULO I.
Da introducçaõ, origem, e proveitos
da Fabula.
§ I.
Da introducçaõ da Fabula.
A necessidade, em que o mundo es-
tava, &c.
8 O Volume, ou Tomo (a que vul-
garmente se chama taõbem Livro) he
huma uniaõ de livros, com os quaes
se acabáraõ de trattar todas as mate-
rias, que se prometteraõ no principiopág. 107
da Obra. A esta da-se o titulo, que
cada hum quer, com tanto que lhe se-
ja adaptado. Depois do titulo da obra
seguem-se varias declarações, como
saõ: O nome do Auctor, seus predi-
cados, querendo: O fim, a que se
dirige, taõbem se quizer: Numero da
Ediçaõ, que taõbem naõ he da essen-
cia: Lugar de impressaõ, anno da
mesma, e licenças para ella; que tu-
do he indispensavel, como taõbem o
nome da Officina, ou do Impressor,
que a imprimio.
Todas estas declarações se devem
ir fazendo em titulos pelo meio da
columna; dispondo-se por tal fórma,
que se enxa a columna, ficando agra-
davel á vista; o que se póde ver no
principio deste Trattado.
pág. 108
INDICE.
INTRODUCÇAÕ á Ortbogra-
phia, pag. xxvi.
§ I. Da origem da Orthographia,
xxvi.
§ II. Da necessidade da Orthogra-
phia, xxvii.
§ III. Dos proveitos da Orthogra-
phia, xxix.
§ IV. Da historia da Orthographia,
xxx.
Cap. I. Da Syllaba, definiçaõ da Le-
tra, e explicaçaõ das suas qua-
lidades, differenças, uso, e va-
lor, pag. 4.
§ I. Da Syllaba, 4.
§ II. Da definiçaõ da Letra, 5.
§ III. Da qualidade das Letras, 6.
§ IV. Da differença das Letras, 8.
§ V. Do uso das Letras, ibid.
§ VI. Do valor das Letras, 13. Da
Letra A, 13. B, 14. C, 15. D,
E, F, 31. G, 32. H, 34. I, J,
35. K, L, 36. M, N, 39. O,
pág. 109
44. P, 48. Q, 50. R, 51. S, 52.
T, 59. U, 60. V, X, 62. Z, Y, 64.
Cap. II. Do que he Accento, quan-
tos saõ, e aonde se devem pôr, 66.
§ I. Do que seja Accento, ibid.
§ II. Da quantidade dos Accentos,
ibid.
§ III. Do uso dos Accentos, 67.
Cap. III. Da diversidade de Caracte-
res da Pontoaçaõ, e do seu uso,
69.
§ I. Dos Caracteres da Pontoaçaõ,
ibid.
§ II. Do Til, 70.
§ III. Da Cedilha, 71.
§ IV. Do Apostropho, ibid.
§ V. Da Virgula, 72.
§ VI. Do Ponto e virgula, 74.
§ VII. Dos dois Pontos, 75.
§ VIII. Do Ponto simplex, ou final,
77.
§ IX. Do Ponto admirativo, 78.
§ X. Do Ponto interrogativo, 79.
§ XI. Dos Pontos de continuaçaõ,
80.
§ XII. Da Linha de separaçaõ, e
de seguimento, 81.pág. 110
§ XIII. Da Parenthesis, e seu uso,
86.
§ XIV. Do Asterisco, e seu uso, 87.
§ XV. Do Gripho, 89.
Cap. IV. Da formaçaõ dos nomes plu-
raes pela terminaçaõ dos seus sin-
gulares, 92.
§ I. Dos nomes pluraes, que se for-
maõ dos singulares acabados em
vogal, ibid.
§ II. Dos pluraes dos nomes singu-
lares acabados em consoantes mu-
das, 93.
§ III. Dos pluraes dos nomes singu-
lares acabados em consoantes se-
mivogaes, 96.
§ VI. Dos pluraes dos nomes singu-
lares acabados no duplex X, 101.
§ V. Dos pluraes dos nomes singula-
res, que terminaõ em Aõ, 102.
Cap. V. Das partes da Escrittura, 103.
Da Oraçaõ, 104.
Do Periodo, ibid.
Do Paragrafo.
Do Capitulo, 106.
Do Livro, 107.
Do Volume, ou Tomo, ibid.
FIM.pág. 111

