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Título
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Ortografia da Lingva Portvgueza
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Subprojeto
Corpus Ortográfico do Português
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Tecnologia
Tratado Metaortográfico
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Língua Objeto
Português
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Metalinguagem
Português
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Autor
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Barreto, João Franco (1600-pós-1672)
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Biografia sucinta do autor
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Nasceu em Lisboa em 1600. Estudou no Colégio de Santo Antão onde foi aluno de Francisco de Macedo. Enveredou pela carreira militar tendo combatido contra os Holandeses na Baía. De regresso a Portugal, abandonou o percurso militar e dedicou-se ao mundo académico tendo estudado Direito Canónico na Universidade de Coimbra. Foi próximo de Francisco de Melo, Monteiro-Mor do reino, uma vez que para além de ter sido mestre dos filhos deste, foi também seu secretário e nesta qualidade integrou a embaixada enviada a França por D João IV. Uma vez regressado desta missão abraçou a vida religiosa, depois de ficar viúvo de um casamento que lhe trouxera um filho e uma filha, ordenando-se presbítero, tendo sido nomeado vigário do Barreiro em 1648. Produziu obras de cariz histórico, político, religioso e literário, em particular no campo da poesia, tendo traduzido a Eneida de Virgílio. Também a ortografia foi uma das áreas de estudo de Barreto, tendo, assim, publicado, em 1671, a sua Orthographia da Lingua Portuguesa. Desconhece-se a data de falecimento, mas terá ocorrido após 1672.
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Editor
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Biografia sucinta do editor
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Tipo de documento
Impresso
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Local de impressão
Lisboa
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Impressores/Editoras
João da Costa (fl.1630-1680)
Antonio Leite Pereira, Mercador de Livros (fl.1668-17?)
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Ordem Religiosa
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Edição
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1.ª ed.
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Ano
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1671
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Volume de páginas/fólios
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[XVI], 279 pp.
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Outras edições conhecidas
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1.ª. ed. Ortografia da Lingva Portvgueza. per Ioam Franco Barretto, Offerecida Ao Sor Francisco de Mello, Filho primogenito do Sor Garcia de Mello, do Conselho de S.A. & seu Monteyro môr Em Lisboa: Na Officina de Ioam da Costa; A custa de Antonio Leyte Mercador de Livros, na rua nova. 1671.
2.ª. ed. Carlos Assunção, Rolf Kemmler, Gonçalo Fernandes, Sónia Coelho, Susana Fontes & Teresa Moura (2021): A Ortografia da Lingva Portvgveza (1671) João Franco Barreto: Estudo introdutório e edição. Vila Real: Centro de Estudos em Letras; Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (= Ortógrafos Portugueses, 5). ISBN: 978-989-704-463-2 / e-ISBN: 978-989-704-464-9. https://www.utad.pt/cel/wp-content/uploads/sites/7/2022/08/OP5-Ortografos-Portugueses-Barreto-1671.pdf.
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Mencionado em
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Descrição sumária
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Interesse linguístico
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A obra apresenta uma estratégia expositiva diferenciada e inovadora, identificando claramente as suas fontes, quer portuguesas, quer estrangeiras, contribuindo desta forma para a possibilidade de análise da receção das ideias ortográficas estrangeiras em Portugal. Trata-se de uma compilação das ideias ortográficas anteriores (por concordância ou por discordância), citando cerca de 160 autoridades ortográficas e gramaticais, clássicas e contemporâneas, assim como fontes literárias, tal é revelador da erudição do autor. Partindo desta compilação, a obra revela uma evolução das ideias ortográficas postuladas pelos seus antecessores; dá maior relevo à correspondência entre a ortografia e a pronúncia.
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Inovações metalinguísticas
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Trata-se do primeiro tratado metaortográfico português a dedicar considerável atenção à descrição sistemática das partes da oração.
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Influência recebida de
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Grammatica da lingua portuguesa [1540] de João de Barros
Regras que ensinam a maneira de escrever e Orthographia da Lingua Portuguesa (1574) de Pero de Magalhães Gandavo
Orthographia da Lingoa Portvgvesa (1576) de Duarte Nunes de Leão
Orthographia, ov modo para escrever certo na lingua portuguesa (1631) de Álvaro Ferreira de Vera.
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Influência exercida sobre
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Orthographia, ou Arte de Escrever e Pronunciar com acerto a Lingua Portugueza (1739) de João de Morais de Madureira Feijó.
Rafael Bluteau, Prosa Gramatonómica (1728: 186-228).
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Índice da obra
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[rosto] – [I]
[página em branco] – [II]
DEDICATORIA – [III-VI]
PROLOGO – [VI-VIII]
AVTORES CITADOS? esta obra. – [IX-X]
[prefácio] AO LEYTOR – [XI]
[errata] – [XI-XIV]
LICENÇAS – [XV-XVI]
CAP. I. Que cousa he Ortografia, & de que consta. – 1-7
CAP. II. Qu? foy o inventor das letras. – 7-13
CAP. III. Continuando o mesmo proposito. – 13-20
CAP. IV. Se a lingua Portugueza foy uma das setenta & duas. – 20-26
CAP. V. Se ? Portugal foy vulgar a Lingua Latina. – 26-28
[tabela comparativa octolingue] – [I-II]
[continuação] CAP. V. Se ? Portugal foy vulgar a Lingua Latina. – 29-31
CAP. VI. Das partes da vulgar lingua. – 31-32
CAP. VII. Que cousa he nome. – 33-44
CAP. VIII. Do verbo. – 45-56
CAP. IX. Dos participios. – 56
CAP. X. Das preposições. – 57
CAP. XI. Dos Adverbios. – 58-59
CAP. XII. Das conjuções. – 59-60
CAP. XIII. Das interjeyções. – 60
CAP. XIV. Dos Articulos. – 60-64
CAP. XV. Da divisã das letras. – 65-68
CAP. XVI. Como se pronunciam as vogaes. – 68-74
CAP. XVII. Do E. – 74-76
CAP. XVIII. Do I. – 76-79
CAP. XIX. Do O. – 79-82
CAP. XX. Do V. – 82-84
CAP. XXI. Do Y. – 84-91
CAP. XXII. Do valor das vogaes. – 91-94
CAP. XXIII. Dos Ditongos. – 94-108
CAP. XXIV. Dos falsos ditongos. – 108-110
CAP. XXV. Se se dev? dobrar as vogaes. – 110-113
CAP. XXVI. Das letras consoantes, & primeyro do B. – 113-116
CAP. XXVI. Do C. – 116-122
CAP. XXVII. Do D. – 122-124
CAP. XXVIII. Do F. – 124-127
CAP. XXIX. Do G. – 127-131
CAP. XXX. Do H. – 131-139
CAP. XXXI. Do I. – 139-141
CAP. XXXII. Do K. – 141-143
CAP. XXXIII. Do L. – 143-147
CAP. XXXIV. Do M. – 147-151
CAP. XXXV. Do N. – 151-152
CAP. XXXVI. Do P. – 153-155
CAP. XXXVII. Do Q. – 155-157
CAP. XXXVIII. Do R. – 157-160
CAP. XXXIX. Do S. – 160-163
CAP. XL. Do T. – 163-169
CAP. XLI. Do V. – 169-171
CAP. XLII. Do X. – 171-174
CAP. XLIII. Do Z. – 175-178
CAP. XLIV. Do Til. – 178-179
CAP. XLV. Se as letras se devem dobrar. – 179-188
CAP. XLVI. Se devem aspirarse as consoantes, ou vogaes? – 188-189
CAP. XLVII. Das letras, ? que as dições da lingua Portuguesa pódem acabar. – 189-190
CAP. XLIIX. Como se pronunciam os pluraes. – 190-194
CAP. XLIX. Das silabas, & dicções. – 194-196
CAP. L. Que letras se pódem ajuntar a outras na composiçã das silabas. – 197-200
CAP. LI. Como se dividem as dicções, & ? que letras pôdem acabar as silabas, ? a lingua Portuguesa. – 200-201
CAP. LII. Dos acentos, como, & quando se devem usar. – 201-212
CAP. LIII. Dos apostrofos. – 212-214
CAP. LIV. De outros sinaes importantes ao bõ escrever. – 215-219
CAP. LV. De outros sinaes tamb? importantes ao bõ escrever. – 219-221
CAP. LIV. De outros sinaes. – 221-225
CAP. LVII. Das abreviaturas. – 225-228
CAP. LVIII. Breve recopilaçã de nossa ortografia. – 228-229
REGRAS GERAES DA ORTOGRAFIA PORTVGVEZA, per o Licenciado Duarte Nunez, cõ a reposta do Autor á margem. – 230-264
ADVERTENCIAS, EM ORDEM A EMMENDAR, & melhorar as palavras, que a inorancia do vulgo t? corrutas. – 265-279
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Localização na biblioteca/proprietário
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Biblioteca Nacional de Portugal
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Endereço Eletrónico ou URL
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https://purl.pt/18
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Referências
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Autor(es) deste ficha
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Mónica Sofia Botelho Lima Augusto, Rolf Kemmler & Carlos Assunção
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Como citar esta ficha
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Augusto, Mónica Sofia Botelho Lima, Rolf Kemmler & Carlos Assunção. 2023. Barreto, João Franco (1600-pós-1672): Ortografia da Lingva Portvgueza. https://pml.cel.utad.pt/ViewEntry.aspx?id_entry=13.
Edição semidiplomática
ORTOGRAFIA
DA
LINGVA PORTVGVEZA
PER
IOAM FRANCO BARRETTO.
Offerecida
AO Sor FRANCISCO DE MELLO,
Filho primogenito do Sor Garcia de Mello,
do Conselho de S. A. & seu Monteyro môr
EM LISBOA.
Na Officina de IOAM DA COSTA.
A custa de Antonio Leyte Mercador de Livros, na rua nova.
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M. DC. LXXI.
Com todas as licenças necessarias.pág. [I]
pág. [II]
DEDICATORIA
VMa das excellencias, que o
Criador deo ao omem, he o
saber & poder fallar; porque
de outra maneyra (da alma ?
fóra) de pouco menor valor saõ os bru-
tos animaes, que os om?s mudos. Pola-
qual rasã Aristoteles, ? a sua Economi-
ca, louva mays a policia Pythagorica,
que a Stoica.
Màs sendo (como he) grande cousa
naõ ser o omem mudo, como os outros
animaes brutos, muyto mayor cousa he
fallar como fallam os om?s racionaes,
& s? comparaçam muyto mayor b?, fal-
lar, como fallam os filosofos eloquentes.
Marco Tullio, que foy Senador &
pág. [III]
Cõsul em o Imperio Romano, entre os
ricos muyto rico, & ?tre a g?te de guer-
ra muyto animoso, cõ nenhuma de-
stas cousas aquirio immortal memoria,
senã cõ sua eloquencia: porque entre
todas as suas riquezas, so por sua lingua
foy tã estimado ? Roma, que muytas
vezes orando ? o Senado, o ouviam
tres oras inteyras no dia, s? que outra
pessoa fallasse uma só palavra.
E como as letras ? a escritura saõ a re-
presentaçã das palavras, como ellas de
nossas almas saõ os interpretes, tiveram
os antigos tanto cuydado ? o b? escre-
ver, que per uma só letra se revolvia
toda Roma, como se vio no letreyro,
que o grande Põpeo queria pôr no t?-
plo da Vitoria.
Por ser poys esta materia de tanta
consideraçã, tratáram de a reduzir á ar-
te, & regular observancia, nã só sapien-
pág. [IV]
tissimos Filosofos, & eloquentissimos
Oradores, màs tamb? poderosissimos
Monarcas.
Alguns doutos entre nós comete-
ram tamb? esta empreza, & cõ muyta
erudiçã a trataram; màs como a menor
parte do que se ignora, he muyto ma-
yor, que tudo quanto se sabe (segundo
sohia dizer o divino Platã) nunca se diz
tãto, que nã fique lugar à se dizer mays
alguma cousa.
Cõ esta consideraçã puz mã ? a obra
& cõ intento lógo de a dedicar a V. M.
porque nestes seus primeyros annos,
póderá V. M. tirar della nã pequeno
fruyto; que nã ha cousa tã perfeyta en-
tre todas as que produz a Natureza,
que cõ a arte se nã possa aperfeyçoar
mays: & he b?, que quanto os omens
(fallando universalmente) excedem
no fallar aos brutos animaes, tanto os
pág. [V]
que andam ? as cortes, & presença dos
Principes, sejam no b? fallar aos outros
superiores, que nada val o espelho guar-
necido de ouro, & de pedras precio-
sas, se nã representa a imagem do que
se nelle ve ao natural.
N? por pequena, & umilde seja de
V. M. tida ? menos que este he o princi-
pio de todo o bõ saber, & s? estas pri-
meyras letras ninguem póde chegar
ao estado perfeyto da sabidoria, n? V.
M. achará mays que, as que aqui lhe dou
? as mays famosas livrarias do mundo,
ainda que se conte a de Tolomeo; n?
qu? cõ mayor vontade deseje empre-
garse no serviço de V. M. a qu? Deos
guarde como desejo. Barreyro. Em 3.
de Agosto de 1671.
Capellã de V.M.
IOAM FRANCO BARRETO.pág. [VI]
PROLOGO
EMpreza duvidosa, dificil & chea de perigos, he s? duvida (be-
nevolo leytor) o querer introduzir no mundo cousas novas, porq?
saõ más de desarraygar as velhas, que n? sempre he verdadeyro opro-
verbio. Omnia nova placent. De Terpandro, poeta lyrico, se conta,
que por aver acrecentado a certo instrumento uma corda, foy conde-
nado a desterro, & o instrumento quebrado, porque delle mays nã ou-
vesse memoria; sendo Terpandro varã tã singular, que avendose le-
vantado entre os Lacedemonios ? mutim, foram avisados do Oracu-
lo mandassem Terpandro, paraque com a suavidade de sua lyra, & a
doçura de seu canto apasiguasse os inquietos animos do vulgo. A razã muytas vezes he, porque não se chega a fazer experiencia da cousa
inventada; & os que t? feyto abito ? alguma arte, ou ciencia, t? por
cousa pueril comecar aprender de novo.
Em a presente obra muytas novidades se acharão acerca de
nossa ortografa, porque quasi ? tudo me aparto do que nossos escrito-
res acerca della escreveram; nã porque nã conheça muyto b?, sua e-
rudiçã, & quantum distent æra lupinis; mas os antigos escreve-
ram conforme o uso de sua idade, diferente do tempo de agora: por-
que como ? ? Epigrama Ioã Ouven diz;
Multa renascentur, quæ jam cecidere, cadentque
Dogmata, quæ summo nunc in honore vigent.
Quæ nova sunt, hodieque placent non usque placeb?tt,
Cur ita? quæ nova sunt, non nova semper erunt.
Vm dos modernos foyse ás cegas trás elles, s? por cousa alg?a,
ou muyto pouco da sua casa; & outro, que o pudera fazer melhor
pág. [VII]
que todos elles, foy tã breve ? o que desta materia escreveo, que he de
pouca utilidade: pola qual razã tomey esta empreza, a rogos de ? a-
migo, & cõ dezejo de acertar a consultey cõ alguns varoens doutis-
simos, paraque me advirtissem os erros, & mos emmendassem; porq?
como diz o grande Agostinho. Non pigebit me, sicuti hæsito
quærere, sicubi erro, discere: por? nã o quiseram fazer, por ven-
tura (& he o que eu mays creo) porque lhe acharam muytos erros:
por essa mesma rasã me resolvi polos ? publico, porque sendo de todos
notados, possa eu aprender o que ignoro: & muyto mays o festeja-
rey, se tomando a pena ? a ma os mostrar? per escrito; advertindo
por? primeyro cõ maduresa, & notando s? payxã o que digo, porque
de outro módo nã será zelo. Fiz o que soube, supra o afecto de mi-
nha boa vontade, ao defeyto de meu pobre engenho. Vale.
pág. [VIII]
AVTORES CITADOS
? esta obra.ACron.
Adriano Turnebo.
Alconio.
Aldrete.
Alvaro Ferreyra de Vera
Ammonio.
Angelo Policiano.
Fr. Antonio Brandã,
Antonio Fabro.
Apocalypse.
Aristofanes.
Aristoteles.
Artabano.
Asconio Pediano.
Athlas Sinense.
S. Agostinho.
Aulo Gelio.
Ausonio.
Barn. Brisson.
Benedicto Buomattei.
Bento Pereyra.
F. Bernardo de Brito.
Bernario.
Bertolameu Scala.
Bertolameu Ximenes.
S. Boaventura.
Budeo.
Callepino.
Camões.
Catulo.
Celio Rhodigino.
Cicero.
S. Clem?te Alexandrino.
Cornelio Jansenio.
Cornelio Tacito.
Cobarrubias.
Corso.Dante.
Demetrio.
Diodoro Siculo.
Dionisio Alicarnaseo.
Donato.
Duarte Nunez de Leã.
Ecclesiast.
Elias Vineto.
Emerico Cruceo.
Ennio.
S. Epifanio.
Estefano.
Euclides.
Eusebio.
Ezechiel.
Festo Pompeo.
Filo Hebreo.
Filostrato.
Francisco Martinez.
Gabrielli.
Garivay.
Genesis.
Gerardo Bornelli.
Gongora.
Henrrique Rebello.
Henrique Glareano.
Herodoto.
Hesiodo.
Horacio.
Jacobo Golio.
Jacobo Mazzoni.
Jamblico.
S. Jeronimo.
Joã de Barros.
Joã Bautista Pio.
Joã Bautista Plaucio.
Joã Bautista Porta.
pág. [IX]Joã Britancio.
S. Joã Chrysostomo.
Joã Oven.
Joã Piloto.
Joã Soares de Brito.
Jonas.
Jorge Bartoli.
Jorge Veneto.
Jozepho.
Josepho Scaligero.
Isaias.
S. Isidro.
Isocrates.
Julio Cesar Scaligero.
Iusto Lipsio.
Lactancio Firmiano.
Lucano.
Luciano.
Lucilio.
Lucrecio.
Luis Vivez.
Maldonado.
Marcial.
Marciano Capella.
Manucio.
Manoel de Faria & Sousa.
Marco Varrã.
Marineo Sciculo.
Mario Victorino.
S. Mathias.
Matheus Roccio.
Mauro.
Menetius Monachus.
Miguel Salinas.
Moya.
Morales.
Nigidio Figulo.
Nonio Marcelo.
Oliva.
Oro.
Ovidio.
Papiniano.
Paolo Beni.
Paulo Orosio
Pedro Bembo.
Pedro Diacono.
Persio.
Petrarca.
Pierio Valeriano.
Platam.
Plauto.
Plinio.
Plutarco.
Polibio.
Pontano.
Prateyo.
Prisciano.
Probo Goltz.
Psal.
Publio Victorino.
Quintiliano.
Quinto Curcio.
Fr. Reginaldo Acceto.
Rodrigo Caro.
Sanches Brocense.
Sanctes Pagnino.
Scevola Samartano.
Seneca.
Servio.
Sosipater.
Soto.
Stacio.
Suidas.
Tarquinio Galucio.
Terenciano.
Terencio.
Terencio Scauro.
Tertulliano.
Tito Livio.
Trissino.
Valerio Probo.
Verrio Flacco.
Victorino.
Virgilio.
Xisto Senense.
Zonaras.
pág. [X]
AO LEYTOR
CVrioso Leytor, que assi te considero neste lu-
gar, porque só os curiosos vam buscar as er-
ratas; aqui acharas nã poucas: umas por falta de carac-
teres, como no titulo da obra se ve, ? lingoa Portu-
gueza, que devendose escrever com u, vogal, como
aqui ves, se escreveram cõ v, consoante, por falta de
esta letra da grandeza das outras, que nã a t? esta
oficina; & se achará o mesmo ? um, uma, no princi-
pio de alg?s periodos. Outros por falta de algumas
letras jà gastadas, que ? algumas dicções se nã assina-
laram, por serem já os caracteres velhos. Muytos tã-
b? ? rasã de virgulas, & pontos postos fóra de seu
lugar, & cõ acentos trocados, por outros, o que cõ
teu bõ juiso facilmente ?mendarás, siguindo o que
eu digo na leytura, nã o que ves talves errado: os ou-
tros ?mendarás pela maneira siguinte,Errados.
Fol 3. reg. pennult. na.
Fol. 5. reg. 12. mãs.
Reg. 15. pesamentos.
Fol. 8. reg. pent. primeiror.
Fol. 10. reg. 17. despois.
Reg 20. inci aram.
Fol. 13. faz dous põtos ? Go-
morra, havendo ser.
Fol. 16. reg. 17. Ierusa ?.
Fol. 17. reg. 15. deyxei.
Corrige.
Nã.
mãos.
Pensamentos.
Primeyro.
despoys.
incitáram.
? lingua.
Ierusal?.
deyxei.
pág. [XI]Fol. 22. reg. 19 muitas.
Fol. 31. reg. 4. adjectivo.
Reg. 8. aquelles.
Fol. 36. reg. 2. touro.
Reg. 7. neutro.
Reg. 20. may.
Fol. 42. reg. 7. como de crue-
lissimo.
Fol. 57 reg. 14. o accusetivo.
Reg. 15 inter.
Fol. 60. reg. 14 esta.
Fol. 65. reg. 7. perenchermos
Fol. 67. reg 1. nã o.
Fol. 68 reg 15. beca?
Fol. 75. reg. 18. porque b?
Reg 20. alguns.
Fol. 78. reg. 2. os.
Fol. 82. reg. 12. os b y.
Fol. 88. reg. 13. o.
Reg 8. vida.
Fol. 89. reg. 5 quem.
Fol 90. reg. 20: do que
Fol. 93. reg 3 que ?.
Reg. 5 a oraçã.
Fol 94. reg. 5. mái
Reg 15. cõ glutinaçã.
Fol. 95. reg 18 ãtigos.
Fol. 100. reg. 19. no.
Fol. 101. reg. 1. forã.
Fol. 109 reg. 12. cõ m?.
Reg. 13. ning?.
Reg. 15. ningu?s
Reg. 23. mal ?s.
Fol. 121 reg. 9 quadring?to.
Fol. 122. reg. 16. Alexandre.
Fol. 130. reg. 22. filho.
muytas.
adjectivo si.
áquelles.
tourã.
incerto.
mãy.
como de cruel cruelissi-
mo.
à accusativo.
inter.
está
perenchemos.
nã a.
boca,
porque como b?.
?s.
? os.
boy.
os
via
qu?
diz que
qu?
a rasã
màs
conglutinaçã
articulos
nós
farão
cõ em no cabo
ningu?
ningu?s, se se usara
mall?s
quadringenti
Alexander
filhio
pág. [XII]Fol. 131. reg. 5 aga
Fol. 133. reg. 22 õh:
Fol. 134 reg. 20. h y
Fol. 140. reg. 8. rej ytar
Reg. 17. por
Fol. 141. reg. 15. M st e
Fol. 142. reg. 6. B ket
Fol. 141. reg. chama
Reg. 24. usando
Fol. 145. reg 17. apiada.
Fol. 147. reg. 18 chama
Fol. 148. reg. 3. per
Fol. 150. reg. 5. polas
Fol. 152. reg. 6. serviram
Fol. 155. reg. 3. Pubicos
Fol. 157. reg 4. simples
Fol. 158. reg. 5. recolitta
Fol. 166. reg. 2. subjeyto
Foi. 173. reg. pen-nos
Fol. 147. reg. 10. concurço
Fol. 175. reg. 5 uzaram
Reh. 8. o S.
Reg 14. confim
Fol. 176. reg. 24. õvés
Fol. 177. reg. 7. convéz
Fol. 179. reg. 17. simplesm?te
Fol. 180. reg. 3 por.
Reg. 9. conciste
Fol. 181. reg. 12. as de
Fol. 183. reg. 10. affirmar
Fol. 187. reg. 18 belign?s
Fol. 188. reg. 15 simplez
Reg. 16. por ph.
Fol. 190. reg ultima o s.
Fol. 191. reg. 16. il.
agá
cõ h.
hey
rejeytar
per
Mestre
Bek?t
chamam.
usa
apicula
chamam
per que
pelas
serviremos
Publius
simprez.
resoluta
objecto
nós
concurso
usaram
S.
conf?:
convez
convéz
simprezmente
per
consiste
ás de.
afirmar
beligu?s
simprez
porph,
o 1.
ij.
pág. [XIII]Fol 196. reg 12 màs nã fazem
que o do omem seja pe.
Fol. 198 reg. pen mena
Fol. 200 reg. 20 ? a màs
Fol. 202. reg. 3. seus
Fol. 203. reg. 15. concideraçã
Fol. 207. reg 19. poder
Fol. 208. reg. 16. perturbatur
Fol. 209 reg 4.
Reg 5. ue.
Fol. 103. reg 8. Fernando.
Reg 9. Pedro Afonso.
Fol. 214. reg. 3. deley osas.
Fol. 215. reg. 19. conseber
Fol. 218. reg. 2. S. Agostinhos
Reg. 9. usados
Reg 17. a uma patte da
cidade
Fol. 218. reg. 18. mostralhe
Fol. 222 reg 13. outre
Reg. 22. ditõgo. palavaas
Fol. 225 reg. 4 &
Fol. 226 reg i. nã quis.
Fol. 235 reg 2 mando.
Reg 6. lhe
Reg 19 viol?tar.
Fol. 240 n. 2. reg. 3. felices
Fol 123. reg. 11 pilas
Fol. 269. defronte de ?teado
diga,mas nã fazem que o do o-
mem seja mays pe
(mena; Ara-cne
màs ? a
se os
consideraçã
póde
perturbantur
porque pelo tempo q? foge á
lus clara, se ?t?de o da manhã
que
Fernand‘
Pedr‘Afonso
deleytosos.
conceber
S. Agostinho:
escusados
a uma paate muy apartada
da cidade.
Mostroulhe
outro
ditongos palavras.
?
nã quiseste
mandou
lhes
molentar
felizes
pilus
anteado.De tudo isto he a causa o nã poderem assistir os autores
a suas obras.pág. [XIV]
LICENÇAS
O P. Mestre Fr Antonio de S. Ioseph Qualifica-
dor do S. Officio veja o livro de que se faz
menção, & informe com seu pareçer. Lisboa 19. de
Setembro de 1670.
Fr. Pedro de Magalhaens. Manoel de Magalhaens
D. Verissimo de Lancastre. Alexandre de Sousa.
Francisco Barretto.
VI este livro de que se faz mençaõ & naõ achei
nelle cousa alguma contra nossa santa Fé ou
bons costumes neste Convento de S. Domingos de
Lisboa 28. de Outubro de 1670.
Fr. Antonio de S. Ioseph.
O P. M. Fr. Rodrigo de Magalhaens Qualificador
do S. Officio veja este livro, & informe com
seu parecer. Lisboa 3. de Março de 1670.
Diogo de Sousa. Fr. Pedro de Magalhaens.
D. Verissimo de Lancastro. Alexandre da Silva.
Francisco Barreto.
LI o livro da ortografia da Lingua Portugueza
Autor Ioaõ Franco Barreto, & naõ achei nelle
cousa alguma contra nossa santa Fé, ou bons costu-
mes. Lisboa, no Convento de Nossa Senhora da
Graça. Em 25. de Novembro de 670.
O M. Fr. Rodrigo de Magalhaens.
pág. [XV]
VIstas as informaçoens pódese imprimir o li-
vro da ortografia da Lingua Portugueza Au-
tor Ioaõ Franco Barreto, & despois de impresso tor-
nará ao Conselho para se cõfirir cõ o original, & sem
ella naõ correrá. Lisboa 28. de Novembro de 1670.
Fr. Pedro de Magalhaens. D. Verissimo de Lancastre.
Alexandre da Silva.
POdese imprimir. Lisboa em Cabido Sede Va-
cante de Ianeiro 30 de 671.
Cordes. Pexoto.
QVe se possa imprimir vistas as licenças do S.
Officio, & Ordinario. Lisboa, 31 de Ianeiro de
671. E depois de impresso tornará a esta Mesa para se
cõfirir, & taxar, & s? isso naõ correrá. dia, mes, & anno
assima.
Magalhaens de Menezes. Miranda. Carneiro.
VIsto estar conforme com o original póde
correr. Lisboa 1. de Setembro de 671.
Fr. Pedro de Magalhaens. Manoel de Magalhaens de
Alexandre da Silua. (Menezes.
TAixam este livro em cento & oitenta reis em
papel, Lisboa. 29. de Agosto de 671.
Monteiro. Magalhaens de Menezes. Lemos.
Miranda. Vahia.
pág. [XVI]
ORTOGRAFIA
DA
LINGVA PORTVGVEZA.
________________________________________________________________CAP. I.
Que cousa he Ortografia, & de que consta.
ORTOGRAFIA he arte de b? es-
crever qualquer linguagem; isto he,
de escrever as palavras, & as vozes cõ
as letras devidas, & sóm?te necessarias,
s? por uma por outra, n? alguma de mays, ou de
menos: porque assi como ? um corpo umano nã
estará b? uma perna de leã, ou uma cabeça de caval-
lo, assi ? uma escritura nã estará b? que se metam ou-
tras letras, senã aquellas, que direytamente lhe con-
v?, para sua significaçã. Vma letra mays, ou menos,
muda muytas vezes o sentido. Em a comedia de Plau-pág. 1
to, intitulada Rudens, act. 5. pergunta Gripo pescador a
Labrax alcoviteyro, se era medico: Nunquid medicus
quæso, es? Responde Labrax, que cõ uma letra mays,
era mays que medico: Imo adelpol una litera plus sum,
quàm medicus. Era a letra n. que acrec?tada à medicus;
fica m?dicus, que significa o m?digo, ou pobre. E
de Iulio Cesar conta Suetonio Tranquillo, que sendo
um Princepe tã clemente, privou do oficio a um Le-
gado Consular, por lhe escrever ? uma carta um icsi,
por ipsi.
Errar ? as operaço?s, quaesquer que sejam, sem-
pre foy per si mesmo feo, & s? pôr cuydado ? en-
tender as razo?s, segundo as quaes rectamente se pro-
duzem, he impossivel suficientemente acertallas
b?: & assi nã monta ser a letra ? si b? feyta, b? ta-
lhada, ou, como dizemos, de boa ma se ella per
outra parte nã vay conforme ás regras da boa orto-
grafia; porque, como diz Sanches Brocense (præcept.
2. de autor, interpret.) infelice he o artifice, que cõ
toda a perfeyçã exprime os cabellos, & as unhas, se
nã sabe acomodar toda a estatua, & figura a suas par-
tes; que nã se póde (diz) ter por fermoso aquelle,
que t? os olhos & o cabello negro, se toda via t? o
nariz deforme: & como a escritura ha de durar para
sempre (ainda que tudo cõ o tempo se muda) razã
he que as palauras della se obrem com acerto.
Dirivase este nome Ortografia de duas dicço?s
pág. 2
Gregas, Orthos, que quer dizer direyto, & Grapho,
escrevo; como se diceramos, escrevo direytamente,
ou escrevo como pronuncio: porque de outro módo
ficará a escritura corrompendo a lingoagem, em lu-
gar de a conservar, segundo Quintiliano; Hic enim
(diz elle l. 1. cap. 4.) est vsus literarum, ut custodiant
voces, & velut depositum reddãt legentibus, itaque id ex-
primere debent, quod dicturi sumus. E he o mesmo que
Ioã de Barros ensina ? a sua ortografia, dizendo;
A primeyra, & principal regra ? a nossa ortografia, he
escrever todas as diçoens cõ tantas letras, cõ quantas pro-
nunciamos, s? por consoantes ociosas, como vemos na escritu-
ra Italiana, & Franceza. E dado que a diçã seja Latina,
como a dirivarmos a nós, & perde sua pureza, lógo a de-
vemos escrever ao nosso módo, per semelhante exemplo. Or-
thographia he Vocabulo Grego, & os Latinos o escrevem
desta maneira atrás, & nòs o devemos escrever cõ estas le-
tras, Ortografia porque cõ ellas o pronunciamos. Excellen-
cia, que cõ singularidade se acha sómente ? a lingua
Portugueza, entre todas as de Europa.
Esta he a pedra fundamental deste edificio, no
que todos nossos ortografos concordam, se b? ne-
nh? delles a guarda, como se poderá ver per o que
dicermos.
O sugeyto desta Arte são as palavras, & as pala-
vras na saõ mays que uns espiritos proferidos cõ
a voz, significando alguma couza; porque nã si-
pág. 3
gnificando alguma couza será sõ, & nã será voz
Poloque diremos que a voz he uma percuçaõ de
ar, formada, & pron?ciada pela boca do Omem,
Quid enim est vox, nisi intensio æris, vt audiatur lingua
formata percussu? diz Seneca; & assi Eccho em Auso-
nio:
Æris, & linguæ sum filia.
Ainda que Servio ? o terceyro da Eneida sobre
— Et ad sonitum vocis vestigia torsit;
E tambem
— Tractasque ad littora voces.
diz que tudo, o que soa, he voz: & contenda ouve
entre os filosofos antigos, se tinha corpo, como diz
Aulo Gelio, lib. 5. cap. 15.
Para formaçã desta voz concorrem muytos in-
strumentos, a saber; à arteria, à lingua, à guella, o pâ-
dar, quatro dentes dianteyros, & dous beyços, entre
os quaes t? o primado a lingua. E se algu? tiver me-
nos alguma destas partes, ou instrumentos, maxi-
mamente os principaes, nã poderá formar a voz,
ou a formará imperfeytamente, segundo a parte, que
lhe faltar, como ? os velhos se vê, que saõ faltos
de dentes, & nôs mininos, que ainda nã t? força pa-
ra proferir as palavras inteyras; & como aquelle
pobre, que Benedicto Búommattei, em a intro-
duçaõ á lingua Toscana, trat. 4 lib. 4. diz vio ?
Roma; o qual pedia esmola com estas palavras, Da-
pág. 4
teme una limosina per lo amor de Dio: màs tinha a bo-
ca tã maltratada do fogo, que nenhuma destas le-
tras, d, m, n, r, s, t, podia pronunciar, & assi era for-
çado a suprir todas com a letra L, que formandose
de bater a lingua no pâdar, lhe saia menos dificil,
que as outras, que buscam mays exactam?te os den-
tes, ou os beiços, & por essa causa dizia, lale lula li
lolila le lo alor le lio.
Mas esta voz he de duas maneyras, informe, ou
formada, isto he, confusa, ou articulada. A voz infor-
me, ou confusa, nã representa mays, que um sim-
ples, & indistincto sõ, como he o esfregar das mãs,
roçar dos pés, & ainda o ladrar dos caens, mugir
dos boys, rinchar dos cavallos, cantar das aves, &
cousas semelhantes; porque nã fazem distinçoens
compreensiveys, n? voz, pela qual seja entendido
seu conceyto: más as vozes, que fazem saõ so con-
sequencias, do que padecem no apetite, & assi nã
devemos chamar voz ao suspiro, gemido, choro, ou
rizo; porque nã constituem forma compreensivel,
màs t? proporçã cõ o empalidecer, por medo, ou
córar por vergonha.
A voz formada, ou articulada he aquella, que sen-
do ouvida, se entende: cõ a qual os umanos pod?
representar (como representam) seus ocultos pensa-
mentos; & pola qual o omem (alem da racionalidade,
& outras muytas diferenças) he de todos os outros a-
pág. 5
nimaes distincto; porque sómente ao omem lhe foy
naturalmente dada a pericia de fallar; & os demays a-
nimaes, assi como carecem de ent?dimento, carecem
tamb? de falla; & por esta razã á tal voz podemos
chamar legivel, ou escretivel, & intelligivel, porque
se póde ler, escrever, & entender.
Desta voz poys a mays pequena parte he a letra,
porque he indivisivel, & se nota com uma simplez
figura, como, a b. c. &c. & pela mesma razã nã
pódem chamarse letras, as que nossos ortografos
quiseram chamar aspiradas (como ? seu lugar di-
remos) porque nã pódem ser notadas cõ uma so
figura, como o chi, rho, & theta dos Gregos, que
se assinalam assi ? ? ?.
E quanto á significaçã deste nome letra, ha va-
rias opinioens; alguns cuydaram, que litera (donde
com pouca corruçaõ dicemos letra) se disse de lege
iterùm; porque ella se póde uma, & muytas vezes
ler: outros que litera he o mesmo que legens iter, por-
que abre o caminho a qu? le: outros fôram de pa-
recer que litera era o mesmo, que litura, que signi-
fica mancha, ou nóda; porque quando se estende a
tinta negra sobre o papel, ou pergaminho branco,
se faz cõ isto, ? certa maneyra uma nóda, ou
mancha; se b? alguns dos mays antigos quizeram
interpretar a litura, quasi quia deleri potest; como diz
Ioã Bautista Porta, lib. 3. cap. 12. de occultis litera-
pág. 6
rum notis; & Ioã Bautista Pio, sobre a epistola 3. lib.
9. de Sidonio Apollinar; considerando cõ quanta
facilidade ella se podia apagar, porque soiam escre-
ver em taboas enceradas. Outros finalmente crêram
que litera era o mesmo que lineatura; porque como
todos os gramaticos ensinam, & nós exprimen-
tamos, as letras se formam de linhas, que como diz
Philo Hebreo (lib. Decal.) & he doutrina de Eucli-
des, o que começa ? ? ponto, & acaba ? ou-
tro, isso se chama linha; quod enim duobus punctis ter-
minatur, est linea; & assi lineas ducere, he o mesmo
que traçar, debuxar &c. Dasquaes linhas, confor-
me os Matematicos, umas são rectas, outras curvas:
das rectas se formam A. E. F. H. I K. L. M. N. T.
V. X. Z Y. das curvas; C. O. Q. S. de umas, &
outras; B. D. G. P. R. E estas letras per outro nome
se dizem caracteres, & tamb? (ainda que impro-
priamente) elementos da lingua.
________________________________________________________________CAP. II.
Qu? foy o inventor das letras.
QVanto a escritura póde he muyto facil de co-
nhecer, poys ? muyto poucas regras podemos
per meyo della, vivamente esculpir toda a sabidoria
dos Gregos, todas as guerras de Asia, todas as gran-
pág. 7
dezas do Egipto. Podemos cõ diligencia delinear
os soberbos triunfos dos antigos Romanos, descu-
brir à crueldade dos Parthos; à auareza de Crasso,
à generosidade de Pompeo; à fortuna de Alexandre;
& nã so se póde cõ ella manifestar os feytos, màs
tamb? descubrir as causas, & manifestar os pensa-
mentos, os fins, & as ocasioens, que induziram à
fazer, ou deyxar de fazer aquella, ou esta empreza;
& ? suma as forças da pena saõ muyto mayores do
que imagina, qu? naõ as t? experimentado: màs
que fosse o primeiro tã sutil, & de engenho tã de-
licado, que desse nesta admiravel invençaõ das
letras (fallando absolutamente) nã he cousa ma-
nifesta entre os Autores. Os mays doutos saõ de pa-
recer (& o confirmam os Theologos) que tiverã
principio ? Adam: porque havendoo Deos dota-
do de tanta sabidoria, que pôde dar nome à todas
as cousas criadas, segundo à natureza de cada uma
dellas, que elle conheceo muyto b?, pola ciencia
infusa, que Deos lhe deo, porque teve as especies
intelligiveis concreadas n‘alma de toda ciencia,
donde a Escritura sacra o chama rio de sabidoria;
Eruditus est in juuentute sua, & repletus est quasi fluvium
sapientia; Eccl. 4. nã he de crer que fosse destituido
de tamanho b?.
Iosepho, ? o primeiro das antiguidades, diz que
os netos de Adam, filhos de Seth, fizeram duas colu-
pág. 8
nas, uma de pedra, & outra de ladrilho, ? as quaes
deyxaram esculpidas, & escritas todas as artes, &
certifica haver visto uma dellas ? a Siria. Donde se
comprende, que o uzo das letras he tã antigo, que
se póde crer teve principio em o primeyro omem,
& assi as teve. Plinio, lib.7. cap. 58. por eternas. As
quaes letras foram as Hebraicas, porque a lingua que
Adam fallou foy a Hebraica, como diz Sanctes Pag-
nino lib 1. cap 1. Inst & essa fallaram seus filhos, & se
fallou atê o tempo de Nembroth: n? ? todo o mun-
do havia mays que uma lingua, como se colige do
sagrado Genesis cap. 11 onde diz, Erat autem terra la-
bij unius, & sermonum eorundem, que nam havia sobre
a terra mays que uma so lingoagem, & unico módo
de fallar, com? a todos os om?s, por onde S Ieroni-
mo in 3. cap. Sophoniae, a chama mãy das linguas,
& pella mesma razã, segundo S. Agostinho, ? a Cida-
de de Deos, cap 1. lib. 16. se chamava lingua umana;
E assi a chamou Iosepho, referindo as palavras, que
Moyses disse ao pôvo Hebreo, quando tornou do
monte Sinai, que foram; Nec quia per me lingua huma-
na Deus vobis loquatur attendatis; Nã atenteys que Deos
por meu meyo vos falle cõ voz umana. E nella fallou
tamb? Deos a Adam, Noe, Abraham, & aos demays
Patriarcas. N? falta qu? tenha para si que assi co-
mo ella foy so ? o principio do mundo, assi ha de
ficar so ? o mundo, despoys de acabar esta nossa mor-
pág. 9
talidade; conjectura o Iorge Veneto do terceyro ca-
pitulo de Sophonias, & S. Boaventura ? o seu pre-
facio ad Arameam comparationem; diz que esta lingua
ha de ser eterna, & que della hã de usar os santos ?
o Ceo, poys la ha de aver tamb? alguma falla vo-
cal, segundo aquillo do Psalmo 149. Exaltationes
Dei in gutture eorum, & o mesmo dizem os Theolo-
gos in quarto d. 49. art. 5. Soto ibidem, & outros, que por
agora deyxo, por nã dilatar tanto a materia; & assi tor-
nando ao nosso ponto, ? tempo de Nembroth
imagináram os omens daquella idade, sendo Autor
o mesmo Nembroth filho de Cham, & neto de
Noe [poderoso tirano, & opressor dos om?s diante
de Deos, ou segundo explica S. Agostinho cap. 10.
do Genesis, contra o mesmo Deos] edificar ? Sanaar
que he ? Mosopotamia terra de Caldea, uma tor-
re, que despois foy chamada de Babel (isto he de con-
fusã) de tanta altura, que por ella pudessem subir
ao Ceo, cõ presunçã, nã so de se igualar, màs de se
antepôr a seu feytor: cõ o que incitaram a ira do Al-
tissimo contra elles: E assi vendo o Omnipotente
Deos seu atrevimento insano, disse; Eys este povo que
he unico, & so, & t? uma lingoagem, começou a fazer este
edificio, & nã deixarà de seguir sua vontade, até de todo a
nã dar à execuçã; deçamos poys, & confundamos aqui sua
lingua, de maneyra que nenh? delles possa ouvir a lingua de
seu visinho: cap. 11. O clemençia s? medida do celeste
pág. 10
imperio! que pay sofreo insultos taes a filho!
Foy esta confusã despoys do universal diluvio.
quando as gentes do mundo chegaram ja a setenta,
& duas familias, ou geraço?s; as quaes eram decen-
dentes de tres filhos de Noe, a saber, Sem, Cham,
& Iapheth. Entre os quaes ouve uma familia decen-
dente de Heber, quarto neto de Sem, & pay de Pha-
lec; o qual foy omem timorato, justo, & amigo de
Deos, & nã consentio ? à conspiraçã, & pecado exe-
crauel do edificio da torre, por reverencia, & temor,
que ao nome do omnipotente Deos teve.
Pola qual razã, castigando Deos, & confundindo
a lingua de todos aquelles, deo a cada familia uma
lingoagem, ? pena de seu pecado, privandoa daquel-
la, que era propria, & nativa sua; deyxando somente
a familia de Phalec à sua nativa, & propria lingoa-
gem Hebraica, como vestigio, & sinal de sua justiça,
que por essa razã Phalec se intitula divisã, como diz
S. Agostinho, ? o lugar citado, por que de todos os
outros foy divisã, quanto á Religiã, & quantô á
lingua.
Sendo poys as familias setenta & duas, foram tam-
b? setenta & duas as lingoag?s do mundo, uma na-
tural, ? que o primeyro omem fallou, no Paraiso ter-
real, & fallaram todos seus decendentes. te à confusã,
& as setenta & uma dadas ? pena, & castigo. De ma-
neyra que a familia de Phalec nã entendia palavra
pág. 11
alguma daquellas novas lingoag?s, que ás outras fa-
milias foram dadas, n? ellas entendiam a de Phalec, n?
umas a outras ?tre si; màs cada familia teve sua lin-
goagem propria, & assi nenh? podia ouvir a lingua
de seu visinho, como a Escritura diz, no capitulo ci-
tado.
Iosepho, diz que Deos lhes mandou a discordia
das palavras, & vozes, pola qual ? nã entendia ao ou-
tro, n? delle era entendido; & assi se ? pedia cal, ou
pedra, lhe levavam outra cousa; porque pola diuersi-
dade das linguas, & das palavras, & suas significaço?s,
nã era entendido. E quanto era mays excellente o
artificio de cada ?, mays barbara, & grosseyra ficou a
sua linguagem.
Por esta razã poys se desistio da infanda obra, &
se dividiram estas familias; & retendo cada qual a lin-
goagem, que lhe coube em sorte, se foram abitar à di-
uersas partes do mundo, porque a diversidade das lin-
guas, diz S. Agostinho (lib. 19. cap 7 de Civit) aparta ?
omem de outro de maneyra, que de melhor vontade
estarã cõ seu cã, que cõ ? estrangeyro: & assi diz o sa-
grado Texto, Gen. ubi sup. Ex inde dispersit eos dominus
super faciem omnium regionum, que desde aquella ora o
omnipotente Deos espalhou aquellas setenta & du-
as naço?s, ou familias, por diversas partes, ou regio?s:
o que foy aos 1997. annos da criaçã do m?do, seg?do
Genebrardo, ? a sua chronica; & de suas cabeças, ou
pág. 12
guias tomaram despoys nome as terras, que abitaram,
& tomaram tamb? as linguas, como de Gomer, Go-
morra a regiã. Gomorreas os póvos, & Gomorrea: a
lingua de Medáro, foy dita Meda a regiã, Medos os
povos, & Meda a lingua, & assi os mays. Ainda que
despoys as que oje se acham ? o mundo, de outro mò-
do diverso, do que agora, foram nomeadas.
________________________________________________________________CAP. III.
Continuando o mesmo proposito.
O Engenho umano, sagacissimo imitador da
natureza, havendose perdido o uso das letras,
que cõ o primeyro omem tiveram principio, ou por-
que aquellas nã eram poderosas a explicar as outras di-
versas linguas, que da confuzã da torre manaram,
vendo que nã podia significar o talento de seu animo
cõ as simples palavras, senã áquelles que presentes
fossem, desejoso por isso de mayor perfeyçã, achou cõ
entendimento agudo, módo cõ que poder às futuras,
& remotas gentes manifestar suas internas payxo?s, &
assi dizem, que os primeyros, que excogitaram cousa
tã grande, foram os Egypcios, & deste parecer he Aulo
Gelio, ? as Noytes Aticas, de que da por Autor a ?
Mercurio, que os mesmos Egypcios, diz Lactancio
Firmiano, lib. 1. c. 5. chamaram: Thoth, por? nã eram
pág. 13
verdadeyram?te letras, n? suas palauras se exprimiã per
cõposiçã de silabas, mas per imag?s, cuja significaçã se
entendia pelo exercicio da memoria, & continua pra-
tica: & assi pela abelha significavam o Rey, pelo falcã,
ou açor alguma cousa feyta cõ prestesa. Para signifi-
car ? omem ingrato pintavã uma pomba, para ? va-
garoso uma formiga, debayxo das azas de ? morce-
go: & tamb? se declaravam per alg?s instrumentos,
ou membros umanos, como diz Diodoro Siculo,
livro 3. cap. 1 p. 1. E a estas notas, ou figuras chamavam
Hieroglifico; pelas quaes dificultosamente os om?s
cõmunicavã sua vontade; & por sua muyta escuridã
dizia Iamblico, que para entender os enigmas da
Theologia dos Egypcios, necessitava da Musa da di-
vina sabidoria. Mas della usavam somente os Sacer-
dotes, ? o que escondiam de suas ceremonias, para que
as cousas sagradas se nã misturassem cõ as profanas.
E o primeyro, que as inventou (segundo Suidas) foy
Cheremõ. Despoys tiveram outras letras, & caracteres
de que dã por autora a Rainha Ibis; & o diz tamb?
S. Agostinho, ? o livro da Cidade de Deos. lib. 8. cap.
39. ou ? Mercurio, que os Egypcios, (como acima dice-
mos) chamaram Thoth. E Artabano quer que fosse
Moyses, porque assi (segundo Luis Vives ibi) o cha-
maram os Egypcios. Outros deram a orig? das letras
aos Syros, donde muytos cõ Herodoto afirmam, que
Cadmo filho de Agenor, as trouxe de Fenicia, que he
pág. 14
regiã ?tre os Syros segundo Estefano à Grecia: ainda
que Lucano nã ousa afirmallo, quando lib. 3. diz
Phænices primi (famæ si credimus) ausi
Mansuram rudibus vocem signare figuris.
Mas deste parecer he Clemente Alexandrino Strom.
1. Quinto Curcio, Isidoro, Plinio, & outros, & foy o-
piniã de Ausonio, ? aquele engenhoso enigma, que
a Theon gramatico poz, a saber.
Aut adsit interpres tuus,
Ænigmatum qui conditor
Fuit meorum, cum tibi
Cadmi nigellas filias,
Melonis albã paginam,
Notasque fulvæ sepiæ
Cnidiosq; nodos prodidit.
O qual explicam Angelo Policiano ? suas Miscela-
neas, cap. 39. & Elias Vineto, ? o cõmento do mesmo
Ausonio, & outros, que entendem polas filhas ne-
gras de Cadmo as letras, pola carta branca de Melon,
o papiro (dõde papel) que produz o Nilo, chamado
dos antigos Melon, como diz Festo Pompeo, ? o
Vocabulo Alumento, de que Servio tamb? faz men-
çã Æn. polas notas negras da ciba, a tinta; & polos
nos de Gnido os tinteyros, que como diz Plinio, lib.
16. ali se faziã bonissimos; ou segundo outros diz? aspág. 15
cãnas, que ? Gnido se davam excellentes, & as usa-
vam os antigos, ? lugar de penas de aves. De maneyra
que o inventor das letras Gregas, ou o primeyro, que
as trouxe a Grecia, foy Cadmo; ainda que nisto ha
muyta variedade entre os Autores, que agora nã nos
toca averiguar, nã serà possivel tomar pè em tã pro-
fundas antiguidades; polo que deyxo muytas cousas,
que ao proposito occorrem; porque se quisermos, diz
Quintiliano, ? o primeyro, dizer de cada cousa quan-
to se pode, n?ca chegaremos ao fim da obra: & assi as
vou tocando levemente, & passando, como de salto;
à lingua Latina, que s? controversia alguma parece
manou da Grega, digo, que o Autor das letras, de que
ella usa, fazem ser Evandro, outros Nicostrata sua
mãy; mas S. Ieronimo, ? o Prefacio aos livros dos
Reys, certifica que Eldras, escriba & doutor da ley, as
inventou, despoys do cativeyro de Ierusal?, sendo ca-
pitã do povo Zorababel, que foy na Olimpiada 66.
& segundo anno de Dario, Rey da Persia, conforme
o computo de Henrique Glareano, & annos do
mundo 3690. segundo Genebrardo ? sua Chronica.
Mas dizem nã foram ao principio mays que desasete
& que Carbilio Spurio, Gramatico, acrecentára a letra
G. Claud. Centimano a letra, r. Salustio a letra, k que ?
tempo de Augusto teve principio a letra x, & final-
mente tomando o y dos Gregos, pouco, & pouco
vieram a incluir em seu Abece vinte, & tres letras, que
pág. 16
são as mesmas, que nós usamos: seb? os Latinos anti-
gos usaram somente das mayusculas, que vulgarmen-
te chamamos grandes, quaes são as que pômos ? os
principios das escrituras, clausulas, & nomes proprios,
como ? seu lugar diremos; porque nenh? conheci-
m?to tiveram das pequenas, que agora usamos, co-
mo o dizem Plinio, lib. 7. cap. 58. Cornelio Tacito
lib 11. dos Annaes, Iulio Cesar Scaligero, Comp. Lat.
Dionisio Lambino, in Aulular. act. 1. Sen. 1. & Iusto
Lipsio, de recta pronuntiat. c. 8. As quaes letras mayuscu-
las eram pouco difer?tes das Gregas, como aqui se po-
de ver, põdo logo as Latinas, & por bayxo as Gregas.
A B C D E F G H I k L M N O P Q R S T V X Y Z.
A B K ? E ? ? I ? M N O ? P ? T Y ? Y Z.Deyxei o H. & o Q. porque nã os t? os Gregos.
màs esta ordem nã a guardam todas as naço?s ? seus
abeces, & umas, t? mays, outras menos, conforme a
sua pronunciaçã, & lhes dão diversos nomes, porque
os Latinos (seg?do alg?s dizem) as chamam assi, a. be.
ce. de. e. fe. ge. ga i. ca. le. me. ne. o. pe. qu. re. es. te. u. ix. ze
Os Gregos, Alpha, bita, gama, delta, epsilon, zeta, eeta
theta, jota, cappa. lamda, mi, ni, xi, omicron, pi, rho,
sigma, tau, epsilon, phi, chi, psi, omega. E os Hebreos;
Aleph, beth, gimel, daleth, he, vau, zain, het, teht, jod
caph. lamed, men, nun, samech, ain, pe, tade, kaph, res,
tchin, sin, thau: as quaes todas são consoantes, & ? nu-pág. 17
mero vinte, & duas, & por vogaes lhe servem certas
virgulas, & pontos, & assi elles, & os Gregos t?
mays dificuldade ? aprender a soletrar, que os Lati-
nos: porque os nomes das suas letras sã todos mono-
silabos. Al? do que os Hebreos, Caldeos, Siros, &
Arabes, começam sua escritura da mã direyta, para a
esquerda, começãdo nós da esquerda para a direyta, &
os Ch?s (segundo Iacobo Golio ? as adiço?s do Ca-
tay) de cima para bayxo, & tamb? da mã direyta para a
esquerda: màs estes nã t? letras ? ord? de a. b. c. n? se
faz entre elles mençã de vogaes, ou consoantes, màs
t? certos sinaes, ou figuras geroglificas, por? muyto di
versas das dos Egipcios, cõ que se entendem entresi,
os quaes dizem alg?s Autores são tãtas, quãtas, são as
palavras, porque cada palavra t? sua figura, & caracter
particular, & assi diz o P. Matheus Riccio da Com-
panhia de Iesus, que são 70. ou 80000. màs que
bastará conhecer?se des mil, que todas por ventura
nã averá ? todo o Reyno qu? as conheça. Pola qual
razã he muyto dificultosa cousa entre elles o saber
ler, & escrever. Muytos delles se pódem ver ? o Athlas
Sinense, nas ditas adiço?s sobre o Catay: & por dar
gosto aos coriosos porey aqui alg?s, que lá nã estão.
Para significar Ceo, que elles diz? guãs, ? sua lingoa-gem, poem este sinal
para significar Rey, que el-
les chamã Bontay,
poem este
& para sig-
nificar cidade
& he lin
gua, que
pág. 18
melhor se ent?de escrita, que pronunciada; tudo por?
facilita o uso; que tãb? os Romanos usaram de certas
notas inv?tadas a seu arbitrio, como Ioã Bautista Por-
ta refere ? o livro, que escreveo de occultis literarum
notis, l. 1. c. 3. donde veyo o nome de notario: as
quaes nã eram letras, màs certas figuras, & sinaes, que
comprendiam muytas letras, & diço?s, como as que
usam os Astrologos, para significar os Planetas, &
signos celestes, & por essa razã escreviam cõ muyta
velocidade: porque ? so ponto, ? sinal muyto fa-
cil de fazer, comprendia uma palavra inteyra, & às
vezes mays, & assi ningu? podia escrever uma pala-
vra cõ tanta presteza. cõ quanta outro pronunciava
donde Marcial, lib. 9. ep. 9.
Currant verba licet, manus est velocior illis,
Nondum lingua su?, dextra peregit opus.
E Plutarco nos faz mençã daquella celebre oraçã de
Cicero, contra os conjurados de Catilina, escrita ? es-
ta forma, que diz extava ? seu tempo. Assi tamb?
davam os Senadores Romanos suas sentenças, com-
prendendo muyto ? poucas palavras: & nã so em
o Senado, màs tamb? ? as escolas assi se escrevia: o
que largamente se póde ver ? Valerio Probo, lib. de
Romanorum vocis interpretandis, ao qual acrecentou
muytas Pedro Diacono. Ennio introdusio mil &
cento, Cicero achou outras, & outras Tullio Tyro
pág. 19
seu Liberto, & tamb? Aquila, Liberto de Mecenas;
Persannio Pilagiro, & finalmente L. Anneo Seneca
as chegou a cinco mil. Do Emperador T. Vespasia-
no conta Suetonio, que per notas escrevia velocissi-
mamente. Nós tamb? ? as escolas usamos de al-
gumas abreviaturas, como por ley, ? l, por leys
dous ll. por codigo ? C, por digestos dous ff. &c.
________________________________________________________________CAP. IV.
Se a lingua Portugueza foy uma das
setenta & duas.
DIvididas poys as setenta & duas familias pe-
lo mundo (como temos dito) & cada qual
cõ sua lingua particular, de ? mesmo idioma, da im-
munda confuzã recebido, naceram despoys diversos
idiomas: porque sendo a falla toda concertada a
nosso módo, comoquerque o omem de sua natureza
seja instabilissimo, & variabilissimo animal, a nossa lo-
cuçã nã podia ser duravel, n? cõtinua: màs assi como
as outras cousas, que são nossas, como os costumes, &
trajos, se mudam, assi esta segundo a distancia dos
tempos, & lugares, necessario he que varie; n? ? cou-
sa tã fragil podia aver firmeza. Donde vemos, que a
lingua Hebrea, que se acha ? os livros, difere muy-
to da que oje fallam alg?s Hebreos; porque seus an-
pág. 20
tepassados deyxando a lingua propria no cativeyro
de Babylonia, aprenderam a Sira, & nella fallavam os
Israelitas desde aquelle tempo té à vinda de nosso
Redentor ao Mundo: & nella fallou tamb? Sua
Magestade Altissima, & prégou aos Iudeos, como
dizem S. Ieronimo. lib. de nom. Hebraic. S. Ioã Chry-
sostomo, tom. 7. in Marc. Cornelio Iansenio, in Conc.
Evang. c. 34. Maldonado in cap. 13. Matth. & outros.
E o Padre Bento Pereyra. in Gen. 18. c 8. v. 124. diz,
que a lingua Hebrea foy muyto completa, porque
como dizem os Doutores, Deos a deo a Moyses ? o
monte Sinay perfeytissima, s? lhe faltar (como diz
Frey Francisco Donato, ? o seu livro Poma Aurea,)
? apice, contra as vaidades dos Iudeos, màs agora he
impérfeyta, & muyto falta de palavras: o que pode-
mos tamb? dizer das demays linguas, que principio
tiveram daquella confusã da Torre, que nenhuma
outra cousa foy mays que ? esquecimento da pri-
meyra falla. Porque as mudanças das gentes, & das
Monarquias nã pódem ? tãtos seculos deyxar de as
corromper, & mudar ? outras formas. Pola qual razã
Horacio ? a Arte, compara os vocabulos ás folhas
das arvores, porque caindo, umas sucedem outras ?
seu lugar.
Vt silvæ folijs pronos mutantur in annos
Prima cadunt, ita verborum verus interit ætas:
Et Iuvenum ritu florent modo nata vigentque.
pág. 12 [recte pág. 21]
E he o mesmo que Lucrecio disse ? o livro 1.
Sic volvenda ætas commutat tempora rerum,
Quod fuit in pretio, fit nullo denique honore:
Porro aliud succedit, & e contemptibus exit:
Inque dies magis appetitur floretque repertum
Laudibus, & mira est mortaleis inter honores.
A mesma variedade, & mudança se acha ? a Lingua
Latina, como notaram M. Varrã lib. 6. Quintiliano 1.
& 8. Polibio 3. S. Ieronimo Epist. ad Gal. Tertuliano
adver. gent. c. 6. E diz Horacio que ? seu tempo esta-
va ja tã outra a lingua Latina desde os Cetegos, que
se resuscitaram nã a entenderiam.
Os Póvos de Grecia, cuja lingua levou a palma
no polido, & suave, & copia de palavras a todas as
do muudo, fallam agora Turco, & Arabio, & nã ha
dentro ? Grecia qu? a ensine; & para alg? a aprender,
lhe he necessario passar a Italia: porque tudo cõ o t?-
po se envelhece, & muda, & as linguas ? c?, ou duzen-
tos annos se trocã de maneyra, que muitas palavras
dellas, os seus proprios naturaes nã as entendem, co-
mo se foram vocabulos de lingua peregrina, & es-
trangeyra E nã he maravilha, porque como diz M.
Varrã, nã so Epimenides recucitádo despoys de cin-
coenta annos, nã he conhecido, màs tamb? Teucro
de Livio, despoys de doze, he dos seus estranhado.
Se agora resucitara ? de nossos antigos Portugue-
pág. 22
zes, qu? duvida, que n? nos o ent?deriamos a elle, n?
elle a nós, cõ ser uma lingua que cae debayxo de
? idioma, & dialetos. Em prova do que me pare-
ce b? referir ?s versos, que o Doutor Frey Bernardo
de Brito tras ? a Chronica de Cister, lib. 5. c. 2. que
são os cõ que Gõçallo Hormigues solicitava os amo-
res de sua querida Oriana, que sendo Moura se cha-
mava Fatima, & feyta Christan, elle se cazou cõ ella,
& são estes.
Tinherabos, nã tinherabos,
Tal a tal, ca monta!
Tinharedesme, nom tinharedesme,
Dela vinharedes, de ca filharedes,
Ca amabia tudo ? soma.
Per mil goivos trebelhando
Oy, oy bos lombrego,
Algorem se cada folgança
Asmey eu; perque do terrenho
Nom a bi tal perchego.
Ouriana, Ouriana, oy tem por certo
Que inha bida do biber
Se alvidrou, por teu alvidro, porque em cabo
O que eu hei de lo chebone s? referta,
Mas nã ha per que se ver
pág. 23
Tornando por? a nosso intento, divididas as se-
tenta & duas linguas pelo mundo, nã he de crer, que
esta nossa materna, que (s? Mestre, ?tre os coeyros,
& no berço aprendemos, fosse uma dellas, màs si de
uma dellas originada, a qual cõstãtemente se diz foy
a Latina, que seg?do os Autores Gregos, & Latinos,
se dirivou da Grega: como afirmam Quintiliano. lib.
2. c. 5. SociPater lib. 5. Dionisio Alicarnasseo 2. in fine,
& outros muytos, que dizem o foy ? particular da Eo-
lica, donde concluimos, que a lingua Portugueza nã
foy uma das setenta & duas linguas da confuzã, n?
dirivou de alguma dellas, màs da Latina, que da Gre-
ga teve principio, & conhecidamente he sua filha,
como, a analogia dos vocabulos de uma, & ou-
tra facilmente o persuade: porque muytas cousas po-
demos dizer ? nossa lingoagem, que juntamente seja
Latim, & o mostrarão claramente os exemplos se-
guintes, que aindaque vulgares, & impressos por di-
versos Autores fazem muyta prova ao que dizemos.
Versos que ? Religioso fez ? lou-
vor de S. Vrsula
Canto tuas palmas, famosos canto triumphos,
Vrsula divinos, Martyr concede favores:
Subjectas sacra Nimpha feros animosa Tyrannos,
Tu Phoenix vivendo ardes, ardendo triumphas,
Illustres generosa choros das Vrsula, bellaspág. 24
Das rosa bella rosas, fortes das sancta columnas.
Æternos vivas annos, ô regia planta,
Diversos cantando hymnos vos invoco sanctas,
Tam puras Nymphas amo, adoro, cãto, celebro
Per vos, foelices annos, ó candida turba,
Per vos innumeros de Christo spero favores.
Versos, que o Illustrissimo Senhor D. Miguel
da Sylva fez ? louvor de Portugal.
O quam divinos acquiris terra triumphos,
Tam fortes animos alta de sorte creando,
Per numeros sanctos gentes tu firma reserva.
Per longos annos vivas tu terra beata,
Contra non sanctos te armas furiosa paganos.
Vivas tu semper gentes mactando feroces
De Iesu Christo sanctos monstrando Prophetas.
Versos ? louvor de Roma.
Roma infinitos sanctissima vive per annos,
Pacifica gentes (vive quieta) tuas.
Castigas grandes violenta morte tyranos;
Ingratos animos (es generosa) fuge.
Acquire insignes varia de gente triumphos,
Distantes terras imperiosa rege.
Tanto maiores titulos Bethlem alta celebra,
Quanto Romano major es imperio.pág. 25
Maior amor, maior es magnificentia, maior
Fama, tuas Christo dando benigna casas.
Cõ estes ha outros muytos versos, & prosas junta-
mente impressos, que por evitar prolixidade nã re-
firo, & desta maneyra se pudera encher muyto pa-
pel: o que os Italianos, & Francezes nã podem fa-
zer ? a sua lingua: n? cõ tanta perfeyçã & inteyreza
os Castelhanos, por mays que o contrario nos quey-
ram persuadir ? suas obras o Mestre Oliva Morales,
& o Cathedratico Francisco Martins, & primeyro
que elles Marineo Siculo, referidos todos de Aldrete
? o principio da lingua Castelhana: & assi do referi-
do claramente se conhece, que a lingua Portugueza
he filha legitima da Latina.
________________________________________________________________CAP. V.
Se ? Portugal foy vulgar a Lingua Latina.
A Primeyra lingua, que ? Espanha se fallou,
diz? foy a Caldaica, & que assi o forã as pri-
meyras letras, & que as trouxe Tubal, neto de Noe:
màs o certo he que nella se fallaram diversas lin-
goag?s, porque a ella vieram per tempos diversos
os Phenicios, os Gregos, os Messenios, os Lacede-
monios, os Phorenses, os Rhodios, os Gallos, os
pág. 26
Carthagineses, & outras muytas naço?s, se bem, a
mays com?, que ? Portugal se fallou foy a Grega,
da qual temos muytissimos vocabulos, como tãb?
de outras naço?s, ainda que nã tantos, como dos La-
tinos, cuja lingua foy entre nós vulgar, no tempo,
que os Romanos possuiram, povoaram, & lograram
pacificamente Espanha; mas vindo despoys os Van-
dalos, Suecios, Silingos, que segundo nota Paulo
Orosio, foy pelos annos do Senhor de quatrocentos
& doze: com o Imperio se mudou tãb? a lingua,
porque sempre os vencidos tomam a lingua, & trajo,
& os costumes dos vencedores. E ainda que estas na-
ço?s, que todas são da Provincia, que chamamos
Gotia, parte setentrional do mundo, quizeram con-
servar a lingua Latina, derãose tão mal cõ ella, por
ser? om?s dados mays ás armas, que ás letras, que
nã somente a corromperam, más tãb? introduzi-
ram nella muytos vocabulos, & vozes suas, como a-
conteceo à todas as linguas do mundo, à qual mays,
& à qual menos, desviandose cada uma dellas da o-
rigem, donde teve principio, segundo o módo, que
a natureza lhes concedia, porque naturalmente to-
do omem se acomoda a declarar sua necessidade,
como melhor possa ser entendido. Mas o Latim,
que naquelles t?pos, & outros muytos despoys, se
fallou ? Portugal, nã era puro, n? gramatical, como
vemos ? muytas doaço?s, que nossos istoriadores
pág. 27
trazem ? suas obras, & qual elle fosse se pode ver
tãb? pelo letreyro seguinte, que dizem se achou j?to
a Chaves.
Hic jacet Antonius Perez,
Vassalus domini Regis,
Contra Castellanos misso,
Occidit omnes, que quiso:
Quantos vivos rapuit,
Omnes exbarigavit.
Peristas ladeyras;
Tulit tres bandeyras;
E febre correptus
Hic jacet sepultus:
Faciant Castelani feste,
Quia mortua est sua peste.
Mas como quer que fosse, da Lingua Latina, ou
Romana, teve principio, & nome o Romance, de
que agora usamos. & he cõm? parecer entre todos
os doutos; & o mesmo sentem da sua os Francezes:
dondeu ? antigo Poeta, alegado de Antonio Domini-
co, ? o seu Assertor Gallicus, c. 9. disse.Vn Clerc de Chasteaudun Lambert Licors la fit,
Qui de Latin la trest, & en Roman la mit.
Aos Romanos sucederam os Arabes, que fo-
pág. 28
substituir 45
substituir 46
ram senhores de Espanha alg?s quinhentos an-
nos; & a lingua Arabia durou nellate ao anno de
mil & quatrocentos, & noventa & dous, ? que
ElRey D. Fernãdo o V. desterrou os Mouros della, &
no Reyno de Granada sefallou te o anno de 1569. ?
que de todo foram expulsos.
O Licenciado Duarte Nunez de Leã, ? o livro,
que escreveo da origem da lingua Portugueza, des-
de o capitulo outavo, te o capitulo desasete, traz
muytos vocabulos, que temos dos Latinos, Gregos,
Arabes, Francezes, Italianos, Alema?s, Hebreos, Sy-
ros, Godos, & outros nossos antigos, aonde se po-
dem ver, porque ? fim nã ha lingoagem pura, & s?
mistura de outras linguas: & assi como os Latinos to-
máram muytos vocabulos dos Gregos, & de outras
muytas nações, como o mostram varios Autores, tãb?
os Gregos tomaram vocabulos de outras gentes, co-
mo dos Persas, dos Egypcios: & o respeyto, & analo-
gia, que ? muytas palavras umas linguas se guardam
a outras, se póde ver nos exemplos siguintes; ? os quaes
escrivi os nomes Gregos cõ as letras Latinas, porque
n? todos saberã ler as Gregas.pág. 29
Se eu fora mays destro ? estas Linguas, nã duvido
pudera trazer muytos mays exemplos, & ainda mays
a proposito, & por ventura cõ outras, que de todo
ignoro.
O mesmo Duarte Nunes ? o capitulo vinte da
dita Ortografia, faz mençã de algumas palavras Por-
tuguezas, & maneyra de fallar, que se nã podem ex-
plicar, per outras Latinas, n? de outra qualquer Lin-
gua, ? ellas t? estas, Mano, & Mana, palavras de bran-
dura, cõ que falamos (diz) aos mininos, ou pessoas, a
que queremos b?, a que nã ha outra na lingoa Es-
panhola, n? nas outras, que lhes responda, so os La-
tinos [continua elle] t? uma interjeyçã blandientis,
que he amabo, que parece vay ter a isto, como se ve
? Cicero no livro 7. nas Epistolas à Volumnio, on-
de diz Vrbanitatis possessionem amabo quibusvis interdi-
ctis defendamus. E Plauto, in Amphitr. Noli amabo
Amphitruo, irasci Sosiæ, causa mea: & cõ outra parte;
Quo amabo ibimus? E Terencio, ? o Eunucho; Vide
amabo num sit domi. Mas ? fim nã o explica da maneyra,
que o nos queremos significar, porque cada Lin-
gua t? sua propriedade. Ate qui são palavras de Duar-
te Nunez, todas de muyta erudiçã, por? nã deo ? o al-
vo; porque a origem dos vocabulos, Mano, Mana,
he outra; para o que he de saber, que os Antigos
tomavam magnum, por bonum, assi o dizem Varrã da
Lingua Latina, Nonio Marcello, Festo Pompeo, A-
pág. 30
ron sobre Horacio, & outros muytos: polo que o mes-
mo he dizer, vos soys meu Mano, que dizer, vos soys
meu b?, & por essa razã chamavã aos Deoses Ma-
nes, como se os chamaram bõs, & prosperos: & ma-
na era o mesmo que bona, & v? a ser o mesmo sen-
tido; & pola mesma razã chamavã os Antigos a
Leucothea, Matuta, por sua bondade.
________________________________________________________________CAP. VI.
Das partes da vulgar lingua.
EM cada naçã, & ? cada lingua ha ?s, que fallam
melhor que outros; & parece que acerca do
vulgo, & gente popular, plebea, & servil, ha uma lin-
goagem, & acerca dos nobres, cortesaõs, & pessoas de
juizo, & letras, outra; porque aquelles fallando (co-
mo a experiencia nos ensina) s? observancia alg?a
das regras da Gramatica, n? advertencia de acentos,
pronunciam as palavras, ou sejam proprias, & nati-
vas, ou peregrinas, & alheyas, corruptas, & mudadas,
segundo ouvem aquelles, cõ qu? praticam, & fallam;
& estoutros observando as regras, numeros, pessoas,
articulos, acentos, & módos, que por boa razã se
devem guardar, & observar ? toda boa lingoagem,
polida & ordenadamente; donde veyo a dizer Pli-
pág. 31
nio, lib. 11. c. 51. considerando a perfeyçã de ?s, & a bar-
baria de outros; Explanatio animi, quæ nos distinguit â
feris, inter ipsos quoque homines discrimen alteram æquè
grande quàm à belluis fecit. Quintiliano julgou tãb? que
o fallar cõm?, & vulgar t? diversa natureza da pra-
tica, & discurso do omem eloquente? Nam mihi, diz
elle, lib. 12. c. 10. aliam quandam videtur habere naturam
sermo vulgaris, aliam viri eloquentis oratto. A gente do
campo, diz Marco Varrã, I. de re rustica, fallava La-
tim, por? cõ pouca policia, & mudando umas pala-
vras per outras, & cõ diversa pronunciaçã, porque
como diz Cicero, a agricultura he fora de toda a e-
legancia politica. E poys a lingua Portugueza se di-
rivou da Latina (como dizemos) nella devemos con-
siderar as mesmas calidades, & accidentes, & dividir
a oraçã ? outras tantas partes, ? que os Gramaticos
dividem a Lingua Latina, que são ouro, a saber,
Nome, Pronome, Verbo, Participio, Preposiçã, Ad-
verbio, Conjunçã, Interjeyçã, ? as quaes se compren-
dem todas as palavras Latinas, mas as Portuguezas
querem mays outra parte, a que chamã articulo, que
nã a t? os Latinos, màs os Gregos si. E porque para
o que ao diante havemos de tratar, he muyto neces-
sario ter de todas estas partes conhecimento antes de
tratarmos da natureza das letras, ? especie faremos de
cada uma dellas particular menção, para os que nã
são Latinos, se bem nã cõ tanta miudeza, como soem
fazer os Gramaticos.pág. 32
CAP. VII.
Que cousa he nome.
OS nomes primeyramente se dividem ? duas
partes, ? substantivos, & ? adjectivos. Os no-
mes sustantivos uns são proprios, outros apellativos.
Os proprios são aquelles, que significam as cousas pro-
prias & certas: como Antonio, Ioã, Pedro, Lisboa, E-
vora, & semelhantes: os quaes todos se escreverão cõ
letra grande, que os Impressores chamam versal, & en-
tendemos por nomes proprios, nã so os de omem
ou mulher, como Antonio, & Maria, màs tamb? os
seus cognomes, & apelidos como Carvalho, Silva,
Pereyra, &c. & tãb? os de Provincias & Reynos co-
mo Portugal, França, Castella; os de Cidades como
Lisboa, Evora: Os das Gentes, como Portuguez, Fran-
cez, Castelhano; os de Mõtes. como Siam, Olym-
po, Tauro; de Rios, Tejo, Guadiana; de Fontes, Are-
thusa, Cabalina; de Mezes, Ianeyro, Fevereyro, &c.
de Deoses da Gentilidade, Iupiter, Venus, Marte; de
Diabos Belsebut, Asmodeo, & finalmente todo o no-
me, que nã póde competir mays que a uma so pes-
soa, ou cousa. Os apellativos sã os nomes geraes das
cousas, como omem, cidade, rio animal, & outros taes.
Demaneyra que o meu nome proprio he Ioã, & opág. 33
meu geral he omem; porque sendo todos geralmen-
te omens, n? todos se chamã Ioa?s. Assi tãb? Lisboa
he nome proprio, & particular da Corte & Metro-
poli deste Reyno, & o seu geral he cidade, porque
toda a terra semelhante se chama cidade, mas n? to-
da a semelhante se chama Lisboa.
T?, ou av? ao nome cinco accidentes, que são es-
pecie, genero, numero, figura, & caso.
Especies do nome.
Todas as cousas do mundo são, ou primeyras, ou
dirivadas; assi tãb? os nomes, ou são proprios, ou diri-
vados dos primeyros: os primeyros são dos Gramati-
cos chamados primitivos, & os que delles dirivam,
dirivativos, polla qual razã as especies dos nomes são
duas, uma primitiva, & outra dirivativa. Os nomes pri-
mitivos são aquelles, que primeyro foram impostos ás
cousas, como Lisboa, Evora, Terra, Mar, Ceo, & seme-
lhantes, & os dirivativos destes são Lisbonense, Ebo-
rense, terrestre, maritimo, celeste, &c.
Generos dos nomes.
He muyto necessario ? qualquer lingua conhe-
cer os generos dos nomes, porque de outra maney-
ra fallarseha barbaramente, como se se dissera ? mu-
lher, uã omem. Os Latinos t? sete generos diferentes,
a saber, masculino, feminino, neutro, cõm? de dous,
pág. 34
cõm? de tres, promiscuo; & incerto.
Do genero masculino são os nomes que natural-
mente significam macho, como os de Omens, Deo-
ses, Anjos, Demonios, Ventos, rios, montes, & cousas
semelhantes.
Do genero feminino são os que naturalmente sig-
nificam cousa femea, como são os nomes de Mulhe-
res, de Deosas, de Musas, de Ninfas, de Cidades, & se-
melhantes.
Do genero neutro são aquelles nomes, pelos quaes
se nã entendem machos, n? femeas, como esta voz,
animal, & semelhantes; mas ? Lingua Portugueza nã
podemos dar ex?plo ? alg? nome sustantivo, ? ad-
jectivo; porque dizemos, todo, toda, todo, aquelle,
aquella, aquillo, elle, ella, ello, voz antiga ja desuzada,
esse, essa, isso, este, esta, isto: ? os quaes nomes s? con-
troversia alguma, as ultimas terminaço?s, ou formas,
saõ do genero neutro, & cõ ellas podem concordar
todos nossos adjectivos, como se dissermos tudo he
b?, aquillo he santo, isso, ou isto he precioso; & cou-
sas a estas semelhantes.
Do genero cõm? de dous, ou cõm? de tres nã te-
mos nome alg? sustantivo.
Do genero promiscuo são certos nomes, que cõ ?
genero so, isto he masculino, ou feminino, significa-
mos macho, & femea, & por essa razã se chamã pro-
miscuo, que he o mesmo, que misturado, & cõfuso;
pág. 35
& nos animaes quadrupedes ha muytos deste ge-
nero, como são Tigre, Onça, Touro, Gineta, &c. Em
as aves muytos mays, como, Aguia, Pêga, Coruja, Cor-
vo, Bilhafre, Açor, Francelho, Adem, &c. Nos peixes
infinitos, como Balea, Golfinho, Pescada, At?, Sar-
dinha, &c.
Do genero neutro são certos nomes, que na Lin-
gua Latina ora se v? ? genero masculino, ora ? femi-
nino, como dies, finis: & este segundo acerca de nós
he da mesma calidade, porque dizemos o fim, & a
fim. A diferença que ha entre o genero promiscuo &
incerto he, que os nomes promiscuos determinada-
mente significam macho, ou femea, & o incerto nã
póde determinar se he femea, se macho.
Nomes adjectivos.
Nome adjectivo he aquelle que significa alg? ac-
cidente ? o sustantivo, a que se chega, como omem
illustre. Rey poderoso; aquelle illustre, & este podero-
so mostram accidentalmente qual o omem seja, &
qual o Rey. Acerca dos Latinos são muy varios, por-
que ?s t? uma forma, outros duas; uma forma como il-
lustre, suave, deleytavel, gentil, & semelhantes: de duas
como bõ, boa, mao, ma, santo, santa, &c & os de
tres formas poderão ser os que atrás referimos fallan-
do dos nomes do genero neutro ? o qual genero, a-
cerca daquelles nomes, podem concordar todos
pág. 36
nossos adjectivos; porque poderemos dizer aquillo
he santo, aquillo he illustre, &c.
Os nomes sustantivos, & os nomes adjectivos per
diversos efeytos seus, são tãb? diversam?te chamados,
a saber, ononimos, sinonimos, defectivos, hetero-
clitos, Patronimicos, nomes de calidade, de quantida-
de, ordinaes, numeraes, gentis, patrios, possessivos,
positivos, comparativos, superlativos, distribuitivos,
partitivos, diminuitivos. Dos quaes brevemente dire-
mos alguma cousa, porque o que nã for Gramatico,
nã os estranhe, quando adiante fallarmos delles, &
fique confuso.
Nomes Ononimos, & sinonimos.
Os nomes ononimos são aquelles que significam
muytas cousas, como este nome palma, que significa
a arvore, a vitoria, & a palma da mã. Carneyro, que si-
gnifica o animal quadrupede, o bichinho, que dá nas
favas, & outros legumes, & a sepultura. Gallo significa
a ave, o Francez, o palmã da cabeça, & certo peyxe,
&c. & diz?se ononimos, por isto mesmo, que sendo
? nome, t? diversas significações. Os Latinos o es-
crevem aspirado, Hononymos.
Os nomes sinonimos são aquelles, que sendo diver-
sos de voz, significam uma cousa mesma, como flor
& bonina, lume & fogo, lodo & lama; rosto & cara,
&c. demaneyra que os nomes ononimos são ao revez
pág. 37
dos sinoninos, porque estes sendo muytos significam
uma mesma cousa, & aquelles sendo ? somente, sig-
nificam varias cousas.
Nomes defectivos, & heteroclitos!
Os nomes defectivos são aquelles, que t? alg? de-
feyto ? si, isto he falta de alg?a cousa; porque os no-
mes ? a Lingua Latina nã são todos inteyros, màs ?s
carecem de algum caso, outros de algum numero.
Por? os nomes da lingua Portugueza, como se nã
declinã per casos, porque nã os t? na forma dos La-
tinos, como n? os Hebraicos, nã pôdem nesta parte
ter defeyto alg?, mas t?no ? os numeros, porque al-
g?s nã t? singular, como ciroulas, laivos, migas, pa-
pas, &c. & outros nã t? plural, como cal, sal, cayz, &
semelhantes.
Nomes Patronimicos.
Os nomes patronimicos são certos sustantivos di-
rivados ordinariamente dos pays, dos irmaõs, dos
avós, dos Reys, das Provincias, das Ilhas, das Cidades,
dos Montes, dos Rios, & de outras algumas cousas,
como de Alceo Alcides, de Ilia, Iliada, de Scipiã, Sci-
piadas, de Luso, Lusiadas, de Tago, Tagides, de Par-
naso, Parnasides, &c.
pág. 38
Nomes verbaes.
Os nomes verbaes são aquelles que dirivam de ver-
bos; dos quaes ?s são sustantivos, outros adjectivos;
porque de amo, venço, dizemos amador, vencedor,
que são sustantivos; & amado, & vencido, que são ad-
jectivos, &c.
Nomes colectivos, & temporaes.
Os nomes colectivos são aquelles, que no singular
significam multidã, como pôvo, gente, turba, exerci-
to, & semelhantes. Os temporaes, são aquelles que sig-
nificam tempo, como são, dia, noite, semana, mez, &
anno, &c.
Nomes relativos, & interrogativos.
Os nomes relativos são aquelles, que representam
os seus antecedentes, isto he, aquellas palavras, que
ãtes delles esta, como faz esta diçã, que, & manifesta-
mente se ve o exemplo seguinte; Foy tãb? ao rio
Maranhã ? Fidalgo Portuguez, que se dizia Ayres da
Cunha. Adonde aquelle que, he o mesmo, que se dis-
sera; o qual Fidalgo Portuguez, & esse he o relativo,
& se nã representa antecedente, nã he relativo co-
mo neste exemplo.
Nã sabe que seja dor,
Quem nã sente o mal de amor.pág. 39
Adonde aquelles que, qu?, nã chamam antece-
dente alg?, porque para ser relativo, he necessario,
que se refira a alg? nome, que fica atras, ou tambem
que va adiante, como são qual, quanto, & tanto E assi
são relativos esse, este, elle, aquelle.
Os nomes interrogativos são aquelles, que pergun-
tam, & são os mesmos nomes, que dicemos relativos,
màs entã mudam alguma cousa sua natureza, dey-
xando de ser relativos; como por exemplo.
Que geraçã tã dura ha hi de gente,
Que barbaro costume, & usança fea?
Que ma tenção, que peyto em vos se sente! &c.
Nomes de quantidade, & calidade.
Os nomes de calidade são aquelles, que significã
calidade alg?a como soberbo umilde, benigno, douto
ignorante, negro, branco, &c. Os nomes de quantida-
de são aquelles, que significam quantidade alguma,
como grande, pequeno, breve, longo, alto, bayxo; lar-
go, estreyto, &c todos os quaes mostram certa grãde-
za, ou pequenez.
Nomes gentis, & patrios.
Os nomes g?tis são aquelles, que significam a gen-
te, como Portuguez, Francez, Castelhano, Ingrez, I-
taliano, &c. Os Patrios são aquelles, que mostram a Pa
[tria]
pág. 40
dõde cada ? he natural; como de Portugal, Portu-
guez, de Castella, Castelhano, &c. ou de Lisboa, Lis-
bon?se, de Toledo, Toledano.
Nomes possessivos.
Os nomes possessivos são aquelles adjectivos, que
nacem dos sustantivos, como de Virgilio, Virgiliano;
de Ovidio, Ovidiano; de Plauto, Plautino; de Ci-
cero, Ciceroniano, &c. pelos quaes entendemos al-
guma cousa de Virgilio, Ovidio, de Plauto, & de Ci-
cero.
Nomes positivos, comparativos, & superlativos.
Os nomes positivos são aquelles ? a lingua Latina,
donde nacem os compãrativos & os superlativos,
porque de doctus, que he positivo formã o compa-
rativo doctior, & o superlativo doctissimus. O co-
mo, toca aos Gramaticos da mesma lingua; por?
a nossa Portugueza nã póde ter essas formaço?s;
mas ? lugar do comparativo, usamos acrecentar ao po-
sitivo o adverbio mays, assi como ao positivo dou-
to, damos por comparativo, mays douto; & assi a to-
dos os mays positivos acudimos para o comparativo
cõ o mays, ajuda assás necessaria. Màs os superlati-
vos são como os dos Latinos, & quasi os formamos
da mesma sorte. E assi he de saber que todo o positi-
vo que acabar ? vogal, mudará esta vogal qualquer
que seja ? is, & cõ ? simo, ficará feyto o superlativo.
pág. 41
Ex?plo, douto, mudando o o, ? is, & acrecentandolhe
? simo, fica doutissimo. Elegante, mudando o e, ? is,
cõ ? simo, fica elegantissimo, &c. Màs os adjectivos,
que acabarem ? al, formarão os superlativos, acrecen-
tandolhe mays ? issimo; como de mortal, mortalissi-
mo; de natural, naturalissimo: da mesma sorte os que
acabam ? el, como de cruelissimo. Assi os que acabam
? ul [que são muyto poucos] como de azul, azulissi-
mo. Por? os adjectivos, que na lingua Portugueza a-
cabam ? il, como fragil, facil, dificil, & semelhantes, a-
crecentandolhes ? imo, fica feyto superlativo, como
de fragil, fragilimo, de facil, facilimo, de dificil, difici-
limo; & diremos tamb? fragilissimo, facilissimo, di-
ficilissimo. E nesta parte nos aventajamos s? duvida
aos Francezes, que nã t? superlativos: & assi para dize-
rem Christianissimo, dizem Tres Chrestien: para di-
zer melhor, pior, dizem tres bon, tres mauvais, &c.
Falta que tamb? padece a lingua Hebrea, porque nã
t? comparativos, n? superlativos.
T? tamb? os Latinos quatro positivos, de que
nã formam comparativos, n? superlativos: & nesses
os imitamos nós cõ tanta propriedade, que b? pare-
ce lógo ser a nossa lingoagem filha legitima da La-
tina, como mostram os exemplos seguintes.
Diz o Latino; Bonus, melior, optimus.
E Nós; Bõ, melhor, optimo, & bonissimo.
Diz o Lat. Malus, peior, pessimus.
pág. 42
Nós; Mao, peor, pessimo, & malissimo.
Diz o Lat. Magnus, maior, maximus.
Nós; Grande, mayor, maximo, & grandissimo.
Diz o Lat. Parvus, minor minimus.
Nós; Pequeno, menor, mininno.
E de tudo o sobredito se colige, que o compara-
tivo he quando se significa alg? excesso de acre-
centamento, ou diminuiçã ao positivo, como vimos
? melhor, peior, &c. & o superlativo he quando sig-
nificamos todo o excesso de acrecentar, ou diminuir,
como pelos exemplos acima está patente-
N? deyxarey de advertir que he vicio ? a lingua
dizer, mays mayor, ou mays melhor, ainda que tam-
b? na Latina se acha como vemos ? Plauto, no pro-
logo da comedia intitulada Menoechmi, quando diz;
Quid dederit magis maiores nugas egerit. Porque n? o vi-
cio da lingua Latina faltasse á nossa Portugueza.
Nomes distribuitivos, & partitivos.
Os nomes distribuitivos são aquelles, que signi-
ficam distibruiçã, como cada?, nenh?, ningu?,
qualquer, & semelhantes. Partitivos se chamam a-
quelles, que do todo tiram parte, como alg?, nenh?,
qual, outro, ?, dous, tres & todos os outros numeraes.
Nomes diminuitivos.
Os nomes diminuitivos saõ aquelles, que dimi-pág. 43
nuem a significaçã de seus primitivos, como, mon-
tinho de monte, raminho de ramo, pobrete de pobre;
& outros taes.
Outros muytos nomes ha diversos d’estes, para o
intento, por? nã he necessario fazer expressa mençã
de todos.
Do pronome.
Despoys dos nomes se segu? os pronomes, que
saõ certas partes da oraçã, que se po? ? lugar dos no-
mes proprios, & apellativos, como, eu, tu: porque fal-
lando eu, cujo nome proprio he Ioã, & dizendo,
eu leo, eu escrevo, &c. aquella palavra eu, quer dizer
eu Ioã leo, eu Ioã escrevo. E se fallando cõ ? senhor
dicesse; Tu governas cõ suma justiça a teu pôvo; claro es-
tá que aquella pallavra tu, se refere ao senhor, como
se dissera, tu senhor, que he nome apellativo; & por
essa rasã estas palavras eu, tu, se chamam, pronomes,
porque se po? ? lugar de nomes.
Tamb? são pronomes, elle, esse, este, aquelle,
meu, seu, teu, nosso, vosso, aos quaes todos se ajunta
algumas vezes esta palavra, mesmo, ou mesma; assi
como entre os Latinos, o met porque diremos, eu
mesmo, tu mesmo, elle mesmo, nos mesmos, vos mes-
mos, &c.
A palavra, se, he pronome reciproco, de cuja de-
clinaçã, como de ego, & tu, diremos quando fallar-
mos dos articulos.pág. 44
__________________________________ _____________________________CAP. VIII.
Do verbo.
O Verbo he a terceyra parte da oraçã, & entre
todas as outras de mayor excellencia, & im-
portancia: & para os Latinos demonstrarem sua ex-
cellencia, chamando a todas as palavras geral-
mente verb?, a esta o deram ? especie, como que-
rendo significar, que ella de todas era a mays digna,
? virtude daquella figura, que os Gregos disseram
Antonomasia, & nós intepretaremos excellencia. E
assi saõ os verbos como alma, & vida das outras pa-
lavras, porque todas ellas s? os verbos saõ como mor-
tas, ? razã de que per si nã pódem produzir senten-
ça alguma; n? t? necessidáde de Articulos, como os
nomes, & os pronomes, para distinguir casos, porque
nã os t?, más t? pessoas, numeros, tempos, & módos.
As pessoas saõ tres ? o singular, como, eu, tu, elle; &
tres ? o plural, como nós, vós, elles. Os numeros saõ
dous, singular, & plural, como os Latinos: & nisso
lhes levã (como ? outras cousas) os Gregos venta-
gem, porque t? singular, dual, & plural, como tamb?
os t? os Hebraicos. Os tempos saõ tres, presente, pre-
terito, & futuro; dos quaes como de suas cabecas, na-
pág. 45
cem outros tempos. Os módos saõ cinco, indicativo,
imperativo, optativo, conjuntivo, infinitivo. E t?
mays os verbos certas palavras, a que os gramaticos
chamam gerundios, supinos & participios. Divid?se
os verbos ? nosso Portuguez ? activos, passivos, &
neutros, pessoaes, & impessoaes. Os verbos activos a-
cabam seus infinitivos ? ar, er, ir, or. E conjugãose da
maneyra seguinte.Tempo presente do indicativo.
Singular.
Eu amo.Tu amas.
Elle ama.
Plural.
Nós amamos.Vós amays.
Elles amam.
Preterito imperfeyto.
Sing.
Eu amava.Tu amavas.
Elle amava.
Plur.
Nós amavamos.Vós amaveys.
Elles amavam.
Preterito perfeyto.
Sing.
Eu amey.Tu amaste.
pág. 46
Elle amou.
Plur.
Nós amâmos.Vós amastes.
Elles amáram.
Preterito mays que perfeyto.
Sing.
Eu amára, ou tinha amado.Tu amáras.
Elle amára.
Plur.
Nós amáramos, ou &c.Vós amareys.
Elles amáram.
Futuro imperfeyto.
Sing.
Eu amarey.Tu amarás.
Elle amará.
Plur.
Nós amarêmos.Vos amareys.
Elles amaraõ.
Futuro perfeyto.
Sing.
Ia entã eu terey amado.Tu terás amado.
Elle terá amado.
Plur.
Ià entã nós teremos amado.Vós tereys amado.
Elles terão amado.
pág. 47Tempo presente do imperativo.
Sing.
Ama tu.Ame elle.
Plur.
Amemos nós.Amay vós.
Amem elles.
Futuro, ou modo mandativo.
Sing.
Amarás tu.Amará elle.
Plur.
Amareys vós.Amarão elles.
Presente do optativo.
Sing.
Oxalá
Amára eu, ou amasse.Amáras tu, ou amasses.
Amára elle, ou amasse.
Plur.
Oxalá
Amáramos nós, ou amassemos.Amareys vós, ou amasseys.
Amáram elles, ou amassem.
Preterito perfeyto.
Sing.
Queyra Deos
que tenha eu amado, ou
oxalá amasse eu.Que tenhas tu amado.
Que tenha elle amado.
Plur.
Queyra Deos
Que tenhamos nós amado,
ou oxalá amassemos nós.
pág. 48
Que tenhays vós amado.Que tenham elles amado.
Preterito mays que perfeyto.
Sing.
Prouvêra a Deos
Que amára eu, ou tivera
amado.Que amáras tu.
Que amára elle.
Plur.
Prouvêra a Deos
Que amáramos nós.
Que amáreys vós.
que amáram elles.Futuro.
Sing.
Praza a Deos
que ame eu.que ames tu.
que ame elle,
Plur.
Praza a Deos
que amêmos nós.
que ameys vós
que amem elles.Presente do conjuntivo.
Sing.Como eu amo, ou amando eu.
Como tu amas.
Como elle ama.
Plur.Como nós amamos.
Como vós amays.
Como elles amam.Preterito imperfeyto.
Sing.Como eu amava, ou amando eu.
pág. 49
Como tu amávas,Como elle amáva.
Plur.Como nós amávamos.
Como vós amáveys.
Como elles amávam.Preterito perfeyto.
Sing.Como eu amey, ou tenho amado.
Como tu amaste.
Como elle amou.
Plur.Como nós amámos.
Como vós amastes.
Como elles amáram.Preterito mays que perfeyto.
Sing.Como eu amara, ou tinha amado.
Como tu amáras.
Como elle amára.
Plur.Como nós amáramos, &c.
Como vós amáreys.
Como elles amaram.Futuro.
Sing.Como eu amar, ou tiver amado.
Como tu amáres.
Como elle amar.
Plur.Como nós amarmos, &c.
Como vôs amardes.
Como elles amárem.pág. 50
Voses proprias do conjuntivo ? a lingoagem Portugueza.
Sing.Posto que eu ame.
Que tu ames.
Elle ame.
Plur.Posto que nós amemos.
Vós ameys.
Elles amem.Preterito imperfeyto.
Sing.Posto que eu amára, ou amasse.
Tu amáras, ou amasses.
Elle amára, ou amasse.
Plur.Posto que nós amáramos, ou amassemos.
Vós amáreys, ou amasseis.
Elles amáram, ou amassem.Preterito perfeyto.
Sing.Posto que eu tenha amádo.
Tu tenhas amado.
Elle tenha amado.
Plur.Posto que nós tenhamos amado.
Vós tenhays amádo.
Elles tenham amado.Preterito mays que perfeyto.
Sing.Posto que eu tivera amado.
Tu tiveras amado.
Elle tivera amado.
pág. 51Plur.
Posto que nós tivéramos amado.
Vós tivereys amádo.
Elles tiveram amádo.Presente do infinitivo.
Amar, ou que amo, amas, ama, amamos,
amays, amam.Preterito imperfeyto..
Amar, ou que amava, amavas, amava, amáva-
mos, amáveys, amávam.Preterito perfeyto.
Ter amádo, ou que amey, amaste, amou, amámos,
amastes, amáram.Preterito mays que perfeyto.
Ter amádo, ou que amára, amáras, amára, amára-
mos, amáreys, amáram.Futuro.
Sing. Que hey de amar, has de amar, ha de amar,
ou que amarey, amarás, amará.
Plur. que havemos de amar, haveys de amar,
hão de amar, ou que amaremos, ama-
reys, amarão.
Sing. que ouvéra, ouvéras, ouvéra de amar.
Plur. que ouveramos, ouvereys, ouvéram de amar.Gerundios.
De amar, ? amar, amando; & sendo amado.pág. 52
Supinos.
A amar, para amar.Participios.
Presente, & imperfeyto.
O que ama, & amava.Futuro.
O que ha, ou ouver de amar, para amar.Por este módo se conjugam todos os verbos ac-
tivos, que t? o infinitivo acabado ? ar. Os que t? o
infinitivo ? er, variam ? as segundas pessoas do indi-
cativo, optativo & conjuntivo; assi como este verbo
faço, que nã t? as segundas pessoas destes tempos fa-
ces, senã fazes; nem perco faz perces, màs perdes; pos-
so, pódes, & nã posses; digo, dizes, & nã diges, ou di-
gues, & outros semelhantes. A mesma variedade t?
os verbos, que t? o infinitivo ? ir, porque de ouço
dizemos, ouves, & nã ouces; de dispo, despes, & nã
dispes; de sinto, sentes, & nã sintes, ainda que alg?s
erradamente assi pronunciam, & assi escrevem. Os
verbos, que t? o infinitivo ? or, todos saõ compostos
do verbo simplez por; & fazem como elle ? todos os
tempos.
Os quaes verbos activos podemos dividir ? qua-
tro conjugações, & diremos, que os que t? o infini-
tivo ? ar saõ da primeyra conjugaçã: os que o t? ?
pág. 53
er, da segunda, ? ir, da terceyra, ? or, da quarta.
Os verbos da primeyra conjugaçã todos fazem o
preterito ? ey, como amey, faley, jantey, &c. s? ne-
nh?a exceyçã. Ainda que por este Ribatejo todos os
mudam ? i. agudo, dizendo, ami, falli, janti, &c. que
he uma notavel barbaria, & mayor por ser aqui tã vi-
sinho da Corte.
Os da segunda conjugaçã variam muyto ? o prete-
rito, porque ?s o fazem ? i, como li, do verbo leo; ou-
vi, do verbo ouço, &c. outros ? ce, como dice do ver-
bo digo; ainda que Duarte Nunes de Leã, ? a sua
ortografia Portugueza, & na origem da mesma lin-
gua, escreve dixe, & assi ? todos os tempos, que se del-
le dirivam: & o advirto, por ser muyto grande erro;
os quaes se devem apontar, como os bayxos ? as
cartas de marear, para que os navegantes se desviem
delles. Outros verbos fazem o preterito ? iz, como
fiz, do verbo faço, outros ? ude, como pude do ver-
bo posso; outros ? xe, como trouxe do verbo trago;
ainda que muytos erradamente dizem trouve: para
conhecimento dos quaes se nã póde dar regra me-
lhor, que o uso.
Os verbos da terceyra conjugaçã todos t? o pre-
terito ? i, agudo; como ouvi, senti, & dos verbos ouço,
sinto, excepto o verbo vou, que faz no preterito fuy.
Os verbos da quarta conjugaçã, todos fazem
o preterito como seu simple, o qual he ponho, que
pág. 54
no preterito faz puz, assi do proprio módo compo-
nho, disponho, anteponho, &c. farão no preterito,
cõpuz, dispuz, antepuz, &c.
Os verbos passivos da Lingua Latina formãse
dos activos acabados ? o, acrecentandolhes ? r. como
de amo, amor, de lego, legor, de doceo, doceor, &c.
por? os nossos verbos nã saõ dessa calidade; como
tamb? o nã saõ os das mays linguas vulgares, que
todos carecem de passiva; & suprese esta falta cõ o
verbo sustantivo, que he eu sou, tu es, &c. junto aos
participios acabados ? ado, ido; & assi dizemos, eu sou
amado, eu sou lido, eu sou ensinado, &c. E nã sigo o
parecer dos nossos ortografos, que dizem nòs re-
mediamos cõ os pronomes, me, te, se; nós, vós, se, por-
que na realidade nã se expecifica assi a voz passiva,
que ha de ser o nominativo paciente, isto he a cousa,
que padece, concordando cõ elle ? numero, & ? pes-
soa, como he uso de todos os verbos pessoaes; donde
Latinamente se diz, eu sou amado, eu sou lido, eu
sou ensinado, ego amor, ego legor, ego doceor; ? os quaes
ex?plos se ve a cousa, que padece posta ? nominativo,
como pede a boa Gramatica, o que se nã acha ? os
exemplos, que nossos ortografos traz?, a saber, mo-
veor, movome, vestior, vistome, &c.
Os verbos neutros saõ aquelles, que nã geram
passiva, como saõ os verbos vivo, sey, & outros se-
melhantes, porque nã podemos dizer, eu sou vivido,
eu sou sabido, &c.
pág. 55
Verbos impessoaes se chamam os que nã t?
todas as pessoas ? ambos os numeros, màs sómente
as terceyras pessoas, como disse, dizem, contam, conta-
se, & semelhantes. E isto basta para nosso intento.
___________________________________________________________________
CAP. IX.
Dos participios.
PArticipio, parte quarta da oraçã, saõ certas pala-
vras, que nacem dos verbos, & delles recebem o
tempo, & a significaçã, como vimos no verbo amo:
os quaes participios t? a natureza dos nomes adjecti-
vos, & assi concordam cõ os sustantivos ? genero,
numero & caso. Chamãose participios, porque par-
ticipam dos nomes & dos verbos: por onde o Autor
da redicula, màs elegantissima obra, intitulada, Bellum
gramaticale, diz que elles se mostráram neutros, nã se-
guindoa facçã dos nomes, n? a dos verbos, màs esti-
veram à parte, vendo ? que paravam as cousas, cõ es-
pectativa de ficarem cõ o primado, que entre os no-
mes & os verbos se pertendia.
Em o nosso vulgar, ?s acabam ? ante, ente, inte; co-
mo amante, lente, ouvinte, & servem para ambos os
generos masculino, & feminino, porque saõ cõm?s
de dous; Outros acabam ? ado, ido, como amado, li-
do, para os nomes do genero masculino; amada, lida,
para os do genero feminino, & assi todos os mays.
pág. 56
___________________________________________________________________
CAP. X.
Das preposições.
AS preposições saõ indiclinaveis, & carecem
de genero, numero, & caso. Sempre se prepoem
a outras palavras, & por isso se chamam preposições,
nã proposições, como certo ortografo moderno
diz. Nossos Ortografos querem que sejam as mes-
mas de que usam os Latinos; a saber, a, ab, abs, ad,
an, con, de, des, dis, en, ex, in, inter, ob, per, pro, post, re,
sub, trans, super; mas eu o julgo por cousa impertin?-
te, & desnecessaria, porque nã cõpomos verbos, màs
ja os tomamos cõpostos da Lingua Latina cujos saõ
os mays delles. Màs para os que nã saõ Gramaticos co-
nhecerem, que cousa saõ as preposições, digo que
saõ umas palavras, que acerca dos Latinos levam os
nomes, a que se ajuntam o acusativo, ou ablativo,
como saõ, a, de, ?, cum, per, pro, intre, cõtra, ante, &
semelhantes, màs como nós nã temos esses casos, de
que serve nomearmos as preposições?
pág. 57
___________________________________________________________________
CAP. XI.
Dos Adverbios.
ADverbios, parte seysta da oraçã, saõ certas
palavras, que se ajuntam aos verbos dõde to-
maram o nome. Seu officio he dar ajuda ao verbo,
ou nome, a que se ajuntam, & exprimir a sentença,
do que se falla, cõ mays perfeyçã. Porque (por ex-
emplo) se eu dicera Fizestes o vosso negocio; náo se ex-
primia a sentença tã perfeytamente como dizendo;
Fizestes o vosso negocio b?, ou mal; acrecentando estes,
ou semelhantes adverbios; porque o verbo fizestes
persi mesmo nã o póde exprimir: & assi aquella pala-
vra b?, ou mal, que saõ adverbios, saõ causa de que
elle o exprima: & deste módo saõ quasi todos os ad-
verbios; digo quasi todos. porque os adverbios, cha-
mados regulativos, nã sóm?te nã ajudam ao verbo
a fazer a sentença perfeyta, màs totalmente o pri-
vam de sua significaçã, como quando dizemos nã
amo, nã leo, &c.
Algumas vezes os adverbios se ajuntam tamb?
aos nomes adjectivos, para lhes acrecentar seu valor;
como quando dizemos b?, ou mal nacido; muyto ri-
co, muyto grande, muyto pequeno, muyto douto, &
muyto ignorante; & he tamb? usado dos Latinos, co-
pág. 58
mo se achará ? Cicero pro Murena, & pro Lege A-
graria, & tamb? ? Horacio 4. carm. od. 4.
Estes adverbios para cõ os Latinos t? diversas do-
minações segundo os diversos efeytos seus: dos quaes
para nosso intento nã he necessario tratar: sómente
quero advertir, que ainda que dissemos, que carecem
de numero, he fallando geralmente segundo os Gra-
maticos da lingua Latina, porque ? a nossa Portu-
gueza temos muytos, que t? plural, & singular, co-
mo nã, si, logo, & outros, porque costumamos dizer,
tantos nãos, tantos s?s, tantos logos, &c. & cousas
semelhantes.
___________________________________________________________________
CAP. XII.
Das conj?ções.
CHamãose conjunções certas palavrinhas da lin-
gua, que un? & atam as outras palavras, como
por exemplo; Eu tradusi ? Portuguez a Virgilio, & a
Horacio: adonde aquelle &, he conj?çã copulativa,
que ajunta, ata, & une à Virgilio cõ Horacio: ou di-
gamos a oraçã antecedente cõ a susequente; da mes-
ma calidade saõ, ou, n?.
Alguns querem que aquillo, que ouver à conjun-
çã de atar, seja da mesma calidade, como verbo cõ
verbo, nome cõ nome, & nã v.g. positivo cõ super-
pág. 59
lativo, ou superlativo cõ positivo: màs diz Sanches
Brocense, que o oficio da conjugaçã he ajuntar sen-
tença a sentença, & nã semelhantes casos, ou nomes.
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CAP. XIII.
Das interjeyções.
AS interjeyções saõ uma brevissima parte da o-
raçã: servem nella de demostrar cõ suas signi-
ficações os efeyctos & payxo?s do animo; umas de ale-
gria, como ha, ha; outras de dor, como ay; outras de
maravilha, como oh. E chamãose interjeyções, por
que se entremetem na oraçã.
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CAP. XIV.
Dos Articulos.
OS Articulos servem de destinguir os casos dos
nomes, que na lingua Portugueza, como ?
as demays, que chamã vulgares, saõ todos indiclina-
veys (como elles tãb? o são) & so constam de genero
& de numero, porque esta ? a sua força & natureza,
declarar, & difinir as cousas incertas, restringindo a
voz cõmum à alguma cousa, ou pessoa determinada,
como proprio, individuo, & por essa razã foram in-pág. 60
ventados, porque o nome, n? o pronome, nã podem
muytas vezes declarar as cousas que apontam ? con-
fuso, & quasi ? abstracto, n? ainda distinctamente &
quasi ? concreto. E he proprio das linguas Seten-
trionaes, & assi o usam, ainda que cõ alguma diferen-
ça, aquellas provincias, que estão debayxo do Norte,
? as quaes está a Gotia: Por ventura os tomassem dos
Gregos, que primeyro os usaram. Os Latinos diz
Quintiliano. lib. 1. c. 4 nã t? necessidade de articulos,
& assi o vemos por experiencia. Màs quam importan-
te sejam, se póde ver daquelle lugar do Evangelho,
Ego sum pastor bonus; adonde o Latim nã explica a-
quella singularidade, que o Grego nos quer apontar;
a saber, que nenh? verdadeiramente he bõ pastor,
senã aquelle que ? aquelle lugar o diz; & isto se ex-
plica perfeytissimamente cõ o articulo o, assi como;
Eu sou o bõ pastor. Mays; se dicermos Elle he Rey, s?
articulo, nã se entenderá, que Rey he determinada-
mente, n? donde he Rey; màs se dicermos, Elle he o
Rey; denotaremos que Rey he, a saber aquelle, de-
bayxo de cujo imperio vivemos; ou aquelle de que
antes se fazia mençã.
E por o articulo ser de tanto momento, escrevem
delle varios Autores particulares obras; como foram
o Gabrielli, o Corso, Pedro Bembo, & outros.
São, poys, como dice, os articulos indiclinaveys,
màs t? variedade ? o genero, & numero; & como so
pág. 61
cõ elles nã pôdemos dar a necessaria demostraçã
dos casos, socorremonos das preposições de, a, cõ
as quaes os demostramos; porque a preposiçã de,
servenos para o caso de genitivo, & ablativo; & a
preposiçã a para o dativo, & os mays casos nã ne-
cessitã de preposiçã, como no exemplo seguinte se ve.
Para o masculino.
Singular.
Plural.
Nominativo
o
Nominativo
os
Genitivo
do
Genitivo
dos
Dativo
ao
Dativo
aos
Accusativo
o
Accusativo
os
Ablativo
do
Ablativo
dos.
Para o feminino.
Singular.
Plural.
Nominativo
a
Nominativo
as
Genitivo
da
Genitivo
das
Dativo
á
Dativo
ás
Accusativo
a
Accusativo
as
Ablativo
da
Ablativo
das.
Os vocativos nã t? articulo, porque a natureza dos
nomes relativos & demonstrativos, como os articu-
los saõ, nã padecem aquelle caso, que requere presen-
ça da pessoa, a que se dirijam as palavras de chamar;
& assi nã t? variedade de genero, n? de numero, por-
que dizemos ó senhor, ó senhores, ó senhora, ó se-
pág. 62
nhoras. Pola qual razã erram os que cuydam, que o ar-
ticulo t? variedade de caso, nã tendo mays que o, a,
& o que se lhe propo? saõ as ditas preposições, porque
? lugar de dizermos de o, de a, viemos a dizer do, da,
comendo & apagando o, e, por uma figura chamada
Sinalefa, assi como tãb? costumamos dizer no, na, ?
lugar de o, ? a; & por cõ o, cõ a, co, coa. De maneyra que
quando dizemos ao a, he preposiçã o articulo, &
quando dizemos à inclui nos ali pola sinalefa, a pre-
posiçã cõ o articulo feminino; & nã he necessario,
que quando a preposicã se ajunta ao articulo femi-
nino, que he no caso do dativo, escrevamos por dous
aa, como quer o Lecenciado Duarte Nunes, &
seus sequazes,
Aos nomes proprios nã he necessario preceder ar-
ticulo o, n? a; & assi nã diremos o Pedro, o Cesar, &c.
màs Pedro, Cesar, &c. nos apelativos si, porque dize-
mos o omem, o Rey, &c. diremos cõ Pedro, cõ Ce-
sar; & da mesma sorte cõ o Rey, nã cõ Rey, cõ o o-
mem, & nã cõ omem.
Po?se tãb? ás vezes os articulos nos apellidos &
cognomes de pessoas muyto conhecidas, de que fre-
qu?temente fazemos mençã, como o Navarro, o
Mantuano, entendendo o Doutor Martim de Aspil-
cueta, o Poeta Virgilio, &c.
Para melhor intelligencia dos articulos & saber-
se quando escrevemos a, ou á, nos governamos pelos
pág. 63
Castelhanos, desta sorte: dizem elles, Voy a Roma, voy
a Toledo; nós diremos tãb?, vou a Roma, vou a Tole-
do; ent?d?do que ali o a, nã he articulo, mas preposi-
çã s? articulo; & quando elles disserem, voy a la India,
voy a la Persia, nós diremos, vou a India, vou a Persia;
entendendo, que naquelle á se une o articulo cõ a
preposiçã; pola qual razã nossos Ortografos quer?
que entã se escrevam dous aa, a saber ? do articulo,
& outro da preposiçã, o que nã conv?, màs contrail-
los ambos ? ?, pola dita sinalefa, ou apocope.
A alguns nomes de Provincias ajuntamos articulo,
& a outros nã, porque dizemos, Italia he Provincia
grande, & fertil; v? b? a Italia, vou a Italia, & o mesmo
a França, Lombardia, Espanha, & outras, & nã diremos
vou a India, v? bem a India, màs diremos vou à India,
vem bem à India, ajuntando o articulo á preposiçã.
Pelo conseguinte diremos vou a Corinto, a Tole-
do, & nã ao Corinto, ao Toledo; & diremos ao Cayro
ao Porto, & nã a Cayro, a Porto: màs disto, como
b? advertio o Lecenciado Duarte Nunes, nã se pó-
de dar outra razã, senã, que o pede assi a orelha.pág. 64
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CAP. XV.
Da divisã das letras.
O Que ategora dicemos nã foy mays que uma
preparaçã para as regras de nossa ortografia,
que daqui podemos dizer t? principio; & como o f?-
damento della são as letras, necessario he qne
digamos quantas, & quaes saõ: que ainda
que no capitulo primeyro, & no capitulo terceyro,
fallamos dellas, nã per enchermos entã o nume-
ro, n? tratamos mays que das mayusculas, s?
lhe darmos os nomes, cõ que as chamamos, & assi nã
pareça superfluo, trazellas aqui outra vez, nesta
forma.
Letras mayusculas, ou grandes.
A. B. C. D. E. F. G. H. I. K. L. M. N. O. P.
Q. R. S. T. V. X. Y. Z.
As quaes servem para os nomes proprios de pes-
soas, lugares, rios, montes, &c.
As minusculas, ou pequenas.
a. b. c. d. e. f. g. h. i. k. l. m. n. o. p. q. r. s. t. u. x. y. z.
Nomeãse assi; A, be, ce, de, e, efe, ge, aga, i, ca, elle, eme,
ene, o, pe, qu, erre, esse, te, u, xis, ypsilon, ze. As quaes
pág. 65
os modernos acrecentã tres, ç. j. v. que chamã, ce, je,
ve. Com as quaes se incluem vinte & seys ? nosso
abc. Estas se dividem ? vogaes, & consoantes: as vo-
gaes saõ seys, a. e. i. o. u. y. Chamãose vogaes por ex-
cellencia da voz, que formam; porque ellas per si sós
saõ fundamento da voz: isto he que pódem pronun-
ciar, & formar sillaba, s? ajuda das consoantes, que
saõ todas as outras, que nã saõ vogaes, & s? ellas nã
pódem soar; n? dar tempo, espirito, ou teor á voz: de-
maneyra que s? uma das vogaes, ? a nossa lingua Por-
tugueza nã póde soar vóz perfeyta, ainda que se po-
nhã muytas consoantes juntas, assi como scr, str, spl,
& semelhantes, se b? Duarte Nunez contra toda ra-
sã, uza escrever, esta mesma palavra assi, screver, & as-
si strado, por estrado, splendor, por esplendor, & ou-
tras semelhantes, o que de nenh?a maneyra devemos
fazer, porque devemos escrever como pronuciamos.
Algumas linguas estrangeyras poem talvez quatro
& cinco consoantes, juntas s? vogal, como a Todes-
ca ? estes vocabulos, Tenevboltlz, Vulreltsch, & seme-
lhãtes, màs devem s? duvida entender ? os taes voca-
bulos alguma vogal; porque ? toda a sillaba, como ?
todas as outras cousas, concorrem materia & forma;
& por tanto podemos dizer, que a consoante
he a materia, & a vogal a forma; porque esta
he a que rege o sõ, logo assi como duas formas
s? materia nã pódem produzir sillaba, assi duas ma-
pág. 66
terias s? forma nã o podem produzir. Ainda que Dan-
te ? o livro da vulgar eloquencia afirma, que aquel-
le verso de Gerardo Bornelli.
Ara aufiren encabalitz catorz.
He de onze silabas, como que aquelle r. & z. fa-
çam uma silaba per si: màs deve ser como dice, por
alguma vogal, que se ali ?tenda porque o verso pare-
ce s? duvida brachy cataletico. Senã he, como alg?s
dizem que algumas linguas proferem muytas pala-
vras s? vogaes á maneyra dos mininos, quando cho-
ram, & outros semelhantes módos; màs saõ todavia
vozes indescerniveis, qual he a nota st, dos Latinos,
quando se quer pedir silencio, como Terencio in
Phorm act. 4. Quid? non is obsecro es, quem semper te es-
se dictitasti? Chre. st, &c. & assi tamb? Plauto, in Curcu-
lio; st, tace, tace, &. o mesmo ? Casina, & outros luga-
res; & della Cicero. 2. de orat. ad Q. Fratr. E da mesma
nota usamos ? Portuguez, se b? por ora me nã sey de-
terminar como se deva escrever, se st, como os Lati-
tinos, se xt.
As consoantes se dividem ? mudas, & semivogaes;
as mudas entre os Latinos são outo, nós as fazemos
dez, cõ as que os modernos acrecentam je, ve, senã
querem que sejão onze cõ o ç.
Chamãose mudas, porque tirandolhes as vogaes,
que as acompanham, & cõ que de sua natureza se
pág. 67
pronunciam como be. ce, de, &c, ficã mudas, & s? sõ:
& na cõposiçã, deyxando a cõpanhia da vogal, que
lhes dava o sõ, caem sobre a vogal, que se lhes segue
& mudam o sõ, como se ve desta palavra barã; adon-
de o b, deyxou o e, que era seu proprio sõ, & se aco-
modou cõ o a, porque de outro módo ouvera de ser
bearã. E tamb? se podem chamar mudas, porque se
mudam, nesta forma, que dizemos.
As semivogaes são seys, f. l. m. n. r. s. chamãse assi;
porque nã saõ tã imperfeytas, como as mudas; n? tã
pouco gozam tãta perfeyçã de sõ, que possam chamar
se vogaes; & assi se chamam semivogaes, que val tan-
to, como meas vogaes; porque na composiçã ret?,
& conservam o seu sõ, por razã de se formarem ? tal
parte da boca? que se pódem pronunciar s? ajuda
das vogaes, ainda que per si nã constituam silaba.
Quatro destas se dizem liquidas, que são l m. n r: por-
que acompanhadas cõ outras consoantes se ouve
muyto claro o seu sõ x & z. são letras dobradas co-
mo ? seu lugar diremos.
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CAP. XVI.
Como se pronunciam as vogaes.
ESta letra A. para cõ os Latinos, Gregos, He-
breos, Arabes, & segundo S. Isidro 1. Etim. para
cõ todas as outras linguas independentes destas, hepág. 68
a primeyra ? ordem do Abece, assi das consoantes, co-
mo das vogaes, pola qual razã Ausonio a chama guia
dos Elementos.
Dux Elementorum studijs viget in Latijs.
Donde veyo a tomarse polo principio de qual-
quer cousa: & consta do Apocalypse; adonde para
Deos dizer, que he principio (s? principio) & fim (s?
fim) de todas as cousas, diz Ego sum Alpha, & Ome-
ga; porque o O mega he o ultimo do Alfabeto Gre-
go. E assi nos Theoremas dos Geometras se toma
pola principal parte da linha, & de, qualquer cousa
como se poderá ver na perspectiva de Euclides: & o
Francez para dizer que ? he omem muyto de b?, diz
por adagio que está assinalado cõ A. Os Gregos soiam
contar pelas letras do seu Abece; donde se entende-
rá o epigrama de Marcial a Codro, lib. 2.
Quod Alpha dixi Codre pænulatorum
Te nuper, aliqua c? socerer in charta;
Si forte bilem movit hic tibi versus,
Dicas licebit Beta me togatorum.
Tinha Marcial dado este nome a Codro, de que
era o primeyro dos plebeos, & pobres, de que Co-
dro se dava por afrontado, & corrido; & assi para o de-
sanojar lhe diz, que elle lhe da licença, que o chame
a elle segundo dos nobres, & ficará vingado; & para
pág. 69
dizer primeyro, usa destes termos Alpha, Beta, pri-
meyra & segunda letra do Abc.
Plutarco disputa a razã, porque esta letra he a pri-
meyra de todas, & se toma por outros principios; &
per opiniam de Protogenes Gramatico, diz que
porque as vogaes saõ as mays principaes, (porque fa-
zem per si mesmas voz) & das vogaes o A. Ammo-
nio diz, que Cadmo (que foy qu? segundo alg?s
as poz na ordem, que oje guardam) teve considera-
çã, a que despoys da caza, & da mulher, o principal
da fazenda he o boy, cõ que se lavra & cultiva a ter-
ra, que nos da o sustento; & porque Alpha, ? a lin-
gua Fenicia significa o boy, por isso deo o primey-
ro lugar ao A, que ? Grego como dicemos se diz
Alpha. Tãb? diz Plutarco outra razã, que afirma ter
ouvido a seu avô Lampria (que alude a de S. Isidro)
& he, porque a primeyra, que pronuncia o omem ?
nacendo, he esta: & a que mays me quadra, porque cõ
ella denunciamos os ays, cõ que neste valle de lagri.
mas vivemos E outra razã he, porque t? mays facil
pronunciaçã, que todas as outras, porque se forma
cõ ? natural movimento, & abertura dos beyços, &
nã he necessario saber fallar, para a pronunciar, co-
mo cõsta de alg?s Profetas, que disseram, que nã sa-
biam falar, A. A. A. Nescio loqui. Cap. 1. Hier.
Os Latinos a chamam vogal livre, & prepositiva,
porque recebe despoys de si todas as outras vogaes
pág. 70
& consoantes; & a nomeam, como todos os que del-
les dirivam sua lingoagem, simplezmente, A. os Gre-
gos Alpha, os Hebreos Aleph, os Arabes Alif, ou
Alifa.
Nã se dobra ja mays ? diçã alguma Portugueza,
n? no principio, n? no meyo, n? no fim, como tam-
b? nenhuma das outras vogaes, contra o parecer de
nossos Ortografos, como logo direy.
He vogal simples, & pura, & na cantidade, assi
para cõ os Gregos, como para cõ os Latinos, a qu?
siguimos, duvidoza: porque póde ser breve, & póde
ser longa, segundo o lugar onde cair, como ? este no-
me vara: aonde o primeyro a, he longo, & o segundo
he breve: por? nã ha mays que ? a, que ser longo,
ou ser breve, he cousa acidental: porque per si nã he
longo, n? breve, & póde ser ? & outro, como todas
as outras vogaes: cuja pronunciaçã se varia, confor-
me os acentos, ou as letras, a que se ajuntam: porque
quando t? o acento agudo, parecem grandes, quan-
do o t? grave pequenos.
Quando o a se po? antes de m, ou n. Pronunci-
ase cõ menos hiato, & abertura da boca, & fica pare-
cendo pequeno, nã o sendo; assi como ? flama, cano:
de maneyra, que o ser grande, ou ser pequena a vo-
gal, consiste na longura, ou espaço, cõ que se pron?-
cia, & nã na maneyra della. Iunto a outras letras nã
soa tã obtuso.
pág. 71
Mandase fora da boca cõ espirito mays cheyo, que
nenhuma das outras vogaes; redusindose o gorgo-
millo, & o espaço ? que se forma a voz, a mayor re-
dondeza, & abayxandose o grosso da lingua, para
dar saida mays larga ao flato, que faz a tal voz, & o
restante da boca, cõ os beyços, fica ? sua ordinaria
postura, senã ?quãto he necessaro ac?modar a aber-
tura da boca á voz, que sae.
Em quanto letra elemental, tomada (como dizem)
? abstrato, n? t? acento, n? medida, màs despoys, que
se faz diçã, & cõ a diferença dos acentos, varia tam-
b? a pronuciaçã.
Quando se poem por relativo, antes, ou despoys do
verbo, como à amo, ou amo a, se asinalará cõ acento
grave, como nòs exemplos se ve, porque entã t? a pro-
nunciaçã breve, & remissa. Quando he preposiçã,
se asinalará cõ acento agudo, porque entã he longo:
& o mesmo se faz quando essa preposiçã se ajunta
cõ o articulo: & debayxo desta unica figura á se in-
cluem ambos per sincopa, & nã se escreverã dous aa,
como o Licenciado Duarte Nunez, & seus sequa-
zes dizem, ainda que Alvaro Ferreyra de Vera, diz
que tamb? póde ser como nós dizemos. Quando he
articulo, nã ha mister acento grave, n? agudo.
A importancia destes acentos mostraremos, quan-
do delles tratarmos.
He esta letra a. fatal para os de entre Douro, &
pág. 72
Minho, & Beyrões, siguindoselhe outro a. porque nã
os pódem pronunciar ambos ? detras do outro, s? lhes
meter de permeyo ? y, & assi havendo de dizer, a a-
gua, a alma, infalivelmente hã de dizer ay agua, ay
alma. Màs o mesmo vicio t? [segundo Frey Regnial-
do Acceto, ? o tesouro de sua lingua] algumas terras
de Italia, como as do Brexiano, & Ariano do R?,
que por dizerem aqua, pane, cazo, barca, dizem, ay-
qua, payne, cayso, bayrca, &c.
Em alg?s vocabulos, que dos Latinos temos se
converte ? e. como de alacris, alegre; factus, feyto;
faxus feixe; basium, bejo; lac, leyte; magister, mestre;
sagitta, seta, & outros taes As vezes ? o, como de fa-
mes, fome, &c.
Cicero a chama letra salutifera, ou saudavel. 3. Ver.
Porque como diz Asconio Pediano, era letra de ab-
solviçã, como o c. era de condenaçã, màs ? as divinas
letras era sinal de alguma ameaça; porque b? notou
o Padre Frey Xisto Senense, lib. 3. de divinis. Os Ex-
positores antigos soiã por no texto alg?s sinaes, al-
guns dos quaes nã eram letras, outros si: como que
cõ elles denotavam os sentidos encubertos ? a letra,
ou sentença, adonde se punham, & assi entre elles o
a significava, que a prófecia a que se antepunha, era
sempre cominatoria; como por Isaias diz A. Poem or-
dem Deos ? seus caminhos. Ionas A. Dentro de quarenta
dias Ninive sera destruida.
pág. 73
Os Antigos agoureyros adivinhavam per esta letra,
como per outras cousas, como advertio Cicero. Em
as subscripções, & inscripções, diz Prateyo, que he
antenome, & que significa Augusto; màs aqui nã he
senã cognome, ou sobre nome, como advertio o Mes-
tre Bertolameu Ximenes Patã, ? o seu Epitome da
ortografia Latina & Castelhana; & assi quando he
antenome, pola mayor parte significa Aulo, segundo
o disse Valerio Probo Gramatico, ? o tratado, que
disso fez.
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CAP. XVII.
Do E.
E Segunda vogal he letra simplez, & a mays vi-
sinha, & semelhante na pronunciaçã ao a, que
nenhuma das outras vogaes; porque havendose de
pronunciar e, & continuandose a voz, se alg? tanto
abrimos mays a boca, o seu sõ se converte ? a. E assi
t? melhor sõ que as outras vogaes, excepto o o, por-
que nã se forma tã prontamente seu espirito dos
beyços, como o sõ do a.
Cuydam alg?s que he de duas maneyras, porque
assi como dicemos do a, o pronunciamos ora longo,
ora breve; como nesta palavra besta; que tomandose
polo animal, t? o e breve; & tomandose pola arma
t? o e, longo, & se escreverá cõ acento agudo ?ci-
pág. 74
ma. Por? na pronunciaçã desta letra nã discrepa-
mos dos Latinos, segundo o uso de agora, porque
do antigo nã podemos fazer resoluto juiso, nã sen-
do certos de como pronunciavam os escritos, os mes-
mos falladores delles.
O Trissino considerando já o mesmo, acerca de
sua lingua Italiana, quiz introduzir nella o e tenue
dos Gregos, que he desta fórma ?, & o mesmo acer-
ca do o, acrecentando ao abece o dito e, & o Ome-
ga Grego, que he ?, porem nã foy siguido, por
mays razões, & argumentos, que para o persuadir
acumulou; que he tã mao de desarreygar de nossos a-
nimos, o que nos annos pueris uma vez percebemos,
como tirar de uma vasilha o sabor, que ? nova rece-
beo: n? das lãs se pódem apagar aquellas cores, ? que
aquelle simplez candor uma vez se mudou: & sem-
pre se apegam mays pertinazmente aquellas cou-
sas, que, piores saõ, & as boas cõ muyta facilida-
de se perdem. Nã ha por? duvida, que estas duas le-
tras do Trissino eram superfluas, porque cõ ? a-
cento encima, agudo, grave, ou circunflexo, se póde
remediar a ambiguidade destas letras, como a dian-
te diremos. E ja que acrecentava o ?, & o ?, pudera
tamb? acrescentar o æ, pois he da mesma natureza.
Servenos tamb? esta letra e, de conjunçã, & do
mesmo servia aos Antigos Latinos, s? t, como Elias
Veneto diz sobre este verso de Ausonio.
pág. 75
Elogo Dædalia stridet modo quid nimium?
E assi cõ pouco fundamento certo escritor nos-
so moderno usou promiscuamente della & do i, por
cõjunçã, imitando a alg?s Castelhanos, que fizeram
o mesmo com o e. Seb? nã ignoro, que os Antigos ?
muytos vocabulos, confundiam estas duas letras; dõ-
de Quintiliano, lib. 1. c. 4. disse que ?, here, n? o i, n? o
e, se ouviam distintamente, ? Ingrez t? grande ami-
zade entre si, de maneyra, que uma supre o lugar da
outra, & se usam ás vezes indiferentemente.
Em alg?s vocabulos, que dos Latinos temos, o
mudamos ? i, como de legi, li, de feci, fiz, de steti, es-
tive, & outros taes.
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CAP. XVIII.
Do I.
I Terceyra vogal t? o sõ debil, sutil, & ligeyro, incli-
nado, & todavia doce, & apto (como diz Platã)
para exprimir as cousas sutis, porque nenhuma das
outras vogaes t? menos espirito, màs produz o sõ
aprazivel, & suavemente alg? tanto.
Formase cõ o gorgomillo menos redondo, do
que ? produzir a, o, & engrossando alg? tanto a raiz
da lingua, passa o flato per lugar mays dezempedido,
pág. 76
do que ? fazer as sobreditas. T? a natureza longa, &
breve, segundo Quintiliano, lib. 1. c. 7. Breve, como ?
solido, & longa, como ? perigo, màs esta diferença
se assinalarà cõ os acentos, a saber solido, perigo.
Foy esta letra tida geralmente umas vezes por
vogal, & outras por consoante; & assi era anfibola, o
que nunca faz ? Hebreo, n? ? Grego: màs os moder-
nos as destinguem agora cõ figuras diferentes; & o
advertio ja muyto antes Iorge Bartoli, Gentilomem
Florentino, ? o tratado, que fez dos elementos da lin-
gua Toscana; ainda que ? quanto consoante lhe não
deo nome, n? figura.
O licenciado Duarte Nunez ? a sua Ortografia,
fol. 8. v. diz, que o soido desta letra, quando he vogal
he proprio, & natural seu, & quando he consoante,
improprio, falso, & alheo de sua natureza; & que este
he cõmum ao g. quando o pronunciamos cõ e. i. que
he uma pronunciaçã Mourisca tã alhea da proprie-
dade do g, como do i, & traz por exemplo estas pa-
lavras, janella, jej?, joane, justiça, ? os quaes (diz) nã
sintimos ? a pronunciaçã alguma semelhança do i,
consoante dos Latinos, que segundo elle, t? o soido,
que vemos ? Troia, Maio, ou ? estas palavras Lati-
nas, hei, huic, cui, onde os Autores Latinos dizem ser
o i, consoante.
A ningu? quizera contradizer, somente digo, que
nã sey a pronunciaçã, que os Antigos davam a Troia.
pág. 77
Maio, hei, huic, cui; màs que janela, jej?, justiça, me
soam os ouvidos, como ianua, ieiunium, Ioannes, ius-
titia dos Latinos, conforme nós agora os pron?cia-
mos, que como elles os pronunciavam, nã haverá oje
qu? o diga. N? deyxo de reparar acerca do que diz
ali o Licenciado Duarte Nunez, que se ? hei, huic, cui,
o i, he consoante, como se acham ás vezes de duas si-
labas? b? sey que dirã que por Dieresis, como ?
Stacio.
Falsus huic pœnas, & cornua sumere terræ.
E neste de Ausonio.
Dinochares quadro cui in fastigia cono.
Adonde diz Turnebo se ha de ler cuui, por fazer
a silaba longa, como tamb? se acha ? os Comicos,
& Plato disse fuuerit, pro fuerit: màs parece que se
ali o i fôra consoante, nunca tivera lugar de vogal: &
os Antigos disseram tamb? qui, por cui, & cui, por
qui; màs estes argumentos nã saõ deste lugar; & assi
tornando ao nosso intento, consinto no que nossos
Ortografos dizem, que o i, quando fizer oficio de vo-
gal se escreva cõ figura pequena, nesta forma i; &
quando fizer oficio de consoante, rasgado para bay-
xo, assi j, ao qual os Modernos chamam je, & eu lhe
chamara jo, dedusindoo de Iod da lingua Hebraica,
? a qual sempre he consoante; porque ao je, lhe nã
pág. 78
acho origem alguma, & he confundillo cõ o ge, que
assi se hade chamar esta letra g, & n? ga; porque es-
te foy sempre o seu nome, entre os Latinos, como
diz Iosepho Escaligero sobre Ausonio; Nam Latini
(diz elle) pronunciant be, ce, de, ge, pe, te, &c. & nós assi o
pronunciamos ategora.
Màs ou seja je, ou jo, quando he consoante, t?
muyto diverso oficio, do que quando he vogal: por-
que o j consoante sempre fere outra vogal, & nun-
ca se po? antes de outra consoante, n? ? o fim de al-
guma diçã, n? t? lugar no principio dos nomes pro-
prios, que esses se escrevem cõ letra mayuscula, como
I. E o i vogal nunca fere outra vogal, & pode ir no
fim de qualquer diçã. Em os numeros antigos, &
modernos significa ?.
________________________________________________________________
CAP. XIX.
Do O.
O He elemento vogal, de muyto bõ sõ, & de fi-
gura perfeytissima, porque he redondo simbo-
lo de toda a Eternidade, porque nã selhe parece prin-
cipio, n? fim; aindaque tambem he simbolo do fim,
porque o Omega he a ultima do Abece Grego, co-
mo está dito. He tamb? simbolo de dezejos, & por
essa razã uma das festas de Nossa Senhora [que he a
pág. 79
Expectaçã, ou como vulgarmente se diz da Esperan-
ça,] se diz Nossa Senhora do O, porque no oficio,
que a Igreja sete dias per aquelle tempo reza, come-
çã sete antifonas per O.
Nã quero deyxar de referir aos curiosos ? enigma,
que o Mestre Bertolameu Ximenez Patã traz ? a sua
dita Ortografia, & tamb? por aver sido o caso mila-
groso, de dous versos, que a ? Servo de Deos foram
dados, que diziam.
Dimidium lunæ, & spheram cum principe Romæ.
Postulat à nobis divinus conditor orbis.
Os quaes versos, explica o mesmo, lhe puseram ?
cuidado, até que achou a explicaçã, que he esta; Deos
criador do Ceo, & terra, nos pede que lhe demos o co-
raçã. Diceo por estes termos; pedenos tres letras, que
sinificam pela mea l?a o. c, pela esfera c. o, pelo prin-
cipio de Roma or, que todas juntas dizem cor, que
significa o coraçã, & pedindo isto pede a alma, por-
que segundo muytos filosofos, ? o coraçã t? seu prin-
cipal assento. Por isto o Sagrado Doutor S. Agosti-
nho tomou por armas ? coraçã atravessado cõ uma
seta do amor de Deos: no que o imitou o b?aven-
turado Santo Thomas de Villa nova filho de sua ve-
neravel Religiã.
Formase cõ a garganta mays redonda que o i, &
menos que o e. Ajudase a pronunciar cõ lançar os
pág. 80
beyços mays para fóra doque nas outras vogaes. Faz
sõ diferente quando he longo, & quando he breve,
assi como dicemos do a, & do e, & tamb? do i. Por?
n? he mais que uma só letra, & nã duas, como alg?s
imaginaram, & o ponderou o Trissino, como dice-
mos do e, màs nós o escrevemos como os Latinos; se
b? na pronuncia diz Terenciano que os Antigos o
distinguiam, como neste nome pópulus, que pola ar-
vore profiriam abrindo mays a boca, que quando o
tomavam polo povo.
He grande a semelhança, que t? cõ o u, que se nã
se t? conta cõ a pronunciaçã facilmente se ouve ?
por outro; como ordinariamente nos parece, que os
estrangeyros Setentrionaes os trocam: assi diz Quin-
tiliano lib. 1. c. 4. Quid o, atque u, permutatæ invicem? in
Hecoba, & notrix, Culchidas, & Pulyxena scribentur, ac
ne in Græcis id tantum notetur, dederont, & probaveront.
O mesmo diz Festo, que os Antigos usurparam
o o, polo u; & escreviam Sacerdus por Sacerdos, E-
pistula por Epistola, & muytos semelhantes Angelo
Policiano, escrevendo a Bertolameu Scala, diz que
algumas terras carecem de o, & ? seu lugar uzam de
u; como saõ os Tuscos, & os Vmbros. T? os Gre-
gos dous oo, ? que chamam O micron, que quer di-
zer o pequeno, & outro, que chamam Omega, &
quer dizer O grande, & diferem na figura Os Caste-
lhanos tãb? ? lugar de o, quãdo he conj?çã, usam
muytas vezes do u.pág. 81
Tomase ? muytas maneyras, segundo os Grama-
ticos; porque umas vezes he para chamar; outras he
interjeycã de varios afectos, ou de admiraçã, ou de
nojo, ou de dezejo, ou de pessoa colhida de sobresal-
to, ou de dor, ou de alegria, ou de exclamaçã, ou vitu-
perio; & serve tamb? de articulo masculino, como di-
cemos, fallando do a. Em conta de guarismo se cha-
ma cifra, & per si so nã significa cousa alguma, &
posta diante de outras vay subindo o valor de dez
por diante, como se póde ver ? Moya, & os mays,
que deste genero escreveram.
________________________________________________________________
CAP. XX.
Do V.
HE o u, vogal, que se pronuncia lançãdo os bey-
ços para fóra, màs menos abertos, que no o.
He letra muyto diversa do v consoante, assi na figu-
ra, como no oficio, ainda que os Antigos uzaram de
ambas indistintamente: màs poys nós podemos re-
prezentar estas duas letras, vogal, & consoante, cõ di-
ferentes figuras, he m?y acertado que o façamos.
Oxalá pudera ser o mesmo ? as outras vogaes, como
os Gregos fizeram ? e, o, porque t? e, tenue, que cha-
maram epsilon, & e, longo, que chamaram Eta, o,
pequeno que dizem o micron, & O grande, que di-
zem Omega: & todas cõ diversas imagens, ainda quepág. 82
no soido cõ nenhuma diferença, mays que serem si-
labas longas, ou breves. Por? como estas vogaes, en-
tre os Latinos, nã t? mays que uma fórma, cõ elles
nòs acomodamos.
Remeda ao sõ, ou mugido do boy, ou ao brami-
do do lobo, por onde Ausonio disse que soava como
sõ de fera; Ferale sonans; & os Gregos nã a tiveram
na igualdade dos Latinos, como diz Vineto, sobre
este verso do mesmo Ausonio.
Cecropijs ignota, notis, &c.
E Prisciano diz que t? o sõ como o ditongo ?
dos Gregos, & ou Francez.
De quando se faz consoante fallaremos adian-
te. As vezes, he liquida, que nã he vogal, n? consoan-
te: & ainda no verso, sendo consoante se faz algumas
vezes vogal breve, como vemos ? Horacio no
Epodon.
Nivesque deducunt Iovem.
Nunc mare; nunc silvæ.
Per dirivaçã sendo vogal se converte ? v, consoã-
te, como de Nauta, navita, de gaudeo, gavisus: ? e, co-
mo de pondus, ponderis; onus, oneris, ? i, como de
cornu, corniger; despois de q, g, e, s, se faz liquido. Cõ-
vertese ? o, como de gumi, gomo; de lupus, lobo; de
guta, gota; de musca, mosca; de nurus, nora; de pu-
pág. 83
tator, podador; de umbra, sõbra; de unda, onda, & ou-
tros semelhantes. He tamb? u, nome de ? famoso la-
drã, & valerozo capitã ? o Reyno da China, & no-
me de ? Reyno. & de ? Rey, ? a mesma, segundo o
Padre Martins, ? o seu Atlas.
________________________________________________________________
CAP. XXI.
Do Y.
ESta letra y, he propriamente Grega, & uma de
suas vogaes, màs servialhes de u, que chamá-
ram upsilon, que quer dizer u tenue, como tamb?
ao e tenue chamaram epsilon: & he pouco diversa
do u Latino, ? a pronunciacã, que nós agora nã sa-
bemos; porque a antiguidade he toda cuberta de tre-
vas. Os Latinos a receberam ? seu Abece, por enten-
derem, que s? ella nã podiam b? escrever os voca-
bulos Gregos, que naturalmente a t?, & nós á sua i-
mitaçã o fazemos tamb?, para alguns vocabulos
nossos proprios, cõ que fazemos seys vogaes. Para cõ
os Castelhanos serve de consoante, salvo quando
he conjunçã, porque entã constitue per si silaba: &
os Francezes se aproveytam della ? lugar de i, vo-
gal, ? vocabulos originalmente Latinos, ou proprios
de sua lingua, que alguns Ortografos nossos dizem
nã pódem ter esta letra, que propriamente he Gre-
pág. 84
ga, & teve muyto diferente pronunciaçã, posto que
oje a nã sintamos, como he ? muytas letras, a que
nã damos o seu proprio sõ, por se perder cõ o discur-
so do tempo: o que adverti, por curiosidade, s? dizer
pro, n? contra; Nós a uzamos cõ muyto acerto, para
distinçã de algumas dições, que no soido o i Lati-
no nã difere do y Grego, como diz Ioã Bautista
Porta, ? o livro, de occultis literarum notis, livro 3. cap. 3.
cõ estas palavras; Græcum quoque y é nostris expungimus,
cum satis sit notarijs ejus sonum expleri per i, sonum enim
utrique characteri cõmunis est. E essa deve ser a razã,
porque muytos Castelhanos doutos a excluem de
suas composições, como Aldrete, que sómente usou
do i, Latino, & assi ? seus escritos se ve.
Nós a temos por vogal, por? nã suficiente a fazer
per si so silaba, poys sempre lhe precede outra vogal,
cõ a qual compoem uma so silaba. como ? pay, mãy,
& assi se destingue do i, que he vogal completa. E
a diferença, que entre estas duas y, i, & esta j, ha, se
mostra claramente ? as palavras seguintes;cayado, cai-
do, cajado; as quaes se diversificam pela diversidade
dos y, i, j.
Deste y, poys usaremos ? todas as silabas, ? que
ouver de entrar i, & nã se ouvir o tal i, & cõ elle se
pronunciarem as vogaes a, e, o, u, de ? flato, como
pay, ley, boy, ruyvo, & assi escreveremos gayta, feyto,
foyce, muyto, & outras taes, & n?ca lhe poremos
pág. 85
encima põto: màs adõde se sentir o soido do i, se escre-
verá cõ elle, como gemido, suspiro, &c. E nã temos
necessidade de escrever cõ y, as dições Gregas, que os
Latinos escrevem cõ elle, como syllaba, sylva, hydro-
pico, hydropisia, hypocrita, hypocrisia, & outros taes,
porque nã estamos obrigados ? tudo à ortografia
dos Latinos; quanto mays, que elles escreviam os taes
vocabulos cõ y, porque entre os Gregos soava co-
mo u, como diz o Brocense; & o dizem Sosipatro Ca-
risio, Terenciano Mauro, Vitorino, Terencio Scauro,
Verrio Flacco, & outros, por entenderem, que cõ o
seu i, lhes nã davam a doçura, que naquelle y, s?tiam;
por onde diz Quintiliano lib. 12 cap. 10 Quod cum cõ-
tingit nescio quo modo velut hilarior protinus renidet oratio,
ut in Zephyris, & Zopyris, quæ si nostris literis scriban-
tur surdum quiddam, & barbarum efficient, & velut in
locum earum succedent tristes, & horridæ, quibus Græcia ca-
ret. E assi quando cõ suas letras escreviam dições, ?
que ouvesse de entrar y Grego, ? seu lugar punham,
& pronunciavam a vogal u, como diz Cicero, & di-
ziam Sulla, por Sylla, Purum, por Pyrum, Phruges
por Phryges, & semelhantes, de que ha muytos exem-
plos ? a trasladaçã de muytos vocabulos da Lingua,
Grega ? a Latina: Nós como nã sintimos ? a orelha,
aquella melodia Grega, escrevemos os taes vocabu-
los per i Latino, como silaba, silva,, idropico, idrope-
sia, ipocrita, ipocresia, &c.
pág. 86
Duvidam alguns como se ha de escrever este
nome cajado, por bordã de pastor, ou cayado, por
branqueado cõ cal, & digo que se ha de escrever, co-
mo aqui se ve, & ja atras dicemos. Vltimamente ad-
virto que nenhuma diçã nossa começará per esta le-
tra y como fazem os Francezes, & os Castelhanos.
Os Italianos nã a t? ? seu Abece.
Chamase esta letra de Pythagoras, Filosofo Samio,
nã (como alguns creram) porque elle fosse o seu in-
ventor, màs porque cõ esta letra nos mostrou, que
dous caminhos tinhamos ? esta vida, per onde ca-
minhar; significando o rasgo da mã direyta, que he
estreyto, o caminho da virtude, arduo, & apertado,
como disse o mestre da verdade, quando disse, que a
porta do Ceo era pequena, & estreyta; Arcta est via,
quæ ducit ad salutem, & pauci inveniunt eam. Math. 7. E
significando o rasgo da mã esquerda, que he largo,
& amplo, o caminho dos vicios, & perdiçã; porque,
como diz o mesmo Senhor, ibidem; Lata, & spacio-
sa est via quæ ducit ad perditionem, & multi inveniunt eam.
E no pe desta letra, que he estreyto, se representa a
mocidade, ? o qual tempo os omens estã incertos do
caminho, que seguirão; se o da parte esquerda, que
conduz aos vicios, se o da parte direyta, que guia á
virtude: a qual letra acaba ? ? grande, espaço, simbo-
lo da bemaventurança. O que declarou Virgilio ?
este epigrama,
pág. 87
Litera Pytagoræ discrimen secta bicorni,
Humanæ vitæ speciem præferre videtur.
Nam via virtutis dextram petit ardua callem,
Dificilemque aditum primum spectantibus offert.
Sed requiem præbet fessis in vertice summo.
Molle ostentat iter via lata: sed ultima meta
Precipitat captos, volvitque per ardua saxa.
Quisquis enim duros casus virtutis amore
Vicerit, ille sibi laudemque, decusque parabit.
At qui desidiam, luxumque sequuntur inertem;
Dum fugit oppositis incauta mente labores,
Turpis, inopsque simul miserabile transiget avum.
O quaes ? Portuguez poderão dizer,
De Pythagoras parece
A letra ? ramos partida,
Que os dous caminhos da vida
Aos olhos nos oferece.
A vida da mã direyta
He a da virtude, & t?
A entrada dificil b?
Apertada, & muyto estreyta.
Màs no cume seu mays alto,
Que parece inacessivel,
Acha descanço aprasivel
O que vay de forças falto.pág. 88
A via larga nos mostra
Caminho suave & brando,
Por? ao cabo chegando
Nos precipita, & nos postra.
Quem poys por amor sómente
Da virtude nã temer
Trabalhos, poderà ser
Louvado, & honrado entre a gente.
Màs aquelle, que seguir
A preguiça, & o inerte
Regallo s? que o desperte
Louvores de outros ouvir,
Emquanto faz neciamente
Porque os trabalhos esquive,
Sempre torpe & triste vive,
E acaba mays tristemente.
E he o mesmo que Virgilio diz ? o 6. da Æneida.
Hic locus est parteis ubi se via findit in ambas
Dextra, quæ Ditis magni sub mænia tendit,
Hac iter Elisium nobis, at læva malorum
Exercet pænas, & ad impia Tartara mittit. &c.
E Persio ? a Satyra terceyra.
Est tibi quæ Samios deducit littera ramos
pág. 89
Surgentem dextro monstrabit limite coelum.
A invençã desta letra atribuem alg?s a Palamedes.
— — — — quem falsa sub proditione Pelasgi
Demisere neci Virg 2, Æn.
Em o cerco de Troya, fiados ? a autoridade de
Philostrato, porque diz que estando os Gregos j?-
tos & sucedendo voar uns grous, olhando Vlysses
para Palamedes, lhe dissera; Grues Achivis testibus in-
ventionem sibi literæ vendicant, isto he; os Grous, tomã-
do aos Gregos por testimunhas, atribuem a si a in-
vençã da letra; & que Palamedes respondera; Litteras
non inveni, sed ab avibus inventas fateor: Eu nã achey as
letras, màs antes confeço, que as aves as acháram.
Ao que parece teve intento Marcial, quando disse.
Turbabis versus, nec littera tota volabit,
Vnam perdideris si Palamedis avem.
E Lucano.
Et turbata petit dispersis littera pennis
Màs Ioã Britanico, declarando o lugar de Persio
acima refirido, do que a invençã desta letra se deve
atribuir a Simonides; que a causa porque se atribue a
Pythagoras, he a que acabamos de refirir. He tamb?
y, nome de ? Rio ? a China, na Provincia de He-
na, & de ? outeyro ali mesmo muyto ameno &
pág. 90
& aprasivel, & tamb? de ? pequeno monte na Pro-
vincia de Quangui, territorio da cidade de Kingyven.
________________________________________________________________
CAP. XXII.
Do valor das vogaes.
SAõ as consoantes s? as vogaes, como ? corpo s?
alma, & cõ ellas se constitue esse corpo ? sua
perfeyçã; & assi o concurso das vogaes faz a oraçã
doce, & sonora, como Cicero diz, no orador; pola
qual razã os Sacerdotes do Egypto (como delles escre-
ve Oro que cõ diligencia tratou de seus ritos) que-
r?do mostrar a Musa, pintavam dous dedos rodeados
de sete vogaes, que tantas t? a lingua Grega, dando
a entender, que nellas consistia toda a suavidade, &
propoçã da musica: & disto tamb? os Gregos, que
da arte da musica deram preceytos, nos dã nã pouca
fé; porque querem, que nossas orelhas tomem admi-
ravel prazer do sõ das vogaes, & ensinam como t?
proporçã cõ as vozes do canto: sobre o que Pierio
Valeriano discorre largamente ? seus geroglificos.
Màs he necessario que estas vogaes sejã acompanha-
das de consoantes, porque cõ ellas fica o sõ mays
cheyo, como diz Iulio Cesar Scaligero, Poet. lib. 4.
c. 47. & s? ellas ficam as palavras languidas, & molles,
como b? advertio o Beni, ? a introduçã á Ierusalem
pág. 91
Liberata de Tasso (antes delle Quintiliano lib. 9.) que
he ? grãde defeyto da lingua Italiana, que por acabar
sempre suas vozes ? vogal, fica afeminada, & pueril.
O cõtrario dizem alg?s socedeo ? a lingua Hebraica,
que por falta de vogaes querem padecesse antigam?-
te grande dificuldade; & que para se nã perder de to-
do o conhecimento della, se inventaram os pontos
& os acentos, que agora se v? nas Biblias Hebreas,
embayxo, & encima, ou no meyo das letras consoan-
tes, donde imaginam procede a grande variedade
? sua interpretaçã: màs ser isto falso mostra muyto
clara & doutamente o P. Frey. Francisco Donato, da
sagrada Ordem dos Prégadores ? o seu livro, que in-
titulou Poma Aurea, Vbi de punctis vocalibus. E os
Francezes polas demasiadas vogaes t? nã menor de-
feyto ? sua ortografia; porque nã pronunciam os
vocabulos como os escrevem: do que os calumnia Ioã
Piloto, autor tamb? Francez, ? a arte que da mesma
lingua compoz. As vozes Gregas, & Latinas, como
tamb? nossas Portuguezas, todas saõ formadas de
consoantes, & nellas acabam muytas vezes, cõ que re-
cebem gravidade, suavidade, & fermosura. Isocrates
de maneyra fugia o concurso das vogaes, que deo cõ
muyta razã a Plutarco lugar de o escarnecer; quã-
do ? o livro, onde propoem, se os Athenienses ti-
nham aquirido mayor gloria cõ as armas, ou cõ as le-
tras, discurrendo pela vida de Isocrates, & mostrando
pág. 92
como elle fora sempre pouco suficiente para as cou-
sas de guerra, diz; Como sofreria o sõ das armas, & o
rompimento dos esquadrões, que ? tanto concurso das vogaes
temia, & pavorosamente fugia, que ? membro de clausula
nã fosse menor que o outro, n? uma silaba? & a oraçã, por-
que Isocrates isto fazia, era porque amava muyto as
palavras iguaes, & cheyas. Màs Demetrio, ? o seu belis-
simo tratado, & outros, saõ de parecer, & opiniã cõtra-
ria: E creceo tãto este credito, que Cicero se sugeytou
a ella, ? ? lugar, cujas palavras ? o Orador saõ estas.
Quod quidem Latina lingua sic observat, nemo ut tam rus-
ticus sit, quin vocales nolit conj?gere, in quo quidem Theo-
pompum reprehendunt, quod eas tantopere fugerit, & si id
magister ejus Isocrates, at non Thucidides, nec ille quidem
haud paulo maior scriptor Plauto. O que a todos elles a-
conteceo por ser? amadores daquelle sõ suave, que
do concurso das vogaes (como dice) nace; por? nã
se hã de acumular afectadamente, porque assi como
por parecer do mesmo Cicero, aquellas mulheres só
são fermosas, que desprezam a fermosura, assi aquella
oraçã será bella & gentil, que demasiadamente nã
procurar cõ afecto este concurso; como ? o siguinte
verso de Petrarca se nota.
Fior‘, frond‘, herb‘, omb‘, antr‘, ond‘, aure suaue.
O qual, como b? disse o Trissino, livro de vulgar
eloquencia, parece escrito ? lingua Todesca.pág. 93
Das vogaes, diz Tarquinio Galucio, cap. 19. de E-
leg. que a, o, produzem grande sõ; como
Italiam fato;
Ioniam in magno, &c.
Que o e, nã t? tamanho sõ, más mediocre, & que por
essa razã as palavras, que t? semelhante vogal, seraõ
mays suaves, assi como, ciere, dicere, que o i, soa menos,
& faz a voz molle, como, ut vidi, ut perij, & que o u,
soa mays branda & suavemente que todas, particu-
larmente repetindose ? a mesma voz, como;
Et color in niveo corpore purpureus.
________________________________________________________________
CAP. XXIII.
Dos Ditongos.
DItongo, segundo se colige da etimologia, &
significaçã da palavra Grega, donde este no-
me se diriva, he ? ajuntamento, cõ glutinaçã, ou cõ-
curso acidental de duas vogaes, que fazem ? sõ sim-
plez, & uma só silaba, porque di, & phtongos, ? a lin-
gua Grega, quer dizer dobrado sõ, de duas vogaes,
& nã de uma sómente, como se ve ? os seguintes
versos de Terenciano.pág. 94
Porro vocalem secuta, vim tenet vocalium,
Et sonos utrosque jungit, unde diphtongos eas
Græciæ dicunt magistri, quod duæ junctæ simul
Syllabam sonoro in unam, vique gemina præditæ, &c.
Cada lingua t? os seus ditongos proprios, & os
forma de diferentes maneyras, & per diverso aj?-
tamento de vogaes; & umas nações t? mays, outras
t? menos, & ainda triphtongos, que quer dizer aj?-
tamento de tres vogaes ? uma só silaba. Os Gregos
usam de onze ditongos, cinco que chamam proprios,
tres cacofanos, & tres improprios; Os Latinos, seg?-
do Henrique Bebelio, lib. de modo dicendi, & scribendi;
tinham sómente quatro; au, eu, ae, oe; os mays anti-
gos tiveram sete, porque acrecentavam mays estes
tres; ai, ei, ou; màs tamb? tiveram, ee, ii, iy, cõ que fize-
ram dez, acerca do que se póde ver Angelo Poli-
ciano, ? as Micelaneas, cap. 43. & o Mazzoni, no dis-
curso, que dos Antigos fez, p. 2. Os Francezes t? outo
segundo Antonio Fabro; os Italianos ?s lhe dam
sete, outros outo, alguns doze, muytos dezaseys; & o
dito Mazzoni afirma, que a sua lingua ltaliana ne-
nh? ditongo t? proprio, màs os dous estrangeyros
tirados da lingua Latina, que ja o uso (diz) t? rece-
bido na escritura. Em Castelhano ha doze, como diz
o Mestre Berrolomeu Ximenes Patam, no dito E-
pitome da ortografia Latina & Castelhana, que saõ,
pág. 95
ae, au, ao, ei, ia, ie, oi, ua, ue, ui. Entre nossos ortogra-
fos ha muyta variedade, porque ?s querem que sejam
quinse, outros dezaseys, outros vinte & quatro: os
que eu acho são estes; ae, ãe, ay, ãy, ao, ão, au, ey, eo, eu,
ia, ie, io, oe, óe, oy, ou, ua, uy, que saõ dezanove.
Do ditongo ae.
1. Deste ditongo usamos ? a segunda pessoa
do módo imperativo, & numero singular dos verbos
cayo, sayo, vou: como cae, sae, vae; & semelhantes: Os
Latinos a pronunciam como se fora e, màs cõ esta fi-
gura æ, aonde estão cincopados o a, & o e, & assi fa-
zem do ditongo oe, esta forma œ, que diferencea
pouco da outra: màs antigamente se pronunciavam,
& escreviam desatados, ae, oe, como consta de muy-
tas laminas & pedras antigas; & Sanches quer que
ainda oje se guarde o mesmo estilo. E parece o favo-
rece Marcial ? ? epigrama, lib. 1. ao sono, que diz assi.
Næuia sex cyathis, septem Iustina bibatur;
Quinque Licas, Lide quatuor, Ida tribus.
Omnis ab infuso numeratur amica Falerno;
Et quia nulla venit, tu mihi somne veni.
Para o que he de saber, que quando os namora-
dos bebiam, costumavam brindar ao nome de suas
damas (como Horacio no Epodon) & contavam as
letras, que o nome de cada uma dellas tinha, & tan-
pág. 96
tas vezes bebiam, segundo Ovidio, & Stacio. E quer?-
do o poeta zõbar dos que guardavam estas leys (a
que Horacio chamava loucas) diz que quer brindar
ao nome de Nevia seis vezes, o qual nome escrito cõ
o ditongo ae, Naevia t? seys letras, ao de Iustina
sete, de Lydas cinco, de Lida quatro, & ao de Ida tres:
onde claramente se vé, que ? Nevia se desatou o
ditongo ae, & o contou por duas letras, como na
verdade t?, & nos tres ultimos versos de outro epi-
grama fez o mesmo, nos quaes diz lib. 11. ad Lup?.
Errasti, Lupe litera sed una,
Nam quo tempore prædium dedisti:
Mallem tu mihi prandium dedisses.
Adonde pola Paromasia jogando do vocabulo
diz; Erraste Lope amigo ? uma letra, quando me cõ-
vidaste a tua erdade [que ? Latim se diz prædium]
& mays quizera, que me convidaras a uma comida
[que ? Latim se diz prandium] & dizendo que es-
teve o erro ? uma letra, que foy ? vez do e, n, mostra
que ? praedium o ditongo se deve ler desatado: o
que tudo notou Ximenez ? o dito Epitome. Contu-
do a pronunciaçã ha de ser a que agora cõm?mente
se usa, & assi havemos tamb? de escrever, porque o
costume t? grande força, como Ioã Ouven diz.
Consuetudo & mos vim legis habere videntur.pág. 97
E os dicionarios muytos vocabulos, que se escre-
vem cõ ditongos, os escrevem tamb? s? elle, por-
que de ambas as maneyras se acham, como Mæce-
nas, & Mecenas, Cælius, & Celius, Musæ, & Muse.
ãe,
2. Este ditongo he necessario ? os pluraes dos
nomes acabados ? ã, como capitã, Alemã, gaviã, de
que dizemos capitães, Alemães, gaviães; & outros taes,
como mays largamente diremos quando tratarmos
da formaçã dos pluraes.
ay.
3. Este ditongo he propriamente nosso, & muy-
to necessario para distinçã de muytos vocabulos,
que parece acabar ? ai, ditongo proprio dos Gregos,
que tamb? os Latinos t?, ainda que impropriamente,
& por se dirivar da lingua Grega, o chamam estran-
geyro, & improprio, porque o proferem cõ duas sila-
bas, nã tendo o ditongo mays que uma, & dous
sõs, por ser meyo entre o natural, & o acidental cõ-
curso, escrevendo aulai, animai, por aulæ, animæ; co-
mo se ve ? muytos lugares de Lucrecio, & de outros
poetas antigos; & se acha tamb? ? Virgilio, como.
Aulai in medio libabant pocula Bacchi.
E ? Benavento refere Pontano ? o primeyro li-
vro da aspiraçã, ha pedras, ? as quaes se ve escrito,
Coliniai, Beneventanai; & Festo diz tamb?, que os
pág. 98
velhos Latinos pronunciavam o ditongo dos Gre-
gos ae, por ai: & ? algumas medalhas se acha escrito
Aimilius, por Æmilius Nigidio Figulo, segundo A.
Gelio, distingue o ai, do ae; dizendo que ae, se deve
dar ao dativo, & ai, ao genitivo.
Nós usaremos sómente do ditongo ay; todas as ve-
zes, que cõ a vogal a, ouver de ir i, & nã soar como i,
assi como ? ay, pay, amays ensinays, &c. porque usan-
do do ditongo ai póde causar anfibologia, como ?
esta diçã cay, terceyra pessoa do verbo cayo, no indi-
cativo, que se se escrever cõ i, dirá cai, na primeyra
pessoa do preterito perfeyto; assi say, sai, &c. & aos
Castelhanos pola mesma razã convinha muyto uzar
dos mesmos, porque diferentemente soará entre el-
les ley, ou lei; Rey, ou rei: porque ley, & Rey saõ no-
mes apelativos, & lei, preterito do verbo leo, rei pre-
terito do verbo rio; & outros muytos, & me espanto
de como o nã advertiram ? suas ortografias om?s tã
doutos, que a escreveram.
ãy.
4. Este ditongo nos serve unicamente para este
nome mãy.
ao.
5. Deste ditongo usamos ? muytos nomes, co-
mo ? vao, nao, pao, ainda que nossos Ortografos
queyram que estes sejam de duas silabas: nã sey cõ
que fundamento; porque nós nã pronunciamos as
pág. 99
vogaes ao distinctas, como va o, na-o, pa-o; màs de
? folego, vao, nao, pao, cadaqual de uma só silaba, &
assi birimbao, calhao, marao, &c.
aõ.
6. Este ditongo sucedeo ? lugar da antiga ter-
minaçã dos Portuguezes, om, que punham ? lugar
de an, ou on, dos Castelhanos, como se ve nestes ver-
sos de ? letreyro antigo.
Aqui jaz Simom Antom,
Que matou muyto Castelhaõ
E debayxo de seu covom
Desafia a quantos saõ.
A qual ainda agora guardam alg?s de antre Dou-
ro, & Minho, & os Galegos, que dizem, fizerom, amá-
rom, Capitom, Cidadom, Tabaliom, Apellaçom, &c.
He o mays frequente de nossa lingua, & sobre
que ha varias opiniões; a minha he, que para o acer-
tarmos nòs guiaremos pela lingua Castelhana, & os
vocabulos, que elle acabarem ? ano, anos, acabare-
mos nós ? ão, aõs; Diz? elles, cano, ciudadano, aldeano,
mano, vano, sano, vilhano, & no plural canos, ciudada-
nos, aldeanos, manos, vanos, sanos,; diremos nós cão,
cidadão, aldeão, mão, vão, são, villão; e no plural caõs,
cidadãos, aldeãos, mãos, vaõs, saõs, & outros semelhã-
tes. E assi se escreveraõ por este ditongo aõ, todas as
terceyras pessoas do plural, & tempo futuro, de qual-
pág. 100
quer verbo que seja, como seraõ, amaraõ, leraõ, ensi-
naraõ, foraõ, &c.
au.
7. Este ditongo he tamb? Grego, & o t? os La-
tinos, & he ? dos que o Mazzoni diz serem proprios
da lingua Italiana, & tamb? he Francez Aristopha-
nes diz, que soa como o ladrar dos cães, especialmente
dos pequenos. Delle usamos ? muytos vocabulos,
como ?, autor, autoridade, causa, pausa, pauta, frauta,
nauta, &c. Pompeio Festo diz que os rusticos o pro-
nunciam, como o, & assi diziam orum, oriculas, por au-
rum, auriculas. Màs o mesmo fizemos ? quasi todas as
dições, que dos Latinos temos, & elles escreveram
per au, que as mudamos ? ou; como de audere, ousar,
de audire, ouvir, de aurum, ouro, de aurifer, ourivez; de
aurare, dourar; de autumnus, outono; & assi de laudare,
Laurentius, Laurus, Maurus, paucus, taurus, thesaurus,
louvar, Lourenço, louro, Mouro, pouco, touro, tesou-
ro, & outros muytos, Màs b? podem concorrer estas
duas vogaes s? formar ditongo, & ir cada letra per si,
& fazer silaba, como ? saüde, ataüde, o que se
costuma asinalar cõ dous pontos, que chamam api-
ces, como nelles se ve. E o mesmo póde acontecer ?
alguns dos outros ditongos.
ey.
8. He Portuguez, & Castelhano sómente, se b?
o Mestre Bertolameu Ximenez Patã nã o notou ?
pág. 101
seu epitome, como notey acerca do ditongo ay. Del-
le usaremos ? todas as dições, que soarem, como
grey, ley, Rey, & nunca usaremos do ditongo ei, Gre-
go, ainda que os Latinos antigos o usavam frequen-
temente, porque ? Plauto se acha captivei, Me-
næchemei: & tamb? disseram amiceis sueis per amicis
suis; sibei, ? lugar de sibi, queis, omneis, treis per quis, om-
nes, tres; Latineis, Gabineis, por Latinis, Gabinis: puerei,
ubei, utei, quei, (como diz Quintiliano lib. 1. cap. 7.)
por pueri, ubi, uti, qui, Heic por huic; segundo se mostra
? uma pedra de Capua, cuja inscripçã refere Iacobo
Mazzoni, ? o seu discurso dos ditongos. Nós o nã u-
saremos ? diçã alguma, màs tanto que tiver este soi-
do, ei, escreveremos per y, como aceyto, deyto, estrey-
to, feyto, geyto, leyto, maneyra, nogueyra, joeyra,
poeyra, & todos os mays, na forma que digo.
eo.
9. Entendo que só o t? a nossa lingua; assi co-
mo, arpeo, ceo, chapeo, manteo, Orpheo, Pentheo,
Thesseo, & semelhantes. E tamb? as terceyras pessoas
do singular ? o preterito dos verbos da segunda con-
jugaçã, como, cometeo, estendeo, fendeo, leo, meteo,
& semelhantes, & o verbo dou da primeyra, como
deo, Ceruleo, Herculeo, & outros taes, pod? per
dieresis, & sineresis, fazer ? os verbos aquelle eo, de
uma, ou de duas silabas.pág. 102
eu.
10. He usado dos Gregos, & Latinos, & assi dos
Italianos, & Françezes; màs estes o pronunciam como co-
mo se fora e, nós como os demays, & Sanches ? a Gra-
matica Grega, para explicar este ditongo acerca dos
Gregos, diz que soa como acerca dos Portuguezes;
meu, teu, seu, & cõ elle escreveremos tamb? outros
nomes, breu, Matheus, Bertolomeu, ainda que muy-
tos o escrevem breo, Matheos, Bertolomeo, & outros
desta sorte. O concurso destas vogaes póde tamb?
fazer silabas separadas, como ? ciümes, teüdo, man-
teüdo, miüdo, & se costuma divisar entre os doutos,
cõ os apices encima de uma das vogaes, como aqui
se ve, & atras dice.
ia.
11. Os Latinos nunca destas duas vogaes fazem
ditongo, màs sempre dellas fazem silabas separadas;
& nós ordinariamente as ditongamos, como Camões
? os seguintes versos.
Se eu nunca vi tua essencia.
Senã na reminicencia.
Que cantasse ? Babilonia. &c.
Assi ? Arabia fazemos tres silabas, ? Asia, & Gre-
cia duas, ? memoria tres, &c. Tamb? estas vogaes se
podem ajuntar s? que façã ditongo, como ? dia, cõ-
tia, devia, Maria, senhoria, Thalia, &c.pág. 103
ie.
12. Delle usamos ? poucas dições, como nestas,
especie, efigie, Clicie. Entre os Castelhanos he frequ?-
te, & tamb? entre os ltalianos; & o Trissino o quiz
variar tamb? cõ o e Grego, nesta forma ie, porem nã
foy siguido.
io.
13. Temos este ? muytos vocabulos, como saõ
beneficio, artificio, exercicio, oficio, vicio, ocio, lirio,
imperio, oprobrio, folio, & infinitos outros; & he co-
m? a Castelhanos & Italianos.
oe.
14. Caenos ? poucos vocabulos, & ainda nesses
póde formar duas silabas, como Camões fez nos se-
guintes versos.
Nunca por Daphne, Clicie, ou Leucothoe,
Te negue o amor divido, como soe.
E da mesma condiçã ficam destroe, moe, roe, seg?-
das pessoas do módo imperativo, dos verbos destruo,
moò, roò, & terceyras do indicativo.
õe.
15. He da natureza do ditongo ãe: nelle devem
de acabar todos os pluraes dos nomes, que nós acaba-
mos ? ã, & os Castelhanos ? on, porque estas duas
linguas, como originadas da Latina, saõ analogicas;
& assi de coraçã, cordã, opiniã, roupã, quinhã, sermã,
pág. 104
que elles dizem coraçon, cordon, opinion, ropon,
quinhon, sermon, diremos corações, cordões, opi-
niões, roupo?s, quinhões, sermões: & assi diremos cal-
ções, tostões, porquanto elles dizem calçones, tosto-
nes, & nã calçães, tostães, como o vulgo circunvisi-
nho de Lisboa costuma, & o que aõde acabar ? a?s,
acabam ? o?s, como Capito?s, Alemo?s, ? vez de Ca-
pita?s, Alema?s, & semelhantes.
oy.
16. Devemos usar este ditongo todas as vezes
que despoys de o, ouver de ir i, & nã tiver o i esse seu
sõ; como foy, boy, noyte, & semelhantes, màs couro,
couto, açoute, afouto, mouro, escreveremos como a-
qui cõ u, & nã cõ i, n? y, como muytos impropria-
mente escrevem. E tamb? o deviam usar os Castelha-
nos, quando dizem estoy, voy, & outros taes, & nã
estoi, voi.
De oi. usaram os Latinos ? vez de u, & assi diziam
loidus, por ludus; & os Campanos do mesmo modo
diziam coirare, por curare.
ou.
17. He tamb? proprio dos Gregos, acerca dos
quaes (segundo Sanches) soa como entre nós, ? os se-
guintes, & semelhantes nomes; cousa, couro, couto,
açoute, estouro, Mouro, ouro, touro, tesouro; que
muytos erradamente confundem cõ o ditongo aci-
ma oy; socedeonos como atràs dicemos do au, dos
pág. 105
Latinos. Os Francezes, segundo Antonio Fabro, o
pronunciam como se fora u, & assi por nous, nourri-
ce, dizem nus, nurrice.
ua.
18. Delle usamos ? alguns nomes, como agua,
egua, fragua, legua, lingua, mingua, &c. ainda que
nossos ortografos escrevem estes nomes per oa, agoa,
egoa, fragoa, legoa, lingoa, &c. Porem nã consideram
(ao menos ? os dous primeyros) que sómente muda-
mos o q, ? g, conservando sempre o u, companhey-
ro insceparavel do q, & tamb? companheyro, que
ainda quando o q, desaparece fica elle immovel ? o
proprio lugar, & que assi de aqua, equa, dizemos a-
gua, egua. Mudança muyto usada ?tre nós, como ve-
mos ? aliquis, æqualis, aquila, sequi, & outros muy-
tos, dos quaes mudando o q, ? g, dizemos alg?,
igual, aguia, siguir. Lingua he meramente Lati-
no; Legua, v? de leuca, & o c, entre nós ordinaria-
mente se muda ? g, como de acer, agro, acutus,
agudo, amicus, amigo, jocus, iogo, &c. & assi o u, a-
maçase melhor cõ o g, que cõ o o, como ao diãte ve-
remos. Fragua he diçã propria nossa, se b? se póde de-
duzir de fragor, que significa sõ muyto grãde, & alto,
como os ferreyro ? as taes so? fazer cõ seus martellos.
Temos tamb? este ditongo ? algumas dições,
que nos ficaram dos Arabes, como Guadiana, Guada-
lete, Guadalquibir, Guadalaxara, & outros taes, por-
pág. 106
que elles chamam ao rio Guad, seb? outros dizem
Guid.
Suave pode ser de duas silabas, & pode ser de tres:
porque as duas vogaes, ua, ?s as contra?, como Vir-
gilio 4. Georg. & Egloga 2.
Verum ipsæ folijs notos, & suavibus herbis.
Sic positæ quoniam suaves miscetis odores.
Outros as separam, como Camo?s Soneto 11.
O gosto de ? suaue pensamento.
uy.
19 Com este para b? devemos escrever cuydado,
fruyto, muyto, ruyvo, & semelhantes; & nã cõ i Lati-
no: ainda que Sanches explica o ditongo oi, dos Gre-
gos cõ os vocabulos Espanhoes, cuidando, muito:
màs o que digo tenho por mays acertado, & isto he
o que sinto acerca dos ditongos, os quaes segundo
Demetrio, do muyto sõ das vogaes diferentes causam
á lingua variedade, & grandesa.
pág. 107
________________________________________________________________
CAP. XXIV.
Dos falsos ditongos.
FAlsos ditongos chamo eu aos, que nossos or-
tografos quiseram iutrodusir ? a nossa escritura,
que saõ estes; ãa, ?e, ij, iy, õo, ?u, màs para boa razã
deviam de acrecentar a estes, aa, ee, ii, oo, uu, que tã
frequentemente usam, ? especial o Licenciado Duar-
te Nunes de Leã, a qu? os mays imitaram, s? cõside-
rar se dizia b?, ou mal. Acerca do que direy o que
sinto; que nã he outro meu intento.
ãa.
Este ditongo diz o Licenciado Duarte Nunez,
que he composiçã de dous aa, & ? til percima, serve
para certos nomes femininos, cujos masculinos aca-
bam ? aõ; sobre que gasta paginas inteyras: abrivian-
do digo, que irman, lan, van, san, & semelhantes se hã
de escrever como aqui se ve, & nã irmaan, laan, vaan,
saan, porque nã he escrever como se pronuncia, que
he a pedra fundamental de toda boa ortografia, &
que só por excellencia (como ja dice) ? nossa lingua
se acha; porque nenh?a cousa pudera parecer mays
redicula, que pronunciarmos irma an, la-an, va-an,
sa-an, & assi as demays; cujos pluraes faz? elles, irmaãs,
pág. 108
laãs, vaãs, saãs; havendo de ser, irmans, lans, vans,
sans, & soam como ? Latim esta preposiçã trãs, ou
trans.
?e.
Deste ditongo usam os ditos ortografos ? os plu-
raes dos nomes, cujos singulares acabam ? ?; como
de beem, be?s, vinte?, vint?es, &c. Os quaes pluraes,
dizem se nã podem formar ? nossa lingua, s? o vin-
culo do til, que liga os dous ee, por nã dizermos bem-
es, como a razã, & analogia de nossa lingua pedia,
n? benes, como Castelhanos. Argumentam ? falso,
porque os taes nomes n? os havemos de escrever cõ
dous ee, n? cõ m ? o cabo, màs cõ ? e, & ? til, nesta
forma; b?, vint?, nig?, aos quaes acrecentando ? s, que
he a nota de nossos pluraes, diremos, b?s, vint?s,
ning?s, &c.
ij.
Dizem os mesmos v? este ditongo necessaria-
mente ? os pluraes de nomes, cujos singulares aca-
bam ? im; como malsim, mals?js, roim, ro?js, beliguim
beligu?js: & he o mesmo erro, que nos seus ditongos,
acima; & porque abreviemos, digo que estes nomes,
& outros semelhantes se hã de escrever assi; mals?,
ru?, beligu?, & acrecentandolhes ? s, ficarão ? o plural
mals?s, ru?s, beligu?s, que t? o soido desta preposi-
çam compositiva ins.pág. 109
õo.
Fazem este para formaçã dos nomes pluraes, cujos
singulares acabam ? om, como bom, tom, som, dom,
dos quaes dizem boõs, toõs, soõs, doõs. Escrevere-
mos bõ, tõ, sõ, dõ, & nos pluraes, bõs, tõs, sõs, dõs, &
t? o soido deste nome Latino fons, ou fõs. Cõ adver-
tencia, que diremos dõs, quando he pronome de no-
breza, mas quando significa benificio, ou graça, di-
remos & escreveremos, dões; & he este o unico nome
sustantivo ? a nossa lingua, a que no plural se acre-
centa vogal antes do s, porque todos os mays se cõ-
tentam sómente cõ ? s.
?u.
Serv?se deste para os pluraes, cujos singulares aca-
bam ? um, como atum, vacum, de que formam a-
t?us, vac?us, porque escreveremos at?, vac?, no singu-
lar, & no plural, at?s, vac?s; assi da mesma sorte alg?,
alg?s, nenh?, nenh?s, ou tamb? per, ns.
________________________________________________________________
CAP. XXV.
Se se dev? dobrar as vogaes.
BEm sey que os Latinos antigos escreveram
feelix, por fælix, vijrtus, por virtus; & que yi se
acha ? dições Gregas, como saõ Harpyia, Orithyia,
Thyiades, màs ?s, & outros se tiráram disso, por
pág. 110
lhes parecer cousa muyto impropria; como tamb? de
escrever cuui, fuuerit, que usaram ? razã de fazer a
vogal breve, longa, segundo atràs mostramos: màs
he de advertir, que todos os ditongos sejam Gre-
gos, Latinos, ou de outra qualquer lingua, antigos,
ou modernos, todos se formam do concurso de duas
vogaes, como temos dito; ? alg?s se pronunciam es-
sas duas vogaes, como se fôra uma só, assi como ? os
ditongos ae, oe, Latinos, que ambos se pronunciam
per e, ainda que alg?s quizeram, que se pronunciass?
separadas, segundo vimos ja: todos os mays diton-
gos, ainda que se profiram cõ uma só silaba, nella se
hão de sintir ambas as vogaes, de cujo concurso se
formam, o que tamb? vimos, poloque digo, que da
mesma sorte nestes ditongos, que os nossos ortogra-
fos modernos faz?, ãa, ?e, ?j, õo, ?u, & nestas silabas
aa, ee, ii, oo, uu, se deve dar o soido a ambas as vogaes.
como neste verso de Virgilio claramente se ve;
Dijque, deæque omnes studium quibus armatueri;
Que nã se hade ler dique, deque, màs Dijque, Deæ-
que, dando a sintir ambas as vogaes.
Polaqual rasã dando o soido a ambas vogaes nos
ditos ditongos, & silabas, nã poderaõ ficar as pala-
vras, onde entrarem, muyto sonoras, ? a Lingua Por-
tugueza.
He tamb? de advertir (ainda que o apontamos)
pág. 111
que muytas vezes pódem cõcorrer vogaes como, & da
maneyra que nos sobre ditos ditongos legitimos o-
correm, & nã formarem ditongo, como nos seguin-
tes exemplos se ve: do ditongo ae seja exemplo a-
trae; de ao, ama o; de au, saude; de eo, teologo; de eu,
Creusa; de ia, dia; de ie, fie, de io, fio; de oe, Leucothoe;
de ua, sua, de ue, sue, de uo, suo. Nã ponho exemplos
de ay, ey, oy, uy; porque nestes nã póde variar o sen-
tido, n? acharse a diferença, que nos demays; & fo-
ram da mesma natureza delles, quando se escreve-
ram cõ i Latino, ai, ei, oi, ui; porque entã tinhamos ex-
emplos ? muytos vocabulos, como caido, deidade,
arroido, constituido, &c.
Al? disto he de saber, que concorrendo acidental-
mente uma vogal no fim da diçã, & outra no prin-
cipio, nã formã ditongo; màs a primeyra (especial-
mente ? o verso) se come por colisã, ou cesura: co-
mo adiante diremos.
Costumam tamb? os poetas dividir algumas
vezes as duas vogaes, que naturalmente fazem ditõ-
go, pela figura chamada Syneresis, como Catulo fez
? o ditongo au, quando cantando de Camerio disse.
Si linguam clauso tenens in ore,
Fructus projicies amoris omnes,
Verbosa gaudet Venus loquella.
Aonde necessariamente no primeyro, & ultimo
pág. 112
verso se deve separar o ditongo au, & fazer delle
duas silabas, porque o datilo t? sempre o segun-
do lugar nos versos endicasilabos; & sendo o diton-
go au, longo, fez as suas vogaes ambas breves, como
tamb? fazem muytas vezes nossos poetas.
________________________________________________________________
CAP. XXVI.
Das letras consoantes, & primeyro do B.
TEm tamb? as consoantes seus nomes, figuras,
& pôder, como as vogaes, màs acompanhadas
dellas, como está dito; a primeyra he B, & uma das
mudas. Pronunciase cõ a respiraçã, que chegando aos
beyços estando cerrados, & juntos, os abre, & do me-
yo delles sae o sõ cõ seu inteyro soido, be por essa
razã se chama letra labial. Diz Cratino (segundo Sui-
das) que a pronunciaçã desta letra se tomou do bali-
do da ovelha, que he emblema da inocencia, & assi a
chama letra de inocencia, por? nã se pronuncia bee,
senã be. Os Gregos a chamaram Beta, & os Hebrai-
cos Beth, Platã escreve, que nã t? voz, n? soido. Em
todos os alfabetos ocupa o segundo lugar, como
constou do epigrama de Marcial a Codro. T? muyta
afinidade cõ o v consoante, a que os nossos ortogra-
fos modernos chamã ve, & os Italianos u Francez.
pág. 113
E assi muytos Portuguezes de entre Douro & Mi-
nho, nã advertindo o que vay de uma a outra, as tro-
cam ? a pronunciaçã; espccialmente os que ficam
mays chegados a Galiza, de tal maneyra, que a vento
chamam bento, & em lugar de Bento dizem vento;
por vos, vosso; bos, bosso: por vida, bida; & quasi to-
dos os nomes, ? que ha v, consoante, mudam o v ? b.
& como se o fizessem, por o fazer ás avessas, o que
nós pronunciamos per b, pronunciam elles per v de
sorte que tamb? ? as letras, como nas partes da oraçã,
& seus atributos ha Enaloge.
Acerca dos Castelhanos cousa he geral trocar o b,
por v, & o v, por b; como ja b? advertio Aldrete, no
principio da lingua Castelhana; & que para os no-
tar disso escreveo delles ? certo Autor. Sobrij homines,
& quibus non placet bibere, sed vivere, & ? Tudesco
disse tamb?, Si beta est veta: sane bibere est vivere. Ver-
dade he que tamb? os Latinos (como elle mesmo ali
diz) mudaram muytas vezes o b, ? u, porem nã con-
soante, màs vogal, dizendo de abfero, abfugio, aufero,
aufugio, & semelhantes.
Nos ? muytos vocabulos, que temos dos Latinos
mudamos tãb? o b, ? v, como de caballus, cavallo; de
cibus cevo; de faba, fava: E o Todesco está sugeyto a es-
tas mudanças & trocas: & assi ha ? gracioso conto de
? Alemã, que comprimenteando sua mulher, que era
Franceza, lhe disse; Ma foy, Madame, vous avez beaux
pág. 114
enfans; isto he, A fe senhora tendes filhos m?y bezer-
ros; porque ? vez de beaux, que quer dizer bellos, disse
veaux, que he o mesmo que bezerros.
T? tãb? esta letra b, muyta semelhança cõ o p,
porque tamb? este se pronuncia ? a mesma parte da
boca, & quasi cõ a mesma postura dos beyços, se nã
que estes se apertam entã alguma cousa mays, & sae
o espirito, & o folego mays de dentro; & o mesmo
diz Quintiliano lib. 1. cap. 7. quando pronunciava ob-
tinuit, pondo o b, ? o segundo lugar, como he razã,
lhe parecia que ouvia p, & pelo conseguinte ? Byr-
rhus, Bryges, Pyrrhus, Phryges; pola qual razã os La-
tinos ? a traduçã de muytos vocabulos da lingua
Grega, mudavam uma letra ? outra, dizendo de, Triã-
bos, triumphus; & de Pyxos, buxus, porque como
ja dice ellas tiveram o y Grego ? lugar de u.
Nós assi tamb? ? muytas vozes, que tomamos
dos Latinos, mudamos o p, ? b; dizendo de Aprilis,
capilus, apertus, capra, caput, Abril, cabello, aberto, cabra,
cabeça, & semelhantes.
Tãb? na lingua Hebraica o b, val ás vezes por
v consoante.
Tem esta letra uma propriedade ? a lingua Lati-
na & Portugueza, & he nã consintir, antes, ou des-
poys de si a letra n, senã m. Nella nã acaba diçã al
guma nossa, màs somente as que temos peregrinas,
como Acab, Iacob, Iob, Horeb, Moab, & outros taes,
pág. 115
? a cõposiçã posto so cõ ? ponto diante, como B.
quer dizer b?aventurado.
________________________________________________________________
CAP. XXVI.
Do C.
ESta letra C, he a terceyra de nosso alfabeto co-
mo delle se ve, dizendo abece; & neste lugar &
cõ o mesmo nome o t? os Latinos; & o diz Frey Re-
ginaldo Acceto, ? o tesouro da lingua Toscana per
estas palavras; Il. C. é consonante, delle especie dalle mutte,
dalli Latini é posta nel terZo luoco delle lettere. E assi nã
sey cõ que razã & justiça nossos ortografos mo-
dernos a querem excluir do lugar ? que està de posse
pacifica ha tantos mil annos, dandolhe o de K, cõ
descomodo do mesmo K, & nã sómente o lançaram
de sua caza, màs demays a mays lhe tiraram o no-
me, & quizeram chamarlhe ca, que he proprio do
que t? esta figura K. Quanto a mim nã foy mays,
que querer mostrar capricho, & filosofar á maneyra
daquelle Datho, de que o Brocense nòs faz mençã,
? o outavo de seus paradoxos: o qual queria persua-
dir que otium, se devia escrever per c, & y, & nã per ti,
como todos ensinam, & dizem que o c, cõ cedilho
he letra propria nossa, sendo engano manifesto, por-
pág. 116
que tãb? os Castelhanos a usam, & muyto mays que
nós, seb? cõ alguma diferenca, que logo direy. Duar-
te Nunez diz que he propria dos Mouros, & que
delles a tomamos; assi o diz tãb? o M. Bertolomeu
Ximenes, ? seu epitome, acrecentando que dos Anda.
luzes, màs he pronunciandoo como se fora Z, como
elle diz, que advertio no livro, que intitulou Sapien-
tia, por? nós nã lhe damos esse soido. Para o que he
de advertir, que esta letra C, t? tres oficios muyto di-
ferentes, ? proprio, que he quando acenta sobre a, o,
u, como capa, cota, cura, que he o sõ, que antigamen-
te tinha acerca dos Latinos, ainda sobre e, & sobre i.
Donde se conta aquelle gracioso dito de M. Tullio;
quando por querer motejar de ? certo, que sendo fi-
lho de ? cosinheyro, lhe pedia certa dignidade na
Republica Romana, lhe disse; Ego tibi coce favebo. &
da mesma maneyra pronunciavam, dulcis, & dulce,
que dulquis, & dulque; por Cicero, Quiquero, (& assi
pronunciam os Francezes) por onde diz Quintilia-
no, que fere sobre todas as vogaes, màs he de crer
seria entã pronunciaçã diferente.
O segundo oficio que a letra C. t? he ?prestado,
que he quando assenta sobre e, & sobre i, como dice-
mos; & o terceyro tamb? he improprio, que he quan-
do se ajunta cõ h, que se pronuncia assi, chapeo, chei-
ro, chicharo, choro. chuva. a qual pronunciaçã se nã
acha entre os Latinos, Gregos, n? Hebraicos; màs he
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só dos Espanhoes: porque aindaque os Gregos t?
cha, che, chi, cho, chu, & delles os Latinos, o e, perde
o seu sõ, & toma o de ca, K E os Italianos pronun-
ciam ce, ci, como nós che chi.
Digo poys que o C, he ? so, & nã ha dous ces; màs
que assi como as vogaes se notam ser breves, ou lõgas
cõ os acentos grave, agudo, ou circunflexo, assi quan-
do o c, sobre a, o, u, ouver de soar como s, lhe pore-
mos por bayxo uma risquinha, que chamamos
cedilho, nesta forma ç, & escusaremos multiplicar
letras. Sobre e, i, nã ha mister essa risquinha; & assi
ferirà sobre todas as vogaes, como diz Quintiliano,
cõ aquella brandura, que esta letra de si t?; como se
ve nestes exemplos; maçan, açucena, çifra, poço, açu-
car. Serve tãb? este sinal para distinçã de alg?s no-
mes, que cõ o cedilho t? uma significaçã, & s? elle
outra, como se ve nestes exemplos; caca, caça; moca,
moça; capa, çapa; roca, roça; faca, faça; cota, çota; Fran-
ca, França, & semelhantes.
Certo ortografo nosso diz que se pod? escrever
cõ cedilho, cinco, cinto, cisne, cifra, cesto, certo, cento,
màs he erro, porque o cedilho so t? lugar quando o
c, sobre a, o, u, t? o soido de s.
Advirto que os nomes que temos dos Latinos es-
critos per ch, os devemos escrever s? elle como cari-
dade, coro, carta, & outros semelhantes, & nã chari-
dade, choro, charta, como alg?s por se mostrarem
pág. 118
Latinos costumam fazer. N? tã pouco o poremos an-
tes de t, como Duarte Nunes costuma escrevendo,
docto, doctrina, respecto, sujecto: so diremos cõ c,
acto, ? distinçã de ato, do verbo atar; & pacto ? dife-
rença de pato ave; como adiante diremos.
Conta Benedito Buommattei, na introduçã á lin-
gua Toscana, tratado 3. c. 3. que ouvio alguma vez di-
zer a Ioã Bautista Vecchietti, gentilomem de prof?-
da doutrina, & de prefeytissimo conhecimento de
linguas, que ? grande letrado da Persia se poz a a-
prender cõ grande ardor a lingua Italiana, màs quã-
do chegou a sintir que o c, soava ora como ca, & o-
ra como ce, tendoo por trabalhosa empreza, se reti-
rou mays que depressa, como aquelle satiro, que fu-
gio do omem, porque aquentava, & esfriava as cou-
sas cõ o bafo, & na verdade lhe podia isto parecer
cousa muyto nova, porque os Persianos, como diz
afirmava o Vecchietti, t? trinta & dous caracteres,
cõ que explicam outros tantos elementos, que a sua
lingua t?, cõ que v? a ser mays pura, mays certa, &
mays breve, que todas as de Europa.
Pronunciase esta letra, chegando a ponta da lin-
gua quasi ao ultimo do ceo da boca para os dentes,
nã chegando a elles, màs deyxando alg? respiradou-
ro, per onde se mova o flato.
A muytos nã ajuda a lingua a pronunciala, & assi
diz o dito Butommattei, que ? Padua conhecera ?a
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mulher, que para dizer, Comincia a sonare il cãpanon, que
he começa a soar o cãpanayro, dizia, Tominta a tona-
re il tampanon; & eu conheci tamb? certa pessoa, que
para dizer escada de Iacob dizia, estada de Iató; por
coro, carro, toro, tarro, & por cacho, tacho, &c.
Os Latinos antigos (como dicemos) escreviam c,
por qu, & o diz Fabio in Rhet. referido de Emerico
Cruceo no comentario ás silvas de Stacio sobre este
verso.
Traditur & genitum formaque ac voce meretur.
E assi ? o mesmo lugar diz Bernario, que muytas
vezes se toma ? por outro, c, por q, & Adriano Tur-
nebo o usou ? o cap. 11. lib. 23. dos adversarios sobre
Ausonio.
Nos o mudamos ? g, nos vocabulos, que toma-
mos dos Latinos; & assi de acer, acuere, acutus, acus, ala-
cer, amicus, callaici, cæcus, Clericus, Corsica, dico, draco, effo-
carè, emacrari, ficus, focus, formica, hac hora, hoc anno, illico,
inimicus, iocus, iudicare, lacertus, lacus, lacuna, laicus, locusta,
macer, mecum, tecum, secum, mica, miraculum percõtari, peri-
culum, pertica, pica, picare, posticum, præco, radicare, sacra-
tus, securis, secutus, secretum, vindicare, urtica, dizemos a-
gro, aguçar, agudo, agulha, alegre, amigo, Galegos,
cego, Corsega, Clerigo, digo, drago, afogar, emmagre-
cer, figo, fogo, formiga, agora, o ganho, logo, inimi-
go, iogo, iulgar, lagarto, lago, lagoa, leigo, lagosta,
pág. 120
magro, comigo, contigo, consigo, migalha, milagre,
perguntar, perigo, pirtiga, pega, pegar, postigo, prego-
eyro, arraygar, sagrado, segura, seguro, segredo, vin-
gar, ortiga, & outros muytos. E tamb? os Latinos cõ-
fundiram muytas vezes estas letras c g. dizendo; cras-
satur, & grassatur, Cabinus, & Gabinus; lece, por lege; ac-
na, por agna; como diz Manoel Victorino, ? o capitu-
lo de ortografia; & trocaram despoys o c, ? g, como
por quadrincenti, quadringento, por vicessimus, tri-
cessimus, vigessimus, trigessimus.
Tamb? o mudamos ? z, como de recens, rezente;
de sarcire, sarzir, de facere, fazer, de jacere, jazer, &c. du-
razios de duracina, dizemos.
Antigamente o c, era sinal de condenaçã, & por
essa razã ? a oraçã por Milam (como advertio Al-
conio) Cicero a chamou triste, & o toca ? a terceyra
Verrina; ? a conta antiga val por cento: ? abreviaçã
Latina antes do nome val par Caio, & quando lhe se-
gue n. he o mesmo que Cneus. Dous CC. despoys de
dous PP. quer dizer Patres conscripti.
Nenh? vocabulo temos, que acabe ? c, salvo se for
perigrino, como Isac, filho de Abraham, & Sara; Bol-
duc, cidade de Flandes, & Bragstoc, ponte ? os mes-
mos paizes; os quaes forçosamente devemos escre-
ver assi; màs ? ç, cõ cedilho nenh? nome nosso, n? pe-
regrino pòde acabar.
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CAP. XXVII.
Do D.
A Letra De, he elemento mudo, & remisso, soa
entre nós, como entre os Gregos & Latinos;
donde Ausonio disse, que o d, Latino, & o d, Grego,
se diferençavam ? a forma màs nã ? o sõ.
Non formam, at vocem Delthæ gero Romuleam.
Formase cõ a lingua entre os dentes, & o seu soi-
do he pouco sonoro. Os Gregos lhe chamã Delta,
os Hebreos Daleth, ou Deleth. Tem muyta seme-
lhança ? a pronunciaçã cõ o t, senã que este se forma
cõ mays espirito, & cõ a lingua mays levantada para
o pádár, ou Ceo da boca, & por esta semelhança os
Antigos (segundo Quintiliano) o tiraram de muy-
tas dições, ? que no seu tempo o tinham; & muytas
? que entrava d, escreviam per r, como noutras ? lu-
gar de t, puzeram d, segundo diz Victorino: & assi
escreviam Alexanter, Cassantra, por Alexandre, Cas-
sandra; set, por sed, &: atventus, por adventus.
Nós pola afinidade, que estas letras t? entre si, ?
muytos vocabulos, que tomamos dos Latinos mu-
damos o t, ? d: & assi de fatum, gemitus, latus, manda-
pág. 122
tum palatum, pater, pecatum, prælatum, pratum, spatha, vi-
ta, secretum, dizemos, fado, gemido, lado, mandado,
pádár, padre, pecado, prado, prelado, espada, vida, se-
gredo, & outros taes. O que particularmente guar-
damos ? os participios acabados ? tus, como de ama-
tus, amado; de lectus, lido; de auditus, ouvido, &c.
Em outros deytamos totalmente fóra o d, polo
que de audire, cadere, comedere, concludere, credere, crude-
lis, desiderare, desiderium, excludere, fides, fidelis, fiducia, fæ-
dus, fædare, hodie, includere, iudex, iudicare, iudicium, lauda-
re, limpidus, medietas, Mediolanum, medulla, modius, Pa-
dus, pedes, possidere, præiudicium, podium, quadraginta, ra-
dius, radere, radicare, radix, rancinum, rodere, tepidus, vide-
re vindicare, dizemos, ouvir, cair, comer, concluir, crer
cruel, dezejar, dezejo, excluir, fe, fiel, fiuza, feo, afear,
oje, incluir, juiz, julgar, juizo, louvar, limpo, ametade,
Milã, meolo, meyo, Po, pez, possuir, prejuizo, payo,
quarenta, rayo, rapar, arraygar, raiz, ranço, roer, tibio,
ver, vingar, &c.
Entre os Sinas & Catheos, segundo Iacobo Go-
lio, ? as adições ao Athlas Sinense fol 8 se confun-
dem tamb? estas duas letras d. & t. demaneyra que
parece nã póde notarse a diferença.
Posta por abreviatura ? Latim antes do nome, si-
nifica Decius, & Divus: ? vulgar, Doutor, dõ, ou dona,
sinal de nobreza, (ainda que nisto ha grande abuso.)
Prateyo, per doutrina de Publio Victorino sobre Ci-
pág. 123
cero, diz que D. significa Dico, & dous DD, dedica-
vere; & o explica tamb? assi Probo Gramatico. Na
conta antiga val quinhentos ? numero, & se cor-
rompeo este caracter D, da forma que o escreviam
os Romanos porque faziam o milhar assi, CI? & os
quinhentos essi I? & ajuntando, o I, & o C, ao revez
ficou a forma de D como se agora usa por quinhen-
tos.
Nenh? vocabulo nosso acaba ? esta letra, màs so-
mente alguns, que temos peregrinos, como Cid. Da-
vid, Galaad, & outros taes. Os Castelhanos todos os
que nós acabamos ? ade, acabam ? d, como cidade,
piedade, calidade, vontade, verdade, que dizem pie-
dad, calidad, voluntad, verdad, & assi acabam todos os
imperativos ? o numero singular, como amad, leed,
ensenhad, &c. os Chins nã usam desta letra, como
n? da letra R.
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CAP. XXVIII.
Do F.
EFe he uma das que chamamos semivogaes, &
se faz muda, quando se lhe segue, l, ou r, como
? Flama, franga, &c. aindaque Prisciano quer que
sempre seja muda. T? entre nós outros o soido do
pág. 124
ph, ou ? dos Gregos. Formase tocando cõ o beyço
de bayxo ? os dentes de cima, & deyxando sair por
elles o flato. Antigamente servia aos Latinos per v,
consoante, màs posto ás avessas, nesta forma ?, & lhe
chamavam digama, & assi escreviam, TERMINA-
?IT, por terminavit, ?IXIT, por vixit, & foy inven-
çã do Emperador Claudio; & assi se acha ? alguns
instrumentos, ou escritos de seu tempo; màs ainda
que o procurou cõ todas as veras, nã o pôde acabar
cõ todos; & os que por lhe dar gosto o faziam, des-
poys de morto, o deyxaram; como tamb? outra letra,
que o mesmo Claudio inventou nesta forma ?. a
que chamavam antisigma, para suprir o ps, ou bs, dos
Gregos. Devemos cõtudo reparar de quã grande mo-
mento seja o escrever cõ as letras devidas, & neces-
sarias, poys até os Emperadores punham nisto seu
cuydado, & propensã.
Costumam muytos escrever alguns nomes, que
os Latinos escrev? por ph, a que os nossos Ortogra-
fos chamã f, aspirado, assi tamb? como philosophia,
Philippe; nã considerando, que entre a pronunciaçã
do f. dos Latinos, ao ph aspirado dos Gregos, ha
muyta diferença, porque (segundo dizem os que
da lingua Grega nos deyxaram documentos) o ph,
dos Gregos se pronunciava cõ muyta suavidade, &
brãdura, a que nã t? o f, Latino, que se pronunciava
cõ ? sõ horrido, & que quasi nã parecia voz humana
pág. 125
a qual pronunciaçã nã sentimos oje como de outras
muytas letras, que nos ouvidos faziam uma concer-
tada musica. O mays acertado he escrevermos filo-
sofia, filosofo, Filipe, fado, faro, Filemon, Flegetonte,
Foroneo, & outros taes do módo que aqui se ve, &
nã per ph, salvo ? alguns nomes proprios ? que pó-
de aver confusã, escrevendose per f, como ? outro
lugar digo, fallando dos nomes proprios.
Os Castelhanos mudam ? h, o f, nos vocabulos,
que t? dos Latinos, & assi de effocare, faba, facies, fac-
tor, fatum, falco, fames, farina, fartus, fastidium, fasces, fe-
bruarius, fel, ferire ferrum ferramentum, fervere, filius, fill?,
findere, fossa, foemina foetor, folium, forma, færmosus, formica,
fornax, fugere, fuga, fuligo, fumus, funda, fundum, fungus,
furca, furnus, furo, furari, furtum, &c. dizem ahogar, ha-
ba, haz, hechor, hado, halcon, hãbre, harina, harto,
hastio, hachas, Hebrero, hiel, herir, hierro, herramen-
ta, herver, hijo, hilo, hender, hoz, h?bra, hedor, hoja,
homa, hermozo, hormiga, hornaja, huir, huida, hol-
lin, humo, honda, hongo, horca, horon, hurtar, hurto,
? os quaes, & noutros, que por brevidade deyxo, si-
guimos direytam?te a analogia Latina dizendo, afo-
gar, fava, face, feytor, fado, feyçã, fome, farinha, farto,
fastio, fachas, Fevereyro, fel, firir, ferro, ferramenta,
ferver, filho, fio, f?der, fosso, femea, fedor, folha, for-
ma, fermoso, formiga, fungo, fornalha, fugir, fugida,
felug?, fumo, fundado, fungã, forca, forno, forã, fur-
pág. 126
tar, furto; onde evidentemente se ve quã b? avisi-
nhamos cõ os Latinos.
Os Latinos muyto antigos, usavam do f, por h, &
assi diziam forreum, trafo, vefo, fircus, por horreum,
traho, veho, hircus; & os Castelhanos diziam tamb?
fijo, por hijo, fazer, por hazer; fidalgo, por hidal-
go, &c.
Em abreviaçã Latina diz filius, F, Fa, filius fa-
milias. Outras vezes F, fides; & F D. fides data. Tam-
b? significa frey, ou frater. O mayor louvor, que se
lhe póde dar he ser a primeyra letra da mays alta
virtude espiritual, que he a Fe.
Nã temos ? Portuguez vocabulo, que acabe ? f,
salvo se for estrangeyro; como Iofaf, lugar ? o mar
roxo na Costa de Arabia; & outros taes.
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CAP. XXIX.
Do G.
GE he letra muda, & assi se deve pronunciar, &
nã ga; como nossos Ortografos modernos di-
zem, por acomodar o j, rasgado consoante, que elles
querem que se nomee je; porque ge foy sempre o
nome desta letra, & assi o acho nomeado ? os Escri-
tores Latinos, Francezes & Italianos. Os Gregos lhe
pág. 127
chamam Gamma, & os Hebreos Gimel. Formase to-
cando cõ a lingua ? o Ceo da boca, proximo aos den-
tes. T? grande parentesco cõ o c. como diz S. Isidro:
& Festo diz, que ao que agora chamamos c. chama-
ram os Antigos Latinos g. & no escrever & pron?-
ciar tomavam ? por outro; dizendo Caius, & Gaius,
cignus, & cicnus, cobius, & gobius, Gneus, &
Cneus, &c.
Algumas Nações carecem de g.
Achase nesta letra duas pronunciações diversas;
uma propria, como quando se ajunta cõ as vogaes
a, o, u. [como dicemos do C.] & outra alheya, como
quando se ajunta cõ as vogaes e. i. o que se acha ? ou-
tras muytas linguas. Por? nisso siguimos aos Lati-
nos, & lhe damos a força, & vigor, que lhe elles de-
ram. Em a. o. u.como ? galerus, gobius, gula, & nós ga-
la, gola, gula; ? e. i. como gemitus, gigas; & nós gemi-
do, gigante. Em os quaes me parece nã poderá ha-
ver ouvido tã delicado, que sinta diferente soido nos
Latinos, dos Portuguezes: & ainda digo, que a nossa
pronuciaçã, ? as ditas silabas, nã difere nada da que
os Gregos dam ao seu Gamma, & os Hebreos ao seu
Gimel, como poderá ver o que destas linguas tiver
conhecimento.
Fuy demasiadamente prolixo nisto, porque ha
om?s tã sutis, que sentem ser a nossa pronuncia
acerca desta letra diversa da que lhe dam os Gregos,
pág. 128
& os Latinos) & tal vez porque os tenhamos por
Latinos & Gregos) dizem que a que lhe damos he
propria dos Mouros; do que eu nã saberey dar razã.
O que importa he sabermos quando avemos u-
sar de g, ou de j, que parecem ter o mesmo soido; &
he cousa ? que muytos, que presumem de ortogra-
fos se embaraçam, & perdem: para o que digo se deve
ter respeyto á orig? & analogia do vocabulo, & que
por ahi nos governemos; & assi de agens, participio
de ago, de congelare, diligens, diligentia, exagerare, ferrugo,
flagellum, frigere, gelascere, gelatus, gemellus, gemella, geme-
re gemitus, genealogia, gener, generosus, generositas, gens, gen-
tilis, gentilitas, genus, geographia, geometria, gestus, gingiber,
gingiva, imago, indigestus, ingenium, ingeniosus, ingens, legi-
bilis, legio, legislator, Magicus, magistratus, margo, Megæ-
ra, naufragium, negligentia, pagina, regere, regimen, regio, ru-
gere, rugitus, sigillum, spargere tangere, vigesimus, vigil,
vigilare, vigilantia, virgo, &c. diremos agente, conge-
lar, diligente, diligencia, exagerar, ferrugem, flagello,
frigir, enregelarse, enregelado, gemeo, gemea, gemer,
gemido, genealogia, genro, generoso, generosidade,
gente, gentil, ou gentio, gentilidade, geraçã, geogra-
fia, geometria, gesto, gingivre, gingiva, imagem, in-
digesto, engenho, engenhoso, ingente, legivel, legiã,
legislador, magico, magistrado, margem, Megera,
naufragio, negligencia; pagina, reger, regimento, re-
giã, rugir, rugido, sigillo, espargir; tanger, vigesimo,
pág. 129
vigilante, vigiar, vigilancia, virgem, &c. & assi escre-
veremos todos os nomes, que t? a mesma correspõ-
dencia, & consonancia, aindaque outros Latinos nã
a tenham semelhante; como saõ todos, os que t? a,
ou u, na penultima silaba, assi como, bagagem, foga-
gem, lagem, lingoagem, lavagem, passagem, pagem,
romagem, babugem, lambugem, penugem, & seme-
lhantes.
Quando esta letra g. se poem antes de n. ? alguns
nomes, que temos corrutos ordinariam?te mudamos
o g ? n. & o n ? h. & assi de agnus, lignum, pugnus, pignus,
cognosco, cognitor, cognitus, dizemos anho, lenho, punho,
penhor, conheço, conhecedor, conhecido, &c. E por
isso Camões disse manho, de magnus, c. 4. est. 32.
Qual nas guerras civis do Iulio manho.
E assi por mare magnum, costumamos ainda dizer
marmanho, & de tam magnus, tamanho; & nã tam
magno; como Duarte Nunes ensina. E he pronun-
ciaçã Italiana, cõ esta diferença, que fazem do gn. &
do nh. & assi escrevendo Signore, agnello, pronun-
ciam Sinhore, anhello. E tamb? mudam o g. ? l quã-
do se lhe segue l. & o l. ? h; como ? figlio, que l? filho
egli, elhi, &c. Por onde se ve que nós escrevemos co-
mo pronunciamos, & pron?ciamos como escreve-
mos, que he a basi fundamental de toda a boa orto-
grafia, ? que elles tã claramente faltam.pág. 130
Acompanhada a letra g. cõ outras letras, t? diver-
sas abreviações; como se póde ver ? Probo.
Nenh? vocabulo nosso acaba ? g. peregrinos al-
guns como Magog filho de Iosaphat.
________________________________________________________________
CAP. XXX.
Do H.
SObre esta letra, que pronunciaremos aga ha
grande controversia entre os Autores. Prisciano
diz que nã he letra, Diomedes que si; alg?s a cha-
mam regra das consoantes; & se póde chamar letra da
vida, porque s? alento nã ha vida. Eu direy o que
sinto que nã he outro meu intento ? toda esta obra;
como ás vezes repito, porque nã presumo de m? tã-
to, que queyra dar documento. He verdade que dos
Latinos nã foy recebida para mays que dar valor á
vogal, ou consoante a que se ajuntava. Antes do t?-
po de Cicero se ajuntava so a vogaes (como elle mes-
mo diz) & nã ás consoantes, cuja pronunciaçã cõfes-
sa, no de Orador, aver elle siguido muyto tempo per
semelhantes palavras; Eu mesmo sabendo que assi
haviam fallado nossos Antepassados, que nã ajunta-
vam o h. senã cõ as vogaes, dizia, pulcros, Cetegos, tri?-
pos, Cartaginem, até que andando o tempo [aindaque
pág. 131
tarde por falta, que tive no ouvir] convencendome
de todo a verdade, me acomodey a fallar ao uso do
povo, guardando para m? o saber como se havia de
fallar, para fallar b?. Aulo Gelio diz lib 2. c. 3. que nas
mays das dições Latinas se acostumava acrecentar h.
porque criam que assi era o soido mays firme, á imi-
taçã dos Athenienses (de que foram grandes sequa-
ses os Romanos) os quaes fóra do costume das de-
mays Cidades de Grecia aspiravam muytas dições;
màs diz que o h, nã se havia de por entre as letras,
senã encima, que assi o faziam os Gregos; & afirma
que o vio usado & escrito ? ? muyto antigo instru-
mento, que diz imagina ser o Authographon de
Virgilio, isto he o original ? que escreveo suas obras;
por onde b? parece que nã tinham ao h, por letra,
màs como sinal, de que ali donde se punha, se havia
de engrossar mays o espirito.
Em nossa lingua (& na Castelhana) nã ha duvida
que t? tres oficios, porque realmente serve de letra,
de aspiraçã, & distinçã. Que seja letra he cousa ma-
nifesta (& por tal a julga o P. Bento Pereira da Cõpa-
nhia de Iesus, nas regras geraes, que da Ortografia
escreveo, fol. 55.) porque s? h. he impossivel escrever-
mos muytos vocabulos, como são, chave, chapeo, a-
char, cheyrar, chiar, chover, chuva, chupar,
chouriço, machado, conselho, espelho, engenho, se-
nhor, senhora, & milhares. Entre os Castelhanos t?
pág. 132
a mesma pronunciaçã ? pecho, acha, rechaçar, rechi-
nar, coche, &c. & quando haja alg? tã engenhoso,
que s? h, escreva outros semelhantes vocabulos, en-
tã confessarey que h, nã he letra; màs se de sua parte
faz o que cadaqual das outras no seu oficio; porque
rasã, ou cõ que fundamento lhe negaremos a digni-
dade, que seu prestimo lhe grangeou? Certo que ?
tudo t? lugar a desgraça.
Pola qual rasã advirto, que se os Latinos po? as-
piraçã ? alguns nomes, que temos seus; como An-
chora, Achaia, Achates, Acheron, Achilles, Bacchus, Ma-
nichæus, mæchus, Monarchia, monichordi?, Monicha, Cha-
meleõ, character, Charitas, charus, charta, chlamis, cholera,
chorda, chorea, choras, & infinitos outros, nos os escre-
veremos s? ella; como ancora, Acaya, Acates, Aquerõ-
te, Aquilles, Maniqueos, meco, Monarquia, monocor-
dio, Monicha, cameleã, caracter, caridade, caro, carta,
clamide, colera, corda, corea, coro, &c. & assi to-
dos os mays (porque nã se pod? refirir todos) que des-
poys do c. tiverem h. Mas se ? os nomes proprios a
falta do h. mudar o sentido, ou ficar o nome desco-
nhecido, entã se escreverá cõ h.
Que seja aspiraçã he cousa ? que todos v?, su-
posto que entre os antigos (segundo Quintiliano,
lib. 1 c. 5.) se duvidou tamb? se era letra, ou nota: os
mays sentenceam ser aspiraçã, porque se pronuncia
simplezmente da guella, & nã se forma dos instru-
pág. 133
mentos da boca, como as demays letras; & por essa
razã a chamam aspiraçã gutural, donde v? pronun-
ciarmos nós, & os Italianos; mihi; & nihil. como se an-
tes da aspiraçã levara C. [de que ? França te os estu-
dantes de menor idade faziam grande escarnio] & on-
de sintimos ? nossa lingua esta aspiraçã he nestas in-
terjeyções ha, ha, significando alegria, & riso; & nes-
tas ah, oh, significando temor, indignaçã, ou espan-
to ? diferença de a, articulo, & preposiçã, & de o,
quando chamamos, cujo módo entendem os Gra-
maticos, aqu? pertence mays, que a outros.
O terceyro oficio do h, he distinguir, & declarar
alguma ambiguidade, que pode acontecer na escri-
tura; como ? a terceyra pessoa do presente do indica-
tivo do verbo sou, que sempre escreveremos cõ h, he
? diferença de e, conjunçã, que escreveremos como
aqui fica. E tamb? escreveremos cõ h, os preteritos
imperfeytos, do indicativo, conjuntivo, & infinitivo
do verbo vou, que diremos, eu hia, tu hias, &c. & da
mesma maneyra todo o verbo hey (isto he tenho)
que diremos, eu hey, tu has, &c. por quanto este ver-
bo ? muytos tempos, & pessoas s? h, terá outra sig-
nificaçã diversa, como nos presentes; avio, avias, avia,
&c, isto he despacho, despachas, despacha, &c. E na
terceyra pessoa do preterito perfeyto, & outra ain-
da desta diferente, a saber ouve do verbo ouço; polo
que sou de parecer se escreva todo elle cõ h, ? o prin-
pág. 134
cipio. Assi que o h, serve umas vezes de letra, outras
de aspiraçã, outras de distinçã.
Sonho me parece o que nossos Ortografos di-
zem acerca do ch, lh, nh, que elles chamam letras as-
piradas, Concederalho eu se de cada uma dellas me
deram uma figura, ou forma como os Gregos as t?
para o th, ph, ch, ps, màs se nós nã temos carateres
proprios para o ch, lh, nh, de que serv? essas inv?ções?
o certo he que h, ? as taes d?ções he letra; & nã aspira-
çã, como temos mostrado; & nã saõ as pronucia-
ções deste concurso de letras proprias nossas, como
dizem, porque assi pron?ciam os Castelhanos, como
ja mostrey do lh, & do nh, ? ella, & niño; he diferente
si a escritura, & a nossa mays posta ? a razã, que a
sua, poys fazem do l, n, & do l, h, nã o sendo, n? ? a
figura, n? ? o soido. E os Italianos a t? tamb?, màs
variam, & adulteram, como os Castelhanos as letras,
ainda que por outro estilo; fazem do g, antes do l, l,
& do lh, como ? voglio, & ? egli, & tamb? do g, n,
& do n, h ? ogni, como atràs dice. E assi n? ?s n? ou-
tros pronunciam como escrevem, n? escrevem como
pronunciam. que he contra o principal fundamento
da boa ortografia.
Menos rasã me parece teve qu? quiz mos-
trar diferença na letra c, ? esta palavra tacha, & Me-
chanico; porque ? tacha, faz o h. oficio de letra acer-
ca do Portuguez, & Castelhano, & ? mechanico faz
pág. 135
oficio de aspiraçã no Latim; porque nós s? aspiraçã
devemos escrever mecanico, & outros semelhantes,
como ja dicemos.
Nem obsta dizer que são vocabulos Latinos, &
que por essa rasã se dev? escrever como elles os es-
creveram cõ h; porque aquelles, que per si só saõ ja
nossos, nã dev? seguir ortografia alheya, senã (torno
a dizer) quando para melhor intelligencia dellas ne-
cessario for, assi como ? Chiron, que se o escrever-
mos s? h, ficará Ciron, & cõ Qu, Quiron; & nã se en-
tenderá o que he, màs ficará confuso. Polla qual ra-
sã erram, os que querem escrever per ch, vocabulos
Portuguezes, dirivados dos Gregos, ou Latinos, co-
mo choro por coro, charo por caro, querido, & os
mays que apontamos, que nã saõ todos que ha; & as-
si estes nomes Monarchia, Machina, & semelhantes
escreveremos s? h, & cõ qu; como Monarquia, Ma-
quina, &c. diremos tãb? Cosmocrafia, filosofia, orto-
grafia, assi como soã ? Portuguez; se nã he que se
queyram parecer cõ aquelle Ario Romano; intitula-
do de Catulo o aspirante, porque todas as silabas
profiria da garganta aspiradas, de maneyra que por
commoda, dizia chommoda, por insidias, hinsidias, por Io-
nios, Hionios, como se ve ? o seguinte epigrama, cele-
brado de Quintiliano, Policiano; & outros muy-
tos.
pág. 136
Chõmoda dicebat, si quando cõmoda vellet.
Dicere, & insidias Arius hinsidias.
Et tum merifice sperabat se esse locutum,
Cum quantum poterat dixerat hinsidias.
Credo sic mater, sic Liber avunculus ejus,
Sic maternus avus dixerat, atque avia.
Hoc misso in Syriam, requierant omnibus aures.
Audiebant eadem leviter, & leniter.
Nec sibi post illa metuebant talia verba,
Cùm subitò affertur nuncius horribilis.
Ionios fluctus, postquam illac Arius isset,
Iam non Ionios esse, sed Hionios.
Cujo sentido, se me nã engano póde ser;
Chõmodos Ario acõmodos sohia
Dizer, tamb? hinsidias por insidias.
Entã cria fallar muyto elegante
Se dizia cõ muyta força hinsidias.
Assi creo fallou a mãy, & o filho,
Assi os avós maternos, assi a tia.
Este mandado a Syria, o escutam todos,
Por ouvir as palavras mays suaves.
N? taes vozes despoys ouvir temiam;
Quando subito chega horrivel nuncio,
Que desque Ario sulcou as Ionias ondas,
Ia nã eram Ionias, màs Hionias.
pág. 137
Os Latinos antigos, como diz Quintiliano (màs
despoys de Cicero) usavam pouco da aspiraçã ? as
vogaes, & asi diziam ædos, ircos, por hædos, hircos;
& o mesmo observaram ? as consoantes, escrevendo
Graccis, triumpis, por Grachis, triumphis; despoys creceo
tanto o uso do h. que tamb? escreveram por corona,
Centurio, præco; chorona, Chenturio, præcho, segundo o
mesmo diz se acha ? alg?s letreyros.
O conselho que Angelo Policiano, ? suas misce-
laneas cap. 15. da acerca disto he, que se escrevam cõ
aspiraçã: os que se pronunciarem cõ aspiraçã, o
que os Gregos usam agora ? os consoantes so-
mente. Acerca do que se póde ver Cicero no
Orador a Bruto. Aulo Gelio ? o segundo das noy-
tes Aticas diz, que os Antigos admittiram o h, ? al-
gumas palavras para lhes dar mayor força, & vigor
ao sõ; como sintimos ? algumas palavras Castelha-
nas, ? que he muyto frequente; aindaque como diz
Aldrete, no principio de sua lingua cap. 11. lib 2 ? al-
gumas palavras que se aspiravam, se hia ja deyxando
o h, & assi por hazer, hormiga, hombre; dizem azer,
ormiga, ombre: polo que cõ muyta mays razã nós,
que nenhuma palavra pronunciamos da garganta,
devemos escrever s? h, as palavras que nossos Orto-
grafos aspirantes, como Ario, querem se escrevam
per h. como homem, honesto, honestidade, humilde,
humildade, humilhar, humido, humidade, humor,
pág. 138
h?, huma, & semelhantes; màs diremos omem, ones-
to, onestidade, umilde, umildade, umilhar, umido, u-
midade, umor, ?, uma;
Os Italianos ?s excluiram de todo a aspiraçã, ou-
tros a abraçaram. Os Francezes escrevem ch, sobre
todas as vogaes, màs pronunciam como se fôra x.
Abreviada diz varias cousas, como parece ? Probo.
________________________________________________________________
CAP. XXXI.
Do I.
A Letra I, como atrás dicemos, umas vezes he
vogal, outras consoante, & assi t? diverso soido,
conforme o oficio diverso, que lhe dam. O proprio,
& natural he o que se sente ? as primeyras silabas des-
tas vozes idea, imagem, ira, & entã he vogal, & o es-
creveremos assi i. O soido improprio, & alheyo he
quando serve de consoante, do qual tratamos agora.
Remeda muyto na pronunciaçã ao g, quando
fere sobre e, & escrevese rasgado para bayxo, nesta
fórma j Nã t? lugar sobre i. vogal, que polo paren-
tesco & semelhança, que cõ elle t?, parece se absteve
de o ferir, como faz ás outras vogaes; que até nas le-
tras se acha o conhecimento de afinidade, que ?
muytos om?s falta: màs isto he acerca dos Portugue-
zes, ? que se acham todos os primores, que acerca
pág. 139
dos Latinos mede ao i, vogal, como a todas as outras
vogaes. E assi nã acertou o Ortografo, que escreveo
jinja, porque devia escrever ginja.
Escreveremos poys per j, consoante todas as dições,
que dos Latinos passaram a nós cõ o mesmo j, con-
soante, se essa silaba ficou inteyra, aonde o j, ficou co-
mo jejum, sujeyto, majestade, porque v? de jeiunium,
subiectus, maiestas; & assi diremos rejeytar, por que v?
de reiicio, & enjeitar pola analogia, & outros seme-
lhantes.
Alguns Ortografos nossos escrevem injenho, je-
ral, advirtoo porque he erro, conforme o que dice-
mos ? a letra g.
Os vocabulos que no principio se escrevem per
hie, entre Gregos, ou Latinos, como Hieronimus,
Hierarchia, Hierusalem, Hierico, & outros taes; nós
os escreveremos por j, Ieronimo, Ierarquia, Ierusal?,
Ierico, & assi Ieremias, Iereboam, porque assi os es-
crevem ja alguns modernos, & se acha ? os livros
impressos, que tudo pode o costume, & a pronuciaçã
& corruçã de uma lingua noutra; màs nã he regra
geral, porque Hiempsal, nome proprio de ? Cartagi-
nez, & Hieron, de ? Rey de Siracusa, mal se escreve-
raõ cõ j. consoante. Pola qual razã conv?, que o que
rectamente quizer escrever ouça cõ atençã o soido,
que o vocabulo faz na orelha, porque facilmente en-
tenderá como o ade escrever: & considere que a nos-
pág. 140
sa pronunciaçã naturalmcnte foge o aspirado, & a-
braça cõ amor & suavidade, o que carece de afectaçã;
màs quando o sintido da diçã nã ficar intelligivel,
entã siguirá o que mays usado for.
Em esta letra nã acaba palavra alguma nossa n?
peregrina.
________________________________________________________________
CAP. XXXII.
Do K.
ESta letra K. tomaram os Latinos dos Beocios
& Gregos, como diz Elias Vineto sobre este
verso de Ausonio.
Hæc tribus in Latio tantum addit nominibus.
Para exprimir sómente tres nomes Gregos, Ki-
rios, Kalenda, Kappa. Este he seu nome entre os
Gregos, & nós a nomeamos Ca. Ioã Bautista Porta,
? o livro 3. De occultis litterarum notis. cap. 3. diz que Sau-
lio Mestre foy o primeyro que o acrecentou ás letras
Latinas. Diomedes diz se escusa, & Persiano que entre
os Latinos sobra, & se cõta de mays: & assi muytos es-
crevem ja Cal?das, & cappa, como aqui se ve. cõ c, cu-
ja pronunciaçã t? sobre a. o. u. & fica so para o Kiere-
leyson, (que quer dizer Senhor havey misericordia
pág. 141
de mi:) Nã obstãte isso, digo, que poys nós mudamos
sobre e, i, o c, ? qu, que melhor fora valermonos do
K, como cõ grande acerto fazem outras nações. Ve-
molo ? o nome de Thomas de Kempis, conhecido
Varã per letras, & virtude; & no S. Arcebispo, &
glorioso Martyr de Christo Thomá Beket, que este
era seu apelido. E eu o tenho ponderado ? o nome
de minha avó paterna, que era Haeseken, donde pa-
rece lhe fiquey afeyçoado, aindaque ocularmente à
nã conheci. Màs a rasã, que me inclina a nós admittir-
mos esta letra ? nosso alfabeto ? lugar do qu, sobre
e, i, he; por que ao q, quando se ajunta cõ u, [de cuja
assistencia pende todo o seu valor, & s? o qual fica
como morto] sobre e, i, nã lhe damos a verdadeyra
pronunciaçã, que ? razã da vogal ouvera de ter, co-
mo ? a lingua Latina sintimos no qui, que; como ?
querella, quietus, dições Latinas, ? as quaes sintimos
o soido daquelle u, que nã sintimos ? as mesmas di-
ções Aportuguesadas, querella, quieto: onde parece
que nã pronunciamos, como escrevemos: & o mes-
mo sucede ? outras semelhantes, o que nã seria, se as
escrevessemos cõ k. kerella, kieto, &c. B? he verdade,
que as cousas novas nã pódem introduzirse s? peri-
go, como advirtio, Quintiliano màs todavia,
havemonos de atrever, porque aquellas cousas, que
ao principio (diz Cicero) parecem duras, cõ o uso se
facilitam & abrandam: por isso dizia Hesiodo, que a
pág. 142
mayor dificuldade, que ha nas cousas umanas, he o co-
meçallas; & assi Terencio in Heauton, Omnia hæc d? in-
cipias gravia sunt, dum que ignores, ubi cognoveris, facilia.
Ioseph Scaligero, sobre Ausonio assi escreve Gua-
dalkebir, per k & nã per qu. E se os antigos Latinos
nã usaram desta letra, foy por que a sua pronunciaçã
? qu, sobre e, i, he, como vemos, muyto diferente da
nossa.
Finalmente digo que ainda que esta letra k, entre
nós nã he usada, sendo o, fará seu oficio & obrigaçã
muyto b?, sobre as ditas letras, e, i, na forma, que
dicemos.
Formase aplicando ao pádar o principio da lin-
gua, na sua parte grossa, junto á guela, & despedindo
o flato, cõ pouca abertura da boca. Os Gregos lhe
chamam Cappa, & os Hebreos Caph.
Nã temos vocabulo que acabe ? K, salvo alg?
estrangeyro, como Craesbeek. Os Francezes, & Ita-
lianos nã a t? ? seu alfabeto.
________________________________________________________________
CAP. XXXIII.
Do L.
ELe he uma das semivogaes liquida, quãdo lhe
precede muda; corresponde cõ o soido & po-
der ao Lamda dos Gregos, & ao Lamed dos He-
pág. 143
breos, que assi se chama entre ?s, & outros. Gerase to-
cando cõ a ponta da lingua o pádar visinho aos d?-
tes, mandando fóra ? pouco de espirito cõ que sua
prolaçã he gentil & mansa. T? alguma semelhança ?
a pronunciaçã cõ o r, ? cujo lugar sucede, como diz,
Quintiliano (& logo mostraremos) senã que o l, t?
naturalmente uma certa brandura, & o r, pelo con-
trario uma certa aspereza, porque quando se quer for-
mar, he força dobrarse a lingua: & assi os pividosos
ordinariam?te o mudam ? l, como de Demostenes, &
Alcibiades conta Plutarco, & he proprio dos mini-
nos, que nã t? ainda força para profirir aquella as-
pereza, que he natural do r; & chamam os Gregos a
este vicio lamdacismo, que quer dizer vicio de fre-
quentar o l, que elles, como dicemos chama Lamda.
Sua brandura deo a entender o Poeta, quando
para mostrar o lugar diversissimo do Tartaro disse.
Concilia, Elisium que colo: & nã menos ? o siguinte
verso, notado tamb? de Quintiliano.
Mollia luteola pingit vaccinia caltha.
E Persio ? a satyra primeyra por reprender o cos-
tume dos Poetas, que por ter voz suave, delicada, &
mole no recitar os seus versos, enxaguavam, & lava-
vam a boca cõ unguentos aptos para esse efeyto, usã-
do tab? de palavras brandas, & delicadas, quaes são as
que levam esta letra, como se ve neste lugar.pág. 144
_______ _______ liquido cum plasmate guttur.
Mobile colluerit, &c.
Logo abayxo, diz ao mesmo intento.
Plyllidas, Hypsiphylas, vatum, & plorabile siquid
Eliquat, & tenero supplantat verba palato.
Nós ? muytos vocabulos que temos dos Latinos
mudamos o l, ? r, como mays varonil; & assi de blã-
dus, blanditia, clavus, flaccere, flaccidus, lilium placa planca,
placere planus, planctus, dizemos brando, brandura, cra-
vo, enfraquecer, fraco, lirio, praya, prancha, aprazer,
prano, pranto, & semelhantes; & de fluxus; dedusimos
froxo, de obligare, obrigar; & de supplere suprir, &c. de
Flasca, vocabulo Grego, frasqueyra; & de flascus, frasco.
Refereo Aldrete, de S. Gregorio.
Em outros nomes tamb?, que tomamos dos
Latinos, o acompanhamos de ? h, & assi de Alienus,
allium, apiada, articulus, folium, filius, ilia, malliare, melior,
milium, millia, mulier, novacula, oculus, palea, parilitas,
similare similis, speculum, tegula, vinculum, vetulus, dize-
mos; Alheyo, alho, abelha, artelho, folha, filho, ilhar-
gas, malhar, melhor, milho, milha, mulher, navalha,
olho, palha, parelha, assemelhar, semelhante, espelho,
telha, venselho, velho, & outros taes.
Muytos inorantemente trocam o l, ? r, ? algu-
mas dições dizendo, & escrevendo cremencia,
pág. 145
cremente, frama, Creligo, crelesia, frol; hav?do
de dizer, clemencia, clemente, flama, Clerigo, cle-
resia, flor. Assi diremos simprez, & nã simplez, claro,
& nã craro, obrigar, & nã obligar, como certo Orto-
grafo nosso erradamente ensina, & tamb? suplican-
te, & nã supricante, como o mesmo diz. Diremos
clamar por gritar, ou chamar dando vozes, & cramar;
por fazer queyxas de algu?, ou bradar queyxoso so-
bre algu?: aindaque no Latim a mesma significaçã
t? clamare, porque nessa disse Livio 3. ab urbe; Cla-
mant fraude fieri, quod foris teneatur exercitus, màs neste
sintido o nosso vocabulo t? mays energia.
Fere esta letra l, cõ sua natural brandura todas as vo-
gaes, & se po? despoys de b, c, f, g, p, como blasfemo,
claro, flor, gloria, planta, & despois de t, ? nomes peri-
grinos, como, Tlepolmeo, filho de Hercules, & Astio-
che; Tlesias, Principe anual, dos Ateni?ses, Tlos, cida-
de de Licia; que tomou o nome de Tlo, filha de Mile-
to, & da nynfa Praxidi. e; & tãb? uma cidade de Sicilia.
He letra recebida ? todas as nações do mundo,
salvo na Brasilense, cuja lingua dizem a nã t?, como
tamb? lhe falta o f, r, como aquella, que carece de fe,
de ley, & de Rey.
Nella acabam muytos vocabulos nossos, prece-
dendolhe todas as vogaes. Sua prerogativa he fazer
levantar o mays alto tono ? a musica. Em a lingua
Latina L. quer dizer, Lucius; entre dous pontos val
pág. 146
por vel; como adverte Miguel Salinas, referido de
Ximenes: & na conta antiga he numero de cinco?ta.
________________________________________________________________
CAP. XXXIV.
Do M.
EMe he letra semivogal, & uma das liquidas; pro-
nunciase cõ brandura, porque se forma quasi
fora da boca, chegando ? beyço a outro, & assi se du-
vida se ella, ou antes o b, he a primeyra que ? ? mi-
nino faz ajuntar os beyços. Do Frigio infante, de
que ElRey Tolomeo se sirvia para saber, que lingua
era mays natural ao genero umano; lemos, que pri-
meyro produsio bec, que ? aquella lingoagem sig-
nifica pã: màs os antigos Bretões ? Ingalaterra t?
que m, he a primeyra letra, que faz ajuntar os beyços,
porque nã ha outro vocabulo por mãy ? Ingrez que
Mam, que todos os mininos de qualquer Clima
que sejam, logo ? entrando ? o mundo pronuciam
articuladamente; & assi ? varias linguas o nome do-
ce de mãy começa por esta letra M.
Os Gregos lhe chama My, & os Hebreos Mem.
Fere todas as vogaes direytamente: nã admitte (? a lin-
gua Portugueza) antes, n? despoys de si; outra letra
consoante mays que b. p. & outro m; & assi escreve-
pág. 147
remos, ambos, tempo, immovel, & semelhantes: polo
que fique por regra inviolavel, que antes b, p, m, se
escreva sempre m: digo ? a lingua Portugueza, por-
a Grega & a Latina, & outras dellas dirivadas, nã
guardam ? todo esta regra: & alg?s ortagrafos nossos
se deyxaram ir trás elles ? vocabulos, que temos me-
ramente Latinos, & ensinam, que se hão de escrever
assi como os tomaram, como são condemno, dam-
no, solemne, somno, màs estes, & outros semelhantes
que o Licenciado Duarte Nunez refere se hão de
escrever ao nosso módo, condeno, dano, solene,
sono, porque assi os pronunciamos; & quan-
do pronunciamos os Latinos fechamos os beyços ?
o m, que he o seu proprio natural; como se profirira-
mos, condem no, dam no, solem-ne, som-no, que ?
a nossa lingoag? fora uma redicula cousa. Os nomes
proprios Gregos, & Latinos, que t? m, antes do n, as-
si tamb? os escreveremos; & pronunciaremos, por-
que os taes s? m, nã fazem tã bõ soido, como são
Agam?non, Clytemnestra, Clytumno, Lemnos. Lem-
noria, Memnoa, Polimnia, & semelhantes. Hymno,
& gimnasio, inda poderemos escrever assi; ou hyno,
& ginasio; & o primeyro se acha ordinariamente ? os
versos, s? m, por rasã do consoante.
Os compostos deste adverbio bem, & desta pre-
posissã com; nã se devem escrever como ? ortografo
nosso diz absolutamente, mas cõ esta diferença; que
pág. 148
quando se lhe seguir vogal se escreverão cõ m, como
b? estreado, comigo, màs quando se lhes siguir con-
soante, cõ n, como bendito, contigo, consigo, por-
que uma vez que os fizemos nossos, hão de siguir
a nossa ortografia, & nã a alheya; tiramos so bem
quisto, porque assi o pronunciamos.
Em a lingua Latina so ? nome se acha que an-
tes do s, tenha m, que he hyems; mas ? outras linguas
muytos; como Amsterdam, cidade de Olanda; Ems,
Rio da mesma, & outros; porque o que digo do m.
so entre nós se observa inviolavelmente, & ningu?
o corrompe mays que os Castelhanos, que ordinaria-
mente, antes do b, p, po? n, elles saberão a razã, & ate
no cabo das dições o pronunciam como n. T? tres
pronunciações, clara ? o principio, mays cerrada ? o
meyo, & no fim obtusa & escura.
Nesta letra acabam muytos vocabulos nossos, co-
mo ja dicemos, & diremos; Grego nenh?, segundo
Quintiliano, lib. 12. cap. 10. donde Ausonio.
Vocibus in Graijs, nunquam ultima conspicior.
Como a materia de que escrevo nã he de si apra-
sivel, procuro entresachar sempr alguma cousa, que
a faça parecer menos dura; & por ventura, que n? de
todos seja a minha diligencia b? recebida; cõ tudo ja
heyde siguir o estillo, que nisso tomey até o cabo;
que mayor trabalho tenho eu ? o escrever, do que
pág. 149
ningu? terà ? o ler. Acerca poys do m, contarey o que
Plutarco tràs ? ? de seus apotemas.
Como ? Siracusas de Grecia (que alguns cha-
mam Çaragoça) se deytasse sorte sobre a eleyçã do
Princepe, polas letras do abece, como estava ? costu-
me; socedeo, que cahio a Dionisio velho, a letra m.
H? dos que estavam prezentes disse, O Dionisio m.
te cae? morrerás s? duvida. Enganaste, respondeo
Dionisio, que antes o M, quer dizer, que serey Mo-
narca E tudo se cumprio. Porque Dionisio foy levã-
tado por Princepe, & Monarca; màs governando cõ
violencia, & tirania, o povo se cõjurou cõtra elle, &
tendoo cercado, lhe aconselharam alguns amigos
seus, que renunciasse o governo se nã queria morrer.
Màs vendo nesta ocasiã a ? cozinheyro degolar ?
boy cõ muyta facilidade, disse; Por tã pequeno tor-
mento como he o da morte, heyde eu deyxar ?a
monarquia? nã he meu gosto, Monarca sou, & Mo-
narca hey de morrer, & assi foy. M antes de nome La-
tino val por Marcus; & ? a conta antiga por mil;
que antes se escrevia segundo Prisciano assi, CX? a-
inda que Paulo Manuci o nã o aprova, & diz que
era CI? como ja dicemos. Em alg?s instrum?tos anti-
gos para significar mil, se acha esta figura ?C.pág. 150
________________________________________________________________
CAP. XXXV.
Do N.
HE a letra ene semivogal liquida; formase, fe-
rindo a ponta da lingua ? a parte dianteyra
do pádar; & assi o diz Aulo Gelio, lib. 19. c. 14. in fi-
ne; ? Grego se diz ny, & ? Hebreo, nuu, & ? Latim
en. Em nosso vulgar, nã t? lugar antes de B P. M. des-
poys de M, ? os nomes, que assima referimos, Agam?-
non, Clytemnestra, &c. T? grande uniã cõ o S. como
nestes vocabulos se ve; Constar, constancia, cõstruir,
instruir, instituir, insperado, & outros semelhantes, &
seus dirivados. T? tres graos de soidos, quando ac?-
ta sobre vogal forte, antes de consoante, fraco, & no
fim escuro.
A letra g, se perde antes della ? muytos vocabu-
los, que dos Latinos temos, como fallando do g, tra-
tamos, guardando para este lugar os mays: porque de
signum, significare, significatio, agnum, pignus, pigmentum,
benignus, dignus, cognosco, cognitus, cognitio, dignitas, sigm?-
tum, ignorare, ignorãs, ignorantia, ignotus, lignum, prægnans
prægnatio, prognosticum, regnare, regnum, diremos, & es-
creveremos, sinal, sinificar, sinificaçã, anho, penhor,
pimento, benino, dino, conheço, conhecido, conhe-
pág. 151
cimento, dinidade, fingimento, inorar, inorante, ino-
rancia, inoro, lenho, prenhe, prenhidã, pronostico,
reynar, reyno, & outros semelhantes. Magno sómen-
te escreveremos cõ g, porque s? elle t? muyto diver-
sa significaçã; sendo certo que de muytas palavras
Latinas nos sirviram s? as corrompermos, màs de
outras corruptamente, segundo he necessario para
nossa pronunciaçã.
Os Castelhanos ? lugar de m, final, po? sempre
n, ? o que imitam aos Gregos, porque como dice-
mos, nestes nenhuma diçã sua acaba ? m. Por? os
Castelhanos o fazem cõ tal excesso, que até o am fi-
nal dos Latinos, convertem ? an, ao menos ? a pro-
nunciaçã, & assi diz? amaban, legeban, musan, &c.
Os Latinos rarissimamente o usam, ? suas clausulas;
& nós á sua imitaçã ? muyto poucas.
Desta letra entende Ausonio, quando diz.
Vna fuit tantum, qua respondere Lacones.
Littera, & irato regi placuere negantes.
Porque pedindo Filipe Rey de Macedonia aos
Gregos Laconicos, que o recebess? na cidade, lhe res-
ponderam ? uma grande carta cõ esta letra Grega,
?. que he o mesmo, que nã; & assi o declara Elias Vi-
neto.
pág. 152
________________________________________________________________
CAP. XXXVI.
Do P.
PE he uma das mudas, & se pronuncia & forma
? a mesma parte da boca, & quasi cõ a mesma
postura, cõ que se pronuncia o b, se nã que o p, se
pronuncia (como dice fallando do b.) apertando
mays os beyços, & lançando o espirito & folego
mays de dentro: & assi he a terceyra que no minino
faz ajuntar os beiços, & pola semelhança, que es-
tas duas letras entre si t?, os Latinos ? muytos voca-
bulos, que tomaram dos Gregos, mudam uma letra
? outra, como nós tamb? fazemos, ? os que toma-
mos dos Latinos; polo que de implicare, aperire, aper-
tus, apertura, apis, apricare, apricus, aprillis, capere, capillus,
capistrum, caput, capra, caprarius, capulus, cupa, cupiditas,
cupere, cupidus, duplex, duplico, Episcopus, lepus, lupus, na-
pus, napina, opera, operare, operarius, opifex pauper, pauper-
tas, percipere, pustula, rapere, raptus, ripa, sapere, sapiens,
sapor, sepia, super, suberbia, superbus, supercilium, tepidus,
dizemos, embrulhar, abrir, aberto, abertura, abelha, a-
brigar, abrigado, abril, caber, cabello, aberto, cabeça,
cabra, cabreyro, cabo, cuba, cubiça, cubiçar, cubiçoso,pág. 153
dobrado, dobrar, Bispo, lebre, lobo, nabo, nabal, o-
bra, obrar, obreyro, pobre, pobreza, perceber, bustella,
ribeyra, saber, sabio, soberba, soberbo, sobrancelha,
tibio, & outros muytos deste genero.
Os Latinos usam desta letra aspirada, seb? cõ duas
figuras, ou duas letras, como ph, nã como os Gregos
cõ uma sómente, nesta forma ? por razã de escrever
alguns nomes Gregos, como, antiphona, phantasma,
Nimpha, triumphus, philosophia, & outros semelhã-
tes: por? nós ? nosso vulgar sempre escreveremos es-
tes, & outros taes, por f. & nã por ph. como nossos
Ortografos ensinam; & deste meu parecer he o
Mestre Bertolameu Ximenes Patã, ? o seu Epitome
da Ortografia Latina, & Castelhana; & os Latinos
antigos, segundo Quintiliano, lib. 12. c. 10. assi o fa-
ziam, & nã usavam de ph. ainda que o f. diz o mes-
mo Autor, (& nós o tocamos ? seu lugar) saindo per
antre os dentes, nã parece voz umana: poronde os
Gregos usados á doçura do seu phi, que antre elles
soava cõ grande suavidade, & alegria, nã o podiam
pronunciar; & assi Cicero tachou a uma testimunha
Grega, que dizia contra Fundano, porque nã o po-
dia pronunciar, & dizendo Phundano, soava como
Pundano. Acerca do que se veja o que diccmos ? o
capitulo 28.
Os Arabes Maometanos (segundo Rodrigo Caro,
? as antiguidades de Sevilha, lib. 1. cap. 1.) nã conhec?
pág. 154
p, n? o pronunciam. Os Gregos o pronunciam pi. &
os Hebreos pe. como nós. Em abreviatura Latina, an-
tes do nome o P quer dizer Publicos, dous PP. Pa-
tres; donde PP. CC. Patres Conscripti.
________________________________________________________________
CAP. XXXVII.
Do Q.
A Letra Que [pronunciamola assi; polo mao soi-
do, que faz cõ o u. que he seu companheyro in-
separavel, ? nossa lingoagem sómente] he uma das
mudas. T? necessidade (como agora dicemos) do u.
liquido, para lhe dar valor porque s? elle nenhu-
ma força t?. Por esta razã alguns [nã s? funda-
mento] a chamaram meya letra; outros tendoa
? pouco necessaria, a excluiram do numero del-
las, como diz Ioã Bautista Porta; & fez Nigidio
Figulo, filosofo pithagorico, doutissimo ? a gra-
matica, & contemporaneo de Marco Tullio, que
nunca usou do q. dizendo que o mesmo efeyto ti-
nha ? tudo o C. & assi muytos vocabulos antigos,
que per q. se escreviam como arqus, oqulus; se escreve-
ram despoys per c. arcus, oculus; & de sequor, disse-
ram secutus, de loquor, locutus; & tamb? uzaram de ?
& de outro promiscuamente; como se ve nos relati-
vos quis, & qui, que nos oblicos fazem cujus, cui. E al-
pág. 155
guns Castelhanos doutos por quanto, quando, escre-
vem cuanto, cuando, &c.
S. Isidro lib. I. c. 27. de suas etimologias; diz que o
c.& o q t? muyta semelhãça; polo que de duce, dize-
mos duque, de vacca, vaqueyro; de scapha, esquife, &
Terenciano Mauro dizia que importava pouco ser
primeiro o k. ou q. ou c.
Nós ? muytas dições Latinas mudamos o q ? g;
como de aliquis, antiquus, equa, aqua, aquila, æquus, sequi;
dizemos; algu?, antigo, agua, egua, aguia, igual, se-
guir, &c.
Os Hebreos, Caldeos, Gregos, Arabes, nã t? q, ?
seus alfabetos, màs he proprio dos Latinos, de qu?
nós o tomamos seb? usamos delle cõ muyta imper-
feyçã sobre e, & sobre i, como se póde ver acerca do
que dice fallando do k. Sendo necessario & forçoso
levar esta letra q, diante de si u, ao qual nã sintimos
sobre i, como sobre a, nestes & semelhantes voca-
bulos, quadro, qual, quanto, quarenta, quaresma, &c.
& por essa razã julgava eu seria b? servirmonos do
k; & sobre o, sou de parecer uzemos sempre do c,
porque do mesmo módo soam como, & quomo,
cotidiano, ou quotidiano; cinco, ou cinquo, &c.
Pronunciase retraindo a lingua, que nã chegue
aos dentes, & apertando a campainha, lançando a
voz de dentro.
Em abreviatura Latina diz quintus, ou quincius.
pág. 156
Acerca dos Latinos Antigos, sinificava quinhentos
mil; por? nã he ja usado.
________________________________________________________________
CAP. XXXVIII.
Do R.
A Letra Erre he semivogal, & uma das liqui-
das, simplez, & nã de duas maneyras, como
alguns cuydam O Grego lhe chama Rho, & o He-
breo Res. Formase chegando o mays alto da lingua
ao confim do pádar, junto aos dentes, & lançando
fóra o flato.
Della usamos assi como os Latinos entre nós, &
elles t? a mesma pronunciaçã, ou se forme cõ aspere-
za, que he o seu proprio soido, ou se forme cõ bran-
dura, que nella he impropria; salvo quando lhe pre-
cede outra letra muda; que he a razã, porque a ima-
ginam cõ figuras diferentes, nã tendo mays que u-
ma; & pronunciarse assi, ou assi, he acidentalmente,
como acontece a todas as vogaes, & a muytas das
consoantes.
A pronuciaçã aspera he (como dizemos) pronun-
ciaçã sua, segundo diz Bertolameu Scala, escrevendo
a Angelo Policiano. lib. 5 epist. & segundo Dionisio,
refirido do mesmo, cõ sua aspereza ofende. Donde
pág. 157
os Poetas, & os mesmos Oradores, so? usar de dições,
que t? este sõ, para exprimir algumas cousas asperas
& desabridas (como dicemos do l, para as cousas
brandas, & moles) & assi o fez Virgilio ? este verso;
Nunc rapidus retrò, atq; æstu recoluta resorbet
Saxa. E tamb?;
Studijsque asperrima belli. Acerrimus armis;
miserrima Dido.
Sentese este sõ ? o principio da diçã, como ? ra-
posa, relogio,, rio, roda, rua, &c. adonde o r, nã póde
ser dobrado, porque no principio da diçã, nenhuma
letra se dobra, & cõtudo soa cõ aspereza.
Despoys de n, s, t? o mesmo soido, & s? ser dobra-
do, como ? onra, genro, Israel: Antes das outras con-
soantes soa cõ mays brandura, como ? barba, arca,
ardil, orfan, argola, orla, arma, arnella, arpa, Arqui-
quo, barsa, farto; fervor, varzea; por? nã tanto, quan-
to, no meyo de vogaes; como ? seara, primavera, sus-
piro, fermosura: màs se entre ellas se dobra, soa cõ
sua natural aspereza, como ? carro, terra, birra, torre,
empurre.
Sua pronunciaçã a muytas nações he trabalhosa,
& cõm?mente aos pividosos; porque ou a deyxam
de todo, ou a trastornã, diz?do ? lugar de prato, pato,
ou parto; outros a trocam ? l, como de Demostenes
dicemos; & por quarto, pronunciam qualto, o que tã-
pág. 158
b? he proprio nos mininos, porque nã t? força para
o exprimir; & assi o grande poeta Dom Luis de Gõ-
gora.
Perque llora la Mariquita?
Que chiribica?
Chiriba ? ochabo de oro;
Danme ? qualto de palta y lloro
Tamb? os Chins nã a podem pronunciar, & assi
chamam aos Tartaros Tataos. No módo infinitivo
de todos nossos verbos, quando se lhe segue o rela-
tivo a, ou o, se muda ? l. dobrado, como de amar,
amallo; de ler, lello, de ouvir, ouvillo, de por, pollo,
&c. & tamb? nas preposições per, & por, cõ os arti-
culos, ou relativos, o, a, se muda ? l, como, pelo, pela,
polo pola.
Persio ? a satyra primeyra a chama letra canina.
_______ sonat hic de nare canina
Littera.
Tomando a metafora dos cães, quando rega-
nham os dentes, para morder; porque (como escreve
Donato) parecem entã remedar esta letra; donde
Lucilio;
Irritata canis, quod rr. quamplurima, dicat.
Por esta letra os Medicos dã a entender o seu
pág. 165 [recte pág. 159]
Recipe, ? as receitas, que para os seus enfermos
fazem.
________________________________________________________________
CAP. XXXIX.
Do S.
ESte he letra semivogal, & formase chegando
a lingua ao pádar, junto aos dentes, cõ alguma
aspiraçã. Marco Marcello, segundo Marciano Capel-
la, dizia, que mays era asovio que letra: & por essa ra-
zã a figuraram á maneyra de uma cobra enroscada,
por parecer mays silvo de cobra, que voz de omem,
O Grego a nomea Sigma, & o Hebreo, Samech, ou
Sin, porque t? duas formas de S, & cõ alg?a diferença
? elles; porque o S que chamam Samech he de pro-
laçã aguda, & o S, que chamam Sin, quando t? pon-
to ? a cabeça direyta, val por S, crasso, & quando na
esquerda, nã se deferença do S, Samech; màs vamos
ao que nos importa.
Em o principio da diçã pronunciase como se fo-
ra dobrado, & soa á maneyra de ç, cõ cedilho; assi
como sal, serea, sino, sono, suor. E tamb? t? o mesmo
soido, despoys das consoantes, b. l. n. r. como ? absti-
nencia, balsamo, sansonete, persiguiçã, & semelhan-
tes; màs quando se poem singellos entre vogaes soa
pág. 160
á maneira de z, como ? ousado, Anchises, ocasiã, riso,
uso, &c. E para sabermos quando avemos usar de z,
& quando de s, (que nã t? pouca dificuldade) deve-
mos considerar, a origem do nome, & dirivandose
de alg? vocabulo Latino, que se escreva per s, tamb?
nós o escreveremos cõ elle: como nos exemplos ha
pouco apontados vimos, porque ousado v? de ausus,
& assi escreveremos cõ s, ousar, ousadia, ainda que
este pareça v? de audacia; ocasiã v? de occasio, riso, de
risus; uso, de usus; desejar, desejo, de desiderare deside-
rium, casa he tãb? vocabulo Latino, & dahi deduzire-
mos casamento, caseyro, casal; clausula, he assi pala-
vra Latina; Deosa, dirivase de Deos; & assi os mays
que nã he possivel apontar todos.
Tamb? escreveremos cõ s, os nomes que os Lati-
nos acabam ? sio, como conclusio, confusio, defensio, divi-
sio, infusio, lesio, & semelhantes, de que diremos con-
clusã, defensã, divisã, infusã, lesã.
Tamb? escreveremos cõ s, os nomes originados
dos Latinos acabados ? sa, como de ansa, asa, de causa,
causa, & causar, de mensa, mesa; de pausa, pausa pau-
sar, pausado.
It? os nomes, que nacem dos participios ? sus, dos
quaes diremos, raso, & arrasado, rasoura, leso, & lesã; ri-
so, risonho, uso, usar, usado, usura, usurario, de clausus,
clausula, & escreveremos cõ s, como os Latinos fer-
pág. 161
moso, amoroso, glorioso, vitorioso, & outros taes.
Alg?s autores nã t? ao s, por letra, como diz Mar-
ciano Capella, lib. 3. de semivocalibus; especialmente
vindo antes de m, p, t, & eu digo que tambem antes
de c, pello que erram nossos Ortografos (especialm?-
te o Licenciado Duarte Nunez) ? escrever; scripto,
scriptura, smeralda, spelho, sperança, spirito, star, sta-
do, statura, & semelhantes, s? antes do s, por, e, porque
se ouver de ser como elle diz, & seus sequazes apro-
vam, toda nossa poesia, desde a de Camões até á mi-
nha; que he como se dissera, desde a melhor até a peor
está errada: porque nos versos, ? que temos estas &
semelhantes dições, temos outras tantas silabas me-
nos, màs creo, que elles saõ os que erram, como digo,
porque se deve escrever; escrito, escritura, (& s? p.) es-
meralda, espelho, esperança, espirito, estar, estado, es-
tatua, &c.
A letra s, se muda ? l, nas primeyras pessoas do
plural, de todos nossos verbos, & de todos os tem-
pos, quando immediatamente se lhe segue o relativo
o, a, o qual posto antes dos verbos nestas pessoas, di-
zemos, o amamos, avemos, & posto lógo despoys,
nã se pódem b? unir, como se dicermos amamos o,
vemos a; & assi mudando o s, ? l, dizemos, amamolo,
vemolo, &c.
Por esta, abreviatura ? Latim SP, se quer dizer Spu-
rius. Os Arabes usam pouco desta letra.
pág. 162
He o S, brazã dos Cardenas, illustre linhagem de
Espanha, & esta a razã: Vindo Dom Fernando o Ca-
tolico, Principe de Aragã, a Valhadolid, adonde es-
tava a Infante Dona Isabel, cõ qu? estava esposado,
& pondose ? sua presença, ouve muytos, que nã o
conheceram, n? tã pouco a Princeza. Dom Gutteres
de Cardenas entã seu fiel servidor, & grande priva-
do, mostrando ao Principe lhe disse, Es esse: ao que
respondeo a Princesa, pues, S. será vuestro blazõ, con-
forme Garivay ? sua Cronica.
________________________________________________________________
CAP. XL.
Do T.
A Letra Te he uma das mudas, & t? muyto pa-
r?tesco cõ o d. [como diz Quintiliano] se nã
que o t, se forma cõ mays espirito, ainda que no mes-
mo lugar, & cõ a lingua mays levantada para o pá-
dar, do que o d, que se forma cõ ella entre os dentes:
& por esta semelhança, os Antigos escreviam muy-
tas palavras, ? que entrava d, per t, como set, por sed;
atventus, por, adventus; como diz Vitorino; & Alexan-
ter, Cassantra, por Alexandre, Cassandra, segundo Quin-
tiliano; & outros pelo contrario escreviam d, por t,
como amavid, por amavit. E tamb? escreveram (diz Fes-
to) muytos per s, que escreviam per t, como mersare,
pág. 163
pulsare, que diziam mertare, pultare. Polla qual razã,
Luciano ? ? dialogo, introduz ao t, dando ? libello
cõtra o S, queyxandose, de que elle o lãçara de muy-
tos lugares, & que cõ certas cadeas pertendia dilace-
rar a voz umana: & como elle diz pronunciase cõ
alguma dificuldade ? algumas dições, & viciosamen-
te o mudam ? d.
Em os nomes, que dos latinos temos, o t, se corrõ-
pe ? d, como de acutus, adjutare, afflictus, atrocitas, audi-
tor, auditus, balatus, barbatus, calceatus, catella, catena, citò,
citrus, catarrhus, cathedra, creta, digitus, fatum, gemitus,
latus, later, latrare, latro, literatus, mater, materia, ma-
texa, maturare, mercator, mercatura, metiri, mittere,
molitor, molitura, mutare, nates, natare, natator, nivatus,
orata, orator, pacificator, paratus, pater, patiri, pec-
catum, petere, petra, potens, potator, putator, putredo, pu-
trere, putre, pietas, qualitas, receptus, reformator, retortus,
rota, rotare, rotundus, ruta, rosata, sagacitas, salutare, seta,
sitis, spatha, status, tinnitus, totus, vitrum, vita, vitta, &c.
dizemos; agudo, ajudar, afligido, atrocidade, ouvidor,
ouvido, balido, barbado, calçado, cadella, cadea, cedo,
cidreyra, cadarrã, cadeyra, greda, dedo, doaçã, fogaça,
fado, gemido, lado, ladrilho, ladrar, ladrã, letrado, ma-
dre, madeyra, madexa, madurar, mercador, mercado-
ria, medir, mandar, moedor, moedura, mudar,
nadegas, nadar, nadador, nevado, dourada, pacifi-
cador, orador, aparelhado, padre, padecer, peca-
pág. 164
do, pedir, pedra, poderoso, bebedor, o que pode, po-
dador, podridã, apodrecer, poder, piedade, calidade,
recebido, reformador, retorcido, roda, rodar, redon-
do, ruda, rosada, sagasidade, saudar, seda, sede, espada,
estado, tinido, todo, vidro, vida, fita, & semelhantes.
E assi mudam o t, ? d, todos os nomes, que nacem
dos participios Latinos ? atus, itus, como amatus,
de que v? amado, auditus, ouvido, & todos os mays.
E assi como os Latinos os nomes que acabam ?
tia, mudam na pronunciaçã o t. ? c. assi mudamos
nós ? os taes nomes, que delles nos vieram, ora ? c.
ora ? z. poronde de avaritia, duritia, malitia, militia, justi-
tia, pigritia; dizemos avareza, dureza, malicia, milicia,
justiça, preguiça, & semelhantes: da mesma sorte de
caput, platea. singultum, vitium, dizemos cabeça, praça,
soluço, vicio, & viço.
Em Portuguez nã se ha de por c. antes de t. co-
mo nossos Ortografos fazem & ensinam, escreven-
do sancto, doctrina, doctor, & semelhantes, porque
nã fallamos assi; màs santo, doutrina, doutor; & qu?
de outro módo escrever, ou fallar, o fará como nã
deve Alguns vocabulos ha, que querem o c. antes do
t. porque s? elle sinificam outra cousa, como acto,
pacto; porque s? c. ato, he do verbo atar, & o segun-
do, pato ave. Tamb? escreveremos cõ c. Alecto, por-
que s? c. he certa ave de rapina. Circunspecto, invec-
tiva querem c. porque assi os pronunciamos. Aspecto,
pág. 165
objecto, tamb? se póde dizer aspeto, objeto, como ?
os versos achamos, & outros dizem aspeyto, subjeyto.
Os gregos t? dous tes; ? simplez, que chamam
Thau, & outro aspirado, que chamam Theta, ou
Thita. E os Hebreos tamb? t? dous, & cõ os mesmos
nomes, mas entre elles o Thet he simplez, & o Thau
aspirado, seb? algumas vezes tomam ? por outro,
como letras do mesmo instrumento vocal.
Era a letra Theta ? os Iuizos sinal de condenaçã,
porque a figura desta letra (ainda que t? diversas)
era a primeyra do nome Thánatos, que significa
morte: & por esta razã Persio, satyra 4 a chama negra.
Et potis es nigrum vitio præfigere theta.
Isto he letifera, exicial, & mortifera, como explica
Ioã Bautista Plaucio, & o intrepreta Budeo ? as an-
notações sobre as Pandectas. Cicero, pro Milone, a
chama triste: acerca do que se verá Celio Rodiginio.
lib. 10. cap 8 de longa litera, & Asconio Pediano, in
divination. Cicer. in Cecilium. Donde Marcial, lib. 7.
cap. 36.
Nosti mortiferum quæstoris Castrice signum,
Est opere pretium dicere Theta novum.
E assi S. Epiphanio cõ esta letra notou as here-
gias de Origenes, ? aquella sua excelente obra, que
das heregias escreveo. Pollo contrario o t. simplez,
pág. 166
que se diz Thau, era sinal de absolviçã, & de perdã
como diz S. Isidro. lib. 1. Etimol. & delle o doutissimo
Cobarrubias; Prioris partis relect. c. 8. in fine Huma cou-
sa & outra ? os dous versos siguintes, que o Mestre
Bertolameu Ximenes tras ? o seu Epitome, porque de-
mos a cada h? o seu.
O multo ante alias infelix littera Thita,
Amabilisque dulcis inter omnes littera Thau.
Para o que he de saber, que os antigos nas cau-
sas criminaes davam suas sentenças per varios mó-
dos: muytas vezes o presidente, como v.g o Regedor
da justiça, dava aos juizes certas taboinhas enceradas,
adonde escreviam seus votos. Outros certas letras, &
caracteres; & assi o Theta era sinal de condenaçã, o
Thau de absolviçã, o l. de amplificaçã: Asconio Pe-
diano diz, que tamb? os juizes votavam cõ estas tres
letras, o, t, a, o O. condenava ao delinquente á morte,
o t, absolvia, o a, sinificava que nã estava a causa b?
provada, & que se desse novamente outra prova. Tã-
b? tiveram por costume votar cõ pedras negras, &
brancas (como agora fazem alguns per favas) & da-
vãose os votos secretam?te, & despoys regulavamnos;
& se as pedras negras excediam ás brancas, era o de-
linquente condenado á morte, & se as brancas exce-
diam ás negras, davamno por livre; donde veyo o
adagio do Autor Ciceroniano, addere calculum album;
pág. 167
votar ? favor de algu?, ou aprovallo; & addere calcu-
lum nigrum; votar contra algu?, ou reprovallo. O qual
costume toca Ovidio, ? o livro 5. de suas transforma-
ções, dizendo.
Mos erat antiquis, niveis atrisque lapillis
His damnare reos, illis absolvere culpa.
Os Egipcios pela letra Thau, significavam a espe-
rança da vida eterna, ou a mesma vida; & por essa ra-
zã a esculpiam no peyto de seu Deos Serapis; & pa-
rece o tomaram dos Hebreos; por aquella vizã
do Profeta Ezequiel; o qual conta, que bradando o
senhor a ? varã, que estava cõ tinta, pena, & papel,
lhe mandou, que passasse por meyo da cidade de Ie-
rusalem, & que aos que achasse pesarozos de suas
culpas, & pecados, penitentes, & chorosos, os assina-
lasse ? a testa cõ o sinal da letra Thau; & logo a seys
varões, que hiam atras deste, lhes mandou o Senhor,
que fossem matando a piquenos, & grandes, s? dey-
xar criatura alguma, mays que os que achassem assi-
nalados cõ este sinal T. ? a testa: & tudo fizeram assi
de sorte, que só os que tinham o dito sinal ficaram
vivos; Et signa Thau super frontes virorum gementium.
E assi cõ razã se t? o T por esperança de vida, & sal-
vaçã. S. Agostinho, diz que quando (por mandado
de Deos) Gedeã, aquelle grande Capitã dos Hebreos,
despedio a todos seus soldados, deyxando sos trez?-
pág. 168
tos, cõ esperança certa da vitoria, os ordenou ? tal
forma, que hiam, ? figura desta letra Thau, & diz
que tinha esta virtude, por ser figura da Santa Cruz,
donde nos manou a vida, & ficou vencida a morte,
como a Igreja nossa Mãy canta.
Os Comendadores de S. Antã trazem este sinal do
Thau, da cor asul, como os Leygos da Cavalaria de
S. Ioã a trazem branca.
E cõ o que temos dito ficarão os lugares poeticos
que tocamos entendidos, & porque o Thau he letra
amavel, o Thita miseravel, & desgraçada; como no-
ta Ximenes, ? o dito seu Epitome, que me comuni-
cou & mandou a esta sua Villa o Excelentissimo Se-
nhor Dõ Pedro de Alencastre, tã curioso, como eru-
dito ? as letras divinas; & umanas.
A letra T, ? as abreviações Latinas, diz Titus; &
tamb? se pinta por mil, como o Doutor Fr. Antonio
Brandã diz no prologo de sua terceyra parte da Mo-
narquia.
________________________________________________________________
CAP. XLI.
Do V.
ESta letra, que os Ortografos modernos chamam
Ve, he uma das mudas, ainda que os Antigos
(como dice fallando do u. vogal) não fizeram della
pág. 169
mençã; màs poys ella t? diversos oficios b? he que
lhe demos diversas figuras.
Sua pronunciaçã he branda; como he natural de
todas as mudas. Formase entre os dentes, chegando
brandamente a ponta da lingua a elles, & deyxando
sair fóra o flato. Fere igualmente todas as vogaes, ?
as dições onde entra, como se ve nestes exemplos;
valor, verdade, villa, voto, vulto, & nenhuma silaba
póde nella acabar.
Os Gregos carecem della; & os Hebreos lhe cha-
mam Vau, & lhes serve ora de vogal, ora de consoan-
te, segundo os pontos, que se lhe ajuntam.
He muyto importante para a lingua Latina, &
para as mays, que della se dirivam, particularmente
para a nossa, que mays que as outras della participa;
porque diferente sentido terá uivo, de vivo, lavra de
laura; & outros semelhantes: & na Lingua Latina se
deyxa b? ver esta diferença nos exemplos siguintes,
que na impressã de certo Ortografo moderno sairam
todos errados; solui, & solvi; calui, calvi; parui, parvi;
voluerim, volverim; deserui, deservi; cõ outros muy-
tos adonde evidentemente se conhece a necessida-
de que do v, consoante t?; polo que vay muyto a di-
zer escreverse cõ ?, ou cõ outro.
Dice que os antigos nã fizeram della mençã, en-
tendendo da forma ou figura, & nome que os moder-
nos lhe dam, que b? conheceram a necessidade que
pág. 170
a falta della lhe fazia, poys ? seu lugar usavam do
F. ás avessas, nesta forma ?, & assi escreviam amplia?it,
termina?it, ?ixit, por ampliavit, terminavit, vixit, como
já tocamos no cap. 28.
Iorge Bartoli, Gentilomem Florentino, ? o trata-
do dos Elementos da lingua Toscana, a chama letra
Franceza, & quando tratey do B dice, como os nos-
sos Beyrões, & d‘entre Douro, & Minho, trocam o b,
por v, & o v, por b, màs tamb? os antigos o faziam,
escrevendo Suevi, & Suebi. E os Castelhanos nenhu-
ma diferença fazem de uma a outra.
Em a letra antiga val por cinco; & nas abreviações
Latinas. diz Valerius.
________________________________________________________________
CAP. XLII.
Do X.
ESta letra Xis he uma das duas, que chamam
dobradas. Os Gregos lhe chamam Xi. Formase
batendo a, lingua os dentes interiormente. Chamase
dobrada, porque ? lugar de x. usaram os antigos de
cs. gs, escrevendo apecs, gregs, por apex, grex; & du-
rou isto até o tempo de Augusto Cesar, ? que se in-
trodusio, parecendolhe mays a proposito escrever
cõ uma só letra, que cõ forma dobrada tivesse aquel-
pág. 171
le mesmo soido, & assi admitiram o X, ao seu alfabe-
to, tomando o dos Gregos; ainda que entre elles t?
diverso soido, porque val por cs, gs, como os antigos
Latinos usavam, dedusindoo, como diz Sanches, do
Schin dos Hebreos, seb? pronunciam o cs, aspirados,
Schin, & soa como entre Italianos Sciagura. E assi
os nomes Latinos que se escreviam per cs, como
lucs, nucs pacs, & os que se escreviam per gs, co-
mo gregs, legs, regs, conservam ? os seus oblicos a ori-
gem; donde se dirivam, & assi dizemos, lucis, nucis; pa-
cis, gregis, legis regis; ainda que ? alguns se variam
como ? nix, que faz nivis, & por essa rasã Aristoteles
diz que X, nã he ? elemento, màs dous; & Quinti-
liano que se póde escusar, Marciano que ninguem a
julga por letra.
Nossos Ortografos dizem a pronunciamos se-
gundo os Arabes o seu Xin, como nestes vocabulos,
payxã, caxa, enxada, cox?, enxurrada, & outros, que
muytos por a lingua os nã ajudar, ou por mao costu-
me, pronunciam barbaramente, dizendo (& ainda es-
crevendo) páchã, cacha, enchada, cochim, enchurrada.
De módo que convertem o x, ? ch, que he o valor
(como dicemos) que os Gregos lhe daõ; sendo que
outros, que se devem pronunciar, & escrever per ch,
como chave, chapeo, chafariz, fechadura, &c. escre-
vem & pronunciam, xave, xapeo, xafariz, fexadura:
O que parece se conserva entre os rusticos da comu-
pág. 172
nicaçã, que tivemos cõ os Francezes (dos quaes te-
mos tamb? muytos vocabulos) porque escrevendo
elles, cheval, chevalier, chasteau, por cavallo, cavaley-
ro, castello, pronunciam xeval, xevalier, xatau; por-
que nã t? esta letra ? seu abece; n? tamb? os Italia-
nos: & assi ?s & outros, para os nomes proprios, que
os t?, ? lugar de x, no principio da diçã poem ? s,
como Senophonte, Serses, por Xenofonte, Xerxes: &
no meyo da diçã poem dous ss, como Alessandro,
por Alexandre, crucifisso, por crucifixo, massimo, por
maximo, &c. màs se nós pronunciamos como os A-
rabes, devem os Arabes pronunciar como os Lati-
nos, ou os Latinos como os Arabes, porque tamb?
elles dizem, Xanthus, Xenium, Xibia, Xoes, Xuthus,
& outros semelhantes.
T? mays o X, outra pronunciaçã acerca dos La-
tinos, de qu? nós o tomamos, como nestes nomes se
ve, exemplum, examen, exercitus, excellens, executio, exerce-
re, excedere, exercitum, extraordinarius, & semelhantes,
de que nós dizemos exemplo, exame, exercito, excel-
lente, execuçã, exercitar, exceder, exercicio, extraordi-
nario, & assi que ? tudo nos cõformamos cõ os Lati-
nos, & se os Latinos se conformam cõ os Arabes, ou
os Arabes cõ elles, lá o averiguem.
Nenh? nome nosso acaba ? x, & assi nos, que dos
Latinos procedem, nos a mudamos ? z, & assi de crux,
lux, pax, vox, dizemos, cruz, luz, paz, voz; ainda que
pág. 173
alguns por se mostrarem Latinos, escrevem estes, &
outros taes cõ x. Outros (que ha varias ceytas de ig-
norantes) o escrevem cõ s, crus, lus, pas, vos, sendo
que crus, he plural de cru, pas, de pa, vos de tu; como
diante diremos.
E quanto ao nome Xis, nã he composto do Ara-
be Xin, como dão a entender; màs do Xi. Grego, &
do ix Latino; & como dous ii, por sua tenuidade, por-
que como se ve, he de m?y debil som, ajuntandose,
per concurço natural, nã póde cada qual per si existir,
ambos se refundiram ? ?, & de xi & ix, se formou o
xis. Alguns dizem que t? prerogativa de ser compos-
ta de tres consoantes, (o que nenhuma outra letra t?)
a saber de c, k, s, & sendo assi o Anagrama de Orcus,
que se fez de uxor, era engenhoso, uxor, & orcus, idem.
N? deyxarey de dizer, que a alguns Latinos pare-
ceo dura de pronunciar, & assi o tiraram cõ a vogal
siguinte, de algumas dições, dizendo per acocope,
vellum, por vexillum, ala, por axila; palum, por paxil-
lum; como o afirma Cicero ? o seu orador, sendo
que aos Gregos, (diz)lhes pareceo de soido mays sua-
ve, que o s, & assi uzaram algumas dições.
Em a conta dos antigos val por dez, & diz o Dou-
tor Fr. Antonio Brandã, ? o lugar, & cap. 30 citado,
que cõ uma plica nesta forma X?. valia 40.pág. 174
________________________________________________________________
CAP. XLIII.
Do Z.
A Letra Ze he outra das dobradas, porque até o
tempo de Augusto se usou de sd, por z. dando
a mesma pronunciaçã a Sdacynthos, que despoys
deram Zacynthos: a qual pronunciaçã diz Sãches, he
de suavissimo sõ. Tamb? uzaram de dous ss, ? lugar
de z, como diz S. Isidro. lib. I. cap. 9. tomando despoys
esta letra, & o y. dos Gregos, & ? seu tempo diz o mes-
mo o S. Prelado, os Italianos tinham mudado o d. La-
tino ? z, assi ? lugar de hodie, diziam hozie, despoys
o mudaram ? hoggi.
Os Gregos lhe chamam Zeta, & os Hebreos Zad-
dic, ou Zade.
Formase encostando a ponta da lingua ao pádar
no confim dos dentes cõ mays força, que o s, & cõ
menos que o c. A pronunciaçã, que os antigos lhe de-
ram se perdeo cõ o tempo, como já de outras letras
dicemos. Marciano lib. 3. diz que Apio Claudio detes-
tava o z, porque quando se exprime & pronuncia,
imita os dentes de ? morto, isto he o soido derradey-
ro, que se faz ? a boca ao sair do mundo, & por isso
ella he a derradeyra letra do Abc. Nós lhe damos o
pág. 175
sõ entre s, & c. Poloque muytas vezes na escritura se
confundem o s, & o z. E na verdade (como já dice)
he dificultoso darse regra cerca de quando se usará
de z. & quando de s, polla muyta afinidade & se-
melhança, que o s, posto entre duas vogaes, t? cõ o
z. Dicemos já do s, ? o seu capitulo, digamos agora
do z.
Escreveremos cõ z os nomes femininos diriva-
dos de outros, como avareza de avaro, alteza de al-
to; bruteza, de bruto; careza de caro; certeza de certo;
estreyteza de estreyto; franqueza de franco; fraque-
za de fraco; fortaleza de forte; frieza de frio; firmeza
de firme; gentileza de gentil; grandeza de grande; gra-
veza de grave; inteyreza de inteiro; lindeza de lindo;
magreza de magro; nobreza de nobre; pobreza de
pobre; presteza de prestes; pureza de puro; rareza de ra-
ro; rudeza de rude; sutileza de sutil; torpeza de torpe;
vileza de vil, & semelhantes.
Tãb? se escreverão cõ z todos os nomes, que na ul-
tima silaba tiverem ac?to sobre a vogal, ou sejam sustã-
tivos, ou adjectivos, proprios ou apellativos, de qual-
quer calidade que sejam como, arganaz, albernoz, ar-
roz, axadrez, almofariz, alcaçuz, arcabuz, algoz, cabaz,
capaz, cõvez, codorniz, coz, capuz, cruz, eficaz, fez, foz
garoupez, luz, matiz, nariz, pez, perdiz, rapaz, verniz,
voz; & assi Badajoz, Andaluz, Frãcez, Ingrez, Irlãdez,
Ormuz, Portuguez, &c. De maneyra que nenh? no-
pág. 176
me Portuguez ha de acabar ? s, cõ alguma vogal antes
aguda, màs ? z; & he a razã porque o s, he o sinal de
todos nossos pluraes, ? os nomes: & nã obsta dizer?,
que uns parece se pronunciam cõ mays acento que
outros, como se vé ? convéz, & axedrez, porque isso
he acidentalmente, & entã a vogal se notará cõ ? a-
cento agudo, como ? cõvés se ve, & o mesmo fare-
mos ? Marquéz titulo, por diferença de Marquez, pa-
tronimico de Marcos.
Tamb? se escreverão cõ z, as terceyras pessoas do
presente do indicativo dos verbos faço, digo, jazo,
trago, como faz, diz, jaz, traz, & a primeyra pessoa do
preterito do verbo ponho, puz; & os que de todos
elles se dirivam.
Tamb? escreveremos cõ z, os nomes numeraes
de dez até trezentos, como dez, onze, doze, treze, &c.
Mays os nomes patronimicos Portuguezes; como
de Alvaro, Alvarez; de Antonio, ou Antã, Antunez;
de Bernardo Bernardez; de Fernando, Fernandez; de
Gonçallo, Gonsalvez; de Garcia, Garcez; de Henri-
que, Henriquez; de Lopo, Lopez; de Marcos, Mar-
quez; de Martinho, Mart?z; de Mendo, Mendez; de
Nuno, Nunez; de Payo, Paez; de Pedro, ou Pero, Pi-
rez, & Perez; de Rodrigo, Rodriguez; de Sancho, Sã-
chez; de Tello, Tellez; de Vasco, Vasquez, &c.
Os Ortografos nossos que dizem, que os France-
zes carecem desta letra, sabem pouco de sua lin-
pág. 177
gua, & puderam primeyro consultallo cõ alg?
dicionario.
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CAP. XLIV.
Do Til.
O Til, dizem nossos Ortografos, que nã he le-
tra senã uma risquinha, ou linha; como se as
letras foram mays que linhas, & riscas, seg?do no
principio dicemos: màs eu digo que ? nossa lingoa-
gem ao menos he meya letra; porque a ser letra in-
teyra, puderase começar alguma diçã per til, o que
nã he possivel; como nã he possivel escrevermos
muytas dições s? til; por onde o julgo por meya letra,
màs ainda mays que o q, porque este s? a companhia
do u, vogal, ou do mesmo til, nã he de vigor, & muy-
tos dos Latinos (como já dice) o lançaram fóra de
seu Abece, & ao til todas as nações o abraçam, por
ser de grande prestimo: porque cõ elle se quere-
mos, suprimos muytas letras: primeyramente ? que,
duas, ue, escrevendo q?, muytas mays nos patroni-
micos acima referidos, porque dizemos
Al?s, Frz?, Giz?, M?z, Ro?z,
Por Alvarez Fernandez, Gõçalvez, Martinz, Rodri-
guez, &c. assi tamb? M?a, por Misericordia, ph?a, por
filosofia, & semelhantes.pág. 178
Suprimos tamb? cõ o til, m, n; escrevendo por
tempo, canto, t?po, cãto; & outros taes; que he prero-
gativa sua porse antes de todas as consoantes, o que
nã t? o m, que sempre ha de ser antes de B P. M.
n? o n, que se nã póde escrever [na Lingua Portu-
gueza) antes destas letras; màs o til se dá b? cõ todas
as consoantes, do que nã saõ necessarios exemplos,
porque a experiencia o ensina.
A necessidade que do til temos, he nas dições,
que acabamos per am, em, im, om, um; porque quan-
do nestas vogaes soa o acento, deyxaremos o m fóra,
& poremos o til, encima dessa tal vogal, como ? ra-
zã, vint?, jasm?, bõ, at?: porque entã o m. final pede a
sua pronunciaçã, que nós lhe nã damos, como fallã-
do della dicemos, & adiante diremos.
________________________________________________________________
CAP. XLV.
Se as letras se devem dobrar.
ATè qui dicemos das letras, que simplesmente
de usam ? os vocabulos Portuguezes, tratando
de cada uma ? particular, para que melhor se ?ten-
da o que dicermos dellas juntas; porque como diz
Aristoteles, o conhecimento distinto do todo, depen-
de das partes. Resta dizermos agora, se essas letras se
pág. 179
devem dobrar, & as razões, que para as dobrarmos
póde ou nã haver. Para o que he de saber, que a cer-
ca dos Latinos umas se dobram por natureza das
palavras, outras per dirivaçã, outras per sinificaçã, ou-
tras per corruçã, outras per variaçã, & outras per
composiçã.
As que se dobram per natureza das mesmas pa-
lavras, nã se pódem assinar per alguma regra, porque
conciste ? o uso, & nã na arte; & assi lemos, pergun-
tarse, por que razã estes nomes latinos gutta, & cabal-
lus t? o primeyro dous tt, & o segundo dous ll? &
respõdese, que isso se fez assi, porque quem os inven-
tou, os quiz desse módo compor. E assi por esta razã
os que tiverem uso, & conhecimento da lingua La-
tina, poderão saber que nomes dobram, ou nã do-
bram as letras; & os que nã forem Latinos, imitando
a escritura dos omens doutos; ainda que esta regra he
mays para os vocabulos Latinos, que para os Portu-
guezes.
Os que dobram per dirivaçã saõ nomes ou ver-
bos, que se tiram de outros, que as t? dobradas, co-
mo de terra, terreyro, terrestre, terreal, terrenho, en-
terro, enterrar, desenterrar, soterrar, desterrar. De ca-
vallo, cavalleyro, cavalleria, cavalleyrato, cavallagem;
de gotta, gotteira, gottejar, esgottar; de ferro, ferreyro,
ferraria, ferramenta, ferrador, ferrar, ferradura, ferra-
gem, ferrenho, ferrolho, ferrolhar, ferrã, ferrete, fer-
pág. 180
retoada, ferrupea: de penna, pennacho, pennugem, pen-
nugento, &c ? os quaes vocabulos se dobram as le
tras r. l. t. porque os primitivos de que elles se diri-
vam dobram essas mesmas letras.
Os que dobram per sinificaçã saõ os diminutiuos
que na lingoagem nossa acabam ? te, porque seg?-
do a orelha nos pede, parece, nã os podemos escre-
uer b? de outro módo, como verdette, pequenette,
bonitette, azedette, tolette, diminutivos de verde,
pequeno, bonito, azedo, tolo, & outros taes a que pa-
ra sinificarmos diminuiçã damos esta terminaçã,
como os Latinos aos seus, as de ellus, illus, ullus: di-
zendo de liber, libellus: de tantus, tantillus; de parvus,
parvulus, & outros semelhantes: & tamb? os Italia-
nos ? os seus dobram o t porque de Laura, disseram
Lauretta: de picciolo, piccoletto, &c.
Dobram per corruçã os nomes, que estando ? a
lingua Latina de ?a maneyra, & cõ a mesma pron?-
ciaçã, os fazemos nossos, mudandoos, & dobrando-
lhes alguma letra, per razã de os acomodarmos a nós,
como por noster, nosso: vester, vosso; ipse, esse: persona,
pessoa: ursus, usso: de dicto, dicçã: de dictum, ditto, & ou-
tros desta sorte.
Dobram per variaçã os que pola variedade da cõ-
jugaçã, ou declinaçã, para mostrar diferença de tem-
pos, numeros, & significaçã acrecentam alguma le-
tra, como acontece nos verbos de todas as conjuga-
pág. 181
ções, ? alguns tempos dos módos do optativo, & cõ-
juntivo, como quando dizemos, amasse, lesse, ouvis-
se, &c. cõ seus dirivados.
Os que dobram per composiçã, saõ muytos, & de
muytas maneyras cõforme as preposições; porque se
faz mudandose a ultima letra da preposiçã compo-
sitiva, ? outra tal, cõ a primeyra do verbo, ou nome
composto. E fazemse estas composições cõ as pre-
posições Latinas, que aos verbos se ajuntam, para
lhes alterar, acrecentar, ou diminuir a sinificaçã, o
que nossos Ortografos querem imitar á risca ? as
vozes Portuguezas, cõ as preposições Latinas, a, ab,
abs, ad, an, em, de, des, dis, en, ex, in inter, ob, per, pro,
pos, re, se, sub, trans, sobre, as quaes todos ? nosso vul-
gar saõ b? escusadas; & he a razã porque os verbos,
ou dições vulgares a que as ajuntam, s? ellas nã t? si-
nificaçã alguma, salvo muyto poucas, o que nã ha ?
a lingua Latina, que os verbos, & dições a que se a-
juntam, t? sua propria sinificaçã, como aos Latinos
he manifesto: & para os que o nã saõ, saõ de pouco
momento os exemplos, que por essa razã se dey-
xam.
O que acerca disto sinto he (cõ o parecer de Pedro
Bembo, (Cardeal da S. Igreja Romana, & Varã insine
? as letras umanas) que entã dobraremos a con-
soãte, quando quizermos dobrarlhe tamb? o soi-
do: & he tamb? parecer de Benedito Buõmattei,
pág. 182
? a introduçã á lingna Toscana; aonde por exemplo
traz pala, & palla; & diz nã ha outra diferença ? a pro-
n?ciaçã, mays, que mandar aquelle l, cõ mays força,
? palla, que ? pala. Assi, que quando a pronuciaçã, &
o soido responder tanto á letra singella, quanto à
dobrada, por nenhum módo dobraremos a letra,
màs sempre a escreveremos singella: especialmente
b. d. f. g. que nunca se dobram, porque do mesmo mó-
do soam ? a orelha, abbade, que abade, affirmar, que
affirmar, aggravar, que agravar, & outros taes: polo-
que confeço que nã posso sintir essa musica oculta
& dilicada, que nas letras consideram alguns Orto-
grafos nossos; sinto somente o do atambor, & da trõ-
beta, como elles dizem, nã o instrumento de cordas;
porque ainda que alguns vocabulos, que dos Gregos
ou Latinos tomamos, dobram acerca delles algumas
consoantes, como nossas orelhas nã compreendem a
diferença, que vay das singellas ás dobradas, nã sa-
mos obrigados a conservar a analogia desses taes vo-
cabulos, que cada idioma t? sua ortografia & diale-
tos proprios. Os Gregos & Latinos de crer he [polo
que achamos ? os livros] que consideravam as le-
tras cada uma de per si, como os cantores os pontos
& figuras de sua solfa, segundo as linhas, & interval-
los, ? que assinam certos tonos; & vozes, de que
o canto & musica se compoem; os exemplos sejam
estes nomes; populus polo povo, & pola arvore; conci-
pág. 183
lium polo ajuntamento, & consilium polo conselho;
vas polo fiador, & polo vaso: flumen polo Sacerdote,
& polo sopro; cœlum polo Ceo, & cælum polo instru-
mento; & infinitos outros, os quaes ? nossas orelhas
nã fazem diferença alguma, & todavia elles o sabiam
sintir cõ a pronunciaçã. E assi torno a dizer, que ?
nossos vocabulos nã dobraremos letra alguma senã
quando a orelha o pedir; como ? acçã, dicçã, occid?-
te occidental, accidente aonde, & noutros taes, quã-
do os pronunciamos parece que o primeyro c. fica a-
pegado, ou retardado ? a garganta, & que o outro vay
caindo sobre a vogal que se lhe segue: s? a qual
pronunciaçã nã ficã tã cheyos os taes vocabulos.
Dobraremos o l. quando tamb? a orelha o pedir;
porque diferentemente nos soa amalla, do que ama-
la. O m ? algumas dições parece necessario o do-
brarse, para encher mays o sõ; como ? immenso, im-
mensidade, immemoravel, immodesto, immodico,
immortal, immundo, immunidade, immutavel, em-
madeyrar, emmagrecer, emmanquecer, emmastear,
emminincer, emmendar, emmudecer, & outras taes de
que a orelha será o melhor juiz: màs n? porque o
Latim o dobre ? alguns nomes, como ? gummi, dire-
mos nós gomma, porque melhor soará goma.
O n. tamb? conv? dobrarse ? alguns vocabulos,
como innavegaveis, innocente, innovar, innovaçã,
innumeravel, ennastrar, ennobrecer, ennubrar; tamb?
[an-]
pág. 184
no, penna, donno, & donna se ve b? esta diferença, por
que escrito assi cõ dous nn, he o pronome de nobreza
& dóna cõ ? n, quer dizer senhora de alguma cousa.
P. nã ha paraque se dobre ? papa, comida de mi-
ninos, ainda que os Latinos o escrevem cõ dous pp.
n? ? Papa S?mo Pontifice, porque n? os Latinos o
dobram, segundo Ximenes, & ? seu Epitome, capitulo
treze, he abreviaçã de duas partes, a primeyra, parte
de cada diçã, tomada por toda a diçã, & dizem que
antigamente se escrevia Pa-Pa, & queria dizer pay
de pays, como na verdade he o S?mo Pontifice Ro-
mano, a qu? se deve, & se dá este nome de Papa, que
parece averse composto destas partes. Atentay (seg?-
do o mesmo Ximenes diz) que he dirivada desta in-
terjeyçã Pape, que he de admiraçã; màs quasi v? a cõ-
cluir cõ o que temos dito, que se disse assi, porque he
pater patrum, pay de pays, ainda que lhe dam outra
etimologia, que agora nos nã importa: basta que se
escreva cõ P grande, á diferença de papa de mininos,
que t? o p. pequeno, como nome, que he apellativo.
O r, & o s, quando se haõ de dobrar a orelha o
diz. X. & Z. saõ dobradas de sua natureza, & cõtudo
os italianos ainda dobram o z.
No principio da diçã nã se hade escrever letra do-
brada, como RRey, ssaude, &c. n? no meyo da diçã
despoys de consoante, como conlluyo, trasllado,
Henrriques, Elrrey, onrra, & outros taes. N? tamb?
pág. 185
se ha de por letra dobrada ? o fim, como Portugall,
Manoell, &c. como os Ingrezes dobram o l.
Menos razã ha para que as vogaes se dobrem; màs
ha om?s amigos de antigualhas, & querem antes fal-
lar como seus avós, que como os seus contempora-
neos, nã conhecendo, que das moedas, & das pala-
vras as mays correntes saõ as melhores. B? sey que
os antigos, como diz Plinio, queriam que uma vo-
gal só nã fosse parte da oraçã; postoque (segundo re-
fere Papinio) dobravam a mesma vogal da palavra,
& assi por aio, diziam aijo, por maio, maijo, & por
is, & tuis, ijs, tuijs; mas este abuzo se tirou cõ o bõ u-
so, & cõ a razã, antes querem os modernos para que a
palavra tenha mays expidito & doce sõ; que quando
se ajuntem duas vogaes immediatamente, que uma
dellas se torne consoante.
O Padre Bento Pereyra, nas suas regras geraes da
Ortografia, regra 6. diz assi; Quanto às vogaes, póde ser
regra geral, que nenhuma vogal se dobra sendo do mesmo
genero, & qualidade, & pertencendo ao mesmo vocabulo.
E diz muytas vezes b?; por? logo abayxo escreve es-
ta palavra mentiys, querendo fazer de diversa calida-
de o i Latino do y Grego: màs que necessidade t? a
tal palavra do y, grego, quando ali o i Latino he lõ-
go acidentalmente? o certo he que o devemos escre-
ver singellamente, mentis. O Licenciado Duarte Nu-
nez costuma dobrar todas as vogaes; & assi diz maa,
pág. 186
paa, jaa, paadar, aar, irmaan, & outras taes, que certo
me parece ? fino desproposito; polo que escrevere-
mos ma, pa, já, pádar, ar, irman, & nunca dobraremos
a, n? outra alguma vogal pertencendo ao mesmo vo-
cabulo. Assi diremos Fe, Se, & nã Fee, See, como se ve
escrito ? muytas cazas, que saõ foreyras á Metropoli:
pèga, pela ave, & péga por pegar, como aqui estão
escritos, ainda que o verbo queyra diversos acentos,
conforme a pronunciaçã dos tempos, ora grave, ora
agudo, que para isso foram inventados os acentos, &
nã t? outro uso. Diremos géral, gérar, géraçã, ter, ler,
ver, & nã geeral, geerar, geeraçã, teer, leer, veer: n? es-
creveremos be?s, vinte?s; màs b?s, vint?s: & tãb? galé
Loulé, maré, polé, ré, cõ acento agudo, & nã galee,
Loulee, maree, polee, ree. S? acento, màs só cõ i,
escreveremos barris, setis, covís, buris; & os preteri-
tos, li, vi, ouvi, sem acento; & nã barrijs, setijs, covijs,
burijs, lij, vij; ouvij; & assi belign?s, delph?s, mals?s, &
outros taes, cujos singulares acabam ? im. Escrevere-
mos nó cõ ac?to agudo, mó, só, pó, noutibó, ?xó, eyró,
ilhó, ichó, traçó, malhó, avó, & nã noo, moo, soo, poo,
noutiboo, enxoo, eyroo, ilhoo, ichoo, traçoo, malhoo
avoo. Do mesmo módo diremos, (& escreveremos
s? acento) cru, mu, nu, & nã cruu, muu, nuu; que o
dobrar das vogaes foy cousa, que cõ o tempo se aca-
bou, como superflua, & diz Quintiliano chegou até
o tempo de Accio, & pouco mays, só para mostrar ser
pág. 187
a vogal longa, ou breve, o que oje se faz per meyo
dos ac?tos: & Duarte Nunes escreve omeem cõ dous
ee, sendo que t? a ultima breve, & assi outros. Poli-
ciano ? suas Miscelaneas diz, que assi se acha ? uma
moeda de ouro feelix, cõ dous ee, & noutra de cobre
vijrtu; cõ dous ij, & conta isso por grande maravilha.
________________________________________________________________
CAP. XLVI.
Se devem aspirarse as consoantes,
ou vogaes?
DE aspirar as letras o uso manou dos Gregos
aos Latinos, para os nomes, que elles toma-
ram dos mesmos Gregos, màs como Sanches diz ? a
gramatica Grega, ? muytos mudaram o estilo: & o
ph, que os Gregos notam cõ esta figura ?. mudaram
os Latinos ? f, pola qual razã, nós, que menos sinti-
mos a pronunciaçã Grega, tamb? poderemos escre-
ver cõ f, simplez, os nomes que os Latinos escrevem
por ph, como Phalange, Phantasia, Phantasma, Phili-
pe, Philosophia, & outros taes; & assi escreveremos
falange, fantasia, fantasma, Filipe, filosofia, &c. n? es-
creveremos, charidade, Archanjo, Monarchia, &c.
màs caridade, Arcanjo, Monarquia, & todos os mays
desta calidade: nã ha mister que escrevamos hom?,
pág. 188
màs omem, humano, màs umano, porque nã falla-
mos de garganta como Tudesco, ou Turco: & do
mesmo módo nos soa Thomás q? Tomás: demaneyra
q? nã temos necessidade de aspirar letra alg?a, vogal,
ou consoãte, senã quando necessario for, para melhor
intelligencia do mesmo vocabulo, como fallando
do h, dicemos de Chiron, que s? h, ficará Ciron, & cõ
Q. Quiron, & nã se entenderá b?, que nome he, &
assi de todos os mays.
________________________________________________________________
CAP. XLVII.
Das letras, ? que as dições da lingua Por-
tuguesa pódem acabar.
OS vocabulos Portuguezes pódem primeyra-
mente acabar ? todas as vogaes; como caza,
sinete, rubi, servo, nu, boy; & pelo consiguinte ? todos
os ditongos, & assi ? as consoantes siguintes, l. m. n.
r. f. t. Em l. como Cardeal, annel, buril, Sol, azul; ? m.
como amam, virgem, & os que nã tiverem acento
? a vogal final, sejam nomes, ou verbos, porque en-
tam os verbos nã acabam ? m, màs ? aõ, & os nomes
? ã, para diferença; porque ? esta pronunciaçã, quer o
m. seu inteyro soido, que he fechando os beyços: o
que nã he entre nós usado; & quando os verbos, ou
pág. 189
nomes t? acento na penultima, pronunciamos como
os Latinos musam, amaveram, sermonem, &c. &
assi diremos, amam, amáram, virgem, &c. ? r. como
singular, prazer, ouvir, senhor, tafur, ? s. os pluraes,
que ? singular nenh? nome acaba ? s. salvo proprio,
como Tomás, París, & outros semelhantes, & o de
Deos, ? z. como capaz, axadrez, chafariz, arroz, cus-
cuz, tamb? acabam ? ã, ?, ?, õ, ?, como capitã, ningu?,
jasm?, bõ, debr?, os quaes todos devem pronunciar-
se cõ acento ? a ultima vogal. Em c. d. f. g k. t. nenh?
nome nosso acaba, màs alg?s peregrinos, como fal-
lando das mesmas letras dicemos.
________________________________________________________________
CAP. XLIIX.
Como se pronunciam os pluraes.
TOdos os nomes acabados ? vogal, ou sejam sus-
tantivos, ou adjectivos, de qual quer genero,
ou condiçã que sejam, formam o plural cõ ? s, mays só-
mente, assi como caza, cazas, Almotacé, Almotacés,
rubi, rubis, templo, templos, nu, nus. E por essa razã
nenh? nome Portuguez apelativo se ha de escrever
cõ s. final (como ja dicemos) que he nota de pluri-
dade ? os vocabulos Portuguezes.
Os nomes acabados ? al, mudam para o plural os,
pág. 190
? es, como de mortal, mortaes, & nã mortays, segun-
do certo ortografo moderno ensina: porque assi o
pede a boa analogia da lingua Latina, & corespon-
dencia, que cõ a Castelhana temos. Dizem elles Mor-
tales, animales, finales, iguales, cabales, &c. diremos,
mortaes, animaes, finaes, iguaes, cabaes, per aes, & nã
per ays; & assi todos os mays, de maneyra que nenh?
nome acabado ? al, no plural escreveremos ? ays, màs
? aes, exceptos; ays pays, & os adverbios mays, ja-
mays, como tamb? nã escreveremos pessoa alguma
de verbo ? aes, màs ? ays, como amays, fallays, &c.
El. Os nomes acabados ? l. mudam no plural o l.
? eys; Manoel. Manoeys, batel, bateys, cruel, crueys, &c.
Il. Os que acabam ? il, mudam o l, ? is somente;
como gentil, gentis, sutil, sutis, gumil, gumis. E nã ha
para que imaginar ? os taes o ditongo ii, ou iy, como
? autor doutissimo, & amicissimo meu faz; N? dire-
mos robijs, màs rubis, & escreveremos como aqui
rubi, per u ? a primeyra silaba, & nã robi per o, co-
mo elle escreve, porque v? de ruber; & os Castelha-
nos, & Francezes, o escrévem assi rubi, & os Italianos
rubino; & os Latinos modernos dizem rubinus, co-
mo eu bocalmente dice ao mesmo Ortografo.
Ol Os nomes acabados ? ol, mudam o 1, ? es, si-
guindo a analogia, que cõ os Castelhanos temos;
polo que diremos Espanhoes, caracoes, soes, como el-
les Españoles, caracoles, soles.
pág. 191
Vl. Em ul, temos poucos vocabulos, como paul,
azul, baul; os quaes variam no plural, porque paul t?
no plural paües, azul, azües, mudando o l, ? es: & bá-
ul, muda o l, ? s, & faz báus. Consul, ? o plural quer
a silaba es, & faz Consules.
Am. Os pluraes mays dificultozos de nossa lin-
gua saõ os que v? de singulares, que soam ? am; nos
quaes se embaraçã muytos, q? cuydam sabem de or-
tografia, porque t? diversas terminações; & para a-
certar nellas he muyto proveytoso, & necessario ter
bastante conhecimento da lingua Castelhana, pola
grande correspondencia, que a nossa t? cõ ella. E as-
si os pluraes, que elles acabam ? anes, nós os acaba-
remos ? ães; como de Capitanes Capitães, de Alema-
nes, Alemães, canes, cães, gavilanes, gaviães, panes,
pães, &c. Os pluraes que elles acabam ? ones,
acabaremos nós ? ões; como de sermones, ser-
mões, opiniones, opiniões, corazones, corações,
tostones, tostões, esquadrones, esquadrões, &c.
E assi acabaremos os nomes, que soando ? am, for?
meramente Portuguezes, como tecelões, foliões, tra-
vões, de tecelã, foliã, travã; só tiraremos tabaliães de ta-
baliã Os nomes que elles acabam ? ano, nós acabare-
mos ? ãos, como de cortezanos, cortezãos, ciudada-
nos, cidadãos, aldeanos, aldeãos, Cristianos, Cristãos,
hermanos, irmãos, sanos, sãos, vanos, vãos, manos,
mãos, paganos, pagãos, zanganos, zangãos; màs de
pág. 192
villanos diremos villões, de escrivanos, escrivães, ou
escrivões, & de franganos, frangãos.
Em. Os nomes acabados ? em, mudam o m, ?
s, & quer? ? til encima do e, como virgem, viagem,
omem, origem, & todos os mays desta terminaçã, fa-
zem os pluraes, mudando o em, ? ?s, ou ens, como
virg?s, viag?s, om?s, orig?s, & os mays desta caden-
cia, que tãb? poderão escreverse, virgens, viagens, o-
mens, origens.E os que no singular acabam ? ?, que
saõ os nomes, que se pronunciam cõ acento ? a ulti-
ma, como, vint?, almaz?, ningu?, algu?, ref?, cõ ? s,
mays sómente fazem seus pluraes, como vint?s, al-
mas?s, ningu?s, algu?s nã se usa, ref?s, &c.
Im. Os que na ultima t? este soido, que se de-
ve escrever per i, & til, como marf?, seraf?, chap?,
fraldel?, &c. se lhes acrecentará ? s, ou ns, para os plu-
raes, tirãdo o til como marf?s, ou marfins, seraf?s, ou
serafins, chap?s, ou chapins, fraldel?s, ou fraldelins, &c.
Om. Os desta toada, que tãb? se escreverão cõ o
til, querem para o plural o mesmo, & assi de bõ, sõ,
tõ, bõs, tõs, sõs, ou bons, tons, sons, &c.
Vm. Estes saõ da mesma calidade, & se escreve-
raõ como, per?, debr?, nenh?, & no plural diremos
per?s, debr?s, nenh?s, ou peruns, debruns, ne-
nhuns, &c.
An. Os nomes acabados ? an, contentãose para
os pluraes cõ ? s, & assi de can, irman, lan, san, van,
pág. 193
diremos cãs, irmãs, lãs, sãs, vãs, ou tãb?, cans, irmans,
lans, sans, vans, &c.
Ar, er, yr, or, ur.
Os nomes que despoys das vogaes a. e y. o. u. ti-
verem r. formam seus pluraes, acrecentando ?a silaba
es. como pomar, mulher, martyr, favor, tafur, que fa-
zem, pomares, mulheres, martyres, favores, tafures.
Az, ez, iz, oz, uz.
Os nomes, que t? estas terminações, cõ mays a si-
laba es, faz? seus pluraes; ou sejam sustantivos, ou
adjectivos; como paz, rez, giz, voz, luz, que fazem,
pazes, rezes, gizes, vozes, luzes; sagaz, veloz; que fazem
sagazes, velozes, &c, & todos os mays.
________________________________________________________________
CAP. XLIX.
Das silabas, & dicções.
TEmos atégora tratado da calidade & natureza
das letras, he b? que digamos agora que cou-
sa he silaba, & de quantas letras consta, porque das
silabas se formam as palavras; & as letras saõ ás sila-
bas o mesmo que as folhas, aos ramos, ou ás raizes as
plantas: porque assi como estas umas se acham cõ
mays, outras cõ menos folhas, ramos, ou raizes, assipág. 194
as silabas, umas consistem ? mays, outras ? menos le-
tras. Donde podemos dizer, que se ?a planta de ?a
só folha, ou de ? só ramo, ou de ?a só raiz, nã he es-
sencialmente diversa de ?a de mays folhas, de mays
ramos, ou de mays raizes, assi a silaba de ?a letra só,
nã será diferente (formalmente) de ?a de duas, ou de
mays, porque a parte material, que concorre a formar
a silaba, nã he mays, que per accidente diversa da par-
te integral.
Quatro cousas poys occorrem a cada silaba, a saber
tenor, espirito, t?po, numero. Os tenores das silabas
saõ tres; acento agudo, grave, & circunflexo, dos
quaes fallaremos adiante. O espirito da silaba he ?
dous módos, aspero, & doce; aspero he quando a si-
laba se cõpo? de muytos consoantes como constã-
te; ou de r, & x; como terror, xarife; doce he o espirito
quando a silaba cont? muytas vogaes, como Eoo;
tempo he aquella pouca detença, que se faz ? pron?-
ciar a silaba; porque ?a he mays expedita, que outra,
como amo, onde a primeyra silaba he de menor t?-
po, & mays expedita, que a segunda. O numero he
manifesto porque ?a vogal per si faz ?a silaba, quã-
do está só, como A. que he preposiçã & articulo, &
que se poem por conjunçã; o, que he sinal de chamar,
& articulo; I, per apocope, ? lugar de ide.
Fazse poys silaba de ?a vogal, & de duas, quando
formam ditongo; de uma vogal, ou de ? ditongo, &
pág. 195
?a consoante; como tu; ou de duas consoantes & ?a
vogal, como trazes: de uma vogal & tres consoã-
tes, como sobs-tabelecer, de ?a vogal, & quatro con-
soantes, como Trãs-tagano; & ? nosso vulgar nã me
parece que passã daqui; ? Latim ha de ?a vogal, &
cinco consoantes, como ? scrobs; ? Ingrez de seys, &
sete consoantes, & ?a só vogal, & o Polaco t? ás vezes
de dez consoantes, de sorte que se diz que quando o
Polaco falla arroja as palavras como pedras ? a cara:
porque as consoantes saõ ás silabas, o que os dedos
ao pe; os quaes, cousa certa he, que o distinguem de
umano a bruto; màs nã fazem mays que o do omem
seja pe que o do cavallo, ou do boy, porque tanto he
? pe, como outro, & assi tanto he ?a vogal silaba cõ
?a consoante como cõ muytas, & se dam tres silabas
juntas, cõ nenhuma consoante, como nesta palavra
Eoo, que he de tres silabas, como consta deste verso
de Lucano.
Hesperio tantum, quantum se motus Eoo.pág. 196
________________________________________________________________
CAP. L.
Que letras se pódem ajuntar a outras
na composiçã das silabas.
QValquer consoante do abece póde estar sobre
si, antes de ?a das vogaes, como ba, be, bi, &c.
ca; ce, ci, &c. do que nã saõ necessarios exemplos.
Màs se antes da vogal se puzerem duas consoan-
tes, nã pódem ambas ser mudas, n? semivogaes se-
nã he o s, & o f, porque o flato das mudas he muy-
to prestes: & assi nã se achará ? ?a silaba juntas bda,
cpe, nto, & semelhantes. E as semivogaes, porque saõ
muyto semelhantes ás vogaes ? o espirito, & sairá a
voz muyto fraca, saindo cõ duas perverções tã seme-
lhantes a abertura; pola qual razã se nã acha, fma, nle,
rso, & semelhantes.
Exceptuase o f, porque se poem antes de l, r,
como fla, fle, fli, flo, flu; fra, fre, fri, fro, fru, porque o f,
he aspiraçã do p, & por isso na composiçã he m?y
semelhante a elle, que tãb? faz pla, ple, pli, plo, plu;
pra, pre, pri, pro, pru: & assi antes destas semivogaes
faz oficio de muda.
O s. acerca dos Latinos & Italianos, se poem an
tes de todas as semivogaes & mudas; & o Lecencia-
pág. 197
do Duarte Nunez, ? sua ortografia, nã só o usa, màs
quer que assi se haja de escrever: o que eu de ne-
nh?a maneyra aprovo, polas rasões, que já noutro
lugar dey: màs he tã necessario este ponto, que ainda
torno a advertir que se nã escreva, screver, scritura,
sforço, smeralda, specie, spirito, star, stilo, & semelhan-
tes, mas escreveremos escritura, esforço, esmeralda,
especie, espirito, estar, estilo, &c. n? tã pouco nascer,
acrescentar, conhescer, senã nacer, acrecentar, conhe-
cer; màs disto fallaremos ainda adiante.
Antes de f, m, s, nã se po? já mays muda de sorte
alguma; senã for ? nomes estrangeyros.
Antes de l, se pòde meter b. c. g. p. como Condes-
table, clemencia gloria, t?plo.
Antes de n, se póde meter g, & t, como magno,
Etna.
Antes de r, se póde meter toda a muda, salvo q. x.
z como braço, crasso, droga, frota, graça, praça, traça,
vreador. Mays claramente.
B. pódese ajuntar a l, r, como Hi-blea, obra: & a ne-
nhuma outra consoante na lingua Portugueza.
C. pódese ajuntar a 1, r, como Heraclito, ale-
crim; nã a, m. n. t. como Duarte Nunez ensina, n?
ainda ? os nomes perigrinos, sendo a pronunciaçã
nossa, & assi nã escreveremos ? o fim da regra Al-
mena, Aracne, como elle diz; porque nã temos dicçã
alguma que comece per cm, cn. N? tampouco, He-
pág. 198
ctor, do-ctrina, porque tamb? nã temos diçã, que co-
mece por ct, n? que no meyo a tenha; & elle he cos-
tumado escrever Doctor, doctrina; precepto, precep-
tor, pecto, pectoral, perfecto, contracto, usofructo,
& outros taes; devendose antes escrever, douto, dou
tor, doutrina, preceyto, preceptor póde passar, peyto,
peytoral, perfeyto, contrato, usofruyto; porque assi
pronunciamos: màs ? a regra segunda de suas geraes,
diz tamb?, que qu? assi os escrever lho nã estranha-
rá, & confeça ser verdade, que a pronunciaçã destes
& semelhantes vocabulos; se pódem fazer s? c.
D. podese ajuntar a r. como pa-dre, a-dro.
F ajuntase a l. r. como in-flamar, re-frescar.
G ajuntase a l. r. como E-gloga, a-gro, nã a m. n.
porque nós dizemos aumento, dino; nã augmento,
digno.
L. nunca se ajunta a outra, que vá diante delle,
màs sempre elle vay despoys destas letras mudas, b.
c. f g. p. t. como blasfemo, claro, flama, gloria, Platã, A-
tlante.
M. nunca se po? senã antes de outro m.
N nunca se ajunta a outra consoante.
P. pódese ajuntar a l. r. como disci-plina, le-pra;
a mays nã, salvo ? pronunciaçã alheya.
Q. nã se po? antes de outra consoante alguma,
porque necessariamente despoys de si ha de ter ? u.
liquido, ao qual sempre se segue outra vogal.
pág. 199
R. nã se poem antes de consoante alguma, e a mes-
ma silaba; màs he letra servil, que sempre segue as cõ-
soantes.
S. nã se póde ajuntar ? a mesma silaba á consoan-
te alguma, contra a doutrina de Duarte Nunez; por-
que, como já dice, nã temos diçã, que comece por
sc. sm. sp. sq. & na verdade que o que elle acerca disto
ensina parece [considerado b?] cousa de zombaria,
& indina de se escrever.
T. pódese ajuntar a r, como ma-trimonio, qua tro.
V. consoante pódese ajuntar a r, como lavrador,
livro.
X & Z são letras dobradas de sua natureza & assi
nã se ajuntam a outras consoantes.
________________________________________________________________
CAP. LI.
Como se dividem as dicções, & ? que letras
pôdem acabar as silabas, ? a lingua
Portuguesa.
O Que agora se segue he muyto dificultoso? a
lingua Latina, & cousa ? que muytos erram,
? a màs Portugueza muyto facil.
Primeyramente quando ? a dicçã nã ha consoante
entre duas vogaes, nã ha mays que acabar ? uma vo-
pág. 200
gal como Di-ana. E quando entre duas vogaes estive-
rem duas consoantes, & a palavra se ouver de partir,
por nã caber ? a regra, partirse hã irmãmente, fican-
do uma vogal cõ ?a consoante no fim da regra cõ
este sinal -, & virá a outra consoante cõ a outra
vogal para o principio da outra regra, como cam-po:
& se as consoantes forem iguaes como dous ll, ou
dous mm, farão a mesma repartiçã, como el la, im-
mortal, &c. & quando cõ alg?as vogaes concorrerem
? uma silaba mays consoantes, cada vogal levará con-
sigo aquellas consoantes, cõ que se pronuncia, como
nos exemplos siguintes se póde ver; cons-ti tu ir, pres-
cre-ver, res-crito, & se entre as vogaes nã ouver mays
que uma consoante, essa ficará cõ a vogal a que ser-
vir.
________________________________________________________________
CAP. LII.
Dos acentos, como, & quando se de-
vem usar.
A Materia prezente he das mays dificeys da or-
tografia, como sentem todos os que della es-
crevem, & assi poucos a t? acertado: màs he tã impor-
tante, que uma das principaes causas, porque a pro-
nunciaçã da lingua se faça eterna, & mays facilmen-
pág. 201
te se conserve inviolada entre as barbaras nações:
saõ os acentos como testimunham as linguas Hebrea,
& Grega; adonde seus acentos, cõ que se asinalam
suas dições nã foram; aindaque soubessemos pro-
nunciar suas letras, contudo nã souberamos profi-
rir suas palavras; & seu valor se ve b? acerca dos Ch?s,
que cõ a variedade dos acentos pronunciam esta pa-
lavra ko. mono silaba (como saõ todas as suas) per
onze módos diferentes, segundo Iacobo Golio, ? as
dicções do Catay ao Atlas Sinense; & os Hebreos t?
trinta, & dous; vinte, a que chamam Reys, & doze a
que chamam ministros; todos diferentes ?s dos ou-
tros, ou pola figura, ou polo lugar, ? que se poem.
Porem deyxando isto, que por agora nòs nã impor-
ta, he de saber que acento he aquelle sõ, ou tõ, que
nas palavras se sente ? a pronunciaçã de cada silaba:
& nã he necessario que eu cõ mays palavras mostre
que cada silaba t? o seu sõ, quando se pronuncia,
porque todos sabem muyto b?, que s? sõ nã se pó-
de pronunciar; donde fica claro que cada silaba t? seu
sõ. Màs, porque as silabas nã se pronunciam todas de
? módo, porque umas saõ longas, & outras breves,
segundo a detença de tempo, ? que saõ pronuncia-
das da propriedade do idioma particular ? que se fal-
la, que tãb? nã he o mesmo ? todas as linguas, assi os
acentos t? sua variedade: porque ? se diz agudo, ou-
tro grave, outro circunflexo. O agudo se chama assi;
pág. 202
porque levanta mays o tõ da silaba onde está; o grave
t? este nome, porque abayxa a silaba ? que se situa;
& o circunflexo, assi como na figura participa do gra-
ve, & do agudo, assi no efeyto participa de ambos, ?
o mesmo tempo: ainda que esta pronunciaçã dizem
se nã sabe ? nossos tempos, como ella fosse, n? disso
se t? noticia alguma; n? ha orelha tã dilicada, que a
possa comprender ? a ultima silaba, como se póde
considerar ? este nome terra, que ? nominativo dizem
t? acento grave, & ? ablativo circunflexo; porque se
perdeo isto, como se perdeo a pronunciaçã de muy-
tas letras, & como se perdeo o processo da musica
antiga, & de outras muytas artes. Faremos cõ tudo por
dar a cada qual delles o seu valor, cõ alguns exemplos,
& será a concideraçã disso muyto util á arte versifi-
catoria, para compor rectamente o ritmo, & o verso;
? dos quaes resulta da cõposiçã das silabas, longas, &
breves, & o outro do numero dos pes, compostos de
taes, & tantas silabas.
São poys, como dice, os acentos tres, agudo, grave,
& circunflexo: o sinal do acento agudo he uma ris-
quinha lansada a travez de alto a bayxo da mã di-
reyta para a esquerda, nesta forma á, o sinal do acen-
to grave outra risquinha ao contrario desta, como à,
& o sinal do acento circunflexo, composto destas ris-
quinhas forma a figura â.
Cada palavra, seja de quantas silabas for, nã póde
pág. 203
ter, mays que ? acento agudo, & este será na silaba,
que no profirir se mays levantar, como nesta palavra
tempo, adonde a voz parece se levanta mays ? tem-
po, que ? po: pola qual razã chamam alguns a esta
tal silaba predominante, como se disseramos, princi-
pal entre todas as outras; porque descansando a vóz
sobre aquella silaba, faz uma certa cantilena, sobre
cada palavra, que na verdade lhe dá nã sey que de so-
noro. E como cada ? sabe, aquellas escreturas se cha-
mam sonoras, que saõ compostas cõ oportuna coloca-
çã de acentos, isto he de pausas, como neste verso.
As armas, & os varões assinalados.
E he a razã, porque os versos, maximamente he-
roycos, nã aceytam de vontade palavras de muytas
silabas; porque sendo as palavras de desproporciona-
da grandeza, o acento se ouve raramente, & o verso
fica assi menos sonoro: como aquelle que Dante traz
? o livro da vulgar eloquencia, que consta de uma
só palavra;
Soara manificentissimamente.
Donde cõ rasã disseram alguns, que o acento he
medida da silaba, outros, que era a alma, & outros
reytor, & governador da pronunciaçã.
Entre os Latinos, nenhuma palavra (segundo Quin-
tiliano) t? na ultima acento agudo, ou circunflexo;
pág. 204
que o que dicemos do nome terra ja entã se nã sabia.
E assi alguns que dos acentos pouco entendem, ven-
do escrito, aliàs cõ acento ? a ultima (seb? dizem
alguns o deve ter antes ? a primeyra) imaginam
que nelle hão de levantar a voz, sendo que he acen-
to grave, que antes a abayxa, & abate, & se poem só-
mente para mostrar, que he adverbio, que todos ? a
lingua Latina (avendo alguma ambiguidade) se ha
de assinalar cõ elles; por distinçã de alias, nome diri-
vado de alius; & assi he dos preceytos dos filosofos
excellente aquelle dito, Decipimur specie recti.
Demaneyra que do acento grave usam os Lati-
nos, para distinçã das palavras sómente, & do agudo,
& circunflexo, na silaba, onde mays se levanta a voz.
Destes acentos poys usaremos na maneyra siguin-
te. Se as palavras forem diversas, & se escreverem cõ
as mesmas letras, como se ve na primeyra & terceyra
pessoa do preterito plusquam perfeyto, & na tercey-
ra do futuro dos verbos amar, ouvir, &c. para mos-
trarmos essa diversidade, escreveremos as pessoas do
preterito cõ acento agudo na penultima, como amá-
ra, ouvíra, & a pessoa do futuro cõ o mesmo acento
? a ultima, como amará ouvirá: màs se a palavra fôr
de duas silabas sómente, como lêra, fôra, se escreverá
cõ acento circunflexo, & se conhecerá b? esta diferen-
ça na segunda palavra destas duas, porque fôra he
primeyra & terceyra pessoa do preterito plusquan-
pág. 205
perfeyto de verbo sou, & fóra cõ acento agudo, ? o
o, he adverbio. O que se entende para todos os ver-
bos.
Tamb? distinguiremos os nomes, que tiverem al-
guma ambiguidade per estes acentos, como nesta pa-
lavra cor, por vontade, que nã ha mister acento, por-
que a mesma pronunciaçã aguda t? a lingua Latina
polo coraçã, que nã difere muyto da sinificaçã do
nosso vocabulo; mas quando se tomar por color, lhe
poremos acento circunflexo, como côr, porque b? se
ve, que naquelle levantamos mays a voz, que neste.
Ainda que tudo he ao contrario do que certo orto-
grafo nosso moderno, & muyto douto ensina; màs
antes de me condenarem peço se considere o valor
de cada ? destes acentos; & o que cada qual de nós
diz. O mesmo digo ? esta palavra fez, que quando
he pessoa do verbo faço t? acento circunflexo, ? di-
ferença de féz, por borra, que o t? agudo. Esta diçã Se,
t? tres sinificações, & assi para as distinguirmos es-
creveremos quando sinificar Igreja cõ letra grande,
& acento agudo ? o e, como Sé; quando fór conjun-
çã cõ acento grave, sè, & quando for pronome s?
acento. A conjunçã e nã ha mister acento, porque a
terceyra pessoa do verbo sustantivo se escreve cõ h,
he Fé terá acento agudo, porque s? elle soará, como
a primeyra silaba deste nome feo. Vês, segunda pes-
soa do verbo vejo, terá acento circunflexo, porque
pág. 206
s? elle soará como a ultima de garoupez; & vez nome
basta escreverse cõ z, assi se diferencea pes, plural de
pe, de pez, certo material entre rasina, & breu; crus
plural de cru, de Cruz, instrumento de nossa reden-
çã; vós, pronome, de voz, falla. Nôs, pronome t? acen-
to circunflexo, ? distinçã de nós plural de nó, que o
t? agudo; fruyto escrevese cõ z, noz, màs adverbio
t? acento grave, & más plural de má agudo, póde,
tempo prezente agudo, preterito circunflexo, pôde.
Temos tambem alguns nomes, que no singular t?
acento circunflexo, & no plural agudo, como saõ;
avô, côrvo, dôno, fôrno, nôvo, ôlho, ôsso, ôvo, pôço,
pôvo, tôjo; cujos pluraes saõ avós, córvos, dónos,
fórnos, nóvos, ólhos, óssos óvos, póços, tójos.
Outros no mesmo numero, mudando o genero,
mudam tamb? o acento; como se ve nestes nomes;
côrvo, córva, pôrco, pórca, tôrto, tórta; & todos os ad-
jectivos ? oso, osa; como fermôso, fermósa, &c. E per-
aqui se poder conhecer, quando avemos usar de
?, ou de outro acento, que nã he possivel assinar?se
todos os nomes: & que nã he necessario dobrar as
vogaes, como o Licenciado Duarte Nunez ensina.
He tã importante a observancia destes acentos,
que por falta della, foy mal entendido ? lugar de
nosso Camões, Canto 4. est. 67. que he.pág. 207
_______ No tempo que a luz clara
Foge, & as estrelas nitidas que saem
A repouso convidam, quando caem.
Adonde disserã alguns criticos, & ? particular o
Licenciado Manoel Pires de Almeyda, que o Poeta
nã fizera consideraçã do tempo como devia: porque
os sonhos dos Poemas Heroycos v? ? ? de tres t?pos;
ou á prima noyte, ou á meya noyte, ou ante manhan.
Que os sonhos da prima noyte saõ desestrados, & in-
felices; os da meya noyte nã saõ penosos, n? trazem
consigo calamidades totaes, & ?s, & outros carecem
de certeza, como nota o Padre Cerda, sobre o 8. da
Eneida: os d‘ante manhan saõ b? asombrados, &
verdadeyros, como adverte o mesmo no livro 2. da
Eneida. Propter imagines minus perturbatas, cum primo
somno perturbatur, confundanturque simulachra vaporum
copia Até qui saõ palavras do critico, & logo mays a-
bayxo declarando o lugar apontado do Poeta, diz,
que o sentido delle he quando anoytece, & saem as
estrellas a alumiar o mundo, & torna a afirmar, que
aqui se entende o principio da noyte. Respondeolhe
doutissimamente o Doutor Ioã Soares de Brito cõ
?a apologia que tirou a luz; por? n? elle, n? Manoel
de Faria & Sousa, ? o seu commento ao mesmo Poe-
ta advertiram, que pondo ? acento agudo ? o articu-
lo á, á luz clara, fica conhecido ser o tempo do so-
pág. 208
nho á madrugada, como ? Critico queria, que dissesse
Camões, sem gastar tantas palavras ? defender, o que
per si nã avia mister defença, & he o sentido do
Poeta; porque o tempo, que foge á luz clara, he o da
manhan, & entã se diz, ue caem as estrellas; & nes-
se mesmo sentido disse Virgilio.
________ Et jam nox humida coelo
Præcipitat, suadentque cadentia sydera somnos.
Porque o verbo cado, como diz Calepino; pro-
priamente sinifica, corruere, vel præcipitar i, vel labi: O
que mays largamente provey ? ? discurso, que mã-
dey ao dito Manoel Pirez de Almeyda, mandando-
me elle as suas censuras, & qu? tiver os seus papeys
o achará entre elles. Assi que uma plica só, que he o a-
cento, que nas impressões de Camões faltava ao ar-
ticulo á, mudava tanto o verdadeyro sentido; de en-
tã para ca, o fiz assinalar ? as impressões, que delle se
fizeram, & emmendar outros muytos lugares,
que andavão depravados; como ? os mesmos Lusia-
das Canto 9. estancia 21. ? a qual andava nas primey-
ras impressões este verso.
Da primeyra co terreno seyo.
Adonde diz Manoel Correa, que primeyro o co-
mentou, que (por lhe parecer o verso errado, como
assi he) preguntara ao mesmo Camões, cujo amigo
pág. 209
foy, como avia de ser este verso, & que Camões lhe
dissera, que assi mesmo pola figura dieresis, sendo
que avia de ser syneresis, muyto usado ?tre os poetas
Latinos, & nã foy o erro de Camões, màs de Manoel
Correa, considerando eu que aindaque assi fosse pa-
ra o numero das silabas, nã corria cõtudo o sentido;
emmendey;
Com a primeyra do terreno seyo.
Como ? muytas impressões se veja; porque o
que o poeta quiz dizer he, que Venus tinha muy-
tas ilhas ? o mar Oceano, que confina cõ a primeyra
do mar Mediterrano (que entende por terreno seyo)
aqual he a Ilha de Cadiz, que assi lhe chamavã & aos
que do Oceano navegam para o Mediterreneo, nã
ha duvida que ella he a primeyra que se oferece: & o
diz Pomponio Mella lib. 2. c. 7. Gades Insula, quæ egres-
sis fretum obvia est.
Outro lugar andou nã menos corruto, ? a primey-
ra Ode á L?a, est. 7. onde dizia;
Para ti guarda o sitio fresco de Illio.
Suas sombras fermosas,
Para ti no Erymantho o lindo Epilio.
Adonde emmendey Opilio, que he o pastor de
ovelhas, como fingem a Endymiam & ? outros muy-
tos lugares, que por brevidade deyxo; & ultimamen-
pág. 210
te na impressam proxima passada, no anno de 1669.
todos os cantos da criaçã do omem; suposto foy
meu trabalho todo baldado, porque na emprenta
lhe trastornáram as outavas, desencayxandoas qua-
si todas de seus lugares, & pondo uma, onde deviam
de estar outras, o que tudo sucede por falta de correc-
tores, que asistam ás emmendas das erratas, que nos-
sos impressores cometem exorbitantemente, como se
verá na da minha Eneida Portugueza, de que nenhu-
ma folha pude emmendar, por viver fóra de Lisboa,
& teve de mays a mays outra desgraça; & foy, que
quando lhe fiz as erratas, intentey por sobre algumas
mays notaveys ?s remendinhos, cõ as emmendas, &
por essa razã nã as notey cõ as outras, & despoys assi
porque nã pude consiguir fazeremmas, como por ser
cousa trabalhosissima, ficaràm os erros como esta-
vaõ, sendo tã deformes, que me pareceo b? advertillos
aqui, para que cada qual os possa persi emmendar, ou
conhecer. E assi no livro 7. est. 3. v. 6. coroa, diga atroa,
est. 186. v. 3. Arituro, diga Anxuro; livro 8. est. 169. ver-
so 1. An debis, diga Anubis. livro 9. est. 7 verso 8. Tejo,
diga leyto; est. 64. v. 8. Arissa, Arisba; livro 10. est. 179.
v. 3. Acton, diga Acron. est. 211. v. 4. Rhebo, diga Phe-
bo. livro 11. est. 98. v. 1. Adriatisas, diga Adriaticas; est.
178. verso 5. Vericos, diga Venus; livro 12. est. 82. v. 8.
Telides, diga Tydides; est. 86. v. 5. Timeste, diga Time-
tes. Sobre tudo ? a dedicatoria por Rey da Persia, me
pág. 211
puzeram Rey da poesia. Dos acentos escreveo parti-
cularmente Mænetius Monachus.
________________________________________________________________
CAP. LIII.
Dos apostrofos.
AInda que cada vogal de sua natureza tenha
sua figura cõ seu sõ formalmente distincto da
figura, & sõ das outras; de maneyra que já mays o a,
se torna i, n? o i, u, n? a, emquanto á figura, n? em-
quanto ao sõ, cõ tudo uma vogal tira, & impede a
figura, & o sõ da outra vogal ? nosso vulgar, & tam-
b? ? outras linguas, nã só quãdo se encontram duas
da mesma especie, como dous aa, ou dous ee, &c. màs
diferentes: & se usa entã uma figura, a que os Gregos
chamam Apostrofo, que denota a vogal, que se tira
do fim da dicçã, quando se encontra cõ outra, & co-
meça per vogal, a que os Latinos chamam Synale-
pha & se faz, por se evitar o hiato, ou abertura da
boca, que se causa polo concurso das vogaes, isto he
acabando uma dicçã ? vogal, & começando outra tã-
b? ? vogal, & se poem no lugar donde a tal vogal
se tira, màs ? a parte onde esta tinha seu mays alto
membro: cuja figura he uma virgula ás avessas, nesta
forma, & he muyto frequente cõ a preposiçã de,
pág. 212
quando se lhe segue vogal: porque he erro escrever
Devora, Delvas, tudo ligado; màs separaremos a pre-
posiçã cõ o apostrofo, como d‘Evora, d‘Elvas, o que
he muyto necessario observarse ? os nomes proprios,
& cognomes, que ordinariamente se confundem,
por nã estar ? uso o apostrofo, escrevendo Fernan-
dalvarez, Pedrafonso, Francisco Dalmeyda, Dalbu-
querque, Doliveyra; devendose escrever, Fernando
Alvarez, Pedro Afonso, Francisco d’Almeyda, d’Al-
buquerque, d’Oliveyra, &c.
E muytas vezes de nã se uzar o apostrofo nace
outra confuzã mayor, que póde mudar o sentido, ao
que se quer dizer, como nã ma mays, nã tacho, nã sa-
cha, damagoa; por nã m’amays, nã t’acho, nã s’acha,
da m‘agoa, & outros muytos desta sorte.
Màs se a preposiçã de, se puzer antes dos prono-
mes, elle, este, esse, aquelle, nã t? necessidade de apos-
trofo, porque ? uso está dizerse, delle, deste, desse, da-
quelle: seb? escrevendose cõ elle, nã ficará pior. O
mesmo digo da preposiçã no, na, ? lugar de em; que
poderemos escrever cõ os mesmos, nelle, neste, nesse,
naquelle; ou n’elle, n’este, n’esse, n’aquelle, aindaque
nã fica tamb? como ? a preposiçã de; contra a doutri-
na de Duarte Nunez, fundado ? que nunca dizemos
de elle, de este, &c. màs se nã escrevermos no elle,
no este, &c. escreveremos ? elle, ? este, ? esse, ? aquel-
le, & cõ o apostrofo, dizemos per sincopa muyto me-
pág. 213
lhor d‘elle, d‘este, n‘elle, n‘este, &c. porquanto o apos-
trofo foy inventado paraque as palavras do periodo
corram mays doces, expeditas, suaves, & deleytosas,
& a lingua solte s? aspereza as palavras inteyras, &
segundo os preceytos dos oradores sempre se deve de
atender muyto á continuaçã das palavras, que consis-
te ? as compor, & ordenar de maneyra, que o seu
concurso nã seja aspero, n? vagaroso, como acõtece-
rá, se a cada vogal se quizer dar o seu sõ, porque a
presteza da palavra a faz deleytosa. Para este efeyto
poys serve o apostrofo; & sendo necessario ? a prosa,
muyto mays he ? o verso, no qual os Italianos o
usam frequentemente; Os Latinos t? tamb? este mó-
do de escrever, donde nacem nã se conhecerem cer-
tas dicções, que se t? por adverbios, sendo nomes ver-
dadeyros, postos ? ablativo de módo; os quaes são,
magnopere, maximopere, summopere, tantopere; & saõ o
mesmo que opere magno, opere maximo, opere summo, o-
pere tanto; & o declarou Ter?cio, desfazendo o cõcurso
das vogaes, polo Hiperbaton, interpondo ? verbo,
quando disse; Maximo te orabat opere; Mas ? os no-
mes compostos, que já per uso estiverem corrutos,
nã temos necessidade do apostrofo, como ? Monta-
graço, Montargil, Portalegre; porque nã dizemos,
Monte agraço, Monte argil, Porto alegre, & assi de
outros semelhantes.
pág. 214
________________________________________________________________
CAP. LIV.
De outros sinaes importantes ao bõ
escrever.
NEcessario he para a boa pronunciaçã, & dar-
mos a entender o que dizemos, como tam-
b? para tomar folego, espirito, & vigor, fazer ? o pro-
cesso da oraçã, ou pratica, assi fallando, como escre-
vendo, algumas pausa, as quaes ? a escritura assina-
lamos cõ diferentes figuras, porque cada uma dellas
t? tambem diferente oficio: & he tã importante; que
por falta dellas, se ignora muytas vezes o verdadey-
ro sentido: como acerca da pontuaçã, se conhece des-
te verso Latino, que certo Letrado deyxou, como
por testamento, ? a porta de sua livraria.
Porta patens esto nulli clauderis honesto.
O qual cõ dous pontos antes, ou despoys de nul-
li, faz tã contraria sentença, como qualquer que sou-
ber pouco Latim, poderã entender, esperimentandoo.
Servem tamb? estas clausulas, balisas, ou marcos,
para melhor se conseber o que se le; & servem como
de imagens, & figuras para a memoria, segundo as
regras, que para a artificial se dão. São poys tres as
principaes, virgula, colon, periodo.pág. 215
A virgula, que tambem se chama coma, inciso, &
meyo ponto, he uma varinha, ou risquinha torta
nesta forma, Colon he de dous módos, imper-
feyto, & perfeyto; o imperfeyto he ? ponto, redon-
do, encima de ?a virgula, assi; colon perfeyto saõ
dous pontos, ? encima de outro, como: Periodo he
? ponto redondo.
A diferença entre estes sinaes he agora a dificul-
dade: siguindo aos que desta maneyra escreveram,
digo; que a virgula, ou coma se poem, para distinçã,
quando ainda nã está dito tanto, que baste para o s?-
tido, màs descança, para dizer mays. O mays com?,
& ordinario he porse despoys do verbo cõ seus casos,
exemplo; Quem ama a Deos, ama ao proximo. Tamb?
despoys de conjunçã, antes de relativo, como; A
ruim arvore se chega, & arrima, o que se estriba na Fortuna.
Poemse tamb? despoys de nomes adjetivos, quando
concorrem muytos ? ? caso; como.
Deo sinal a trombeta Castelhana
Horrendo, fero, ingente, & temeroso.
O mesmo lugar t? entre nomes sustantivos, co-
mo. Tres males ha, o mar, o fogo, a mulher.
O ponto & virgula, que chamamos colon im-
perfeyto, usamos, quando a virgula nã basta, & os
dous pontos sobejam; quero dizer; quando nã está
pág. 216
dito tanto, que se haja de por dous pontos, n? tã
pouco, que se haja de por virgula; màs he cousa
muyto dificil de conhecer; aindaque Duarte Nunez,
a chama invençã de pouca utilidade, & desnecessaria,
o que elle diz, nã imitaria, sendo tã nimio, ? outras
cousas menos importantes. T? lugar entre palavras
& sentenças contrarias, como nos siguintes exem-
plos se póde notar. Nenhuma cousa he para o omem mays
util, que o nacer; & nenh?a melhor, que depressa morrer.
A fortuna he de vidro; & por isso quebra. Vejo muytos ri-
cos tesoureyros de suas riquesas; por? nã senhores de seu di-
nheyro. Felicidade se divide ? cinco partes; a primeyra he a-
conselhar b?: a segunda ter vigor, & força ? os sentidos, &
ser b? compreycionado ? o corpo; a terceyra ser ditoso, ? o que
pomos mã, a quarta, estar perto de omens excellentes, assi ?
gloria, como ? fama; a quinta ter muyto dinheyro, & abun-
dancia de todas as cousas necessarias para a vida.
Colon perfeyto, usaremos quando temos cheya a
sentença, màs nã acabado o periodo; & parece que o
animo do que ouve fica suspenso, esperando outra
cousa mays, que depende do que está dito, como; O
medo da ley nã encobre a maldade, màs tira o atrevimento a
licença. As cousas Christans, desde o principio ? as leys
& os Profetas: & nas cousas novas t? os Evangelhos, &
as Epistolas Apostolicas. O claro sangue de outrem nã te faz
nobre, se tu o nã tens.
Tamb? usamos de dous pontos, quando na pra-
pág. 217
tica que fizemos referimos palavras de outrem, co-
mo; Diz S Agostinho; Ignorancia he blasfemar das cou-
sas nã entendidas. Aristoteles diz: Melhor he ser pobre
que ignorante. As quaes palavras começam sempre por
letra grande.
Ponto final se poem na conclusã de alguma sen-
tença, ou oraçã quando o que dizemos, & a razã,
que damos, está de todo cõcluida & acabada: no que
nã ha que errar & assi são, usados os exemplos: màs
he de saber, que sempre despoys de ponto, se hade es-
crever letra grande.
He tamb? de considerar, que ? colon perfeyto, ou
imperfeyto, póde comprender muytas virgulas, & o
ponto final muytos comas, & colõs, como; Conhe-
cendo Socrates filosofo, que Alcibiades, mancebo fermosissi-
mo, se começava a ensoberbecer, por rasã da riqueza, &
muytas propriedades, que tinha: levouo a uma parte da ci-
dade, muy apartada da cidáde, & mostralhe ? mapa mundi:
& mandou que buscasse por elle a Regiã Attica sua patria.
disse Alcibiades: Ia a hey achado: Respondeo Socrates: poem
depressa os olhos ? tuas propriedades, riquezas, & erdades:
disse Alcibiades: ? nenhuma parte desta carta as vejo pinta-
das: respondeo lógo Socrates: Es tu lògo o que te ensoberbe-
ces polas propriedades & erdades, que em nenhuma parte
da terra se deyxam ver. E isto he o que se chama pe-
riodo onde vay a clausula, & materia toda acabada,
incluindo seys membros, ou sentenças distintas per
pág. 218
suas virgulas, colõs, & rematadas cõ o ponto final.
Antigamente [como Ximenes advertio, ? o seu
Epitome] segundo consta de impressões muyto anti-
gas, nã havia outra ordem na pontuaçã mays de que
cada oraçã se assinalava cõ dous pontos, que he o co-
lon perfeyto, & serviam do que oje servem, & ser-
vem tamb? as virgulas, & no fim da clausula o pon-
to redondo. O que me parece b? advertir, porque
quando o leytor de ? semelhantes impressoens, se nã
embarasse.
________________________________________________________________
CAP. LV.
De outros sinaes tamb? importantes ao
bõ escrever.
AL? destes sinaes ha tamb? outros para diver-
sos efeytos, quatro dos quaes são muyto fre-
quentes ? a escritura, & muy importantes para a boa
intelligencia della. Seja o primeyro, o que chama-
mos interrogaçã, o segundo admiraçã, o terceyro pa-
ragrafo, o quarto parentesis. E suas figuras saõ estas.
Interrogaçã ?
Admiraçã !
Parentesis ( ).
Paragrafo §pág. 219
A interogaçã, ou sinal interrogativo, que como ve-
mos he ? s, ás avessas encima de ? ponto, assi? serve
para quando perguntamos alguma cousa, & se poem
no fim da clausula, ou sentença, ? que fazemos a per-
gunta, como; Se vos eu digo a verdade, porque me nã cre-
des? Qual de vos me arguira de peccado? Despoys do qual
sinal sempre escreveremos letra grande.
O sinal admirativo, que quasi se parece cõ o in-
terrogativo, senã que aquelle he enroscado como
cobra, & este direyto, sobre o ponto, usamos pôr tã-
b? no fim da clausula, que pronunciamos cõ alg?
espanto, & admiraçã, como;
O grandes, & gravissimos perigos!
O caminho da vida nunca certo!
Ou quando pronunciamos cõ indinaçã, assi;
Como, da gente illustre Portugueza
Ha de aver, quem refute o patrio Marte!
O terceyro se diz parentesis, que são dous meyos
circulos, abertos ? para o outro, entre os quaes se in-
clue alguma sentença, ou palavras, que se intrepoem
na clausula, & se pódem tirar, s? imperfeyçã do senti-
do: & se poem assi, para denotar, que saõ alheyas, &
diversas daquella clausula, & que ainda que se tirem,
sempre a oraçã fica inteyra, como ? o seguinte ex-
emplo se ve;pág. 220
Eu so cõ meos vasallos, & cõ esta
(E dizendo isto arranca meya espada)
Defenderey &c.
Aonde, posto que se tire o segundo verso, sem-
pre a oraçã fica corrente.
Escrevemse ás vezes estes dous meyos circulos, s?
força de parentesis, quando queremos apontar algu-
ma adiçã, ou declaraçã nossa, sobre a materia, que tra-
ta alg? autor, que interpretamos.
O quarto sinal he o paragrafo, que apontamos
cõ este sinal ?. & teve este T. & os juristas lhe dam
estoutro § He ponto de distinçã, nã de ?a clausula a
outra, mas de ? tratado à outro, ou de ?a materia à
outra, & sempre se poem no principio da cousa divi-
dida, como ordinariamente se ve.
________________________________________________________________
CAP. LIV.
De outros sinaes.
TEmos mays outros sinaes para outros diver-
sos oficios; os quaes cõ os seus nomes saõ os
siguintes.
Divisã – Antigrafo ?
Angulo ? Asterisco *pág. 221
Apices .. Obelisco (
Hypheu ? Bracchia. ?
Antyphen, ou Hypodiastole ?.
Este sinal – que chamamos divisã, se poem no fim
da regra, quando acerca de algum vocabulo nã ca-
ber ali inteyro, & se hade partir, para nota de que a si-
laba ou silabas, que cõ o tal sinal se apartam, perten-
c? á silaba, ou silabas da regra seguinte, & alguns o
costumam dobrar assi – & o como se hão de apartar
estas silabas, dizemos ? seu lugar.
Angulo he ? sinal, ou meta, que os escritores de
mã usam, para denotar algumas palavras, que vão per
entre linha, & se poem ? na ecritura, & outro ? a
margem: para mostrar que naquelle lugar, onde elle
está, se hão de meter as palavras, que tamb? na mar-
gem a ponta, como; A ninguem ? pequenas as
proprias injurias.
Apices são dous pontos, que usamos nesta forma..
? antes do outro. Poemse sobre a vogal, que quere-
mos dividir de outra immediata, & pronuncialla di-
vidida, principalmentc ? os nomes que se equivocam
cõ os ditongo, como nestas palavaas, saüde, alaüde,
poëta, païnço, tabü, & outros muytos; por? nã ? ca-
yado, que já dicemos como se hade escrever, & assi
ayo, boya, boyada, cõtra o parecer de Duarte Nu-
nez.
pág. 222
Hyphen, quer dizer uniam, ou ajuntamento, &
he ? sinal desta figura ?, como vimos: usase delle
de duas maneyras, ou ? dous casos; a saber quando ?
? corpo se ajuntã duas dicções difer?tes, ficando fey-
tas uma só, como passa ? tempo, guarda ? porta,
val ? verde; porto ? salvo; o que alguns usam per
esta risquinha ou tamb? usamos de Hyphen, quando
per erro escrevemos uma palavra cõ as silabas sepa-
radas, & queremos (emmendando o erro) denotar,
que se hãode ajuntar ? ? corpo, para formar uma só
dicçã, como das referidas, por exemplo. De maneyra,
que he sinal de uniã, & ajuntamento, & como uma
consolidã de silabas.
Contraria desta ha outra figura, que nossos orto-
grafos chamam desuniam (eu se assi me he licito, si-
guindo os preceytos de Horacio, & de Cicero) lhe
chamarey Antiphen: outros lhe chamam (se me nã
engano) Hypodiastole; porque he o Hyphen ás aves-
sas, como ?, & serve de apartar letras, ou dicçoens
juntas, que deviam escreverse separadas: & uma, & ou-
tra he comm? aos correctores das impressões.
Antigrafo he outro sinal, a que nossos ortogra-
fos chamam meyo circulo, porque assi he ?: & serve
para quando glosamos a sentença de alg? autor, pa-
ra cõ elle dividirmos as palavras glosadas, das que
explicamos: ou quando declaramos alg? dito, incluin-
do nelle as pallavras, ou dito: & despoys delle escreve-
remos letra grande.
pág. 223
Asterico, quer dizer estrella, & cõ ella se afigura
nesta forma *; da qual usaram os antigos, & se usa
tamb? agora, para denotar falta de palavras ? alg?
autor, ou mostrar as que saõ dinas de considera-
çã; que quando saõ muytas, de ordinario se apon-
tam pella margem, junto á propria escritura cõ ?as
meyas l?as, ou circulos, nesta forma ??.
Obelisco se chama outro sinal, de obelo, que
quer dizer espeto, ou, como outros dizem, pequena
ponta de espeto, porque t? esta figura ( seb? ou-
tros lhe dam esta | > & outros esta (–, usase para
sinificar palavras, ou versos adulterinos & he con-
trario ao Asterico; porque este disigna os bõs, & o obe-
lo, ou obelisco, os maos. E dizem, que o primeyro, que
usou destes sinaes foy Aristarco, ? as censuras, que
fez aos versos de Homero; notando os bõs, & genui-
nos cõ o Asterico; & os maos, & adulterinos cõ o
obelo; & delles usaram despoys os interpretes da Sa-
grada Escritura, para denotar alguma cousa acrecen-
tada ? a traduçã, & q? nã estava nos originaes, como S.
Ieronimo, diz a Paulino; Origenis studium me provo-
cavit, qui dictioni antiquæ translationem Theodotionis ad-
miscui, asterisco, & obelo opus omne distinguens.
Bracchia chamam os Gregos a uma nota, feyta
nesta forma ?, cõ a qual se mostra ser breve a vo-
gal, sobreque se poem, porque sendo longa, póde ter
outra sinificaçã.
pág. 224
De outros muytos sinaes faz mençã S. Isidro, ?
suas Etimologias, & tamb? Probo Goltrez, Manucio,
& Bern. Brisson, algumas das quaes tras Ioã Bautista
Porta, ? o livro de occultis literarum notis, que deyxo,
porque nã sey se os teraõ nossas emprentas.
________________________________________________________________
CAP. LVII.
Das abreviaturas.
AS abreviaturas necessario he que sejam de ma-
neyra, que polas letra, que se puzerem, fique
manifesto, que palavras saõ. Os Latinos punham le-
tra por parte, de que trazem os exemplos siguintes;
d, de; e, ea; r, re; i, ita: c, censuerant, & semelhantes; assi
por Marco Tullio Cicero, M. T. C. por Aulo Gelio, A.
G. acerca do que diz o Ximenes ? seu Epitome, cap.
7. que ainda que os Romanos, & todas suas cousas
foram prudentes & sabios, nesta pareceram barbaros
ou enimaticos. Porque uma das propriedades (diz)
que hade ter, o que se falla, ou escreve, ha de ser a cla-
ridade, & facilidade ? deyxarse entender, como seu
Cicero o deyxou por preceyto ? seu orador, & Aris-
toteles. E he cousa chan, que de nã se entender uma
cousa cõ facilidade, se causa enfado, & se deyxa assi:
como diz? de ? santo, que chegando a ? lugar escuro
pág. 225
de ? poeta antigo, disse. Nã quis deyxarte entender,
n? eu quero entenderte. Atéqui Ximenez: màs que
dissera se vira a poesia de nossos tempos? contra a
qual, fez ó Cevola Sammarthano este epigrama, que
para os curiosos me pareceo aqui por;
Quid juvat obscuris involvere scripta latebris?
Ne pateant animi sensa tacere potes.
Entre nós está ? uso S. por Senhor; V. S. Vossa Se-
nhoria. V. A. Vossa Alteza; V. E. Vossa Excellencia,
V. M. Vossa Merce; V. P. Vossa Paternidade; V. R.
Vossa Reverencia; & por ElRey Nosso Senhor El-
R. N. S. A. por autor R. reo. P. pede; R. M. receberá
merce, & justiça cõ mays u I.
Outras vezes se costumam por mays letras, como
C. Iul. Cæs. por Caio Iulio Cæsar. Por Quinto Fabio
Maximo; Q Fab. Max Por suplicante, supe. Por Vir-
gilio, Virg. Horacio, Hor. Ovidio, Ov.
Algumas abreviaduras se fazem ? regra direyta
cõ ? til, como M?a, ph?a, snçã, por misericordia, filo-
sofia, sentença, & outras taes.
Outras tamb? se costumam por per entre linha,
contra o parecer de Duarte Nunez, como. Anto. Frco.
Mel. Po. &c. por Antonio, Francisco, Manoel, Pedro.
Dos Patronimicos, ou sobre nomes, dicemos já ? ou-
tro lugar.
Tamb? por evitar prolixidade de escritura se cos-
pág. 226
tuma escrever os numeros per notas, & cifras Roma-
nas, como I. II. III. IIII. V. & de aqui até nove vã põ-
do este V, cõ um, ou mays I. como he necessario; &
se antes de V. poem I. ou mays, ainda que se nã usa
passar de ?, sinifica quatro; porque aonde se po? an-
tes da letra capital de tal, ou tal numero, tal ou tal ci-
fra, fica essa letra capital valendo menos, o que essa
cifra val: como agora X. val dez; se antes se puzer I. ou
II. &c. tanto valerá menos o X. L. val cincoenta, a le-
tra que se puzer antes, terá menos de valor; se puzer
X. assi XL. valerá o L. quarenta; se VL. valerá quar?-
ta & cinco. C. val cento, se tiver X. ou V. ou L. ou qual-
quer das outras cifras ãtes, tanto valerá menos; assi ?
D. que val quinhentos, M. que val mil, como ja dice-
mos, & assi nã ha paraque ? al nos detenhamos. O
que advertimos he, que querendo fazer as ditas abre-
viaturas, pellas cifras do algarismo comm?, que di-
zem foy invençã de Alguer [donde se deduzio o no-
me] que as fabulas fingem nacido do sangue do dra-
gã, que guardava os jard?s das Hesperides, o poderão
fazer, cõ tanto que nã misturem umas figuras cõ ou-
tras; a saber, querendo por doze, escrever X2. n? tã
pouco diremos a XX. de Ianeyro de 1670. senã de
M. DC. LXX. ou a 20. de Ianeyro de 1670.
N? tãpouco por abreviarmos, escreveremos as le-
tras numeraes, quãdo nã denotam numero, como por
primeyro 1º. por seg?do Platã, 2º. Platã. 3º. por tercey-
pág. 227
ro, &c. porque no primeyro o numero he adverbio,
que sinifica antes, no segundo preposiçã, que quer di-
zer acerca; & o terceyro sinifica intercessor, & media-
neyro, & assi os de mays, porque ja vi ? uma carta;
Mandayme ? 4º. de vº. De modo que nã devemos
escrever per cifra, senã quando denotarmos numero.
________________________________________________________________
CAP. LVIII.
Breve recopilaçã de nossa ortografia.
ORtografia he arte de b? escrever. Devemos es-
crever, como pronunciamos, & pronunciar
como escrevemos. Nã poremos letra de mays n? de
menos. São ao todo vinte & tres; tantas mayusculas,
como minusculas. Das maysculas usaremos no prin-
cipio da escritura, dos nomes proprios, das clausulas,
& despoys de ponto final; de interrogaçã, & interjey-
çã. As vogaes saõ seys, as consoantes dezasete; das vo-
gaes se fazem desanove ditongos: nã se deve dobrar
vogal alguma; das consoantes l. m. n. r. s. t. onde a ore-
lha o pedir. Antes de B. P. M. sempre escreveremos
M. N? vogal, n? consoante se aspira, salvo para me-
lhor intelligencia da dicçã ? os nomes peregrinos,
que s? aspiraçã ficarem desconhecidos. Nenh? nome
? ã no plural acabaremos ? ays, màs ? aes, & pelo con-
pág. 228
trario, nenhuma pessoa de verbo alg? ? aes, màs ? ays.
Cada vogal faz per si só silaba, se n? he ditongo, &
as consoantes, per si, por muytas que sejam, nã fazem
?a silaba; màs podemse ajuntar á vogal até quatro ?
nossa lingoagem. Dividiremos as silabas cõ as letras,
cõ que as pronunciamos. No principio da dicçã nã se
dobra consoante; n? no meyo se poem dobrada, des-
poys de outra: n? tãpouco se po? dobrada ? o fim.
Temos tres acentos, agudo, grave, & circunflexo, &
outros sinaes para boa intelligencia da oraçã, & são
ao todo dezasete, a saber; Apostrofo, coma, colon
imperfeyto, colon perfeyto, periodo, interrogaçã, ad-
miraçã, paragrafo, parentesis, divisã, Apices, Hyphen,
Hypediastole, antigrafo, Asterisco, obelisco, bracchia.
pág. 229
REGRAS GERAES
DA
ORTOGRAFIA PORTVGVEZA,
per o Licenciado Duarte Nunez, cõ a
reposta do Autor á margem.
DUARTE NUNEZ.
Regra I.O AUTOR DESTA OBRA
DO que tratey ?
particular da for-
ça, & natureza de cada le-
tra, podemos infirir a pri-
meyra regra da Ortogra-
fia da lingoa Portugueza;
que assi hemos de escre-
ver, como pronunciar: &
assi hemos de pronun-
ciar, como escrevemos.
1. DOutrina he do
grãde Ioã de Bar-
ros ? sua ortografia, & de
todos os que della escreve-
ram, como cousa posta ? a ra-
zã. E porque o Licenciado
Duarte Nunez, escreveo ao
contrario do que diz, me pa-
receo acertado por aqui as
suas mesmas regras, & mos-
trar a qu? as ler, aonde sepág. 230
desviou do que diz, & confir-
mam os mays doutos; para
advertir aos que por este lite-
rario mar navegam, os bay-
xos, onde podem perigar, por-
que se desviem delles.
Regra II.
Desta primeyra regra
se infere, que nunca na
scritura accrecentemos,
nem mudemos letras a
diçaõ alguma 1. Queren-
donos accommodar a
origem, & scritura Lati-
na. Porque isso he fazer
nova lingoagem, & mu-
dar a commum, & usada,
que fallamos. Porque
não conciste a policia da
lingua Portugueza, em
as palavras ser? m?y cõ-
junctas, & parecidas com
as latinas. 2. Mas antes
quanto nos desviamos da
Latina, tanto fica teendo
mais graça, & sendo mais
Poys se isso he assi, como
? efeyto deve ser, paraque es-
creve todo este mesmo verbo
alatinadamente, como ? todas
suas obras se ve? dizendo s?-
pre scritura, screver, ? todos
os mays tempos & pessoas,
devendo de dizer, Escritura
cõ E, no principio, & sem p.
antes do t, escrevo, escreves,
escreve. &c.
2. Contra isto he o com-
m? dos doutores ? a nossa
lingua; cujo parecer he, que
tanto t? ella mays de excel-
pág. 231nossa, como tambem di-
zem os Italianos da sua.
Os quaes achegada aa
Latina chamaõ pedantes-
ca, que quer dizer lingoa
de pascasios. Polo que
nojenta scritura, & fóra
de razão a dos que diz?.
3. Princepsa, por princesa;
& epse, por esse; & oolho,
por olho; & cõptar, por
contar, por ser mays con-
forme ao Latim. Porque
sendo a nossa lingoa cor-lencia sobre as outras, quan-
do mays se chega ao Latim;
donde o nosso poeta fallan-
do de Venus acerca da lin-
gua Portuguesa diz; na
qual quando imagina cõ
pouca corrupçã cre que he
Latina.
3. Nã encontrey atégora
tal escritura, màs he pouco
diferente da que elle usa, co-
mo logo veremos.
rupta da Latina, & fazendonos desta corrução nova
lingoa propria, & peculiar nossa, que pelo uso se foiderivando, & introdu-
zindo. 4. não hemos de
mudar, nem trocer os
4. Advirtase este periodo.
vocabulos, do soido, & uso cõmum. Que as palavras
saõ como as moedas, que não valem senão as corren-
tes, & as que estão em uso. E de outra maneira se fosse
melhor reduzirmos as palavras todas ao Latim, & por
este podessemos dizer epse, tamb? diriamos por elle,
ille, & por agua, aqua, & assi ficariamos fallando tu-
do Latinam?te. Qua menos mudãça he, cõverter h?apág. 232
letra ã outra sua 5. assim,
que accrescentarlhe ou-
tra diferente. Poloque
fique por regra, que aa5. Que palavra mays fò-
ra do uso comm?, poys he me-ramente Latina, de affinis.
commum prononciação, não acrescentemos, nem
deminuamos nem mudemos letra alguma. Mas que
na scriptura sigamos a corrupção dos vocabulos cor-ruptos, & não a origem,
& digamos p?tem, & não
pectem; 6. feito, & não
fecto, contar, & não cõp-
tar; pois ja estão corrup-
6. Notese para o que adiã-
te diz.
tos. No que se deve advertir, que alguns vocabulos
ha, que descendendo todos de hum primitivo, em
huns siguimos a scriptura Latina, & em outros a cor-
rupta: porque na verdade os pronunciamos assi dif-
ferentemente. Porque huns vocabulos corrompemos.
& outros deixamos incorruptos, que pola maior par-te saõ os de que a gente
vulgar não usa tanto.
Porque screvemos 7. in-
signe, significar, & signi-
ficação, com g. porque
estão incorruptos, mas
sinal, sinete, assinar, sem
g, por estarem corruptos,
sendo certo, que todos
7. Todos estes, & outros
taes, se dev? de escrever s? g
& nã ha porque reparar
? insine, que nã se equivo-
ca cõ a terceyra pessoa do im-perativo do verbo ensino,
porque se escreve per e.pág. 233
descendem de signum. E
escrevemos unidade sem
aspiraçã, por estar quasi
incorrupto, & o primei-
ro ser unus. Mas 9 h?, &
h?a, escreveremos cõ ella
pello costume, que não
carece de razão. Porque
se 10. dixeramos, um, &
?as, ?a, & ?as aa duvida,
por se encontrarem com
outras diçoens de diffe-
rente sinificado. O que8. Este escreveremos cõ
g por se nã equivocar cõ si-
no de tanger nas Igrejas.
9. Tamb? estes escreve-
remos s? aspiraçã, porque se
nã equivocam com outros.
10. Diceramos, com c,
& nã com x como sempre
faz neste verbo ? as pessoas,
que se dirivam do preterito.
tambem fazemos em o verbo sustantivo, he, per se
desencontrar do e, conjunção.
Item se deve advertir, que aquelles vocabulos
poderemos escrever cõ ortographia Latina, que a har-
mos incorruptos. E incorruptos chamo a quelles, em
q? não está mudado mais, que a terminação final, quehe geral em todas as lin-
goas corruptas. Polo que
se hade screver 11. officio
com dous ff porque of-
ficium se screve assi. E
se screvermos 12. docto,
doctor, doctrina, precep-
to, preceptor, pecto, pe-11. Do mesmo modo nos
soa ? a orelha officio com
dous ff, & oficio com ? f.
& assi nã ha para que o do-
bremos.
12. Dizem que ? Rey
de Escocia fizera ?a junta
de Theologos Catholicos Ro-
pág. 234ctoral, prefecto, contra-
cto, usufructo, & outros
taes. E se alguns de ore-
lhas mays mimosas dixe-
rem, que lhes soa melhor,
pronunciarse estes como
corruptos & dizer douto,
doutor, doutrina, noute,
ou noite, peito, prefeito,
não lho estranharia. Por-
que na verdade, a pron?-
ciação daquelles voca-
bulos, & de outros seme-
lhantes, alguns o fazem
sem c. Mas por estarem
tam inteiros na forma
Latina, eu os não escreve-
ria senão per c, que o u-
so tudo vem a violentar,
& fazer corrente. Polo-
que a cada hum fique,
escrevelos como os pro-
nuncia. Mas os versifica-
dores, cujo trabalho he
buscar cõsoantes, pode-
rão escrever de h?a ma-
neira, ou d‘outra.
manos, & de outros Here-
ges; & lhes mando que dis-
putassem todos sobre qual
ley era melhor, se a dos Ro-
manos, se a outra: para o que
lhe asinou certo tempo, &
que no cabo delle os chama-
ra, & lhes preguntara seus
pareceres. Disseram os He-reges, que tamb? ? a fé dos Catholicos Romanos se po-
diam salvar, & os Roma-
nos afirmaram, que na Ca-
tholica Romana, & ? ne-
nhuma outra podia aver
salvaçã, & que o Rey Es-
cocez dicera entã, que poys
esta tinha persi todos os vo-
tos, esta só queria siguir, &
fez b?, assi digo tamb?, que o
Licenciado Duarte Nunez
diz ? o lugar citado numero
12. que se ha de escrever do-
cto, doctor, doctrina, precep-
to preceptor, pecto, &c. màs
que tamb? se podem escrever
douto, doutor, doutrina, &c.
pág. 235Sigamos poys esta regra, poys t? persi todos os votos, o seu,
& meu, & na verdade o de todos; porque que cousa podia
ser agora mays redicula, que fallarmos da maneyra, que elle
aqui escreve, docto, doctor doctrina pecto, &c. E zombando
elle tanto nesta regra, onde apontamos o numero 6. de qu?
escreve fecto por feyto, elle escreve pecto, por peyto: ? os
quaes eu acho pouca diferença, & ninguem, cuydo lhes acha-
rá muyta.Regra III.
Item se infere da so-
bredita regra, que na scri-
tura não ponhamos le-
tras, que não se hajaõ de
pronunciar, & de que as
mesmas palavras não cõ-
stão, como os vulgares
fazem no nome de Chri-
sto, que escrevem com X.
& P. dizendo Xpó, Xpó-
vão não sendo estas di-
ções compostas d‘aquel-
las letras. No qual erro
tiveraõ esta occasiaõ de
cair, que os Gregos scre-
viaõ o nome de Christo1. O mesmo foy ocasiã
de o Autor cair ? o que caio;
porque a razã que ouve pa-
ra o nome de Christo se
escrever abreviadamente
Xpõ foy polo Labaro, que
o grande Constantino, man-
dou efigiar ? suas band y as
& estendartes, despoys da-
quella gloriosa vitoria, que
teve contra o tirano Max?-
cio por haver antes visto ?
o Ceo ao meyodia uma cruz
cõ umas letras ao redor del-
las, que diziam, in hoc sig-
no vince, vence neste sinal,pág. 236
cõ suas letras capitaes as-
si ???, como se em le-
tras Latinas dixessem
CHRS E como este san-
tissimo nome por a cele-
bridade, & frequencia
delle, servia de figura tã-
to como de letras, como
agora
IH?S.
Que escrito em letras ca-
bidolas, o entendem os
que naõ sabem leer, os
mesmos Latinos o scre-
viaõ com as mesmas le-
tras Gregas. Mas os scrip-
tores indoctos despoys
não entendendo os cha-
racteres Gregos, cuida-
rão, que erão as letras
Latinas, & que o X. era
x. & que o P. era o p. nos-
so, não sendo assi. Por-
que esta figura X. he o c.
aspirado dos Gregos S.
ch, & P he o seu R. por-
que saõ duas letras assi naA qual Labaro se assina-
va assi;
? ? ?
Da qual o poeta Prud?-
cio, fallando com Roma diz
assi, contra Symachum.
Agnoscas Regina Iub?s
mea signa necesse est,
In quibus effigies crucis,
aut g?mata refulget,
Aut longis solido ex au-
ro praefertur in hastis.
E logo mays abayxo;
Christus purpureum g?-
manti textus in auro
Signabat Labarum.
Acerca do que se póde
ver a Zonaras, ? Constanti-
no, & Eusebio lib. 1. cap. 25.
da vida de Constantino, &pág. 237
figura differentes das cor-
respond?tes Latinas, Po-
loque enganados com
os ditos characteres, scre-
vião despoys Xpó, &
Xpóvaõ, não entrando
em taes nomes x nem
p, & da mesma maneira
se ouverão com o nome
de Iesu, porque screven-
doo os Gregos abreviado
desta maneyra, I??,
cuidaraõ que a letra do
meo era h, nota de aspi-
piração, não sendo assi
senaõ E. letra vogal dos
Gregos, que pronuncia-
mos como e, longo, co-
mo se dixerão
IES.
D‘onde veo, screverem
este divino nome cõ h.
não o tendo, assi IHESV,
notãdo com cinquo figu-
ras de letras o nome tetra
grãmatõ, que he de qua-
tro, por secreto mysterio.
tamb? a Iusto Lipsio lib. 3.
de Cruce, cap. 25. & 26. E
assi vendo o vulgo a Cruz, entenderam, que era X, por-
que assi se assinalla; cõ o p. &
o Omega, que adiànte t?, for-
ma cõ o nome Xpõ, por
Christo: aquella A, & ?
era uma sinificaçã do mesmo
Deos, como consta do A-
pocalypse adõde para o mes-
mo Deos dizer que he prin-
cipio, s? principio, & fim s?
fim de todas as cousas, diz,
Ego s? Alpha, & Ome-
ga: porque Alpha he a pri-
meyra letra, & Omega a
ultima do Alfabeto Grego,
como dicemos ? o cap. 15 As-
si que o enganado ? a dita a-breviatura Xpó foy o Lic?-
ciado Duarte Nunez, que
nã advertio na historia, que
deo fundamento ao uso vul-
gar de semelhante escritura.
Màs o nome de Christo ?
Grego se escreve, XPEI?-
??. O de Jesus, segundo os
pág. 238versos que a Sylalba Cumea fez do fim do mundo, IH?-
OT?: aindaque na Cruz do mesmo Senhor se poz desta
maneyra, ?????? ???????Ù ????????? ?? ???????
E jà que puzemos o letreyro ? Grego, ponhamolo tamb? ?
Hebreo, màs cõ letras Latinas, porque ainda que na Oficina
aonde se ha de imprimir esta obra ha todos os caracteres,
nã so Latinos, & Gregos, màs tamb? os Hebraicos, cõ tã-
ta perfeyçã, como ? as mays ricas Oficinas de Flandes, &
França, eu me nã atrevo a escrevellas cõ perfeyçã; & assi
? as Latinas diz assi; Iesuah, Nosei, Milech, Iehudim,
? Latim seb? sabidas até do vulgo que o nã entende,
Iesus Nazarenus, Rex Iudæorum: que tudo ? Portuguez
soa, Iesus Nazareno, Rey dos Iudeos. E foy escrito ? es-
tas tres linguas, paraque fosse conhecido ? todo o mundo, &
nã ouvesse pessoa, que o nã entendesse. O Tetagrammaton,
de que o Autor faz mençã he ? dos dez nomes, cõ que os
Hebreos chamaram a Deos, & sinifica segundo S. Ieronimo
inefavel, & se forma destas quatro letras, Iod, he, vau, la,
que v? a ser I. h. v. h. o misterio dos quaes, nã he para se
explicar ? este lugar.Regra IV.
1. Item se infere, que
devemos fugir ao abuso,
que alguns tem por se cõ-
formarem com o Latim1. Nã cessa nosso Autor
de reprender aos que se cõ-
formam tanto ? o Latim na
escritura, como elle diz; sen-
pág. 239na scriptura, os quaes screvem crux, por cruz, &
vox, por voz, pax, por paz
perdix por perdiz. No
que erraõ de duas ma-
neyras, a huma porque
screvem differente do-do elle que mays o usa como
por estas suas regras se pòde
ver; que refiro, nã para se
imitarem, màs para dellas
fugirem.
que pronunciaõ (o que não deve, nem póde ser)
a outra porque quando viessem formar os pluraes
dos taes nomes, era necessario, que dixessem de vox,
voxes, & de crux, cruxes, & de pax, paxes, & de per-
dix, perdixes, porque a formação dos Hespanhoes
nos pluraes he acrescentar aos dictos nomes, & aosmais dos acabados em
consoantes, h? es, 2. so-
bre a terminação do sin-
gular. Poloque acrecen-
tando a pax, as ditas le-
tras, dirá paxes, & de vox,
se dirá voxes, & de crux,
cruxes. Assi que fique por
regra, que todo o nome
2. Nã he regra geral,
porque se a feliz, se acrecen-
tar ? es, dirà felices; mudan-
do tamb?, felices, o z ? c, assi
de atroz, atroces, de tenaz,
tenaces, & de feroz, fero-
ces, &c.Latino em x, de que os Portuguezes usam, converte
o x, em z, como cruz, luz, paz, perdiz, verniz, fez atroz,
o que como digo se entende dos nomes Latinos,
que a lingoagem toma, sem outra corrupsão. Porque
muytos se acabão em x, acerca dos Latinos que nãopág. 240
screvemos cõ z; em Portuguez, porque estão corrup-
tos, & mudados. Qua de Rex, dizemos Rey, & degrex, grey, & de lex, ley, &
de sex seys, & de dux, du-
que, & de nox, 3. nocte,
& outros que de outra
maneira stão corruptos.3. Eysaqui como o Au-
tor se chega ao Latim mays
que todos, porque a ningu?,
senão a elle, ouvi dizer, n?
escrever nocte.
Regra V.
1. Ainda que diga-
mos que os nomes Por.
tuguezes haviam em tu-
do de seguir a ortogra-
phia Latina, naõ sejamos
tão supersticiosos, que al-
guma diçaõ, que ja he
feita Portugueza, ainda-
que stee inteira Latina,
screvamos com diphtõ-
go de æ, nem de œ, dizen-
do, ædificio, hærdeiro,
æstio, Ætiopia, pæna, fæ-
no, porque nem nossa
lingua os recebe, nem a
nossas orelhas soaõ mais
que c. Mas diremos, edi-1. Cada lingua t? sua
ortografia diversa, & assi
nã samos obrigados siguir a
Latina, seb? iremos arrima-
dos a ella, pola analogia, que
a nossa lhe reconhece . Por?
nã cõ tanta superstiçã (por u-
sar de suas palavras) como
o Licenciado Duarte Nu-
nez o faz; n? he necessario ?
nenh? nome ja mays, Grego,
ou Latino, usarmos de diton-
go ae, n? oe, porque mayor
confuzã farã os taes diton-
gos, aqu? delles nã tiver co-nhecimento, que os taes no-
mes, que elle aponta, & ou-pág. 241
ficio, herdeyro, estio,
Ethiopia, pena, feno. E só-
mente poderemos scre-
ver com diphtongo; os
nomes proprios Latinos,
ou Gregos, que o tiver?,
que não forem mui usa-
dos, paraque nos não fa-
ção duvida, & entenda-
mos de que se falla, como
Oenone, Oedipo, Ælio,
polla razão, que demos,
no capitulo da letra I.tros semelhantes, escrevendo-
se cõ E, como se devem escre-
ver, assi como, Enone, Edipo,
Elio: & assi os acharã ? to-
dos os Autores romanistas.
Regra VI.Resposta.
Que não sigamos o a-
buso, de acrescentar a to-
das as dições Latinas, que
começão em s. h? e, faz?-
doos sempre demais h?a
sillaba, do que te? de sua
colheita. Porque dizem
vulgarmente escrivaõ,
esperança, espirito, Este-
vão, & outros infinitos.
O que he grande erro, &
Em nenhuma cousa ver- dadeyramente achey a este
Autor mays despropositado,
que nesta regra, & assi ad-
virto que tudo o que se nella comprende, se deve fazer ao
revez. Porque de outro mo-
do toda nossa poesia (como ja noutro lugar dice) & a Ca-
stelhana fôra errada. E nã
obsta, que os Italianos es-pág. 242
maa maneyra de screver.
E o que enganou aos vul-
gares foy, que o s. como
he mays asovio, que letra,
da huma aparencia de
lhe preceder hum e. Mas
os doctos, que saõ os que
fazem o costume não saõ
os que screvem assi. E
assi vemos que os Italia-
nos, & Francezes, que da
mesma maneira tomaraõ
dos Latinos as dictas di-
ções, não as screvem, nem
pronunciam per e. No
qual erro a gente Caste-
lhana tambem cae. Assi
que hemos de dizer, sta-
do, studo, star, statua, Ste-
vão, Spirito, sperar, scrip-
tura, scrivão, &c.
crevam as ditas diçoens co-
mo os Latinos, porque como
dice cada lingua t? sua orto-
grafia propria; màs quanto
os Francezes, enganouse o
Autor, & b? mostrou ser
pouco versado ? a lingua
Francesa, porque elles escre-
vem per e, como nos; & assi
dizem Eschele, escole, escri-
re, escrit, escume, esperance, espece, espouse, estat, estoyle,
por escada, escola, escrever, escrito,escuma,esperança,es-
pecie, esposa, estado, estrella,
& semelhantes, & nos nã
hemos de dizer stado, studo,
star, statua, Stevam, spirito,
sperar, scriptura, scrivã, co-
mo o Autor diz, màs estado,
estudo, estar, estatua, Estevã, espirito, esperar, escritura,
escrivã, & he erro afirmar
o contrario.
pág. 243Regra VII.
Resposta.
Que não soomente
os vocabulos Portugue-
zes, que staõ inteiros, co-
mo no Latim, mas os cor-
ruptos, no que não sti-
verem mudados, devem
guardar a mesma orto-
grafia. Demaneira que
assi como stela dobra o l.
em Latim, assi o dobrará
stella em Porruguez. E
assi como dizem gut-
ta, dizemos gotta, & co-
mo dizem spissus, dize-
mos spesso.
Acerca do dobrar das le-
tras, se deve advertir (como
jà temos dito) o que na o-
relha soa. E se soar como do-
brada se dobrara; màs se tan-
to soar dobrada, como sin-
gella, nã he necessario que se
dobre, Stella ? a lingua La-
tina, soa como ? a Portugue-
za ella, màs estrela ? Por-
tuguez, cõ ? l. soa como que-
rela, & assi nã ha paraque
se lhe dobre o l. Em gotta ha
outra razã; & nã dobrarà
o t, porque o Latino o dobra
? gutta, màs porque cõ ? t.soarà o o. cõ mays força. como ? bota,cota. E assi bota calçado
se escreverà cõ ? t & bota, cousa que t? perdido seu vigor,
cõ dous tt, porque senã faz ? o o tanta impressã como ? bota,
calçado, cota, nota, devota &c. & espesso, que escreveremos
cõ e, ? o principio, & cõ dous ss, he porque ? s, entre duas vo-
gaes val por z como ? seu lugar dicemos.
pág. 244Regra VIII.
Que esta particula se,
junta aos verbos da ter-
ceira pessoa do singular
de qualquer tempo, faz
que signifiquem pasiva-
mente, ou impersoalmen-
te, por arrodeo, por falta
de palavras, de que a lin-
goa Hespanhola carece.
Porque em lugar de a-
matur, & amabatur im-
persoal, dizemos amase,
amavase; & em lugar de
amatur da voz passiva,
dizemos tambem amase
? lugar de he amado, co-
mo dizemos, a virtude a-
mase dos bons. A qual
particula se, devemos
screver separada, & por
? s, no que vulgarmente
os mais erraõ, & dizem,
digasse, façasse, passasse,
naõ attentando, que al-O mesmo he às tercey-
pessoas do plural, porque ?
lugar de amãtur, amabãtur, impessoaes, tamb? dizemos
amãose, amavãose, & que
se hajam estes, & outros taes
escrever cõ ? s, he cousa cla-ra, porque cõ dous ss, t? diver-
sa sinificaçã.
Nã posso deyxar de ac-
cusar este Autor ? as regras
de sua ortografia: porque re-prendendo tanto aos que se
querem mostrar Latinos, el-
le o faz cõ excesso, & tanto,
que vem a fallar barbaris-
mamente. Dizem os Lati-
nos personalis, personaliter,
elle tamb? personal, personal
mente, como se nós dicesse-
mos persona, & nã pessoa,
donde devemos dizer pessoal,
& pessoalmente. Dizem os
Latinos, postponimus, elle apág. 245
terão assi as silalbas na
quantidade, & mudaõ o
accento, & de duas di-
ções faz? huma, & cau-
são confusão no signifi-
cado: Poloque assi como
dizemos aquilo se ama
prepoendo o, se, assi he-
mos de dizer separada-
mente amase, quando o
postpoemos, & com h?
s, somente, como faz se,
diz se, navega se, ajunta
se, pode se, passe se.
sua imitaçã, postpoemos, for-
mando de mays a mays ? o ditongado cõ ? e, s? tõ, n? sõ
contra toda a boa pronuncia-
çã. & assi diz propoendo, ?
lugar de propondo, poemos,
? lugar de pomos, & cousas semelhantes Diz tamb? lin-
gua Espanhol, fazendo o ad-
jetivo Espanhol de uma sò
forma, & comm? de dous,
como se nã tivera a feminina Espanhola. O tocante aos
verbos passivos fica tratado
? seu lugar.Regra IX.
Resposta.Que não confunda-
mos esta particula, ou
preposição, de, cõ as di-
ções, a que se ajunta, que
começão em vogal. E
que aindaque o e, da
dicta particula, se haja de
elidir, & comer na pro-
nunciação, que se nãoAcerca disto temos jà
dito o que nos pareceo nece-
sario: màs torno advertir,
que a particula, ou preposi-
çã de, & as particulas no,
na, que são os articulos, o, a,
cõ a preposiçã em, & nã en,
como o Autor diz, por se cõ-
formar cõ o Latim, de quepág. 246
coma na scriptura, que he
cousa fea, &. barbara. Por-
que screvem vulgarm?-
te a cidade devora, an-
nel douro, homem dar-
mas, delle, della, tudo li-
gado, como se fosse h?a
diçã, havendo de dizer
a cidade de Evora, assi
como dizem de Roma,
anel de ouro, homem de
armas, de clle, de ella. E
ja que quizessem lógo
na scritura tirar o e, como
se tira na pronunciação,
façã como os Italianos,
& Francezes, que deno-
tão a detracção d‘aquella
vogal com hum apostro-
pho, como os Gregos
desta maneira, cidade d‘
Evora, anel d‘ouro, ho-
mem d‘armas, d‘elle, d‘el-
la, o que parece mui bem
& usaõ ja alguns Hespa-
nhoes curiosos das lin-
goas. O que tambem fa-nos manda desviar, se pode-
rã ajuntar cõ os pronomes
elle, esse, aquelle, &c. màs se
o de, nã demostrar o caso de genitivo, sempre se escreverà separado dos taes pronomes,
& inteyro, como se dicera-
mos; Francisco está cego
dos olhos de elle estar s?-
pre sobre os livros: &
semelhantes E tamb? no, na,
se se ouverem de refirir ao
articulo, como; No outro
tempo os omens preza-
vãose de fallar verdade.
Na ora, ? que naci, &c.
Sempre se porão separadas,
porque ali se entende a pre-
posiçã em, & o articulo o, ou
a; màs quãdo, no, na, servem
de proposiçãsomente, b? se po-
dem ajuntar sem o apostro-
fo, como, noutra ora, noutro tempo. E advirtase, que o
Autor em sua escritura ne-
nh?a destas regras guarda.
pág. 247zem nestas palavras, no, na, (que saõ a preposição
en, junta a articulo) quando as ajuntaõ a pronomes,
ou nomes começados em vogal, como n‘ste, n‘quelle
n‘quella, n‘ quelloutro, n‘utro, n‘algum, n‘um. Dos
quaes, direi no capitulo dos apostrophos.Regra X.
Resposta.
Que não usemos fal-
lando, ou screvendo in-
distinctamente destas
preposições, per, & por,A doutrina de toda esta
regra he boa, & a que sigui-
mos.
nem as confundamos, como fazem vulgarmente,
não fazendo differença de h?a a outra, sendo entresi
taõ diferentes, como no Latim saõ; per & pro, que
t? diferente significação, & pedem diverso caso. Assi
que quando quisermos dizer o meo, porque se faz
alg?a cousa, o hemos de significar, & screver, por e-
sta preposição per, & não por esta, por, como he
quando dizemos, eu vos mostrarei isto per rasões evi-
dentes; Este livro he composto per tal author: & tudo
o mais que os Latinos dizem per a dita preposição.
Màs o nosso por, poemos em lugar do pro, dos
Latinos, como quando dizemos; Eu vos tenho
por amigo; este lugar está por ElRey; trocaime este
livro por outro. O que não se sofria dizer assi; te-
nhovos per amigo; este lugar está per ElRey; trocai-
pág. 248me este livro per outro. E aas vezes se poem a mes-
ma preposição em lugar de propter; como nestes
exemplos; Por a tempestade que vai, não navego:
fazei isto por hum vosso amigo. Postoque quando se
poem na dita significação polla maior parte se lhe
ajunta esta palavra amor, ou causa. Porque dizemos;
Poramor das neves nã passo os Alpes: & poramor
dos Turcos não passo o mar. As quaes palavras amor,
ou causa, nã servem de mays que de esplicar a signi-
ficaçã da dicta preposição. Porque não te? a lingoa
Portugueza voz que responda a propter, & por isso
usão d‘aquelle rodeo E a mesma ordem se deve guar-
dar no uso das mesmas preposições juntas aos arti-
culos o, a, quando por bom soido mudamos o r, em
1, dizendo, polo amor de Deos, pola honra, pelo ca-
minho, pela terra; porque do per, vem pelo, pela, & do
por, polo, pola, & a conjunção poloque, que dizemos
por a Latina, quapropter. De que se colige tambem,
que se devem de screver per hum soo l, que sucede
em lugar do r.Regra XI.
Resposta.
Que tiremos outro a-
buso, de poer a letra p.
entre m, & n como alg?s
maos Hespanhoes, & pio-Nã poem o nosso Autor
o p, entre m, & n, màs poem
m, antes de n, que he tamb?
muyto grande erro; porquepág. 249
res Latinos fazião, que
screviaõ sompno, dap-
no, solempnidade, &
aas vezes antes de v, con-
soante, como scripvão,
screpver, & peor ainda
que isto dizião, sprivão,
sprever.
devemos escrever sono, dano,
& nã somno, dãno, como fa-
zem os Latinos. E soleni-
dade, os Latinos o escrevem
cõ dous nn, & nã cõ m, antes
do n, como elle faz; màs
scripvã, screpver, nã sey quem
seja tã barbaro, que o faça,
& menos sprivã, sprever,
que he mayor disparate.Regra XII.
Resposta.
Que dedusamos a me-
lhor scriptura muitas di-
ções, que sendo Latinas,
& stando incorruptas em
muitas syllabas, & algu-
mas em todas, tirada a da
terminação, lhe tiramos
suas letras, como saõ e-
stas; calidade, cantidade,
contia, nunca, cinco, ca,
acolá, como adverbio
interrogativo, havendoEm o capitulo 26. digo
a semelhança, que o c, t? cõ o
que, & como os antigos es-
creviam ? por outro: pola
qual rasã S. Isidro lib. 1. cap.
27. diz. c. & q. similiter
cognatio est: & assi dire-
mos calidade, cantidade, con-
tia, nunca, cinco, ca, aco-
la, como.
de dizer qualidade, quãtidade, quantia, nunqua, cin-
quo, qua, aquolá, quomo.pág. 250
Regra XIII.
Resposta.
Que nunca dobremos
a primeira letra de algu-
ma diçã, porque a nenhu-
ma vogal, n? consoante,
podem perceber duas le-
tras semelhantes, porque
a primeira não teeria vo-
gal, que ferir, nem letra, a
que se ajuntar, o que naõ
póde ser, & pela mesma
rasão, não dobraremos a
letra final de alguma pa-
lavra: porque a ultima
naõ teria vogal, a que fos-
se atada, assi que errão
os que screvem, llouren-
ço, rrei, & Elrrey, quall,
nill, & outros assi.
Mays facilmente; nunca
dobraremos a primeyra le-
tra, n? a final, o que se deve
guardar não so ? as consoan-
tes, màs tamb? ? as vogaes,
assi nã escreveremos arr, maa
paa, vee, see, fee, lij, vij, corrij
noo, loo, poo, nuu, cruu, muu,
màs ar, ma, pa, ve, se, fe, li, vi,
li, corri, no, so, po, nu, cru, mu,
&c.
Regra XIV.Resposta.
Que por abreviar a
scriptura, não screvere-
mos per notas numeraes,A doutrina desta regra he
verdadeyra, & nã se me o-
ferece, que advertir acerca
della.pág. 251
ou de algarismo as palavras, que não denotam nu-
mero, como fazem alguns por ignorancia da lingoa
Latina, & da propriedade, & natureza das palavras,
guiadas do som dellas, & não da significação. Por-
que dizem; Não vos vades, sem 1º. fallar comigo. E
por dizerem, segundo Platam, dizem 2º. Platam. E
por dizerem; eu serei neste negocio bom terceiro,
screvem 3º. o que he grande erro, & fealdade da scrip-
tura. Porque ali a palavra primeiro, he adverbio,
que signfica antes; & a palavra segundo he preposi-
çã, que quer dizer acerca; & a palavra terceiro he no-
me que quer dizer intrecessor, & medianeiro. Polo-
que fica claro, que naõ denotando numero não se
pódem screver com cifras, ou notas numeraes.Regra XV.
Resposta.
Que guardemos a a-
nalogia, & ordem nos vo-
cabulos dirivados, & que
não variemos nelles. Por-
que dizem muitos, rin-
deiro, vindeiro, vistido,
naõ respeitando os pri-
mitivos, porque se renda
se screve cõ e, necessaria-
mente, se ha de screver
Esta regra da analogia,
n? sempre he certa; porque
de prender (ainda que tam-
b? dizemos prendado) nã
dizemos prendido, màs
prezo, presa, n? presã, mas
prizã: nem de fazer, dire-
mos fazedor, màs feytor
feytura, feyto. Do verbo di-
go, não, dizemos diges, diga-pág. 252
assi rendeiro, que he seu
dirivado. E se dizemos
veste, & vestimenta, assi
vestir, & vestido, & assi
de venda, vendeiro. E co-
mo dizemos pelle, tamb?
diremos pelliteiro, & pel-
lica, & não pillica, nem
pilliteiro. E assi como di-
zemos pomo, diremos
pomar, & não pumar, co-
mo muitos dizem. E de
gemer, diremos gemido,
& não gimido. E como
dizemos pedir de peço,
diremos petição, & não
pitiçã, pedinte, & não pi-
dinte. E de ferir, diremos,
ferimento & ferida, naõ
firimento, & firida. E de
mealha, diremos mea-
lheiro, & não mialheiro.
E de meço, medes, medi-
da, & não midida. E de
mento, mentes, mentira,
& não mintira: postoque
tambem digamos min-
to, men tes.
dura, màs dizer, dito: alguns barbaramente ? o futuro di-
dizem digarey. Do verbo
pedir, se muda ? ? antigo
quando verdadeyro proverbio
o pe, ? pi; & he, se queres ter
imigo, empresta o teu, & pi-
deo. Mealha, donde o Au-
tor diriva mealheyro nã sey
que seja ? Portuguez Tam-
bem de pilas nã dizemos pi-
lo, màs pelo: Mento he vo-
cabulo antigo, & agora u-
sado so dos rusticos: màs di-
zemos minto, & na segun-
da pessoa, mentes, donde m?-
tira; & nã he elle so o verbo
que tem esta variedade, por-
que dizemos digo, dizes, fa-
ço, fazes, posso, podes, peço, pedes, &c.
pág. 253
Regra XVI.Resposta.
Que tenhamos gran-
de tento nos vocabulos,
em que entra ç. s. & z.
Porque a mais da genteTem muyta razã, por-
que he esta uma cousa, ? que poucos acertam.
& não soo a vulgar, se engana na scriptura, conf?dindo
estas letras, & poendo humas por outras, sem distin-
çã, sendo ellas differentes, & distantes na pronuncia-çã, & natureza, assi como
o saõ na figura. Das quaes
letras que se póde reduzir
a regra he isto: que cõ ç.
se screvem todos os no-
Nem ha outro meyo para
se saber a escritura dos
taes nomes.
mes verbaes corruptos dos Latinos em itio, de qual-
quer conjunçaõ que sejaõ dirivados, como oraçaõ
de oratio, geraçaõ de generatio, lição, de lectio: tiran-
do razão de ratio, que dizemos aa differ?ça de ra-
çã, por porção.
Item todos nomes cujos Latinos se acabam em
tium, como, serviço, de servitium, negocio, negotium,
exercicio, de exercitium. Poroque naõ diraõ negotio,
nem exercitio. Porque como dixe da letra c. he pro-
nunciaçaõ m?i alhea. Nem menos diremos, offitio,
como alguns querendo ser mais Latinos do que he
necessario, dizem. Porque os Latinos não dizem of-pág. 254
fitium, senaõ officium, por vir de facio, assi como tã-
bem dizem judicium de judico, que corrompemos,
& mudamos em juizo.
Item screveremos per c. os vocabulos acabados a-
cerca dos Latinos em tia, que saõ os nomes, que a-
charaõ denominados, como prudencia, de prudentia,
paciencia, de patientia; ciencia de scientia. Porque a
nossa lingua naõ admite nelles a pronuciaçaõ Lati-
na, que n? o he, a que lhe nós damos vulgarmente.
Poloque os hemos de screver, como os pronuncia-
mos. O que se vee em alguns, a que tiramos o i, per
syncopa, que necessariamente ficão ? c. como, justiça,
de justitia, sentença, de sententia. E pela mesma ana-
logia, couvença, differença, nacença.
Item os verbos dirivados dos ditos nomes deno-
minados acabados em ça, como de sentença, senten-ciar, de justiça, justiçar,
de preguiça espreguiçar,
de cobiça, cobiçar.
Diremos cubiça, & nã,
cobiça, porque vem de cu-
pido, & assi cubiçar de cu-
pere.
Item todos nomes di-
rivados de outros ainda
que meros Portuguezes
desta figura, confiança,
mudança, possança, bo-
nança, abastança, &c.
Da mesma classe saõ a-
bastança, abonança, aliança,
balança, criança, dança, fian-
ça, folgança, matança, pri-
vança, &c.
pág. 255
Item todos os verbos com toda sua inflexão de t?-
pos módos, & pessoas, cujas primeiras pessoas do
prezente do indicativo se acabaõ em iço, como es-
preguiço, espriguiçar, esperdiço, esperdiçar, enfeiti-
ço, enfeitiçar.
Item todos nomes acabados da mesma maneira,
que por a maior parte significão abundancia, ou fre-
quencia, como chovediço, fregidiço, feitiço, castiço,
metidiço, mociço, dobradiço, agastadiço, novi-
ço, &c.
Item todos verbos desta figura, prevaleço, preva-
lecer, basteço, basteçer, appareço apparecer, & assi cõ-
feço, stabeleço, emmagreço, E assi mesmo os nomes,
que delles descendem, como conhecimento, sobsta-
belicimento.
Item se screvem per c. todos nomes que acerca dos
Castelhanos se acabaõ ? zo, ou za, que sinificão grã-
dura, ou abundancia, que saõ contrarios na significa-
çaõ aos diminuitivos, como bragantaço, cavalhaço,
porcaço, negraço, gordaço, gordaça, &c.
E todos nomes, que os Castelhanos acabão na
dita terminação zo, ou za, ainda que não tenhão a-
quella significação augmentativa; como laço, agra-ço, inchaço, chumaço,
aço, couraça, &c.
Os Castelhanos nã di-
zem agrazo, màs agraz, n?
azo, màs acero, &c.pág. 256
Item os nomes desta
figura, ladroice, truanice,
bebedice, sandice, velhice
meminice, parvoice, gar-
ridice, &c.
Diremos miminice, & nã
meninice, porque vem de mi-
nimus.
Per s, se screveraõ aquelles, cujos Latinos tem s.
poloque de mensa diremos mensa, & não meza. E de
casa, não diremos caza. E assi screveremos os diriva-
dos delles, como casal, caseiro, casamento; & não ca-
zal, n? cazamento. E se dizemos divisio, não dire-
mos divizao, & de defensio, não diremos defeza, nem
prezente, por presente. Poloque nos fique por regra,
que todo nome verbal, que acerca dos Latinos se
acaba em sio, mudemos ? saõ, & digamos de divisio
divisaõ, de conclusio conclusam, de pensio, pensaõ;
& todos os mais pola mesma maneira, tirando pai-
xaõ, que dizemos de passio.
Per z se screverão aquelles, de que atraz fizemos
menção no titulo da letra Z.
Regra XVII.
Resposta.
Que todo nome pro-
prio de homem ou mu-
lher, se screva cõ a pri-
meira letra grande, & ca-
pital, como Lourenço,Assi he na verdade, &
contra esta doutrina, nenhu-
ma cousa se podera dizer cõ
justiça, & rasã.pág. 257
Antonio, Duarte, Maria, Ambrozia. E assi os cogno-
mes, ou appellidos, ainda que em outra maneira se-
jão appellativos, ou cõmuns; como Sylva, Pereira,
Carvalho, Lobo, Raposo, Gama; para cõ a dicta ma-
neira d‘screver se tirar duvida, que aas vezes incide
de quando saõ appellativos, ou proprios.
Item todos nomes de Provincias, como Portu-
gal, Algarve, França, Alemanha, India. E de cidades;
Evora, Lisboa, Coimbra E os nomes das gentes, que
das provincias, ou cidades se dirivão; como Portu-
guez, Arabio, Lisbonez, Coimbraõ.
Item os nomes de montes, como Sion, Olympo,
Tauro, Etna.
E de rios; como: Tejo, Guadiana, Danubio, Euphra-
tes.
E de fontes; como: Arethusa, Castallia.
E de mezes, como; Ianeiro, Março, Maio, No-
vembro.
E de Deoses da gentilidade; como Iupiter, Nep-
tuno, Venus Diana.
Finalmente todo o no-
me, que não póde com-
petir senão a h?a só pes-
soa, ou cousa.
Item se screve cõ letra
capital & grande todo
principio de leitura, &Assi os nomes de Anjos,
como Miguel, Gabriel, Ra-
fael. E de Demonios, como Belsebu, Asmodeu.
E os nomes de Furias, co-
mo Alecto, Tesifone, &
Megera: de sirenas emfim,
& de naos.
pág. 258
qualquer clausula, que se siga despois de acabar
outra clausula precedente em ponto final, ou inter-
rogativo, ou admirativo, como se veraa nos exem-
plos, que poremos, quando tractarmos dos pontos
das clausulas.
Item se screve cõ letra Capital, o que vai despois
do coma, quando se muda de h?a sentença a outra,
como, Dicam Deo; Noli me condemnare. Direi a Deos;
nao me queirais condenar. Ou quando se passa de
h?a pessoa a ou ra, como; Dixit autem quidam; Ecce
mater tua; dixe então h? certo homem: Eisaqui vossa
mãi.
E em meo de alg?a dição, se nã poeraa letra ma-uscula, que seria feo dizer,
IoAm, LouRenço, AnRi-
que.
Cousa he, que muitos bar-baramente fazem.
Regra XIIX.Resposta.
Que em a scriptura
não liguemos h?as letras
a outras, & muito menosTem muyta raçã ? tudo
quanto nesta regra diz.
h?a dição a outra, como faz? geralmente scrivães,
por razão de cõ huma penada fazer? muitas letras,
& em pouco spaço mais scriptura, respectando mais
ao seu proveito, que ao dos leitores. Porque da tal
ligatura nasce confuzão, & obscuridade ainda em le-pág. 259
tra de boa mão o que se tira per descrição. Porque
por causa das ligaturas, não se pódem formar as le-
tras perfectamente. De que v? que per discurso de t?-
po, ou de se costumarem outras ligaturas, ou se não
costumar?, se não leerão muitas scripturas. No que
devemos imitar nossos passados, cujas scripturas an-
tiquissimas, por não screverem ligado, leemos sem
nenh?a difficuldade, o que nossos posteros não farão
das nossas. Outro inconueniente se segue das ligatu-
ras, que por causa dellas nenh? estrangeiro pode
leer, n? entendeer nossas cousas. O que não fora se as
letras forão soltas, porque os characteres, & figuras,
de nossas letras puros em si, saõ cõmuns a todas na-
ções, que usão do alphabeto Latino. Achegase a isto
que toda letra solta & desapegada por maa que seja
representa o sentido de qu? a vee, & faz conceber o
que nella se contem, & por maa que seja se lee s? di-
ficuldade E pelo contrario sendo ligada, ainda que
boa letra seja, se lee cõ trabalho, & muitas vezes se não
entende.
Do que quiz fazer regra de ortografia não o sen-
do, por o trabalho, que scrivães dão, a quem lee seus
processos, que por cobiça de pouco ganho, muitas
vezes offuscão a justiça das partes; & porque meu
intento he ser este tractado hum preludio da arte, &
instrução dos notarios, que despois delle espero logo
divulgar.pág. 260
Regra XIX.Resposta.
Que não confunda-
mos, n? misturemos asDiz muytas vezes bem.
figuras numeraes da conta Romana, cõ a Arabia,
como faz? alguns, que por dizer? XXV. XXVI.
XXVII. XXVIII. screv? XX5. XX6. XX7. XX8. que
he cousa fea, & nojenta, para qu? entende; n? co-
mecemos a conta em figura, & acabemos em letra,
màs toda a conta screvamos junta, ou por palavras,
ou per notas numeraes, & digamos: Anno de mil &
quinhentos, & setenta & seis; ou anno de 1576. & naõ
anno de mil & quinhentos & 76. n? anno de 1500; &
setenta & seis, que outro si he cousa fea, & despropo-
sitada.Regra XX.
Resposta.
A ultima regra, que na
l?brãça deve ser a primei-
ra, seja, que trabalhemos
sempre por investigar a
origem dos vocabulos,
porque pela etymologia
delles se sabe a ortogra-
phia, & pela boa orto-Tamb? acerca desta regra
nã tenho, que advertir, & as-
si concluo cõ dizer, que se nã
imite de nenh?a meneyra a ortografia deste Autor ? es-
crever c. antes do t como tra-
cto, docto, doctor, doctrina, pe-
cto, pectoral prefecto, contra-pág. 261
graphia a etymologia. E
esta he a fonte, & a rayz
de fallarmos, & screver-
mos bem, & propriam?-
te, ou mal. Porque de as
palavras andarem tiradas
de seu curso, & scriptura,
he não se saber a origem
& propriedade dellas: &
de não sabermos a ori-
gem, vem andarem mui-
tas taõ mal scriptas, que
por starem tão mal rece-
bidas do vulgo, não pod?
ter emmenda.
Esta palavra mempo-
steyro, facilmente caireis
no que quer dizer, &cto & outros. N? p. antes
do mesmo t como precepto, preceptor, n? começar nome,
ou verbo algum per sc sp. st.
como, scripto, spirito, stado; n?
tampouco dobremos como el-
le faz as vogaes ? teer, veer,
leer, geeral, soo, soom?te, fee,
& outros taes; n? digamos;
dixe dixera, &c. màs dice,
dicera; n? digamos poemos, postpoemos; màs pomos, pos-
pomos, n? escrevamos Oeno-
ne, Oedipo, Ælio, màs E-
none, Edipo, Elio, como ? ou-
tros lugares deyxamos ad-
vertido.donde se diriva, que he hom? posto da mão de algu?,
para algum negocio, na forma, que dizemos manteu-
do, o que sta teudo, & alimentado da mão d‘alguem.
E assi sabendo que ferropea v? de ferro, & de pea,
direis ferropea cõ e, & não cõ a. como quem sabe
donde se diriva E qu? soubera que manto bernio;
queria dizer, manto de Hybernia, Ilha, aqu? per ou-
tro nome chamão Irlanda, onde se fazem; como Pa-
ris, Ruão, Holanda, por outros panos, dixera, hyber-pág. 262
& não Bernio, que não he menos groceira, que se
dixessemos; Taliano por Italiano; Elemão por Ale-
mão, o que não se sofre. Porque ? nomes proprios,
ou dirivados delles, não póde haver mais corrupção
que na terminação final. Ao que não obsta dizer
que isso he o efecto da corrupção das lingoas, & que
assi he ? todos os mays vocabulos, em que se mudaõ
humas letras em outras, & se accrecentão & diminu?.
Porque huma cousa he a corrupção, que se faz por a
propriedade da lingua, a que traspassamos os vocabu-
los & porque corrõpemos humas letras ? outras suas
af?s, outra he, a que se faz por a ignorancia da orig?
dellas, que he corrupção, que as orelhas de hom?s
polidos, & de bom entendimento não admit?, como
he dizer enxucução; por execução, socresto, por se-
questro; rendição de cativos, por redenção, alicornio
por unicornio, sorodio, por serodio, & outros infindos
vocabulos, que muita gente pronuncia, & screve mal,
põr naõ saber a origem delles, s? a qual he imposivel
screver certo, n? fallar proprio. Assi que ainda que
da vulgar gente vejamos, que stá recebido screverem
se d‘outra maneira, como não devem sem medo; &
por m?posteiro, digamos mamposteiro, por sorodio,
serodio, & por bernio, Hybernio, que o uso tudo v?
abrandar, & fazer corrente, & natural. E revendique-
mos, & restituamos a seu lugar os vocabulos; & fa-
çamos costume do que cõsiste em rasão, & analogia.
pág. 263
Porque em nenhuma cousa pode mais o costume,
que na ortographia, & nas palavras, que se mudaõ, &
variaõ como as moedas. Sipiaõ Africano (segundo
Quintiliano screve) de vorto, vortex, & vorsus, come-
çou a screver verto, vertex, & versus, & assi fficou em
uso. Caio Cesar de optumus, & maxumus, que então
diziaõ, screveo optimus & maximus, que nos durão
até gora. Por magister dizião os antigos magester, por
liber, leber; por nutrix, notrex; por Hecuba, Hecoba;
& por sibi diziam sibe. & por quasi, quase, & outros
infindos, que se mudarão cõ o tempo em outra ma-
neira de screver. E de des diphtongos, que os Latinos
tinhão se foraõ esquecendo os quatro. E assi vemos
na lingoa Portugueza, per quam diferente maneira
se screve agora do que se escrevia & pronunciava no
t?po antigo até ElRey Dom Ioaõ o Primeiro, que
parece outra differente lingoagem. E mui facilmen-
te (para tornarmos ao proposito, que comecei) se al-
cançaraa a origem dos vocabulos (mormente por os
que a lingoa Latina souberem) se considerarmos as
letras, que se convertem em outras, como acima vos
mostrei.pág. 264
ADVERTENCIAS,
EM ORDEM A EMMENDAR,
& melhorar as palavras, que a inorancia
do vulgo t? corrutas.
Erradas.Emmendadas.
ABayxar.
Acipreste dinidade
Acipreste, arvore.
Acupar.
Adaiam.
Agabar.
Agardecer.
Agoa.
Aguudo.
Aguulha.
Alinterna.
Alcorcovado.
Alheo.
Alicornio.
Alifante.
Abaxar.
Arcipreste.
Cipreste.
Ocupar.
Deã ou Dayã.
Gabar.
Agradecer.
Agua.
Agudo.
Agulha.
Lanterna.
Corcovado.
Alheyo.
Vnicornio.
Elefante.
pág. 265Almario.
Almoço.
Almazona.
Alvidrar.
Alvidro.
Amparar.
Amparo.
Antre.
Apoupar.
Arrebentar.
Arrecadar.
Arrecear.
Arrecuar.
Arredar.
Arrefecer.
Arremangar.
Arrematar.
Arrepender.
Arresoar.
Astrolomia.
Atromentar.
Avaluar.
Avaluaçã.
Avangelho.
Avoar.
Auto, por conveniente.
Bayxo.
Armario.
Almorço.
Amasona.
Arbitrar.
Arbitrio.
Emparar.
Emparo.
Entre.
Poupar.
Rebentar.
Recadar.
Recear.
Recuar.
Redar.
Refecer.
Remangar.
Rematar
Repender.
Rasoar.
Astronomia.
Atormentar.
Avaliar.
Avaliaçã.
Evangelho.
Voar.
Apto.
Baxo.pág. 266
Barrer.
Bernio.
Bisconde.
Bitalha, bitualha.
Boutiçar.
Boutiço.
Cançar.
Cançaço.
Caronica.
Caronista, ou coronista.
Chançarel.
Cheo.
Chusma da galé.
Cileyro.
Cinquo.
Coadrar.
Collector.
Compeçar.
Compeço.
Comiçou.
Coella.
Concrudir.
Conselho, por pôvo.
Conselho, que se da.
Consirar.
Consiraçã.
Coresma.
Varrer.
Hybernio.
Visconde.
Vitualha.
Bautizar.
Bautismo.
Cansar.
Cansaço.
Cronica.
Cronista.
Chãceler.
Cheyo
Churma.
Celleiro.
Cinco.
Quadrar.
Coleytor.
Começar.
Começo.
Começou.
Com ella.
Concluir.
Concelho.
Conselho.
Considerar.
Consideraçã.
Quaresma.pág. 267
Couza.
Crerigo.
Crelesia.
Cunho de moeda.
Custume.
Dedo meminho.
Des?vergonhado.
Desdeque.
Des.
Dezcansar.
Devino.
Deus.
Digarey.
Dinoite.
Diques.
Disforme.
Dispor o senhor.
Disposto.
Docto.
Doctor.
Doctrina.
Effecto.
Ensima.
Emprovecer.
Enfatiosi.
Enfatiota.
Enlhear.
Cousa.
Clerigo.
Clerisia.
Crunho.
Costume.
Dedo minimo.
Desavergonhado.
Desque.
Dez.
Descançar.
Divino.
Deos.
Direy.
Denoute.
Adiques.
Deforme.
Expor.
Exposto.
Douto.
Doutor.
Doutrina.
Efeyto.
Encima.
Empobrecer.
Enfiteusi.
Enfiteuta.
Alhear.
pág. 268Enteado.
Entonces.
Entupir.
Enxemplo.
Enxerca.
Enxecuçam.
Enxecutar.
Era, erva.
Elrey.
Escadea, de subir.
Esprimentar.
Esprital.
Estiba.
Estibar.
Estranjeiro.
Estromento.
Estrever.
Estribuidor.
Estribuiçam.
Farnasia.
Farnetego.
Farropea.
Filosonomia.
Fogir.
Freima.
Frol.
Frolido.
Enteado.
Entã.
Atupir.
Exemplo.
Enxerga.
Execuçã.
Executar.
Hera.
ElRey.
Escada.
Experimentar.
Ospital.
Estima.
Estimar.
Estrangeyro.
Instrumento.
Atrever.
Destribuidor.
Destribuiçã.
Frenesia.
Frenetico.
Ferropea.
Fisionomia.
Fugir.
Fleyma.
Flor.
Florido.pág. 269
Fugareyro.
Garça.
Gimer.
Gimido.
Gusano.
Hirege.
Ho, articulo.
Iezmim.
Ihesu.
Increo.
Ingenho.
Isgreja.
Intrelocutoria.
Ioiz, ou Iois.
Magestade.
Mancipado.
Mancipar.
Manicordio.
Maninconizado.
Mãi.
Memposteiro.
Menagem.
Menhan.
Mercadoria.
Meo.
Meudesa.
M?za.
Fogareyro.
Graça.
Gemer.
Gemido.
Busano.
Herege.
O.
Iasm?.
Iesu.
Incredulo.
Engenho.
Igreja.
Interlocutoria.
Iuiz.
Majestade.
Emancipado.
Emancipar.
Monocordio.
Melanconizado.
Mãy.
Mamposteyro.
Omenagem.
Manhan.
Mercadoria.
Meyo.
Miudeza.
Mesa.pág. 270
Milam.
Mialheiro.
Milhor.
Milhoria.
Monipodio.
Molher.
Negrigente.
Negrigencia.
Nunqua.
Obscuro.
Obscurecer.
Obscuridam.
Obsequias.
Oucioso.
Ouficio.
Onjem.
Paviola.
Piciçã, ou percissã.
Pinsamento.
Pidir.
Pitiçã.
Pidinte.
Picado.
Pera, preposiçã.
Perluxidade.
Pessuir.
Pirolas.
Melã.
Mealheyro.
Melhor.
Melhoria.
Monopolio.
Mulher.
Negligente.
Negligencia.
Nunca.
Escuro.
Escurecer.
Escuridã.
Exequias.
Ocioso.
Oficio.
Origem.
Padiola.
Procissã.
Pensamento.
Pedir.
Petiçã.
Pedinte.
Pecado.
Para.
Proluxidade.
Possuir.
Piloras, ou pilulas.
pág. 271Praceiro.
Precurador.
Precuraçã.
Pregunta.
Preguntar.
Primatica.
Priol.
Prifeito.
Proluxo.
Prometor.
Prove.
Proveza.
Pruvico.
Pruvicar.
Pumar.
Qua.
Qualidade.
Quantidade.
Quomo.
Rabiscar.
Rector.
Reima.
Rendiçã.
Resido.
Reveria.
Resam.
Rindeiro.
Parceyro.
Procurador.
Procuraçã.
Pergunta.
Perguntar.
Prematica.
Prior.
Perfeyto
Prolixo
Promotor.
Pobre.
Pobreza.
Publico.
Publicar.
Pomar.
Ca.
Calidade.
Cantidade
Como.
Rabuscar.
Reytor.
Reuma.
Redençã.
Residuo.
Revelia.
Rasã.
Rendeyro.pág. 272
Rodeo.
Rolaçam.
Rossio.
Sambixuga.
Samos.
Socresto.
Sohido.
Solemne.
Solorgiam.
Solergia.
Somana.
Sorodio.
Soprir.
Sospeyçam.
Sospeyto.
Spuma.
Star.
Stado.
Taballiam.
Teyma do pregador.
Theor.
Testemunho.
Theudo, mãteudo
Tirceiro.
Tisouro.
Totor.
Totoria.
Rodeyo,
Relaçã.
Ressio.
Sanguixuga.
Somos.
Sequestro.
Soido.
Solene.
Cirurgiã.
Cirurgia.
Semana.
Serodio.
Suprir.
Suspeyçã.
Suspeyto.
Escuma.
Estar.
Estado.
Tabelliã.
Tema.
Teor.
Testimunho.
Teudo.
Terceyro.
Tesouro.
Tutor.
Tutoria.pág. 273
Trelado.
Tribulo.
Trez.
Tromento.
Veador.
Videas.
Veya.
Vindeira.
Vinder.
Viram.
Vistir.
Visorei.
Traslado.
Turibulo.
Tres.
Tormento.
Vedor, & vereador.
Vides.
Vea.
Vendeyra.
Vender.
Verã.
Vestir.
Vicerey.Vocabulos que escrevendose cõ diferentes
letras, t? diferente sinificaçã.ABraço, cõ os braços
Acamar, o pã.
Aço ferro fino.
Acoutar, ir ao couto.
Acude, verbo.
Amegoas, marisco.
Assas a carne, verbo.
Barca, que navega.
Braça, medida.
Caçar, aves.
Caça, de aves.
Cayado, branqueado.
Abraso, ? fogo.
Açamar os porcos, &c.
Asso a carne, &c.
Açoutar.
Açude de moinho.
Ameixas, fruyto.
Assaz, adverbio.
Barça, vaso de palha.
Brasa, carvã aceso.
Casar tomar mulher.
Casa ? que abitamos.
Cajado de pastor
pág. 274Cal, branca.
Canto, cantiga, canto,
esquina.
Ce, adverbio de chamar.
Ceda, de cavalo, ou porco
Cegar, perder a vista.
Cella, de Religioso.
Celeyro de trigo.
Ceo, como.
Cerrar cõ fecho.
Cerra, idest fecha.
Cervo, veado.
Cesta, vaso de vimes.
Cevo, dou de comer.
Cinto, que finge.
Concelho ajuntamento
do povo.
Coço o pano cõ agulha.
Empoçar, meter no poço
Era, verbo sustantivo, ou
era dos annos.
Força, fortaleza,
Forçado, q? padece força.
Franca, liberal.
Incerto, duvidoso.
Laço, armadilha, ou prisã
Liço, do tear.
Qual omem?
Quanto, nome relativo.
Se, particula cõdicional.
Seda, que vestimos
Segar o pam
Sella de cavallo
Selleiro que faz sellas
Seo de Abrahã
Serrar cõ serra
Serra, instrum?to cõ queServo escravo [serrã
Sesta, tempo meridiano
Sevo, grossura
Sinto, tenho sentimento
Conselho aviso de sa-
bios
Coso a carne ao fogo
Empossar, tomar posse
Hera erva
Forca de ladroens
Forcado pao de duas põ-França, Provincia (tas
Inserto, inxirido
Lasso, froxo
Liso, s? aspereza
pág. 275Louça, de barro
Maça de ferro, ou pao
Meça, por medir
Moça que serve
Ouço, o que falla
Paço, caza real
Parceyro, companheyro
Passo, ando
Peço, rogo
Poço de agua
Preço, valor da cousa
Queyjada, de queyjo
Queyjo, de leyte
Queyjar, fazer queyjos
Raça, casta
Raçã, quinha, porçã
Recio, campo largo
Roça, de mato
Roido, de ratos, ou traça
Vaso, de prata
Xabregas
Louça, armadilha
Massa de farinha
Mesa aonde comemos
Mosa da espada
Ouso, atrevome
Passo, medida de cincoPraceyro, de praça [pes
Passo, o gado
Pezo cõ balanças
Posso, tenho poder
Preso, na cadea
Queyxada, parte do rosto
Queyxo, da cabeça
Queyxar, fazer queyxa
Rasa, chan
Rasã, causa
Rossio, orvalho
Rosa, flor
Roido, de agua
Vaso, ou torno
Assi introduzio este no-
me certo autor moder-no, mas Ioã de Barros, Diogo do Couto, Pedro de
Maris, & finalmente todos nossos escritores, que del-
le faam, dizem Enxobregas.pág. 276
Vocabulos, que escritos cõ letra singella
sinificam de huma maneyra, & cõ
dobrada de outra.BOta, de calçar
Botar, lançar
Capa, os boys
Caro, que custa muyto
Caso, acontecimento, ou
caso cõ minha mulher
Cera, de mel
Cometa, estrella
Coro, de Igreja
Encerar, untar cõ cera
Fero, cruel
Fóra, ou fôra adverbio
& verbo
Foro, tributo
Mascara, figura
Meses, do anno
Moleyra, do muinho
Molinhar, moer
Peco, nescio
Pena, castigo
Pero, pomo
Presa, que está ? prisã
Botta, de vinho
Bottar, perder cor, ou agu-Cappa, vestido (deza
Carro de Boys
Casto, vã, baldado
Cerra, fecha, verbo
Cometta, verbo
Corro, de touros
Encerrar, fechar
Ferro, metal
Forra, livre
Forro, livre
Mascarra
Messes do campo
Molleyra da cabeça
Molinhar chover miudo
Pecco, faço peccados
Penna de aves
Perro, cã (lho
Pressa, presteza, ou traba-pág. 277
Saca, tirada para fóra
Serã, tempo da tarde
Velo, tu o ves
Velar de noute
Vso, costumeSacca, saco grande
Serrã, cousa de cerra
Vello de lan
Vellar a fruyta, &c.
Vsso, animal
Vocabulos, que cõ diversos acentos sinificam
de diversa maneyra.
ACérto, dou ao fito
Amára, preterito
Avó, mãy de meu pay,
ou mãy
Bèsta. animal
Ceo, impireo
Cór, vontade
Corte, quintal
Gósto, verbo
Mólho de chaves
Pégada
Pégo, do rio, ou mar
Pézo, cõ a balãça
Pézame, carga
Póde, de presente
Soldo, concertoAcerto, caso
Amará futuro
Avô, pay de meu pay
ou mãy
Besta arma
Ceo, como á noute
Côr, por color
Côrte del Rey
Gôsto nome
Môlho de coelho
Pêgada
Pêgo, ave
Pêso cõ que pesam
Pêsame, tenho pesar
Pôde, de preterito
Soldo, estipendio
pág. 278
Ha outros muytos nomes, ? que nã ha ra-
sã de se dobrar letra, nem por este,
ou aquelle acento, como são.
BArata, de pouco preço
Copo de beber.
Pega, ave
Quinta nome numeral
Revellar, descobrir
Sayo de vestir
Soldo moeda
Barata, bicho
Copo, de lan
Pega, de boy
Quinta, casal
Revellar, resistir
Sayo, verbo
Soldo, estipendio
Os quaes, & outros semelhantes, que nã pódem
ocorrer todos, se conheceraõ pello sentido da oraçã,
que de outro módo he cousa impossivel.
pág. 279

