Ortografia da Lingva Portvgueza

    • Título
    • Ortografia da Lingva Portvgueza
    • Subprojeto

    • Corpus Ortográfico do Português

    • Tecnologia

    • Tratado Metaortográfico

    • Língua Objeto
    • Português
    • Metalinguagem
    • Português
    • Autor
    • Barreto, João Franco (1600-pós-1672)
    • Biografia sucinta do autor
    • Nasceu em Lisboa em 1600. Estudou no Colégio de Santo Antão onde foi aluno de Francisco de Macedo. Enveredou pela carreira militar tendo combatido contra os Holandeses na Baía. De regresso a Portugal, abandonou o percurso militar e dedicou-se ao mundo académico tendo estudado Direito Canónico na Universidade de Coimbra. Foi próximo de Francisco de Melo, Monteiro-Mor do reino, uma vez que para além de ter sido mestre dos filhos deste, foi também seu secretário e nesta qualidade integrou a embaixada enviada a França por D João IV. Uma vez regressado desta missão abraçou a vida religiosa, depois de ficar viúvo de um casamento que lhe trouxera um filho e uma filha, ordenando-se presbítero, tendo sido nomeado vigário do Barreiro em 1648. Produziu obras de cariz histórico, político, religioso e literário, em particular no campo da poesia, tendo traduzido a Eneida de Virgílio. Também a ortografia foi uma das áreas de estudo de Barreto, tendo, assim, publicado, em 1671, a sua Orthographia da Lingua Portuguesa. Desconhece-se a data de falecimento, mas terá ocorrido após 1672.
    • Editor
    • -
    • Biografia sucinta do editor
    • -
    • Tipo de documento
    • Impresso
    • Local de impressão
    • Lisboa
    • Impressores/Editoras
    • João da Costa (fl.1630-1680)
      Antonio Leite Pereira, Mercador de Livros (fl.1668-17?)
    • Ordem Religiosa
    • -
    • Edição
    • 1.ª ed.
    • Ano
    • 1671
    • Volume de páginas/fólios
    • [XVI], 279 pp.
    • Outras edições conhecidas
    • 1.ª. ed.   Ortografia da Lingva Portvgueza. per Ioam Franco Barretto, Offerecida Ao Sor Francisco de Mello, Filho primogenito do Sor Garcia de Mello, do Conselho de S.A. & seu Monteyro môr Em Lisboa: Na Officina de Ioam da Costa; A custa de Antonio Leyte Mercador de Livros, na rua nova. 1671.

      2.ª. ed.   Carlos Assunção, Rolf Kemmler, Gonçalo Fernandes, Sónia Coelho, Susana Fontes & Teresa Moura (2021): A Ortografia da Lingva Portvgveza (1671) João Franco Barreto: Estudo introdutório e edição. Vila Real: Centro de Estudos em Letras; Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (= Ortógrafos Portugueses, 5). ISBN: 978-989-704-463-2 / e-ISBN: 978-989-704-464-9. https://www.utad.pt/cel/wp-content/uploads/sites/7/2022/08/OP5-Ortografos-Portugueses-Barreto-1671.pdf.

    • Mencionado em
    • -
    • Descrição sumária
    • -
    • Interesse linguístico
    • A obra apresenta uma estratégia expositiva diferenciada e inovadora, identificando claramente as suas fontes, quer portuguesas, quer estrangeiras, contribuindo desta forma para a possibilidade de análise da receção das ideias ortográficas estrangeiras em Portugal. Trata-se de uma compilação das ideias ortográficas anteriores (por concordância ou por discordância), citando cerca de 160 autoridades ortográficas e gramaticais, clássicas e contemporâneas, assim como fontes literárias, tal é revelador da erudição do autor. Partindo desta compilação, a obra revela uma evolução das ideias ortográficas postuladas pelos seus antecessores; dá maior relevo à correspondência entre a ortografia e a pronúncia.
    • Inovações metalinguísticas
    • Trata-se do primeiro tratado metaortográfico português a dedicar considerável atenção à descrição sistemática das partes da oração.
    • Influência recebida de
    • Grammatica da lingua portuguesa [1540] de João de Barros
      Regras que ensinam a maneira de escrever e Orthographia da Lingua Portuguesa (1574) de Pero de Magalhães Gandavo
      Orthographia da Lingoa Portvgvesa (1576) de Duarte Nunes de Leão
      Orthographia, ov modo para escrever certo na lingua portuguesa (1631) de Álvaro Ferreira de Vera.

    • Influência exercida sobre
    • Orthographia, ou Arte de Escrever e Pronunciar com acerto a Lingua Portugueza (1739) de João de Morais de Madureira Feijó.

      Rafael Bluteau, Prosa Gramatonómica (1728: 186-228).

    • Índice da obra
    • [rosto] – [I]

      [página em branco] – [II]

      DEDICATORIA – [III-VI]

      PROLOGO – [VI-VIII]

      AVTORES CITADOS? esta obra. – [IX-X]

      [prefácio] AO LEYTOR – [XI]

      [errata] – [XI-XIV]

      LICENÇAS – [XV-XVI]

      CAP. I. Que cousa he Ortografia, & de que consta. – 1-7

      CAP. II. Qu? foy o inventor das letras. – 7-13

      CAP. III. Continuando o mesmo proposito.13-20

      CAP. IV. Se a lingua Portugueza foy uma das setenta & duas. – 20-26

      CAP. V. Se ? Portugal foy vulgar a Lingua Latina. – 26-28

      [tabela comparativa octolingue] – [I-II]

      [continuação] CAP. V. Se ? Portugal foy vulgar a Lingua Latina. – 29-31

      CAP. VI. Das partes da vulgar lingua. – 31-32

      CAP. VII. Que cousa he nome. – 33-44

      CAP. VIII. Do verbo. – 45-56

      CAP. IX. Dos participios. – 56

      CAP. X. Das preposições. – 57

      CAP. XI. Dos Adverbios. – 58-59

      CAP. XII. Das conjuções. – 59-60

      CAP. XIII. Das interjeyções. – 60

      CAP. XIV. Dos Articulos. – 60-64

      CAP. XV. Da divisã das letras. – 65-68

      CAP. XVI. Como se pronunciam as vogaes. – 68-74

      CAP. XVII. Do E. – 74-76

      CAP. XVIII. Do I. – 76-79

      CAP. XIX. Do O. – 79-82

      CAP. XX. Do V. – 82-84

      CAP. XXI. Do Y. – 84-91

      CAP. XXII. Do valor das vogaes. – 91-94

      CAP. XXIII. Dos Ditongos. – 94-108

      CAP. XXIV. Dos falsos ditongos. – 108-110

      CAP. XXV. Se se dev? dobrar as vogaes. – 110-113

      CAP. XXVI. Das letras consoantes, & primeyro do B. – 113-116

      CAP. XXVI. Do C. – 116-122

      CAP. XXVII. Do D. – 122-124

      CAP. XXVIII. Do F. – 124-127

      CAP. XXIX. Do G. – 127-131

      CAP. XXX. Do H. – 131-139

      CAP. XXXI. Do I. – 139-141

      CAP. XXXII. Do K. – 141-143

      CAP. XXXIII. Do L. – 143-147

      CAP. XXXIV. Do M. – 147-151

      CAP. XXXV. Do N. – 151-152

      CAP. XXXVI. Do P. – 153-155

      CAP. XXXVII. Do Q. – 155-157

      CAP. XXXVIII. Do R. – 157-160

      CAP. XXXIX. Do S. – 160-163

      CAP. XL. Do T. – 163-169

      CAP. XLI. Do V. – 169-171

      CAP. XLII. Do X. – 171-174

      CAP. XLIII. Do Z. – 175-178

      CAP. XLIV. Do Til. – 178-179

      CAP. XLV. Se as letras se devem dobrar. – 179-188

      CAP. XLVI. Se devem aspirarse as consoantes, ou vogaes? – 188-189

      CAP. XLVII. Das letras, ? que as dições da lingua Portuguesa pódem acabar.  – 189-190

      CAP. XLIIX. Como se pronunciam os pluraes. – 190-194

      CAP. XLIX. Das silabas, & dicções. – 194-196

      CAP. L. Que letras se pódem ajuntar a outras na composiçã das silabas. – 197-200

      CAP. LI. Como se dividem as dicções, & ? que letras pôdem acabar as silabas, ? a lingua Portuguesa. – 200-201

      CAP. LII. Dos acentos, como, & quando se devem usar. – 201-212

      CAP. LIII. Dos apostrofos. – 212-214

      CAP. LIV. De outros sinaes importantes ao bõ escrever.  – 215-219

      CAP. LV. De outros sinaes tamb? importantes ao bõ escrever.  – 219-221

      CAP. LIV. De outros sinaes. – 221-225

      CAP. LVII. Das abreviaturas. – 225-228

      CAP. LVIII. Breve recopilaçã de nossa ortografia. – 228-229

      REGRAS GERAES DA ORTOGRAFIA PORTVGVEZA, per o Licenciado Duarte Nunez, cõ a reposta do Autor á margem. – 230-264

      ADVERTENCIAS, EM ORDEM A EMMENDAR, & melhorar as palavras, que a inorancia do vulgo t? corrutas. – 265-279

    • Localização na biblioteca/proprietário
    • Biblioteca Nacional de Portugal
    • Referências
    • -
    • Autor(es) deste ficha
    • Mónica Sofia Botelho Lima Augusto, Rolf Kemmler & Carlos Assunção
    • Como citar esta ficha
    • Augusto, Mónica Sofia Botelho Lima, Rolf Kemmler & Carlos Assunção. 2023. Barreto, João Franco (1600-pós-1672): Ortografia da Lingva Portvgueza. https://pml.cel.utad.pt/ViewEntry.aspx?id_entry=13.

    Edição semidiplomática

    ORTOGRAFIA
    DA
    LINGVA PORTVGVEZA
    PER
    IOAM FRANCO BARRETTO.
    Offerecida
    AO Sor FRANCISCO DE MELLO,
    Filho primogenito do Sor Garcia de Mello,
    do Conselho de S. A. & seu Monteyro môr
       
       
       
       
    EM LISBOA.
    Na Officina de IOAM DA COSTA.
    A custa de Antonio Leyte Mercador de Livros, na rua nova.
    _______________________________________________________________________________
    M. DC. LXXI.
    Com todas as licenças necessarias.

    pág. [I]

    pág. [II]
    DEDICATORIA
    VMa das excellencias, que o 
    Criador deo ao omem, he o 
    saber & poder fallar; porque 
    de outra maneyra (da alma ? 
    fóra) de pouco menor valor saõ os bru-
    tos animaes, que os om?s mudos. Pola-
    qual rasã Aristoteles, ? a sua Economi-
    ca, louva mays a policia Pythagorica, 
    que a Stoica.
      Màs sendo (como he) grande cousa 
    naõ ser o omem mudo, como os outros 
    animaes brutos, muyto mayor cousa he 
    fallar como fallam os om?s racionaes, 
    & s? comparaçam muyto mayor b?, fal-
    lar, como fallam os filosofos eloquentes. 
    Marco Tullio, que foy Senador &
        

     


    pág. [III]
    Cõsul em o Imperio Romano, entre os 
    ricos muyto rico, & ?tre a g?te de guer-
    ra muyto animoso, cõ nenhuma de-
    stas cousas aquirio immortal memoria, 
    senã cõ sua eloquencia: porque entre 
    todas as suas riquezas, so por sua lingua 
    foy tã estimado ? Roma, que muytas 
    vezes orando ? o Senado, o ouviam 
    tres oras inteyras no dia, s? que outra 
    pessoa fallasse uma só palavra.
      E como as letras ? a escritura saõ a re-
    presentaçã das palavras, como ellas de 
    nossas almas saõ os interpretes, tiveram 
    os antigos tanto cuydado ? o b? escre-
    ver, que per uma só letra se revolvia 
    toda Roma, como se vio no letreyro, 
    que o grande Põpeo queria pôr no t?-
    plo da Vitoria.
    Por ser poys esta materia de tanta 
    consideraçã, tratáram de a reduzir á ar-
    te, & regular observancia, nã só sapien-
        
    pág. [IV]
    tissimos Filosofos, & eloquentissimos 
    Oradores, màs tamb? poderosissimos 
    Monarcas.
      Alguns doutos entre nós comete-
    ram tamb? esta empreza, & cõ muyta 
    erudiçã a trataram; màs como a menor 
    parte do que se ignora, he muyto ma-
    yor, que tudo quanto se sabe (segundo 
    sohia dizer o divino Platã) nunca se diz 
    tãto, que nã fique lugar à se dizer mays 
    alguma cousa.
    Cõ esta consideraçã puz mã ? a obra 
    & cõ intento lógo de a dedicar a V. M. 
    porque nestes seus primeyros annos, 
    póderá V. M. tirar della nã pequeno 
    fruyto; que nã ha cousa tã perfeyta en-
    tre todas as que produz a Natureza, 
    que cõ a arte se nã possa aperfeyçoar 
    mays: & he b?, que quanto os omens 
    (fallando universalmente) excedem 
    no fallar aos brutos animaes, tanto os
        
    pág. [V]
    que andam ? as cortes, & presença dos 
    Principes, sejam no b? fallar aos outros 
    superiores, que nada val o espelho guar-
    necido de ouro, & de pedras precio-
    sas, se nã representa a imagem do que 
    se nelle ve ao natural.
    N? por pequena, & umilde seja de 
    V. M. tida ? menos que este he o princi-
    pio de todo o bõ saber, & s? estas pri-
    meyras letras ninguem póde chegar 
    ao estado perfeyto da sabidoria, n? V. 
    M. achará mays que, as que aqui lhe dou 
    ? as mays famosas livrarias do mundo, 
    ainda que se conte a de Tolomeo; n? 
    qu? cõ mayor vontade deseje empre-
    garse no serviço de V. M. a qu? Deos 
    guarde como desejo. Barreyro. Em 3. 
    de Agosto de 1671.    
                Capellã de V.M.
    IOAM FRANCO BARRETO.        

    pág. [VI]
    PROLOGO
    EMpreza duvidosa, dificil & chea de perigos, he s? duvida (be-
    nevolo leytor) o querer introduzir no mundo cousas novas, porq? 
    saõ más de desarraygar as velhas, que n? sempre he verdadeyro opro-
    verbio. Omnia nova placent. De Terpandro, poeta lyrico, se conta, 
    que por aver acrecentado a certo instrumento uma corda, foy conde-
    nado a desterro, & o instrumento quebrado, porque delle mays nã ou-
    vesse memoria; sendo Terpandro varã tã singular, que avendose le-
    vantado entre os Lacedemonios ? mutim, foram avisados do Oracu-
    lo mandassem Terpandro, paraque com a suavidade de sua lyra, & a 
    doçura de seu canto apasiguasse os inquietos animos do vulgo. A razã muytas vezes he, porque não se chega a fazer experiencia da cousa 
    inventada; & os que t? feyto abito ? alguma arte, ou ciencia, t? por 
    cousa pueril comecar aprender de novo.
    Em a presente obra muytas novidades se acharão acerca de 
    nossa ortografa, porque quasi ? tudo me aparto do que nossos escrito-
    res acerca della escreveram; nã porque nã conheça muyto b?, sua e-
    rudiçã, & quantum distent æra lupinis; mas os antigos escreve-
    ram conforme o uso de sua idade, diferente do tempo de agora: por-
    que como ? ? Epigrama Ioã Ouven diz;   
    Multa renascentur, quæ jam cecidere, cadentque 
    Dogmata, quæ summo nunc in honore vigent.
    Quæ nova sunt, hodieque placent non usque placeb?tt, 
    Cur ita? quæ nova sunt, non nova semper erunt.
    Vm dos modernos foyse ás cegas trás elles, s? por cousa alg?a, 
    ou muyto pouco da sua casa; & outro, que o pudera fazer melhor
        

     

    pág. [VII]
    que todos elles, foy tã breve ? o que desta materia escreveo, que he de 
    pouca utilidade: pola qual razã tomey esta empreza, a rogos de ? a-
    migo, & cõ dezejo de acertar a consultey cõ alguns varoens doutis-
    simos, paraque me advirtissem os erros, & mos emmendassem; porq? 
    como diz o grande Agostinho. Non pigebit me, sicuti hæsito 
    quærere, sicubi erro, discere: por? nã o quiseram fazer, por ven-
    tura (& he o que eu mays creo) porque lhe acharam muytos erros: 
    por essa mesma rasã me resolvi polos ? publico, porque sendo de todos 
    notados, possa eu aprender o que ignoro: & muyto mays o festeja-
    rey, se tomando a pena ? a ma os mostrar? per escrito; advertindo 
    por? primeyro cõ maduresa, & notando s? payxã o que digo, porque 
    de outro módo nã será zelo. Fiz o que soube, supra o afecto de mi-
    nha boa vontade, ao defeyto de meu pobre engenho. Vale.

     

     

     

     

     

     


    pág. [VIII]
    AVTORES CITADOS
    ? esta obra.

    ACron.
    Adriano Turnebo.
    Alconio.
    Aldrete.
    Alvaro Ferreyra de Vera
    Ammonio.
    Angelo Policiano.
    Fr. Antonio Brandã, 
    Antonio Fabro.
    Apocalypse.
    Aristofanes.
    Aristoteles.
    Artabano.
    Asconio Pediano.
    Athlas Sinense.
    S. Agostinho.
    Aulo Gelio.
    Ausonio.
    Barn. Brisson.
    Benedicto Buomattei.
    Bento Pereyra.
    F. Bernardo de Brito.
    Bernario.
    Bertolameu Scala.
    Bertolameu Ximenes.
    S. Boaventura.
    Budeo.
    Callepino.
    Camões.
    Catulo.
    Celio Rhodigino.
    Cicero.
    S. Clem?te Alexandrino.
    Cornelio Jansenio.
    Cornelio Tacito.
    Cobarrubias.
    Corso. 

    Dante.
    Demetrio.
    Diodoro Siculo.
    Dionisio Alicarnaseo.
    Donato.
    Duarte Nunez de Leã.
    Ecclesiast.
    Elias Vineto.
    Emerico Cruceo.
    Ennio.
    S. Epifanio.
    Estefano.
    Euclides.
    Eusebio.
    Ezechiel.
    Festo Pompeo.
    Filo Hebreo.
    Filostrato.
    Francisco Martinez.
    Gabrielli.
    Garivay.
    Genesis.
    Gerardo Bornelli.
    Gongora.
    Henrrique Rebello.
    Henrique Glareano.
    Herodoto.
    Hesiodo.
    Horacio.
    Jacobo Golio.
    Jacobo Mazzoni.
    Jamblico.
    S. Jeronimo.
    Joã de Barros.
    Joã Bautista Pio.
    Joã Bautista Plaucio.
    Joã Bautista Porta.


    pág. [IX]

    Joã Britancio.
    S. Joã Chrysostomo.
    Joã Oven.
    Joã Piloto.
    Joã Soares de Brito.
    Jonas.
    Jorge Bartoli.
    Jorge Veneto.
    Jozepho.
    Josepho Scaligero.
    Isaias.
    S. Isidro.
    Isocrates.
    Julio Cesar Scaligero.
    Iusto Lipsio.
    Lactancio Firmiano.
    Lucano.
    Luciano.
    Lucilio.
    Lucrecio.
    Luis Vivez.
    Maldonado.
    Marcial.
    Marciano Capella.
    Manucio.
    Manoel de Faria & Sousa.
    Marco Varrã.
    Marineo Sciculo.
    Mario Victorino.
    S. Mathias.
    Matheus Roccio.
    Mauro.
    Menetius Monachus.
    Miguel Salinas.
    Moya.
    Morales.
    Nigidio Figulo.
    Nonio Marcelo.
    Oliva.
    Oro.
    Ovidio.
    Papiniano.
    Paolo Beni.
    Paulo Orosio
    Pedro Bembo.
    Pedro Diacono.
    Persio.
    Petrarca.
    Pierio Valeriano.
    Platam.
    Plauto.
    Plinio.
    Plutarco.
    Polibio.
    Pontano.
    Prateyo.
    Prisciano.
    Probo Goltz.
    Psal.
    Publio Victorino.
    Quintiliano.
    Quinto Curcio.
    Fr. Reginaldo Acceto.
    Rodrigo Caro. 
    Sanches Brocense.
    Sanctes Pagnino.
    Scevola Samartano.
    Seneca.
    Servio.
    Sosipater.
    Soto.
    Stacio.
    Suidas.
    Tarquinio Galucio.
    Terenciano.
    Terencio.
    Terencio Scauro.
    Tertulliano.
    Tito Livio.
    Trissino.
    Valerio Probo.
    Verrio Flacco.
    Victorino.
    Virgilio.
    Xisto Senense.
    Zonaras.


    pág. [X]
    AO LEYTOR
    CVrioso Leytor, que assi te considero neste lu-
    gar, porque só os curiosos vam buscar as er-
    ratas; aqui acharas nã poucas: umas por falta de carac-
    teres, como no titulo da obra se ve, ? lingoa Portu-
    gueza, que devendose escrever com u, vogal, como 
    aqui ves, se escreveram cõ v, consoante, por falta de 
    esta letra da grandeza das outras, que nã a t? esta 
    oficina; & se achará o mesmo ? um, uma, no princi-
    pio de alg?s periodos. Outros por falta de algumas 
    letras jà gastadas, que ? algumas dicções se nã assina-
    laram, por serem já os caracteres velhos. Muytos tã-
    b? ? rasã de virgulas, & pontos postos fóra de seu 
    lugar, & cõ acentos trocados, por outros, o que cõ 
    teu bõ juiso facilmente ?mendarás, siguindo o que 
    eu digo na leytura, nã o que ves talves errado: os ou-
    tros ?mendarás pela maneira siguinte, 

    Errados.
    Fol 3. reg. pennult. na.
    Fol. 5. reg. 12. mãs.
         Reg. 15. pesamentos.
    Fol. 8. reg. pent. primeiror.
    Fol. 10. reg. 17. despois.
         Reg 20. inci aram.
    Fol. 13. faz dous põtos ? Go-
         morra, havendo ser.
    Fol. 16. reg. 17. Ierusa ?.
    Fol. 17. reg. 15. deyxei.
    Corrige.
    Nã.
    mãos.
    Pensamentos.
    Primeyro.
    despoys.
    incitáram.
    ? lingua.
    Ierusal?.
    deyxei.


    pág. [XI]

    Fol. 22. reg. 19 muitas.
    Fol. 31. reg. 4. adjectivo.
         Reg. 8. aquelles.
    Fol. 36. reg. 2. touro.
          Reg. 7. neutro.
          Reg. 20. may.
    Fol. 42. reg. 7. como de crue-
    lissimo.
    Fol. 57 reg. 14. o accusetivo.
          Reg. 15 inter.
    Fol. 60. reg. 14 esta.
    Fol. 65. reg. 7. perenchermos
    Fol. 67. reg 1. nã o.
    Fol. 68 reg 15. beca?
    Fol. 75. reg. 18. porque b?
         Reg 20. alguns.
    Fol. 78. reg. 2. os.
    Fol. 82. reg. 12. os b y.
    Fol. 88. reg. 13. o.
          Reg 8. vida.
    Fol. 89. reg. 5 quem.
    Fol 90. reg. 20: do que
    Fol. 93. reg 3 que ?.
         Reg. 5 a oraçã.
    Fol 94. reg. 5. mái
         Reg 15. cõ glutinaçã.
    Fol. 95. reg 18 ãtigos.
    Fol. 100. reg. 19. no.
    Fol. 101. reg. 1. forã.
    Fol. 109 reg. 12. cõ m?.
          Reg. 13. ning?.
           Reg. 15. ningu?s
            Reg. 23. mal ?s.
    Fol. 121 reg. 9 quadring?to.
    Fol. 122. reg. 16. Alexandre.
    Fol. 130. reg. 22. filho.
    muytas. 
    adjectivo si.
    áquelles.
    tourã.
    incerto.
    mãy.
    como de cruel cruelissi-
    mo.
    à accusativo.
    inter.
    está
    perenchemos.
    nã a.
    boca, 
    porque como b?.
    ?s.
    ? os.
    boy.
    os
    via
    qu?
    diz que
    qu?
    a rasã
    màs
    conglutinaçã
    articulos
    nós
    farão
    cõ em no cabo
    ningu?
    ningu?s, se se usara
    mall?s
    quadringenti
    Alexander
    filhio


    pág. [XII]

    Fol. 131. reg. 5 aga
    Fol. 133. reg. 22 õh:
    Fol. 134 reg. 20. h y
    Fol. 140. reg. 8. rej ytar
          Reg. 17. por
    Fol. 141. reg. 15. M st e
    Fol. 142. reg. 6. B ket
    Fol. 141. reg. chama
          Reg. 24. usando
    Fol. 145. reg 17. apiada.
    Fol. 147. reg. 18 chama
    Fol. 148. reg. 3. per
    Fol. 150. reg. 5. polas
    Fol. 152. reg. 6. serviram
    Fol. 155. reg. 3. Pubicos
    Fol. 157. reg 4. simples
    Fol. 158. reg. 5. recolitta
    Fol. 166. reg. 2. subjeyto
    Foi. 173. reg. pen-nos
    Fol. 147. reg. 10. concurço
    Fol. 175. reg. 5 uzaram
          Reh. 8. o S.
          Reg 14. confim
    Fol. 176. reg. 24. õvés
    Fol. 177. reg. 7. convéz
    Fol. 179. reg. 17. simplesm?te
    Fol. 180. reg. 3 por.
         Reg. 9. conciste
    Fol. 181. reg. 12. as de
    Fol. 183. reg. 10. affirmar
    Fol. 187. reg. 18 belign?s
    Fol. 188. reg. 15 simplez
          Reg. 16. por ph.
    Fol. 190. reg ultima o s.
    Fol. 191. reg. 16. il.
    agá
    cõ h.
    hey
    rejeytar
    per
    Mestre
    Bek?t
    chamam.
    usa
    apicula
    chamam
    per que
    pelas
    serviremos
    Publius
    simprez.
    resoluta
    objecto
    nós
    concurso
    usaram
    S.
    conf?:
    convez
    convéz
    simprezmente
    per
    consiste
    ás de.
    afirmar
    beligu?s
    simprez
    porph, 
    o 1.
    ij.


    pág. [XIII]

    Fol 196. reg 12 màs nã fazem 
    que o do omem seja pe.
    Fol. 198 reg. pen mena
    Fol. 200 reg. 20 ? a màs
    Fol. 202. reg. 3. seus
    Fol. 203. reg. 15. concideraçã
    Fol. 207. reg 19. poder
    Fol. 208. reg. 16. perturbatur
    Fol. 209 reg 4.
          Reg 5. ue.
    Fol. 103. reg 8. Fernando.
          Reg 9. Pedro Afonso.
    Fol. 214. reg. 3. deley osas.
    Fol. 215. reg. 19. conseber
    Fol. 218. reg. 2. S. Agostinhos
          Reg. 9. usados
          Reg 17. a uma patte da 
    cidade
    Fol. 218. reg. 18. mostralhe
    Fol. 222 reg 13. outre
          Reg. 22. ditõgo. palavaas
    Fol. 225 reg. 4 &
    Fol. 226 reg i. nã quis.
    Fol. 235 reg 2 mando.
          Reg 6. lhe
          Reg 19 viol?tar.
    Fol. 240 n. 2. reg. 3. felices
    Fol 123. reg. 11 pilas
    Fol. 269. defronte de ?teado 
    diga, 

    mas nã fazem que o do o-
    mem seja mays pe
    (mena; Ara-cne
    màs ? a
    se os
    consideraçã
    póde
    perturbantur
    porque pelo tempo q? foge á 
    lus clara, se ?t?de o da manhã
    que
    Fernand‘
    Pedr‘Afonso
    deleytosos.
    conceber
    S. Agostinho:
    escusados
    a uma paate muy apartada
    da cidade.
    Mostroulhe
    outro
    ditongos palavras.
    ?
    nã quiseste
    mandou
    lhes
    molentar
    felizes
    pilus
    anteado.

    De tudo isto he a causa o nã poderem assistir os autores 
    a suas obras.   

    pág. [XIV]
    LICENÇAS
    O P. Mestre Fr Antonio de S. Ioseph Qualifica- 
    dor do S. Officio veja o livro de que se faz 
    menção, & informe com seu pareçer. Lisboa 19. de 
    Setembro de 1670.
    Fr. Pedro de Magalhaens.         Manoel de Magalhaens
    D. Verissimo de Lancastre.         Alexandre de Sousa.
    Francisco Barretto.
    VI este livro de que se faz mençaõ & naõ achei 
    nelle cousa alguma contra nossa santa Fé ou 
    bons costumes neste Convento de S. Domingos de 
    Lisboa 28. de Outubro de 1670.
    Fr. Antonio de S. Ioseph.        
    O P. M. Fr. Rodrigo de Magalhaens Qualificador 
    do S. Officio veja este livro, & informe com 
    seu parecer. Lisboa 3. de Março de 1670.
    Diogo de Sousa.         Fr. Pedro de Magalhaens.
    D. Verissimo de Lancastro.         Alexandre da Silva.
    Francisco Barreto.
    LI o livro da ortografia da Lingua Portugueza 
    Autor Ioaõ Franco Barreto, & naõ achei nelle 
    cousa alguma contra nossa santa Fé, ou bons costu-
    mes. Lisboa, no Convento de Nossa Senhora da 
    Graça. Em 25. de Novembro de 670.
    O M. Fr. Rodrigo de Magalhaens.
    pág. [XV]
    VIstas as informaçoens pódese imprimir o li-
    vro da ortografia da Lingua Portugueza Au-
    tor Ioaõ Franco Barreto, & despois de impresso tor-
    nará ao Conselho para se cõfirir cõ o original, & sem 
    ella naõ correrá. Lisboa 28. de Novembro de 1670.
    Fr. Pedro de Magalhaens.         D. Verissimo de Lancastre.
    Alexandre da Silva.
    POdese imprimir. Lisboa em Cabido Sede Va-
    cante de Ianeiro 30 de 671.
    Cordes.                 Pexoto.
    QVe se possa imprimir vistas as licenças do S. 
    Officio, & Ordinario. Lisboa, 31 de Ianeiro de 
    671. E depois de impresso tornará a esta Mesa para se 
    cõfirir, & taxar, & s? isso naõ correrá. dia, mes, & anno 
    assima.
    Magalhaens de Menezes.         Miranda.         Carneiro.
    VIsto estar conforme com o original póde 
    correr. Lisboa 1. de Setembro de 671.
    Fr. Pedro de Magalhaens.           Manoel de Magalhaens de 
          Alexandre da Silua.                                      (Menezes.
    TAixam este livro em cento & oitenta reis em 
    papel, Lisboa. 29. de Agosto de 671.
    Monteiro.         Magalhaens de Menezes.        Lemos.
    Miranda.         Vahia.
    pág. [XVI]


    ORTOGRAFIA
    DA
    LINGVA PORTVGVEZA.
    ________________________________________________________________

    CAP. I.
    Que cousa he Ortografia, & de que consta.
    ORTOGRAFIA he arte de b? es-
    crever qualquer linguagem; isto he, 
    de escrever as palavras, & as vozes cõ 
    as letras devidas, & sóm?te necessarias, 
    s? por uma por outra, n? alguma de mays, ou de 
    menos: porque assi como ? um corpo umano nã 
    estará b? uma perna de leã, ou uma cabeça de caval-
    lo, assi ? uma escritura nã estará b? que se metam ou-
    tras letras, senã aquellas, que direytamente lhe con-
    v?, para sua significaçã. Vma letra mays, ou menos, 
    muda muytas vezes o sentido. Em a comedia de Plau-

     

    pág. 1
    to, intitulada Rudens, act. 5. pergunta Gripo pescador a 
    Labrax alcoviteyro, se era medico: Nunquid medicus 
    quæso, es? Responde Labrax, que cõ uma letra mays, 
    era mays que medico: Imo adelpol una litera plus sum, 
    quàm medicus. Era a letra n. que acrec?tada à medicus; 
    fica m?dicus, que significa o m?digo, ou pobre. E 
    de Iulio Cesar conta Suetonio Tranquillo, que sendo 
    um Princepe tã clemente, privou do oficio a um Le-
    gado Consular, por lhe escrever ? uma carta um icsi, 
    por ipsi.
       Errar ? as operaço?s, quaesquer que sejam, sem-
    pre foy per si mesmo feo, & s? pôr cuydado ? en-
    tender as razo?s, segundo as quaes rectamente se pro-
    duzem, he impossivel suficientemente acertallas 
    b?: & assi nã monta ser a letra ? si b? feyta, b? ta-
    lhada, ou, como dizemos, de boa ma se ella per 
    outra parte nã vay conforme ás regras da boa orto-
    grafia; porque, como diz Sanches Brocense (præcept. 
    2. de autor, interpret.) infelice he o artifice, que cõ 
    toda a perfeyçã exprime os cabellos, & as unhas, se 
    nã sabe acomodar toda a estatua, & figura a suas par-
    tes; que nã se póde (diz) ter por fermoso aquelle, 
    que t? os olhos & o cabello negro, se toda via t? o 
    nariz deforme: & como a escritura ha de durar para 
    sempre (ainda que tudo cõ o tempo se muda) razã 
    he que as palauras della se obrem com acerto.
    Dirivase este nome Ortografia de duas dicço?s 
       

    pág. 2
    Gregas, Orthos, que quer dizer direyto, & Grapho, 
    escrevo; como se diceramos, escrevo direytamente, 
    ou escrevo como pronuncio: porque de outro módo 
    ficará a escritura corrompendo a lingoagem, em lu-
    gar de a conservar, segundo Quintiliano; Hic enim 
    (diz elle l. 1. cap. 4.) est vsus literarum, ut custodiant 
    voces, & velut depositum reddãt legentibus, itaque id ex-
    primere debent, quod dicturi sumus. E he o mesmo que 
    Ioã de Barros ensina ? a sua ortografia, dizendo; 
    A primeyra, & principal regra ? a nossa ortografia, he 
    escrever todas as diçoens cõ tantas letras, cõ quantas pro-
    nunciamos, s? por consoantes ociosas, como vemos na escritu-
    ra Italiana, & Franceza. E dado que a diçã seja Latina, 
    como a dirivarmos a nós, & perde sua pureza, lógo a de-
    vemos escrever ao nosso módo, per semelhante exemplo. Or-
    thographia he Vocabulo Grego, & os Latinos o escrevem 
    desta maneira atrás, & nòs o devemos escrever cõ estas le-
    tras, Ortografia porque cõ ellas o pronunciamos. Excellen-
    cia, que cõ singularidade se acha sómente ? a lingua 
    Portugueza, entre todas as de Europa.
       Esta he a pedra fundamental deste edificio, no 
    que todos nossos ortografos concordam, se b? ne-
    nh? delles a guarda, como se poderá ver per o que 
    dicermos.
    O sugeyto desta Arte são as palavras, & as pala-
    vras na saõ mays que uns espiritos proferidos cõ 
    a voz, significando alguma couza; porque nã si-
       


    pág. 3
    gnificando alguma couza será sõ, & nã será voz 
    Poloque diremos que a voz he uma percuçaõ de 
    ar, formada, & pron?ciada pela boca do Omem, 
    Quid enim est vox, nisi intensio æris, vt audiatur lingua 
    formata percussu? diz Seneca; & assi Eccho em Auso-
    nio:
               Æris, & linguæ sum filia.
       Ainda que Servio ? o terceyro da Eneida sobre
               — Et ad sonitum vocis vestigia torsit;
       E tambem
               — Tractasque ad littora voces.
    diz que tudo, o que soa, he voz: & contenda ouve 
    entre os filosofos antigos, se tinha corpo, como diz 
    Aulo Gelio, lib. 5. cap. 15.
    Para formaçã desta voz concorrem muytos in-
    strumentos, a saber; à arteria, à lingua, à guella, o pâ-
    dar, quatro dentes dianteyros, & dous beyços, entre 
    os quaes t? o primado a lingua. E se algu? tiver me-
    nos alguma destas partes, ou instrumentos, maxi-
    mamente os principaes, nã poderá formar a voz, 
    ou a formará imperfeytamente, segundo a parte, que 
    lhe faltar, como ? os velhos se vê, que saõ faltos 
    de dentes, & nôs mininos, que ainda nã t? força pa-
    ra proferir as palavras inteyras; & como aquelle 
    pobre, que Benedicto Búommattei, em a intro-
    duçaõ á lingua Toscana, trat. 4 lib. 4. diz vio ? 
    Roma; o qual pedia esmola com estas palavras, Da-
       

    pág. 4
    teme una limosina per lo amor de Dio: màs tinha a bo-
    ca tã maltratada do fogo, que nenhuma destas le-
    tras, d, m, n, r, s, t, podia pronunciar, & assi era for-
    çado a suprir todas com a letra L, que formandose 
    de bater a lingua no pâdar, lhe saia menos dificil, 
    que as outras, que buscam mays exactam?te os den-
    tes, ou os beiços, & por essa causa dizia, lale lula li 
    lolila le lo alor le lio.
       Mas esta voz he de duas maneyras, informe, ou 
    formada, isto he, confusa, ou articulada. A voz infor-
    me, ou confusa, nã representa mays, que um sim-
    ples, & indistincto sõ, como he o esfregar das mãs, 
    roçar dos pés, & ainda o ladrar dos caens, mugir 
    dos boys, rinchar dos cavallos, cantar das aves, & 
    cousas semelhantes; porque nã fazem distinçoens 
    compreensiveys, n? voz, pela qual seja entendido 
    seu conceyto: más as vozes, que fazem saõ so con-
    sequencias, do que padecem no apetite, & assi nã 
    devemos chamar voz ao suspiro, gemido, choro, ou 
    rizo; porque nã constituem forma compreensivel, 
    màs t? proporçã cõ o empalidecer, por medo, ou 
    córar por vergonha.
    A voz formada, ou articulada he aquella, que sen-
    do ouvida, se entende: cõ a qual os umanos pod? 
    representar (como representam) seus ocultos pensa-
    mentos; & pola qual o omem (alem da racionalidade, 
    & outras muytas diferenças) he de todos os outros a-
       


    pág. 5
    nimaes distincto; porque sómente ao omem lhe foy 
    naturalmente dada a pericia de fallar; & os demays a-
    nimaes, assi como carecem de ent?dimento, carecem 
    tamb? de falla; & por esta razã á tal voz podemos 
    chamar legivel, ou escretivel, & intelligivel, porque 
    se póde ler, escrever, & entender.
       Desta voz poys a mays pequena parte he a letra, 
    porque he indivisivel, & se nota com uma simplez 
    figura, como, a b. c. &c. & pela mesma razã nã 
    pódem chamarse letras, as que nossos ortografos 
    quiseram chamar aspiradas (como ? seu lugar di-
    remos) porque nã pódem ser notadas cõ uma so 
    figura, como o chi, rho, & theta dos Gregos, que 
    se assinalam assi ? ? ?.
    E quanto á significaçã deste nome letra, ha va-
    rias opinioens; alguns cuydaram, que litera (donde 
    com pouca corruçaõ dicemos letra) se disse de lege 
    iterùm; porque ella se póde uma, & muytas vezes 
    ler: outros que litera he o mesmo que legens iter, por-
    que abre o caminho a qu? le: outros fôram de pa-
    recer que litera era o mesmo, que litura, que signi-
    fica mancha, ou nóda; porque quando se estende a 
    tinta negra sobre o papel, ou pergaminho branco, 
    se faz cõ isto, ? certa maneyra uma nóda, ou 
    mancha; se b? alguns dos mays antigos quizeram 
    interpretar a litura, quasi quia deleri potest; como diz 
    Ioã Bautista Porta, lib. 3. cap. 12. de occultis litera-
       

    pág. 6
    rum notis; & Ioã Bautista Pio, sobre a epistola 3. lib. 
    9. de Sidonio Apollinar; considerando cõ quanta 
    facilidade ella se podia apagar, porque soiam escre-
    ver em taboas enceradas. Outros finalmente crêram 
    que litera era o mesmo que lineatura; porque como 
    todos os gramaticos ensinam, & nós exprimen-
    tamos, as letras se formam de linhas, que como diz 
    Philo Hebreo (lib. Decal.) & he doutrina de Eucli-
    des, o que começa ? ? ponto, & acaba ? ou-
    tro, isso se chama linha; quod enim duobus punctis ter-
    minatur, est linea; & assi lineas ducere, he o mesmo 
    que traçar, debuxar &c. Dasquaes linhas, confor-
    me os Matematicos, umas são rectas, outras curvas: 
    das rectas se formam A. E. F. H. I K. L. M. N. T. 
    V. X. Z Y. das curvas; C. O. Q. S. de umas, & 
    outras; B. D. G. P. R. E estas letras per outro nome 
    se dizem caracteres, & tamb? (ainda que impro-
    priamente) elementos da lingua.
    ________________________________________________________________

    CAP. II.
    Qu? foy o inventor das letras.
    QVanto a escritura póde he muyto facil de co-
    nhecer, poys ? muyto poucas regras podemos 
    per meyo della, vivamente esculpir toda a sabidoria 
    dos Gregos, todas as guerras de Asia, todas as gran-


    pág. 7
    dezas do Egipto. Podemos cõ diligencia delinear 
    os soberbos triunfos dos antigos Romanos, descu-
    brir à crueldade dos Parthos; à auareza de Crasso, 
    à generosidade de Pompeo; à fortuna de Alexandre; 
    & nã so se póde cõ ella manifestar os feytos, màs 
    tamb? descubrir as causas, & manifestar os pensa-
    mentos, os fins, & as ocasioens, que induziram à 
    fazer, ou deyxar de fazer aquella, ou esta empreza; 
    & ? suma as forças da pena saõ muyto mayores do 
    que imagina, qu? naõ as t? experimentado: màs 
    que fosse o primeiro tã sutil, & de engenho tã de-
    licado, que desse nesta admiravel invençaõ das 
    letras (fallando absolutamente) nã he cousa ma-
    nifesta entre os Autores. Os mays doutos saõ de pa-
    recer (& o confirmam os Theologos) que tiverã 
    principio ? Adam: porque havendoo Deos dota-
    do de tanta sabidoria, que pôde dar nome à todas 
    as cousas criadas, segundo à natureza de cada uma 
    dellas, que elle conheceo muyto b?, pola ciencia 
    infusa, que Deos lhe deo, porque teve as especies 
    intelligiveis concreadas n‘alma de toda ciencia, 
    donde a Escritura sacra o chama rio de sabidoria; 
    Eruditus est in juuentute sua, & repletus est quasi fluvium 
    sapientia; Eccl. 4. nã he de crer que fosse destituido 
    de tamanho b?.
    Iosepho, ? o primeiro das antiguidades, diz que 
    os netos de Adam, filhos de Seth, fizeram duas colu-
       

    pág. 8
    nas, uma de pedra, & outra de ladrilho, ? as quaes 
    deyxaram esculpidas, & escritas todas as artes, & 
    certifica haver visto uma dellas ? a Siria. Donde se 
    comprende, que o uzo das letras he tã antigo, que 
    se póde crer teve principio em o primeyro omem, 
    & assi as teve. Plinio, lib.7. cap. 58. por eternas. As 
    quaes letras foram as Hebraicas, porque a lingua que 
    Adam fallou foy a Hebraica, como diz Sanctes Pag-
    nino lib 1. cap 1. Inst & essa fallaram seus filhos, & se 
    fallou atê o tempo de Nembroth: n? ? todo o mun-
    do havia mays que uma lingua, como se colige do 
    sagrado Genesis cap. 11 onde diz, Erat autem terra la-
    bij unius, & sermonum eorundem, que nam havia sobre 
    a terra mays que uma so lingoagem, & unico módo 
    de fallar, com? a todos os om?s, por onde S Ieroni-
    mo in 3. cap. Sophoniae, a chama mãy das linguas, 
    & pella mesma razã, segundo S. Agostinho, ? a Cida-
    de de Deos, cap 1. lib. 16. se chamava lingua umana; 
    E assi a chamou Iosepho, referindo as palavras, que 
    Moyses disse ao pôvo Hebreo, quando tornou do 
    monte Sinai, que foram; Nec quia per me lingua huma-
    na Deus vobis loquatur attendatis; Nã atenteys que Deos 
    por meu meyo vos falle cõ voz umana. E nella fallou 
    tamb? Deos a Adam, Noe, Abraham, & aos demays 
    Patriarcas. N? falta qu? tenha para si que assi co-
    mo ella foy so ? o principio do mundo, assi ha de 
    ficar so ? o mundo, despoys de acabar esta nossa mor-


    pág. 9
    talidade; conjectura o Iorge Veneto do terceyro ca-
    pitulo de Sophonias, & S. Boaventura ? o seu pre-
    facio ad Arameam comparationem; diz que esta lingua 
    ha de ser eterna, & que della hã de usar os santos ? 
    o Ceo, poys la ha de aver tamb? alguma falla vo-
    cal, segundo aquillo do Psalmo 149. Exaltationes 
    Dei in gutture eorum, & o mesmo dizem os Theolo-
    gos in quarto d. 49. art. 5. Soto ibidem, & outros, que por 
    agora deyxo, por nã dilatar tanto a materia; & assi tor-
    nando ao nosso ponto, ? tempo de Nembroth 
    imagináram os omens daquella idade, sendo Autor 
    o mesmo Nembroth filho de Cham, & neto de 
    Noe [poderoso tirano, & opressor dos om?s diante 
    de Deos, ou segundo explica S. Agostinho cap. 10. 
    do Genesis, contra o mesmo Deos] edificar ? Sanaar 
    que he ? Mosopotamia terra de Caldea, uma tor-
    re, que despois foy chamada de Babel (isto he de con- 
    fusã) de tanta altura, que por ella pudessem subir 
    ao Ceo, cõ presunçã, nã so de se igualar, màs de se 
    antepôr a seu feytor: cõ o que incitaram a ira do Al-
    tissimo contra elles: E assi vendo o Omnipotente 
    Deos seu atrevimento insano, disse; Eys este povo que 
    he unico, & so, & t? uma lingoagem, começou a fazer este 
    edificio, & nã deixarà de seguir sua vontade, até de todo a 
    nã dar à execuçã; deçamos poys, & confundamos aqui sua 
    lingua, de maneyra que nenh? delles possa ouvir a lingua de 
    seu visinho: cap. 11. O clemençia s? medida do celeste 


    pág. 10
    imperio! que pay sofreo insultos taes a filho!
       Foy esta confusã despoys do universal diluvio. 
    quando as gentes do mundo chegaram ja a setenta, 
    & duas familias, ou geraço?s; as quaes eram decen-
    dentes de tres filhos de Noe, a saber, Sem, Cham, 
    & Iapheth. Entre os quaes ouve uma familia decen-
    dente de Heber, quarto neto de Sem, & pay de Pha-
    lec; o qual foy omem timorato, justo, & amigo de 
    Deos, & nã consentio ? à conspiraçã, & pecado exe-
    crauel do edificio da torre, por reverencia, & temor, 
    que ao nome do omnipotente Deos teve.
       Pola qual razã, castigando Deos, & confundindo 
    a lingua de todos aquelles, deo a cada familia uma 
    lingoagem, ? pena de seu pecado, privandoa daquel-
    la, que era propria, & nativa sua; deyxando somente 
    a familia de Phalec à sua nativa, & propria lingoa-
    gem Hebraica, como vestigio, & sinal de sua justiça, 
    que por essa razã Phalec se intitula divisã, como diz 
    S. Agostinho, ? o lugar citado, por que de todos os 
    outros foy divisã, quanto á Religiã, & quantô á 
    lingua.
    Sendo poys as familias setenta & duas, foram tam-
    b? setenta & duas as lingoag?s do mundo, uma na-
    tural, ? que o primeyro omem fallou, no Paraiso ter-
    real, & fallaram todos seus decendentes. te à confusã, 
    & as setenta & uma dadas ? pena, & castigo. De ma-
    neyra que a familia de Phalec nã entendia palavra 
       

    pág. 11
    alguma daquellas novas lingoag?s, que ás outras fa-
    milias foram dadas, n? ellas entendiam a de Phalec, n? 
    umas a outras ?tre si; màs cada familia teve sua lin-
    goagem propria, & assi nenh? podia ouvir a lingua 
    de seu visinho, como a Escritura diz, no capitulo ci-
    tado.
       Iosepho, diz que Deos lhes mandou a discordia 
    das palavras, & vozes, pola qual ? nã entendia ao ou-
    tro, n? delle era entendido; & assi se ? pedia cal, ou 
    pedra, lhe levavam outra cousa; porque pola diuersi-
    dade das linguas, & das palavras, & suas significaço?s, 
    nã era entendido. E quanto era mays excellente o 
    artificio de cada ?, mays barbara, & grosseyra ficou a 
    sua linguagem.
    Por esta razã poys se desistio da infanda obra, & 
    se dividiram estas familias; & retendo cada qual a lin-
    goagem, que lhe coube em sorte, se foram abitar à di-
    uersas partes do mundo, porque a diversidade das lin-
    guas, diz S. Agostinho (lib. 19. cap 7 de Civit) aparta ? 
    omem de outro de maneyra, que de melhor vontade 
    estarã cõ seu cã, que cõ ? estrangeyro: & assi diz o sa-
    grado Texto, Gen. ubi sup. Ex inde dispersit eos dominus 
    super faciem omnium regionum, que desde aquella ora o 
    omnipotente Deos espalhou aquellas setenta & du-
    as naço?s, ou familias, por diversas partes, ou regio?s: 
    o que foy aos 1997. annos da criaçã do m?do, seg?do 
    Genebrardo, ? a sua chronica; & de suas cabeças, ou 
       

    pág. 12
    guias tomaram despoys nome as terras, que abitaram, 
    & tomaram tamb? as linguas, como de Gomer, Go-
    morra a regiã. Gomorreas os póvos, & Gomorrea: a 
    lingua de Medáro, foy dita Meda a regiã, Medos os 
    povos, & Meda a lingua, & assi os mays. Ainda que 
    despoys as que oje se acham ? o mundo, de outro mò-
    do diverso, do que agora, foram nomeadas.
    ________________________________________________________________

    CAP. III.
    Continuando o mesmo proposito.
    O Engenho umano, sagacissimo imitador da 
    natureza, havendose perdido o uso das letras, 
    que cõ o primeyro omem tiveram principio, ou por- 
    que aquellas nã eram poderosas a explicar as outras di-
    versas linguas, que da confuzã da torre manaram, 
    vendo que nã podia significar o talento de seu animo 
    cõ as simples palavras, senã áquelles que presentes 
    fossem, desejoso por isso de mayor perfeyçã, achou cõ 
    entendimento agudo, módo cõ que poder às futuras, 
    & remotas gentes manifestar suas internas payxo?s, & 
    assi dizem, que os primeyros, que excogitaram cousa 
    tã grande, foram os Egypcios, & deste parecer he Aulo 
    Gelio, ? as Noytes Aticas, de que da por Autor a ? 
    Mercurio, que os mesmos Egypcios, diz Lactancio 
    Firmiano, lib. 1. c. 5. chamaram: Thoth, por? nã eram 


    pág. 13
    verdadeyram?te letras, n? suas palauras se exprimiã per 
    cõposiçã de silabas, mas per imag?s, cuja significaçã se 
    entendia pelo exercicio da memoria, & continua pra-
    tica: & assi pela abelha significavam o Rey, pelo falcã, 
    ou açor alguma cousa feyta cõ prestesa. Para signifi-
    car ? omem ingrato pintavã uma pomba, para ? va-
    garoso uma formiga, debayxo das azas de ? morce-
    go: & tamb? se declaravam per alg?s instrumentos, 
    ou membros umanos, como diz Diodoro Siculo, 
    livro 3. cap. 1 p. 1. E a estas notas, ou figuras chamavam 
    Hieroglifico; pelas quaes dificultosamente os om?s 
    cõmunicavã sua vontade; & por sua muyta escuridã 
    dizia Iamblico, que para entender os enigmas da 
    Theologia dos Egypcios, necessitava da Musa da di-
    vina sabidoria. Mas della usavam somente os Sacer-
    dotes, ? o que escondiam de suas ceremonias, para que 
    as cousas sagradas se nã misturassem cõ as profanas. 
    E o primeyro, que as inventou (segundo Suidas) foy 
    Cheremõ. Despoys tiveram outras letras, & caracteres 
    de que dã por autora a Rainha Ibis; & o diz tamb? 
    S. Agostinho, ? o livro da Cidade de Deos. lib. 8. cap. 
    39. ou ? Mercurio, que os Egypcios, (como acima dice-
    mos) chamaram Thoth. E Artabano quer que fosse 
    Moyses, porque assi (segundo Luis Vives ibi) o cha-
    maram os Egypcios. Outros deram a orig? das letras 
    aos Syros, donde muytos cõ Herodoto afirmam, que 
    Cadmo filho de Agenor, as trouxe de Fenicia, que he 


    pág. 14
    regiã ?tre os Syros segundo Estefano à Grecia: ainda 
    que Lucano nã ousa afirmallo, quando lib. 3. diz
          Phænices primi (famæ si credimus) ausi
    Mansuram rudibus vocem signare figuris.      
    Mas deste parecer he Clemente Alexandrino Strom. 
    1. Quinto Curcio, Isidoro, Plinio, & outros, & foy o-
    piniã de Ausonio, ? aquele engenhoso enigma, que 
    a Theon gramatico poz, a saber.
                Aut adsit interpres tuus, 
                Ænigmatum qui conditor
                Fuit meorum, cum tibi
                Cadmi nigellas filias, 
                Melonis albã paginam, 
                Notasque fulvæ sepiæ
    Cnidiosq; nodos prodidit.            
    O qual explicam Angelo Policiano ? suas Miscela-
    neas, cap. 39. & Elias Vineto, ? o cõmento do mesmo 
    Ausonio, & outros, que entendem polas filhas ne-
    gras de Cadmo as letras, pola carta branca de Melon, 
    o papiro (dõde papel) que produz o Nilo, chamado 
    dos antigos Melon, como diz Festo Pompeo, ? o 
    Vocabulo Alumento, de que Servio tamb? faz men-
    çã Æn. polas notas negras da ciba, a tinta; & polos 
    nos de Gnido os tinteyros, que como diz Plinio, lib. 
    16. ali se faziã bonissimos; ou segundo outros diz? as 

    pág. 15
    cãnas, que ? Gnido se davam excellentes, & as usa-
    vam os antigos, ? lugar de penas de aves. De maneyra 
    que o inventor das letras Gregas, ou o primeyro, que 
    as trouxe a Grecia, foy Cadmo; ainda que nisto ha 
    muyta variedade entre os Autores, que agora nã nos 
    toca averiguar, nã serà possivel tomar pè em tã pro-
    fundas antiguidades; polo que deyxo muytas cousas, 
    que ao proposito occorrem; porque se quisermos, diz 
    Quintiliano, ? o primeyro, dizer de cada cousa quan-
    to se pode, n?ca chegaremos ao fim da obra: & assi as 
    vou tocando levemente, & passando, como de salto; 
    à lingua Latina, que s? controversia alguma parece 
    manou da Grega, digo, que o Autor das letras, de que 
    ella usa, fazem ser Evandro, outros Nicostrata sua 
    mãy; mas S. Ieronimo, ? o Prefacio aos livros dos 
    Reys, certifica que Eldras, escriba & doutor da ley, as 
    inventou, despoys do cativeyro de Ierusal?, sendo ca-
    pitã do povo Zorababel, que foy na Olimpiada 66. 
    & segundo anno de Dario, Rey da Persia, conforme 
    o computo de Henrique Glareano, & annos do 
    mundo 3690. segundo Genebrardo ? sua Chronica. 
    Mas dizem nã foram ao principio mays que desasete 
    & que Carbilio Spurio, Gramatico, acrecentára a letra  
    G. Claud. Centimano a letra, r. Salustio a letra, k que ? 
    tempo de Augusto teve principio a letra x, & final-
    mente tomando o y dos Gregos, pouco, & pouco 
    vieram a incluir em seu Abece vinte, & tres letras, que 


    pág. 16
    são as mesmas, que nós usamos: seb? os Latinos anti-
    gos usaram somente das mayusculas, que vulgarmen-
    te chamamos grandes, quaes são as que pômos ? os 
    principios das escrituras, clausulas, & nomes proprios, 
    como ? seu lugar diremos; porque nenh? conheci-
    m?to tiveram das pequenas, que agora usamos, co-
    mo o dizem Plinio, lib. 7. cap. 58. Cornelio Tacito 
    lib 11. dos Annaes, Iulio Cesar Scaligero, Comp. Lat. 
    Dionisio Lambino, in Aulular. act. 1. Sen. 1. & Iusto 
    Lipsio, de recta pronuntiat. c. 8. As quaes letras mayuscu-
    las eram pouco difer?tes das Gregas, como aqui se po-
    de ver, põdo logo as Latinas, & por bayxo as Gregas.
    A B C D E F G H I k L M N O P Q R S T V X Y Z.
    A B K ? E ? ?     I    ? M N O ?    P ? T Y ? Y Z.

    Deyxei o H. & o Q. porque nã os t? os Gregos. 
    màs esta ordem nã a guardam todas as naço?s ? seus 
    abeces, & umas, t? mays, outras menos, conforme a 
    sua pronunciaçã, & lhes dão diversos nomes, porque 
    os Latinos (seg?do alg?s dizem) as chamam assi, a. be. 
    ce. de. e. fe. ge. ga i. ca. le. me. ne. o. pe. qu. re. es. te. u. ix. ze 
    Os Gregos, Alpha, bita, gama, delta, epsilon, zeta, eeta 
    theta, jota, cappa. lamda, mi, ni, xi, omicron, pi, rho, 
    sigma, tau, epsilon, phi, chi, psi, omega. E os Hebreos; 
    Aleph, beth, gimel, daleth, he, vau, zain, het, teht, jod 
    caph. lamed, men, nun, samech, ain, pe, tade, kaph, res, 
    tchin, sin, thau: as quaes todas são consoantes, & ? nu-

     

    pág. 17
    mero vinte, & duas, & por vogaes lhe servem certas 
    virgulas, & pontos, & assi elles, & os Gregos t? 
    mays dificuldade ? aprender a soletrar, que os Lati-
    nos: porque os nomes das suas letras sã todos mono-
    silabos. Al? do que os Hebreos, Caldeos, Siros, & 
    Arabes, começam sua escritura da mã direyta, para a 
    esquerda, começãdo nós da esquerda para a direyta, & 
    os Ch?s (segundo Iacobo Golio ? as adiço?s do Ca-
    tay) de cima para bayxo, & tamb? da mã direyta para a 
    esquerda: màs estes nã t? letras ? ord? de a. b. c. n? se 
    faz entre elles mençã de vogaes, ou consoantes, màs 
    t? certos sinaes, ou figuras geroglificas, por? muyto di
    versas das dos Egipcios, cõ que se entendem entresi, 
    os quaes dizem alg?s Autores são tãtas, quãtas, são as 
    palavras, porque cada palavra t? sua figura, & caracter 
    particular, & assi diz o P. Matheus Riccio da Com-
    panhia de Iesus, que são 70. ou 80000. màs que 
    bastará conhecer?se des mil, que todas por ventura 
    nã averá ? todo o Reyno qu? as conheça. Pola qual 
    razã he muyto dificultosa cousa entre elles o saber 
    ler, & escrever. Muytos delles se pódem ver ? o Athlas 
    Sinense, nas ditas adiço?s sobre o Catay: & por dar 
    gosto aos coriosos porey aqui alg?s, que lá nã estão. 
    Para significar Ceo, que elles diz? guãs, ? sua lingoa- 

    gem, poem este sinal

    para significar Rey, que el-

    les chamã Bontay,

    poem este

    & para sig-

    nificar cidade

    & he lin

    gua, que

     

    pág. 18
    melhor se ent?de escrita, que pronunciada; tudo por? 
    facilita o uso; que tãb? os Romanos usaram de certas 
    notas inv?tadas a seu arbitrio, como Ioã Bautista Por-
    ta refere ? o livro, que escreveo de occultis literarum 
    notis, l. 1. c. 3. donde veyo o nome de notario: as 
    quaes nã eram letras, màs certas figuras, & sinaes, que 
    comprendiam muytas letras, & diço?s, como as que 
    usam os Astrologos, para significar os Planetas, & 
    signos celestes, & por essa razã escreviam cõ muyta 
    velocidade: porque ? so ponto, ? sinal muyto fa-
    cil de fazer, comprendia uma palavra inteyra, & às 
    vezes mays, & assi ningu? podia escrever uma pala-
    vra cõ tanta presteza. cõ quanta outro pronunciava 
    donde Marcial, lib. 9. ep. 9.
          Currant verba licet, manus est velocior illis, 
        Nondum lingua su?, dextra peregit opus.      
    E Plutarco nos faz mençã daquella celebre oraçã de 
    Cicero, contra os conjurados de Catilina, escrita ? es-
    ta forma, que diz extava ? seu tempo. Assi tamb? 
    davam os Senadores Romanos suas sentenças, com-
    prendendo muyto ? poucas palavras: & nã so em 
    o Senado, màs tamb? ? as escolas assi se escrevia: o 
    que largamente se póde ver ? Valerio Probo, lib. de 
    Romanorum vocis interpretandis, ao qual acrecentou 
    muytas Pedro Diacono. Ennio introdusio mil & 
    cento, Cicero achou outras, & outras Tullio Tyro 


    pág. 19
    seu Liberto, & tamb? Aquila, Liberto de Mecenas; 
    Persannio Pilagiro, & finalmente L. Anneo Seneca 
    as chegou a cinco mil. Do Emperador T. Vespasia-
    no conta Suetonio, que per notas escrevia velocissi-
    mamente. Nós tamb? ? as escolas usamos de al-
    gumas abreviaturas, como por ley, ? l, por leys 
    dous ll. por codigo ? C, por digestos dous ff. &c.
    ________________________________________________________________

    CAP. IV.
    Se a lingua Portugueza foy uma das 
    setenta & duas.
    DIvididas poys as setenta & duas familias pe-
    lo mundo (como temos dito) & cada qual 
    cõ sua lingua particular, de ? mesmo idioma, da im-
    munda confuzã recebido, naceram despoys diversos 
    idiomas: porque sendo a falla toda concertada a 
    nosso módo, comoquerque o omem de sua natureza 
    seja instabilissimo, & variabilissimo animal, a nossa lo-
    cuçã nã podia ser duravel, n? cõtinua: màs assi como 
    as outras cousas, que são nossas, como os costumes, & 
    trajos, se mudam, assi esta segundo a distancia dos 
    tempos, & lugares, necessario he que varie; n? ? cou-
    sa tã fragil podia aver firmeza. Donde vemos, que a 
    lingua Hebrea, que se acha ? os livros, difere muy-
    to da que oje fallam alg?s Hebreos; porque seus an-


    pág. 20
    tepassados deyxando a lingua propria no cativeyro 
    de Babylonia, aprenderam a Sira, & nella fallavam os 
    Israelitas desde aquelle tempo té à vinda de nosso 
    Redentor ao Mundo: & nella fallou tamb? Sua 
    Magestade Altissima, & prégou aos Iudeos, como 
    dizem S. Ieronimo. lib. de nom. Hebraic. S. Ioã Chry-
    sostomo, tom. 7. in Marc. Cornelio Iansenio, in Conc. 
    Evang. c. 34. Maldonado in cap. 13. Matth. & outros. 
    E o Padre Bento Pereyra. in Gen. 18. c 8. v. 124. diz, 
    que a lingua Hebrea foy muyto completa, porque 
    como dizem os Doutores, Deos a deo a Moyses ? o 
    monte Sinay perfeytissima, s? lhe faltar (como diz 
    Frey Francisco Donato, ? o seu livro Poma Aurea,) 
    ? apice, contra as vaidades dos Iudeos, màs agora he 
    impérfeyta, & muyto falta de palavras: o que pode-
    mos tamb? dizer das demays linguas, que principio 
    tiveram daquella confusã da Torre, que nenhuma 
    outra cousa foy mays que ? esquecimento da pri-
    meyra falla. Porque as mudanças das gentes, & das 
    Monarquias nã pódem ? tãtos seculos deyxar de as 
    corromper, & mudar ? outras formas. Pola qual razã 
    Horacio ? a Arte, compara os vocabulos ás folhas 
    das arvores, porque caindo, umas sucedem outras ? 
    seu lugar.
        Vt silvæ folijs pronos mutantur in annos
        Prima cadunt, ita verborum verus interit ætas:
    Et Iuvenum ritu florent modo nata vigentque.    


    pág. 12 [recte pág. 21]
    E he o mesmo que Lucrecio disse ? o livro 1.
        Sic volvenda ætas commutat tempora rerum, 
        Quod fuit in pretio, fit nullo denique honore:
        Porro aliud succedit, & e contemptibus exit:
        Inque dies magis appetitur floretque repertum
    Laudibus, & mira est mortaleis inter honores.    
    A mesma variedade, & mudança se acha ? a Lingua 
    Latina, como notaram M. Varrã lib. 6. Quintiliano 1. 
    & 8. Polibio 3. S. Ieronimo Epist. ad Gal. Tertuliano 
    adver. gent. c. 6. E diz Horacio que ? seu tempo esta-
    va ja tã outra a lingua Latina desde os Cetegos, que 
    se resuscitaram nã a entenderiam.
       Os Póvos de Grecia, cuja lingua levou a palma 
    no polido, & suave, & copia de palavras a todas as 
    do muudo, fallam agora Turco, & Arabio, & nã ha 
    dentro ? Grecia qu? a ensine; & para alg? a aprender, 
    lhe he necessario passar a Italia: porque tudo cõ o t?-
    po se envelhece, & muda, & as linguas ? c?, ou duzen-
    tos annos se trocã de maneyra, que muitas palavras 
    dellas, os seus proprios naturaes nã as entendem, co-
    mo se foram vocabulos de lingua peregrina, & es-
    trangeyra E nã he maravilha, porque como diz M. 
    Varrã, nã so Epimenides recucitádo despoys de cin-
    coenta annos, nã he conhecido, màs tamb? Teucro 
    de Livio, despoys de doze, he dos seus estranhado.
    Se agora resucitara ? de nossos antigos Portugue-
       

    pág. 22
    zes, qu? duvida, que n? nos o ent?deriamos a elle, n? 
    elle a nós, cõ ser uma lingua que cae debayxo de 
    ? idioma, & dialetos. Em prova do que me pare-
    ce b? referir ?s versos, que o Doutor Frey Bernardo 
    de Brito tras ? a Chronica de Cister, lib. 5. c. 2. que 
    são os cõ que Gõçallo Hormigues solicitava os amo-
    res de sua querida Oriana, que sendo Moura se cha-
    mava Fatima, & feyta Christan, elle se cazou cõ ella, 
    & são estes.
             Tinherabos, nã tinherabos, 
             Tal a tal, ca monta!
             Tinharedesme, nom tinharedesme, 
             Dela vinharedes, de ca filharedes, 
    Ca amabia tudo ? soma.         
             Per mil goivos trebelhando
             Oy, oy bos lombrego, 
             Algorem se cada folgança
             Asmey eu; perque do terrenho
    Nom a bi tal perchego.         
             Ouriana, Ouriana, oy tem por certo
             Que inha bida do biber
             Se alvidrou, por teu alvidro, porque em cabo
             O que eu hei de lo chebone s? referta, 
    Mas nã ha per que se ver         


    pág. 23
    Tornando por? a nosso intento, divididas as se-
    tenta & duas linguas pelo mundo, nã he de crer, que 
    esta nossa materna, que (s? Mestre, ?tre os coeyros, 
    & no berço aprendemos, fosse uma dellas, màs si de 
    uma dellas originada, a qual cõstãtemente se diz foy 
    a Latina, que seg?do os Autores Gregos, & Latinos, 
    se dirivou da Grega: como afirmam Quintiliano. lib. 
    2. c. 5. SociPater lib. 5. Dionisio Alicarnasseo 2. in fine, 
    & outros muytos, que dizem o foy ? particular da Eo-
    lica, donde concluimos, que a lingua Portugueza nã 
    foy uma das setenta & duas linguas da confuzã, n? 
    dirivou de alguma dellas, màs da Latina, que da Gre-
    ga teve principio, & conhecidamente he sua filha, 
    como, a analogia dos vocabulos de uma, & ou-
    tra facilmente o persuade: porque muytas cousas po-
    demos dizer ? nossa lingoagem, que juntamente seja 
    Latim, & o mostrarão claramente os exemplos se-
    guintes, que aindaque vulgares, & impressos por di-
    versos Autores fazem muyta prova ao que dizemos.   
    Versos que ? Religioso fez ? lou-
    vor de S. Vrsula
    Canto tuas palmas, famosos canto triumphos, 
    Vrsula divinos, Martyr concede favores:
    Subjectas sacra Nimpha feros animosa Tyrannos, 
    Tu Phoenix vivendo ardes, ardendo triumphas, 
    Illustres generosa choros das Vrsula, bellas

    pág. 24
    Das rosa bella rosas, fortes das sancta columnas.
    Æternos vivas annos, ô regia planta, 
    Diversos cantando hymnos vos invoco sanctas, 
    Tam puras Nymphas amo, adoro, cãto, celebro
    Per vos, foelices annos, ó candida turba, 
    Per vos innumeros de Christo spero favores.
    Versos, que o Illustrissimo Senhor D. Miguel
    da Sylva fez ? louvor de Portugal.
    O quam divinos acquiris terra triumphos, 
    Tam fortes animos alta de sorte creando, 
    Per numeros sanctos gentes tu firma reserva.
    Per longos annos vivas tu terra beata, 
    Contra non sanctos te armas furiosa paganos.
    Vivas tu semper gentes mactando feroces
    De Iesu Christo sanctos monstrando Prophetas.
    Versos ? louvor de Roma.
    Roma infinitos sanctissima vive per annos,
    Pacifica gentes (vive quieta) tuas.
    Castigas grandes violenta morte tyranos;
    Ingratos animos (es generosa) fuge.
    Acquire insignes varia de gente triumphos,
    Distantes terras imperiosa rege.
    Tanto maiores titulos Bethlem alta celebra,
    Quanto Romano major es imperio.

    pág. 25
    Maior amor, maior es magnificentia, maior
    Fama, tuas Christo dando benigna casas.
    Cõ estes ha outros muytos versos, & prosas junta-
    mente impressos, que por evitar prolixidade nã re-
    firo, & desta maneyra se pudera encher muyto pa-
    pel: o que os Italianos, & Francezes nã podem fa-
    zer ? a sua lingua: n? cõ tanta perfeyçã & inteyreza 
    os Castelhanos, por mays que o contrario nos quey-
    ram persuadir ? suas obras o Mestre Oliva Morales, 
    & o Cathedratico Francisco Martins, & primeyro 
    que elles Marineo Siculo, referidos todos de Aldrete 
    ? o principio da lingua Castelhana: & assi do referi-
    do claramente se conhece, que a lingua Portugueza 
    he filha legitima da Latina.
    ________________________________________________________________

    CAP. V.
    Se ? Portugal foy vulgar a Lingua Latina.
    A Primeyra lingua, que ? Espanha se fallou, 
    diz? foy a Caldaica, & que assi o forã as pri-
    meyras letras, & que as trouxe Tubal, neto de Noe:
    màs o certo he que nella se fallaram diversas lin-
    goag?s, porque a ella vieram per tempos diversos 
    os Phenicios, os Gregos, os Messenios, os Lacede-
    monios, os Phorenses, os Rhodios, os Gallos, os 


    pág. 26
    Carthagineses, & outras muytas naço?s, se bem, a 
    mays com?, que ? Portugal se fallou foy a Grega, 
    da qual temos muytissimos vocabulos, como tãb? 
    de outras naço?s, ainda que nã tantos, como dos La-
    tinos, cuja lingua foy entre nós vulgar, no tempo, 
    que os Romanos possuiram, povoaram, & lograram 
    pacificamente Espanha; mas vindo despoys os Van-
    dalos, Suecios, Silingos, que segundo nota Paulo 
    Orosio, foy pelos annos do Senhor de quatrocentos 
    & doze: com o Imperio se mudou tãb? a lingua, 
    porque sempre os vencidos tomam a lingua, & trajo, 
    & os costumes dos vencedores. E ainda que estas na-
    ço?s, que todas são da Provincia, que chamamos 
    Gotia, parte setentrional do mundo, quizeram con-
    servar a lingua Latina, derãose tão mal cõ ella, por 
    ser? om?s dados mays ás armas, que ás letras, que 
    nã somente a corromperam, más tãb? introduzi-
    ram nella muytos vocabulos, & vozes suas, como a-
    conteceo à todas as linguas do mundo, à qual mays, 
    & à qual menos, desviandose cada uma dellas da o-
    rigem, donde teve principio, segundo o módo, que 
    a natureza lhes concedia, porque naturalmente to-
    do omem se acomoda a declarar sua necessidade, 
    como melhor possa ser entendido. Mas o Latim, 
    que naquelles t?pos, & outros muytos despoys, se 
    fallou ? Portugal, nã era puro, n? gramatical, como 
    vemos ? muytas doaço?s, que nossos istoriadores 


    pág. 27
    trazem ? suas obras, & qual elle fosse se pode ver 
    tãb? pelo letreyro seguinte, que dizem se achou j?to 
    a Chaves.
               Hic jacet Antonius Perez, 
               Vassalus domini Regis, 
               Contra Castellanos misso, 
               Occidit omnes, que quiso:
               Quantos vivos rapuit, 
               Omnes exbarigavit.
               Peristas ladeyras;
               Tulit tres bandeyras;
               E febre correptus
               Hic jacet sepultus:
               Faciant Castelani feste, 
    Quia mortua est sua peste.           
       Mas como quer que fosse, da Lingua Latina, ou 
    Romana, teve principio, & nome o Romance, de 
    que agora usamos. & he cõm? parecer entre todos 
    os doutos; & o mesmo sentem da sua os Francezes: 
    dondeu ? antigo Poeta, alegado de Antonio Domini-
    co, ? o seu Assertor Gallicus, c. 9. disse.

       Vn Clerc de Chasteaudun Lambert Licors la fit, 
    Qui de Latin la trest, & en Roman la mit.   
    Aos Romanos sucederam os Arabes, que fo-


    pág. 28
    substituir 45
    substituir 46
    ram senhores de Espanha alg?s quinhentos an-
    nos; & a lingua Arabia durou nellate ao anno de 
    mil & quatrocentos, & noventa & dous, ? que 
    ElRey D. Fernãdo o V. desterrou os Mouros della, & 
    no Reyno de Granada sefallou te o anno de 1569. ? 
    que de todo foram expulsos.
    O Licenciado Duarte Nunez de Leã, ? o livro, 
    que escreveo da origem da lingua Portugueza, des-
    de o capitulo outavo, te o capitulo desasete, traz 
    muytos vocabulos, que temos dos Latinos, Gregos, 
    Arabes, Francezes, Italianos, Alema?s, Hebreos, Sy-
    ros, Godos, & outros nossos antigos, aonde se po-
    dem ver, porque ? fim nã ha lingoagem pura, & s? 
    mistura de outras linguas: & assi como os Latinos to-
    máram muytos vocabulos dos Gregos, & de outras 
    muytas nações, como o mostram varios Autores, tãb? 
    os Gregos tomaram vocabulos de outras gentes, co-
    mo dos Persas, dos Egypcios: & o respeyto, & analo-
    gia, que ? muytas palavras umas linguas se guardam 
    a outras, se póde ver nos exemplos siguintes; ? os quaes 
    escrivi os nomes Gregos cõ as letras Latinas, porque 
    n? todos saberã ler as Gregas.   

     

     

    pág. 29
    Se eu fora mays destro ? estas Linguas, nã duvido 
    pudera trazer muytos mays exemplos, & ainda mays 
    a proposito, & por ventura cõ outras, que de todo 
    ignoro.
    O mesmo Duarte Nunes ? o capitulo vinte da 
    dita Ortografia, faz mençã de algumas palavras Por-
    tuguezas, & maneyra de fallar, que se nã podem ex-
    plicar, per outras Latinas, n? de outra qualquer Lin-
    gua, ? ellas t? estas, Mano, & Mana, palavras de bran-
    dura, cõ que falamos (diz) aos mininos, ou pessoas, a 
    que queremos b?, a que nã ha outra na lingoa Es-
    panhola, n? nas outras, que lhes responda, so os La-
    tinos [continua elle] t? uma interjeyçã blandientis, 
    que he amabo, que parece vay ter a isto, como se ve 
    ? Cicero no livro 7. nas Epistolas à Volumnio, on-
    de diz Vrbanitatis possessionem amabo quibusvis interdi-
    ctis defendamus. E Plauto, in Amphitr. Noli amabo 
    Amphitruo, irasci Sosiæ, causa mea: & cõ outra parte; 
    Quo amabo ibimus? E Terencio, ? o Eunucho; Vide 
    amabo num sit domi. Mas ? fim nã o explica da maneyra, 
    que o nos queremos significar, porque cada Lin-
    gua t? sua propriedade. Ate qui são palavras de Duar-
    te Nunez, todas de muyta erudiçã, por? nã deo ? o al-
    vo; porque a origem dos vocabulos, Mano, Mana, 
    he outra; para o que he de saber, que os Antigos 
    tomavam magnum, por bonum, assi o dizem Varrã da 
    Lingua Latina, Nonio Marcello, Festo Pompeo, A-
       

    pág. 30
    ron sobre Horacio, & outros muytos: polo que o mes-
    mo he dizer, vos soys meu Mano, que dizer, vos soys 
    meu b?, & por essa razã chamavã aos Deoses Ma-
    nes, como se os chamaram bõs, & prosperos: & ma-
    na era o mesmo que bona, & v? a ser o mesmo sen-
    tido; & pola mesma razã chamavã os Antigos a 
    Leucothea, Matuta, por sua bondade.
    ________________________________________________________________

    CAP. VI.
    Das partes da vulgar lingua.
    EM cada naçã, & ? cada lingua ha ?s, que fallam 
    melhor que outros; & parece que acerca do 
    vulgo, & gente popular, plebea, & servil, ha uma lin-
    goagem, & acerca dos nobres, cortesaõs, & pessoas de 
    juizo, & letras, outra; porque aquelles fallando (co-
    mo a experiencia nos ensina) s? observancia alg?a 
    das regras da Gramatica, n? advertencia de acentos, 
    pronunciam as palavras, ou sejam proprias, & nati-
    vas, ou peregrinas, & alheyas, corruptas, & mudadas, 
    segundo ouvem aquelles, cõ qu? praticam, & fallam; 
    & estoutros observando as regras, numeros, pessoas, 
    articulos, acentos, & módos, que por boa razã se 
    devem guardar, & observar ? toda boa lingoagem, 
    polida & ordenadamente; donde veyo a dizer Pli-


    pág. 31
    nio, lib. 11. c. 51. considerando a perfeyçã de ?s, & a bar-
    baria de outros; Explanatio animi, quæ nos distinguit â 
    feris, inter ipsos quoque homines discrimen alteram æquè 
    grande quàm à belluis fecit. Quintiliano julgou tãb? que 
    o fallar cõm?, & vulgar t? diversa natureza da pra-
    tica, & discurso do omem eloquente? Nam mihi, diz 
    elle, lib. 12. c. 10. aliam quandam videtur habere naturam 
    sermo vulgaris, aliam viri eloquentis oratto. A gente do 
    campo, diz Marco Varrã, I. de re rustica, fallava La-
    tim, por? cõ pouca policia, & mudando umas pala-
    vras per outras, & cõ diversa pronunciaçã, porque 
    como diz Cicero, a agricultura he fora de toda a e-
    legancia politica. E poys a lingua Portugueza se di-
    rivou da Latina (como dizemos) nella devemos con-
    siderar as mesmas calidades, & accidentes, & dividir 
    a oraçã ? outras tantas partes, ? que os Gramaticos 
    dividem a Lingua Latina, que são ouro, a saber, 
    Nome, Pronome, Verbo, Participio, Preposiçã, Ad-
    verbio, Conjunçã, Interjeyçã, ? as quaes se compren-
    dem todas as palavras Latinas, mas as Portuguezas 
    querem mays outra parte, a que chamã articulo, que 
    nã a t? os Latinos, màs os Gregos si. E porque para 
    o que ao diante havemos de tratar, he muyto neces-
    sario ter de todas estas partes conhecimento antes de 
    tratarmos da natureza das letras, ? especie faremos de 
    cada uma dellas particular menção, para os que nã 
    são Latinos, se bem nã cõ tanta miudeza, como soem 
    fazer os Gramaticos.

    pág. 32
    CAP. VII.
    Que cousa he nome.
    OS nomes primeyramente se dividem ? duas 
    partes, ? substantivos, & ? adjectivos. Os no-
    mes sustantivos uns são proprios, outros apellativos. 
    Os proprios são aquelles, que significam as cousas pro-
    prias & certas: como Antonio, Ioã, Pedro, Lisboa, E-
    vora, & semelhantes: os quaes todos se escreverão cõ 
    letra grande, que os Impressores chamam versal, & en-
    tendemos por nomes proprios, nã so os de omem 
    ou mulher, como Antonio, & Maria, màs tamb? os 
    seus cognomes, & apelidos como Carvalho, Silva, 
    Pereyra, &c. & tãb? os de Provincias & Reynos co-
    mo Portugal, França, Castella; os de Cidades como 
    Lisboa, Evora: Os das Gentes, como Portuguez, Fran-
    cez, Castelhano; os de Mõtes. como Siam, Olym-
    po, Tauro; de Rios, Tejo, Guadiana; de Fontes, Are-
    thusa, Cabalina; de Mezes, Ianeyro, Fevereyro, &c. 
    de Deoses da Gentilidade, Iupiter, Venus, Marte; de 
    Diabos Belsebut, Asmodeo, & finalmente todo o no-
    me, que nã póde competir mays que a uma so pes-
    soa, ou cousa. Os apellativos sã os nomes geraes das 
    cousas, como omem, cidade, rio animal, & outros taes. 
    Demaneyra que o meu nome proprio he Ioã, & o 

     

    pág. 33
    meu geral he omem; porque sendo todos geralmen-
    te omens, n? todos se chamã Ioa?s. Assi tãb? Lisboa 
    he nome proprio, & particular da Corte & Metro-
    poli deste Reyno, & o seu geral he cidade, porque 
    toda a terra semelhante se chama cidade, mas n? to-
    da a semelhante se chama Lisboa.
    T?, ou av? ao nome cinco accidentes, que são es-
    pecie, genero, numero, figura, & caso.   
    Especies do nome.
    Todas as cousas do mundo são, ou primeyras, ou 
    dirivadas; assi tãb? os nomes, ou são proprios, ou diri-
    vados dos primeyros: os primeyros são dos Gramati-
    cos chamados primitivos, & os que delles dirivam, 
    dirivativos, polla qual razã as especies dos nomes são 
    duas, uma primitiva, & outra dirivativa. Os nomes pri-
    mitivos são aquelles, que primeyro foram impostos ás 
    cousas, como Lisboa, Evora, Terra, Mar, Ceo, & seme-
    lhantes, & os dirivativos destes são Lisbonense, Ebo-
    rense, terrestre, maritimo, celeste, &c.   
    Generos dos nomes.
    He muyto necessario ? qualquer lingua conhe-
    cer os generos dos nomes, porque de outra maney-
    ra fallarseha barbaramente, como se se dissera ? mu-
    lher, uã omem. Os Latinos t? sete generos diferentes, 
    a saber, masculino, feminino, neutro, cõm? de dous, 
       
    pág. 34
    cõm? de tres, promiscuo; & incerto.
       Do genero masculino são os nomes que natural-
    mente significam macho, como os de Omens, Deo-
    ses, Anjos, Demonios, Ventos, rios, montes, & cousas 
    semelhantes.
       Do genero feminino são os que naturalmente sig-
    nificam cousa femea, como são os nomes de Mulhe-
    res, de Deosas, de Musas, de Ninfas, de Cidades, & se-
    melhantes.
       Do genero neutro são aquelles nomes, pelos quaes 
    se nã entendem machos, n? femeas, como esta voz, 
    animal, & semelhantes; mas ? Lingua Portugueza nã 
    podemos dar ex?plo ? alg? nome sustantivo, ? ad-
    jectivo; porque dizemos, todo, toda, todo, aquelle, 
    aquella, aquillo, elle, ella, ello, voz antiga ja desuzada, 
    esse, essa, isso, este, esta, isto: ? os quaes nomes s? con-
    troversia alguma, as ultimas terminaço?s, ou formas, 
    saõ do genero neutro, & cõ ellas podem concordar 
    todos nossos adjectivos, como se dissermos tudo he 
    b?, aquillo he santo, isso, ou isto he precioso; & cou-
    sas a estas semelhantes.
       Do genero cõm? de dous, ou cõm? de tres nã te-
    mos nome alg? sustantivo.
    Do genero promiscuo são certos nomes, que cõ ? 
    genero so, isto he masculino, ou feminino, significa-
    mos macho, & femea, & por essa razã se chamã pro-
    miscuo, que he o mesmo, que misturado, & cõfuso; 
       

    pág. 35
    & nos animaes quadrupedes ha muytos deste ge-
    nero, como são Tigre, Onça, Touro, Gineta, &c. Em 
    as aves muytos mays, como, Aguia, Pêga, Coruja, Cor-
    vo, Bilhafre, Açor, Francelho, Adem, &c. Nos peixes 
    infinitos, como Balea, Golfinho, Pescada, At?, Sar-
    dinha, &c.
    Do genero neutro são certos nomes, que na Lin-
    gua Latina ora se v? ? genero masculino, ora ? femi-
    nino, como dies, finis: & este segundo acerca de nós 
    he da mesma calidade, porque dizemos o fim, & a 
    fim. A diferença que ha entre o genero promiscuo & 
    incerto he, que os nomes promiscuos determinada-
    mente significam macho, ou femea, & o incerto nã 
    póde determinar se he femea, se macho.   
    Nomes adjectivos.
    Nome adjectivo he aquelle que significa alg? ac-
    cidente ? o sustantivo, a que se chega, como omem 
    illustre. Rey poderoso; aquelle illustre, & este podero-
    so mostram accidentalmente qual o omem seja, & 
    qual o Rey. Acerca dos Latinos são muy varios, por- 
    que ?s t? uma forma, outros duas; uma forma como il-
    lustre, suave, deleytavel, gentil, & semelhantes: de duas 
    como bõ, boa, mao, ma, santo, santa, &c & os de 
    tres formas poderão ser os que atrás referimos fallan-
    do dos nomes do genero neutro ? o qual genero, a-
    cerca daquelles nomes, podem concordar todos 
       

    pág. 36
    nossos adjectivos; porque poderemos dizer aquillo 
    he santo, aquillo he illustre, &c.
    Os nomes sustantivos, & os nomes adjectivos per 
    diversos efeytos seus, são tãb? diversam?te chamados, 
    a saber, ononimos, sinonimos, defectivos, hetero-
    clitos, Patronimicos, nomes de calidade, de quantida-
    de, ordinaes, numeraes, gentis, patrios, possessivos, 
    positivos, comparativos, superlativos, distribuitivos, 
    partitivos, diminuitivos. Dos quaes brevemente dire-
    mos alguma cousa, porque o que nã for Gramatico, 
    nã os estranhe, quando adiante fallarmos delles, & 
    fique confuso.   
    Nomes Ononimos, & sinonimos.
       Os nomes ononimos são aquelles que significam 
    muytas cousas, como este nome palma, que significa 
    a arvore, a vitoria, & a palma da mã. Carneyro, que si-
    gnifica o animal quadrupede, o bichinho, que dá nas 
    favas, & outros legumes, & a sepultura. Gallo significa 
    a ave, o Francez, o palmã da cabeça, & certo peyxe, 
    &c. & diz?se ononimos, por isto mesmo, que sendo 
    ? nome, t? diversas significações. Os Latinos o es-
    crevem aspirado, Hononymos.
    Os nomes sinonimos são aquelles, que sendo diver-
    sos de voz, significam uma cousa mesma, como flor 
    & bonina, lume & fogo, lodo & lama; rosto & cara, 
    &c. demaneyra que os nomes ononimos são ao revez 
       

    pág. 37
    dos sinoninos, porque estes sendo muytos significam 
    uma mesma cousa, & aquelles sendo ? somente, sig-
    nificam varias cousas.
    Nomes defectivos, & heteroclitos!
    Os nomes defectivos são aquelles, que t? alg? de-
    feyto ? si, isto he falta de alg?a cousa; porque os no-
    mes ? a Lingua Latina nã são todos inteyros, màs ?s 
    carecem de algum caso, outros de algum numero. 
    Por? os nomes da lingua Portugueza, como se nã 
    declinã per casos, porque nã os t? na forma dos La-
    tinos, como n? os Hebraicos, nã pôdem nesta parte 
    ter defeyto alg?, mas t?no ? os numeros, porque al-
    g?s nã t? singular, como ciroulas, laivos, migas, pa-
    pas, &c. & outros nã t? plural, como cal, sal, cayz, & 
    semelhantes.   
    Nomes Patronimicos.
    Os nomes patronimicos são certos sustantivos di-
    rivados ordinariamente dos pays, dos irmaõs, dos 
    avós, dos Reys, das Provincias, das Ilhas, das Cidades, 
    dos Montes, dos Rios, & de outras algumas cousas, 
    como de Alceo Alcides, de Ilia, Iliada, de Scipiã, Sci-
    piadas, de Luso, Lusiadas, de Tago, Tagides, de Par-
    naso, Parnasides, &c.   


    pág. 38
    Nomes verbaes.
    Os nomes verbaes são aquelles que dirivam de ver-
    bos; dos quaes ?s são sustantivos, outros adjectivos; 
    porque de amo, venço, dizemos amador, vencedor, 
    que são sustantivos; & amado, & vencido, que são ad-
    jectivos, &c.   
    Nomes colectivos, & temporaes.
    Os nomes colectivos são aquelles, que no singular 
    significam multidã, como pôvo, gente, turba, exerci-
    to, & semelhantes. Os temporaes, são aquelles que sig-
    nificam tempo, como são, dia, noite, semana, mez, & 
    anno, &c.   
    Nomes relativos, & interrogativos.
       Os nomes relativos são aquelles, que representam 
    os seus antecedentes, isto he, aquellas palavras, que 
    ãtes delles esta, como faz esta diçã, que, & manifesta-
    mente se ve o exemplo seguinte; Foy tãb? ao rio 
    Maranhã ? Fidalgo Portuguez, que se dizia Ayres da 
    Cunha. Adonde aquelle que, he o mesmo, que se dis-
    sera; o qual Fidalgo Portuguez, & esse he o relativo, 
    & se nã representa antecedente, nã he relativo co-
    mo neste exemplo.
                Nã sabe que seja dor, 
    Quem nã sente o mal de amor.            

    pág. 39
     Adonde aquelles que, qu?, nã chamam antece-
    dente alg?, porque para ser relativo, he necessario, 
    que se refira a alg? nome, que fica atras, ou tambem 
    que va adiante, como são qual, quanto, & tanto E assi 
    são relativos esse, este, elle, aquelle.
    Os nomes interrogativos são aquelles, que pergun-
    tam, & são os mesmos nomes, que dicemos relativos, 
    màs entã mudam alguma cousa sua natureza, dey-
    xando de ser relativos; como por exemplo.   
             Que geraçã tã dura ha hi de gente,
             Que barbaro costume, & usança fea?
    Que ma tenção, que peyto em vos se sente! &c.         
    Nomes de quantidade, & calidade.
    Os nomes de calidade são aquelles, que significã 
    calidade alg?a como soberbo umilde, benigno, douto 
    ignorante, negro, branco, &c. Os nomes de quantida-
    de são aquelles, que significam quantidade alguma, 
    como grande, pequeno, breve, longo, alto, bayxo; lar-
    go, estreyto, &c todos os quaes mostram certa grãde-
    za, ou pequenez.   
    Nomes gentis, & patrios.
    Os nomes g?tis são aquelles, que significam a gen-
    te, como Portuguez, Francez, Castelhano, Ingrez, I-
    taliano, &c. Os Patrios são aquelles, que mostram a Pa
                                                                          [tria]
       
    pág. 40
    dõde cada ? he natural; como de Portugal, Portu-
    guez, de Castella, Castelhano, &c. ou de Lisboa, Lis-
    bon?se, de Toledo, Toledano.
    Nomes possessivos.
    Os nomes possessivos são aquelles adjectivos, que 
    nacem dos sustantivos, como de Virgilio, Virgiliano; 
    de Ovidio, Ovidiano; de Plauto, Plautino; de Ci-
    cero, Ciceroniano, &c. pelos quaes entendemos al-
    guma cousa de Virgilio, Ovidio, de Plauto, & de Ci-
    cero.   
    Nomes positivos, comparativos, & superlativos.
    Os nomes positivos são aquelles ? a lingua Latina, 
    donde nacem os compãrativos & os superlativos, 
    porque de doctus, que he positivo formã o compa-
    rativo doctior, & o superlativo doctissimus. O co-
    mo, toca aos Gramaticos da mesma lingua; por? 
    a nossa Portugueza nã póde ter essas formaço?s; 
    mas ? lugar do comparativo, usamos acrecentar ao po-
    sitivo o adverbio mays, assi como ao positivo dou-
    to, damos por comparativo, mays douto; & assi a to-
    dos os mays positivos acudimos para o comparativo 
    cõ o mays, ajuda assás necessaria. Màs os superlati-
    vos são como os dos Latinos, & quasi os formamos 
    da mesma sorte. E assi he de saber que todo o positi-
    vo que acabar ? vogal, mudará esta vogal qualquer 
    que seja ? is, & cõ ? simo, ficará feyto o superlativo.
       

    pág. 41
    Ex?plo, douto, mudando o o, ? is, & acrecentandolhe 
    ? simo, fica doutissimo. Elegante, mudando o e, ? is, 
    cõ ? simo, fica elegantissimo, &c. Màs os adjectivos, 
    que acabarem ? al, formarão os superlativos, acrecen-
    tandolhe mays ? issimo; como de mortal, mortalissi-
    mo; de natural, naturalissimo: da mesma sorte os que 
    acabam ? el, como de cruelissimo. Assi os que acabam 
    ? ul [que são muyto poucos] como de azul, azulissi-
    mo. Por? os adjectivos, que na lingua Portugueza a-
    cabam ? il, como fragil, facil, dificil, & semelhantes, a-
    crecentandolhes ? imo, fica feyto superlativo, como 
    de fragil, fragilimo, de facil, facilimo, de dificil, difici-
    limo; & diremos tamb? fragilissimo, facilissimo, di-
    ficilissimo. E nesta parte nos aventajamos s? duvida 
    aos Francezes, que nã t? superlativos: & assi para dize-
    rem Christianissimo, dizem Tres Chrestien: para di-
    zer melhor, pior, dizem tres bon, tres mauvais, &c. 
    Falta que tamb? padece a lingua Hebrea, porque nã 
    t? comparativos, n? superlativos.
       T? tamb? os Latinos quatro positivos, de que 
    nã formam comparativos, n? superlativos: & nesses 
    os imitamos nós cõ tanta propriedade, que b? pare-
    ce lógo ser a nossa lingoagem filha legitima da La-
    tina, como mostram os exemplos seguintes.
       Diz o Latino;         Bonus, melior, optimus.
       E Nós;             Bõ, melhor, optimo, & bonissimo.
    Diz o Lat.             Malus, peior, pessimus.   
       

    pág. 42
     Nós;         Mao, peor, pessimo, & malissimo.
       Diz o Lat.         Magnus, maior, maximus.
       Nós;         Grande, mayor, maximo, & grandissimo.
       Diz o Lat.         Parvus, minor minimus.
       Nós;         Pequeno, menor, mininno.
       E de tudo o sobredito se colige, que o compara-
    tivo he quando se significa alg? excesso de acre-
    centamento, ou diminuiçã ao positivo, como vimos 
    ? melhor, peior, &c. & o superlativo he quando sig-
    nificamos todo o excesso de acrecentar, ou diminuir, 
    como pelos exemplos acima está patente-
    N? deyxarey de advertir que he vicio ? a lingua 
    dizer, mays mayor, ou mays melhor, ainda que tam-
    b? na Latina se acha como vemos ? Plauto, no pro-
    logo da comedia intitulada Menoechmi, quando diz; 
    Quid dederit magis maiores nugas egerit. Porque n? o vi-
    cio da lingua Latina faltasse á nossa Portugueza.   
    Nomes distribuitivos, & partitivos.
    Os nomes distribuitivos são aquelles, que signi-
    ficam distibruiçã, como cada?, nenh?, ningu?, 
    qualquer, & semelhantes. Partitivos se chamam a-
    quelles, que do todo tiram parte, como alg?, nenh?, 
    qual, outro, ?, dous, tres & todos os outros numeraes.   
    Nomes diminuitivos.
    Os nomes diminuitivos saõ aquelles, que dimi-

    pág. 43
    nuem a significaçã de seus primitivos, como, mon-
    tinho de monte, raminho de ramo, pobrete de pobre; 
    & outros taes.
    Outros muytos nomes ha diversos d’estes, para o 
    intento, por? nã he necessario fazer expressa mençã 
    de todos.   
    Do pronome.
       Despoys dos nomes se segu? os pronomes, que 
    saõ certas partes da oraçã, que se po? ? lugar dos no-
    mes proprios, & apellativos, como, eu, tu: porque fal-
    lando eu, cujo nome proprio he Ioã, & dizendo, 
    eu leo, eu escrevo, &c. aquella palavra eu, quer dizer 
    eu Ioã leo, eu Ioã escrevo. E se fallando cõ ? senhor 
    dicesse; Tu governas cõ suma justiça a teu pôvo; claro es-
    tá que aquella pallavra tu, se refere ao senhor, como 
    se dissera, tu senhor, que he nome apellativo; & por 
    essa rasã estas palavras eu, tu, se chamam, pronomes, 
    porque se po? ? lugar de nomes.
       Tamb? são pronomes, elle, esse, este, aquelle, 
    meu, seu, teu, nosso, vosso, aos quaes todos se ajunta 
    algumas vezes esta palavra, mesmo, ou mesma; assi 
    como entre os Latinos, o met porque diremos, eu 
    mesmo, tu mesmo, elle mesmo, nos mesmos, vos mes-
    mos, &c.
    A palavra, se, he pronome reciproco, de cuja de-
    clinaçã, como de ego, & tu, diremos quando fallar-
    mos dos articulos.   

    pág. 44
    __________________________________ _____________________________

    CAP. VIII.
    Do verbo.
    O Verbo he a terceyra parte da oraçã, & entre 
    todas as outras de mayor excellencia, & im-
    portancia: & para os Latinos demonstrarem sua ex-
    cellencia, chamando a todas as palavras geral-
    mente verb?, a esta o deram ? especie, como que-
    rendo significar, que ella de todas era a mays digna, 
    ? virtude daquella figura, que os Gregos disseram 
    Antonomasia, & nós intepretaremos excellencia. E 
    assi saõ os verbos como alma, & vida das outras pa-
    lavras, porque todas ellas s? os verbos saõ como mor-
    tas, ? razã de que per si nã pódem produzir senten-
    ça alguma; n? t? necessidáde de Articulos, como os 
    nomes, & os pronomes, para distinguir casos, porque 
    nã os t?, más t? pessoas, numeros, tempos, & módos. 
    As pessoas saõ tres ? o singular, como, eu, tu, elle; & 
    tres ? o plural, como nós, vós, elles. Os numeros saõ 
    dous, singular, & plural, como os Latinos: & nisso 
    lhes levã (como ? outras cousas) os Gregos venta-
    gem, porque t? singular, dual, & plural, como tamb? 
    os t? os Hebraicos. Os tempos saõ tres, presente, pre-
    terito, & futuro; dos quaes como de suas cabecas, na-


    pág. 45
    cem outros tempos. Os módos saõ cinco, indicativo, 
    imperativo, optativo, conjuntivo, infinitivo. E t? 
    mays os verbos certas palavras, a que os gramaticos 
    chamam gerundios, supinos & participios. Divid?se 
    os verbos ? nosso Portuguez ? activos, passivos, & 
    neutros, pessoaes, & impessoaes. Os verbos activos a-
    cabam seus infinitivos ? ar, er, ir, or. E conjugãose da 
    maneyra seguinte.

    Tempo presente do indicativo.
    Singular. 
    Eu amo.

    Tu amas.

    Elle ama.
    Plural. 
    Nós amamos.

    Vós amays.

    Elles amam.

    Preterito imperfeyto.
    Sing. 
    Eu amava.

    Tu amavas.

    Elle amava.
    Plur.
    Nós amavamos.

    Vós amaveys.

    Elles amavam.

    Preterito perfeyto.
    Sing. 
    Eu amey.

     Tu amaste.


    pág. 46


    Elle amou.
    Plur.
    Nós amâmos.

    Vós amastes.

    Elles amáram.

    Preterito mays que perfeyto.
    Sing. 
    Eu amára, ou tinha amado.

    Tu amáras.

    Elle amára.
    Plur.
    Nós amáramos, ou &c.

    Vós amareys.

    Elles amáram.

    Futuro imperfeyto.
    Sing. 
     Eu amarey.

     Tu amarás.

     Elle amará.
    Plur.
    Nós amarêmos.

     Vos amareys.

     Elles amaraõ.

    Futuro perfeyto.
    Sing. 
      Ia entã eu terey amado.

      Tu terás amado.

     Elle terá amado.
    Plur.
    Ià entã nós teremos amado.

    Vós tereys amado.

    Elles terão amado.


    pág. 47

    Tempo presente do imperativo.
    Sing. 
    Ama tu.

    Ame elle.
    Plur.
    Amemos nós.

    Amay vós.

    Amem elles.

    Futuro, ou modo mandativo.
    Sing.
    Amarás tu.

    Amará elle.
    Plur.
    Amareys vós.

    Amarão elles.

    Presente do optativo.
    Sing.
    Oxalá 
    Amára eu, ou amasse.

    Amáras tu, ou amasses.

    Amára elle, ou amasse.
    Plur.
    Oxalá 
    Amáramos nós, ou amassemos.

    Amareys vós, ou amasseys.

    Amáram elles, ou amassem.

    Preterito perfeyto.
    Sing.
    Queyra Deos
     que tenha eu amado, ou 
    oxalá amasse eu.

    Que tenhas tu amado.

     Que tenha elle amado.
    Plur.
    Queyra Deos
    Que tenhamos nós amado,
    ou oxalá amassemos nós.


    pág. 48


    Que tenhays vós amado.

    Que tenham elles amado.

    Preterito mays que perfeyto.
    Sing.
    Prouvêra a Deos 
    Que amára eu, ou tivera 
    amado.

    Que amáras tu.

    Que amára elle.
    Plur.
    Prouvêra a Deos 
    Que amáramos nós.


    Que amáreys vós.


    que amáram elles.

    Futuro.
    Sing.
    Praza a Deos 
    que ame eu.

    que ames tu.

    que ame elle,
    Plur.
    Praza a Deos 
    que amêmos nós.


    que ameys vós


    que amem elles.

    Presente do conjuntivo.
    Sing.

     Como eu amo, ou amando eu.

      Como tu amas.

    Como elle ama.
    Plur.

    Como nós amamos.


     Como vós amays.


    Como elles amam.

    Preterito imperfeyto.
    Sing.

    Como eu amava, ou amando eu.

    pág. 49


    Como tu amávas,

    Como elle amáva.
    Plur.

    Como nós amávamos.


    Como vós amáveys.


      Como elles amávam.

    Preterito perfeyto.
    Sing.

    Como eu amey, ou tenho amado.

    Como tu amaste.

    Como elle amou.
    Plur.

    Como nós amámos.


    Como vós amastes.


    Como elles amáram.

    Preterito mays que perfeyto.
    Sing.

    Como eu amara, ou tinha amado.

      Como tu amáras.

      Como elle amára.
    Plur.

     Como nós amáramos, &c.


     Como vós amáreys.


    Como elles amaram.

    Futuro.
    Sing.

      Como eu amar, ou tiver amado.

      Como tu amáres.

     Como elle amar.
    Plur.

    Como nós amarmos, &c.


      Como vôs amardes.


      Como elles amárem.

    pág. 50

    Voses proprias do conjuntivo ? a lingoagem Portugueza.
    Sing.

    Posto que eu ame.

    Que tu ames.

    Elle ame.
    Plur.

    Posto que nós amemos.


    Vós ameys.


    Elles amem.

    Preterito imperfeyto.
    Sing.

    Posto que eu amára, ou amasse.

    Tu amáras, ou amasses.

    Elle amára, ou amasse.
    Plur.

    Posto que nós amáramos, ou amassemos.


    Vós amáreys, ou amasseis.


    Elles amáram, ou amassem.

    Preterito perfeyto.
    Sing.

    Posto que eu tenha amádo.

    Tu tenhas amado.

    Elle tenha amado.
    Plur.

    Posto que nós tenhamos amado.


    Vós tenhays amádo.


    Elles tenham amado.

    Preterito mays que perfeyto.
    Sing.

    Posto que eu tivera amado.

    Tu tiveras amado.

    Elle tivera amado.


    pág. 51

    Plur.

    Posto que nós tivéramos amado.


    Vós tivereys amádo.


    Elles tiveram amádo.

    Presente do infinitivo.
    Amar, ou que amo, amas, ama, amamos,
            amays, amam.

    Preterito imperfeyto..
    Amar, ou que amava, amavas, amava, amáva-
            mos, amáveys, amávam.

    Preterito perfeyto.
    Ter amádo, ou que amey, amaste, amou, amámos,
            amastes, amáram.

    Preterito mays que perfeyto.
    Ter amádo, ou que amára, amáras, amára, amára-
            mos, amáreys, amáram.

    Futuro.
    Sing. Que hey de amar, has de amar, ha de amar,
        ou que amarey, amarás, amará.
    Plur.     que havemos de amar, haveys de amar, 
              hão de amar, ou que amaremos, ama-
                        reys, amarão.
    Sing.         que ouvéra, ouvéras, ouvéra de amar.
    Plur. que ouveramos, ouvereys, ouvéram de amar.

    Gerundios.
    De amar, ? amar, amando; & sendo amado.

    pág. 52

    Supinos.
    A amar, para amar.

    Participios.
    Presente, & imperfeyto.
    O que ama, & amava.

    Futuro.
    O que ha, ou ouver de amar, para amar.

       Por este módo se conjugam todos os verbos ac-
    tivos, que t? o infinitivo acabado ? ar. Os que t? o 
    infinitivo ? er, variam ? as segundas pessoas do indi-
    cativo, optativo & conjuntivo; assi como este verbo 
    faço, que nã t? as segundas pessoas destes tempos fa-
    ces, senã fazes; nem perco faz perces, màs perdes; pos-
    so, pódes, & nã posses; digo, dizes, & nã diges, ou di-
    gues, & outros semelhantes. A mesma variedade t? 
    os verbos, que t? o infinitivo ? ir, porque de ouço 
    dizemos, ouves, & nã ouces; de dispo, despes, & nã 
    dispes; de sinto, sentes, & nã sintes, ainda que alg?s 
    erradamente assi pronunciam, & assi escrevem. Os 
    verbos, que t? o infinitivo ? or, todos saõ compostos 
    do verbo simplez por; & fazem como elle ? todos os 
    tempos.
    Os quaes verbos activos podemos dividir ? qua-
    tro conjugações, & diremos, que os que t? o infini-
    tivo ? ar saõ da primeyra conjugaçã: os que o t? ? 
       

    pág. 53
    er, da segunda, ? ir, da terceyra, ? or, da quarta.
       Os verbos da primeyra conjugaçã todos fazem o 
    preterito ? ey, como amey, faley, jantey, &c. s? ne-
    nh?a exceyçã. Ainda que por este Ribatejo todos os 
    mudam ? i. agudo, dizendo, ami, falli, janti, &c. que 
    he uma notavel barbaria, & mayor por ser aqui tã vi-
    sinho da Corte.
       Os da segunda conjugaçã variam muyto ? o prete-
    rito, porque ?s o fazem ? i, como li, do verbo leo; ou-
    vi, do verbo ouço, &c. outros ? ce, como dice do ver-
    bo digo; ainda que Duarte Nunes de Leã, ? a sua 
    ortografia Portugueza, & na origem da mesma lin-
    gua, escreve dixe, & assi ? todos os tempos, que se del-
    le dirivam: & o advirto, por ser muyto grande erro; 
    os quaes se devem apontar, como os bayxos ? as 
    cartas de marear, para que os navegantes se desviem 
    delles. Outros verbos fazem o preterito ? iz, como 
    fiz, do verbo faço, outros ? ude, como pude do ver-
    bo posso; outros ? xe, como trouxe do verbo trago; 
    ainda que muytos erradamente dizem trouve: para 
    conhecimento dos quaes se nã póde dar regra me-
    lhor, que o uso.
       Os verbos da terceyra conjugaçã todos t? o pre-
    terito ? i, agudo; como ouvi, senti, & dos verbos ouço, 
    sinto, excepto o verbo vou, que faz no preterito fuy.
    Os verbos da quarta conjugaçã, todos fazem 
    o preterito como seu simple, o qual he ponho, que 
       

    pág. 54
    no preterito faz puz, assi do proprio módo compo-
    nho, disponho, anteponho, &c. farão no preterito, 
    cõpuz, dispuz, antepuz, &c.
       Os verbos passivos da Lingua Latina formãse 
    dos activos acabados ? o, acrecentandolhes ? r. como 
    de amo, amor, de lego, legor, de doceo, doceor, &c. 
    por? os nossos verbos nã saõ dessa calidade; como 
    tamb? o nã saõ os das mays linguas vulgares, que 
    todos carecem de passiva; & suprese esta falta cõ o 
    verbo sustantivo, que he eu sou, tu es, &c. junto aos 
    participios acabados ? ado, ido; & assi dizemos, eu sou 
    amado, eu sou lido, eu sou ensinado, &c. E nã sigo o 
    parecer dos nossos ortografos, que dizem nòs re-
    mediamos cõ os pronomes, me, te, se; nós, vós, se, por-
    que na realidade nã se expecifica assi a voz passiva, 
    que ha de ser o nominativo paciente, isto he a cousa, 
    que padece, concordando cõ elle ? numero, & ? pes-
    soa, como he uso de todos os verbos pessoaes; donde 
    Latinamente se diz, eu sou amado, eu sou lido, eu 
    sou ensinado, ego amor, ego legor, ego doceor; ? os quaes 
    ex?plos se ve a cousa, que padece posta ? nominativo, 
    como pede a boa Gramatica, o que se nã acha ? os 
    exemplos, que nossos ortografos traz?, a saber, mo-
    veor, movome, vestior, vistome, &c.
    Os verbos neutros saõ aquelles, que nã geram 
    passiva, como saõ os verbos vivo, sey, & outros se-
    melhantes, porque nã podemos dizer, eu sou vivido, 
    eu sou sabido, &c.   


    pág. 55
     Verbos impessoaes se chamam os que nã t? 
    todas as pessoas ? ambos os numeros, màs sómente 
    as terceyras pessoas, como disse, dizem, contam, conta-
    se, & semelhantes. E isto basta para nosso intento.
    ___________________________________________________________________
    CAP. IX.
    Dos participios.
    PArticipio, parte quarta da oraçã, saõ certas pala-
    vras, que nacem dos verbos, & delles recebem o 
    tempo, & a significaçã, como vimos no verbo amo: 
    os quaes participios t? a natureza dos nomes adjecti-
    vos, & assi concordam cõ os sustantivos ? genero, 
    numero & caso. Chamãose participios, porque par-
    ticipam dos nomes & dos verbos: por onde o Autor 
    da redicula, màs elegantissima obra, intitulada, Bellum 
    gramaticale, diz que elles se mostráram neutros, nã se-
    guindoa facçã dos nomes, n? a dos verbos, màs esti-
    veram à parte, vendo ? que paravam as cousas, cõ es-
    pectativa de ficarem cõ o primado, que entre os no-
    mes & os verbos se pertendia.
    Em o nosso vulgar, ?s acabam ? ante, ente, inte; co-
    mo amante, lente, ouvinte, & servem para ambos os 
    generos masculino, & feminino, porque saõ cõm?s 
    de dous; Outros acabam ? ado, ido, como amado, li-
    do, para os nomes do genero masculino; amada, lida, 
    para os do genero feminino, & assi todos os mays.   
    pág. 56
    ___________________________________________________________________
    CAP. X.
    Das preposições.
    AS preposições saõ indiclinaveis, & carecem 
    de genero, numero, & caso. Sempre se prepoem 
    a outras palavras, & por isso se chamam preposições, 
    nã proposições, como certo ortografo moderno 
    diz. Nossos Ortografos querem que sejam as mes-
    mas de que usam os Latinos; a saber, a, ab, abs, ad, 
    an, con, de, des, dis, en, ex, in, inter, ob, per, pro, post, re, 
    sub, trans, super; mas eu o julgo por cousa impertin?-
    te, & desnecessaria, porque nã cõpomos verbos, màs 
    ja os tomamos cõpostos da Lingua Latina cujos saõ 
    os mays delles. Màs para os que nã saõ Gramaticos co-
    nhecerem, que cousa saõ as preposições, digo que 
    saõ umas palavras, que acerca dos Latinos levam os 
    nomes, a que se ajuntam o acusativo, ou ablativo, 
    como saõ, a, de, ?, cum, per, pro, intre, cõtra, ante, & 
    semelhantes, màs como nós nã temos esses casos, de 
    que serve nomearmos as preposições?

     


    pág. 57
    ___________________________________________________________________
    CAP. XI.
    Dos Adverbios.
    ADverbios, parte seysta da oraçã, saõ certas 
    palavras, que se ajuntam aos verbos dõde to-
    maram o nome. Seu officio he dar ajuda ao verbo, 
    ou nome, a que se ajuntam, & exprimir a sentença, 
    do que se falla, cõ mays perfeyçã. Porque (por ex-
    emplo) se eu dicera Fizestes o vosso negocio; náo se ex-
    primia a sentença tã perfeytamente como dizendo; 
    Fizestes o vosso negocio b?, ou mal; acrecentando estes, 
    ou semelhantes adverbios; porque o verbo fizestes 
    persi mesmo nã o póde exprimir: & assi aquella pala-
    vra b?, ou mal, que saõ adverbios, saõ causa de que 
    elle o exprima: & deste módo saõ quasi todos os ad-
    verbios; digo quasi todos. porque os adverbios, cha-
    mados regulativos, nã sóm?te nã ajudam ao verbo 
    a fazer a sentença perfeyta, màs totalmente o pri-
    vam de sua significaçã, como quando dizemos nã 
    amo, nã leo, &c.
    Algumas vezes os adverbios se ajuntam tamb? 
    aos nomes adjectivos, para lhes acrecentar seu valor; 
    como quando dizemos b?, ou mal nacido; muyto ri-
    co, muyto grande, muyto pequeno, muyto douto, & 
    muyto ignorante; & he tamb? usado dos Latinos, co-
       

    pág. 58
    mo se achará ? Cicero pro Murena, & pro Lege A-
    graria, & tamb? ? Horacio 4. carm. od. 4.
       Estes adverbios para cõ os Latinos t? diversas do-
    minações segundo os diversos efeytos seus: dos quaes 
    para nosso intento nã he necessario tratar: sómente 
    quero advertir, que ainda que dissemos, que carecem 
    de numero, he fallando geralmente segundo os Gra-
    maticos da lingua Latina, porque ? a nossa Portu-
    gueza temos muytos, que t? plural, & singular, co-
    mo nã, si, logo, & outros, porque costumamos dizer, 
    tantos nãos, tantos s?s, tantos logos, &c. & cousas 
    semelhantes.
    ___________________________________________________________________
    CAP. XII.
    Das conj?ções.
    CHamãose conjunções certas palavrinhas da lin-
    gua, que un? & atam as outras palavras, como 
    por exemplo; Eu tradusi ? Portuguez a Virgilio, & a 
    Horacio: adonde aquelle &, he conj?çã copulativa, 
    que ajunta, ata, & une à Virgilio cõ Horacio: ou di-
    gamos a oraçã antecedente cõ a susequente; da mes-
    ma calidade saõ, ou, n?.
    Alguns querem que aquillo, que ouver à conjun-
    çã de atar, seja da mesma calidade, como verbo cõ 
    verbo, nome cõ nome, & nã v.g. positivo cõ super-
       

    pág. 59
    lativo, ou superlativo cõ positivo: màs diz Sanches 
    Brocense, que o oficio da conjugaçã he ajuntar sen-
    tença a sentença, & nã semelhantes casos, ou nomes.
    ___________________________________________________________________
    CAP. XIII.
    Das interjeyções.
    AS interjeyções saõ uma brevissima parte da o-
    raçã: servem nella de demostrar cõ suas signi-
    ficações os efeyctos & payxo?s do animo; umas de ale-
    gria, como ha, ha; outras de dor, como ay; outras de 
    maravilha, como oh. E chamãose interjeyções, por 
    que se entremetem na oraçã.
    ___________________________________________________________________
    CAP. XIV.
    Dos Articulos.
    OS Articulos servem de destinguir os casos dos 
    nomes, que na lingua Portugueza, como ? 
    as demays, que chamã vulgares, saõ todos indiclina-
    veys (como elles tãb? o são) & so constam de genero 
    & de numero, porque esta ? a sua força & natureza, 
    declarar, & difinir as cousas incertas, restringindo a 
    voz cõmum à alguma cousa, ou pessoa determinada, 
    como proprio, individuo, & por essa razã foram in-

    pág. 60
    ventados, porque o nome, n? o pronome, nã podem 
    muytas vezes declarar as cousas que apontam ? con-
    fuso, & quasi ? abstracto, n? ainda distinctamente & 
    quasi ? concreto. E he proprio das linguas Seten-
    trionaes, & assi o usam, ainda que cõ alguma diferen-
    ça, aquellas provincias, que estão debayxo do Norte, 
    ? as quaes está a Gotia: Por ventura os tomassem dos 
    Gregos, que primeyro os usaram. Os Latinos diz 
    Quintiliano. lib. 1. c. 4 nã t? necessidade de articulos, 
    & assi o vemos por experiencia. Màs quam importan-
    te sejam, se póde ver daquelle lugar do Evangelho, 
    Ego sum pastor bonus; adonde o Latim nã explica a-
    quella singularidade, que o Grego nos quer apontar; 
    a saber, que nenh? verdadeiramente he bõ pastor, 
    senã aquelle que ? aquelle lugar o diz; & isto se ex-
    plica perfeytissimamente cõ o articulo o, assi como; 
    Eu sou o bõ pastor. Mays; se dicermos Elle he Rey, s? 
    articulo, nã se entenderá, que Rey he determinada-
    mente, n? donde he Rey; màs se dicermos, Elle he o 
    Rey; denotaremos que Rey he, a saber aquelle, de-
    bayxo de cujo imperio vivemos; ou aquelle de que 
    antes se fazia mençã.
       E por o articulo ser de tanto momento, escrevem 
    delle varios Autores particulares obras; como foram 
    o Gabrielli, o Corso, Pedro Bembo, & outros.
    São, poys, como dice, os articulos indiclinaveys, 
    màs t? variedade ? o genero, & numero; & como so 
       

    pág. 61
    cõ elles nã pôdemos dar a necessaria demostraçã 
    dos casos, socorremonos das preposições de, a, cõ 
    as quaes os demostramos; porque a preposiçã de, 
    servenos para o caso de genitivo, & ablativo; & a 
    preposiçã a para o dativo, & os mays casos nã ne-
    cessitã de preposiçã, como no exemplo seguinte se ve.
       
    Para o masculino.
    Singular. 
    Plural.
    Nominativo 

    Nominativo 
     os
    Genitivo 
    do 
    Genitivo 
    dos
    Dativo 
    ao 
    Dativo 
    aos
    Accusativo 
     o 
    Accusativo 
     os
    Ablativo 
     do 
    Ablativo 
     dos.
       
    Para o feminino.
    Singular. 
    Plural.
    Nominativo 
     a 
    Nominativo 
     as
    Genitivo 
    da 
    Genitivo 
    das
    Dativo 
     á 
    Dativo 
    ás
    Accusativo 
     a 
    Accusativo 
     as
    Ablativo 
     da 
    Ablativo 
     das.
       
    Os vocativos nã t? articulo, porque a natureza dos 
    nomes relativos & demonstrativos, como os articu-
    los saõ, nã padecem aquelle caso, que requere presen-
    ça da pessoa, a que se dirijam as palavras de chamar; 
    & assi nã t? variedade de genero, n? de numero, por-
    que dizemos ó senhor, ó senhores, ó senhora, ó se-
       
    pág. 62
    nhoras. Pola qual razã erram os que cuydam, que o ar-
    ticulo t? variedade de caso, nã tendo mays que o, a, 
    & o que se lhe propo? saõ as ditas preposições, porque 
    ? lugar de dizermos de o, de a, viemos a dizer do, da, 
    comendo & apagando o, e, por uma figura chamada 
    Sinalefa, assi como tãb? costumamos dizer no, na, ? 
    lugar de o, ? a; & por cõ o, cõ a, co, coa. De maneyra que 
    quando dizemos ao a, he preposiçã o articulo, & 
    quando dizemos à inclui nos ali pola sinalefa, a pre-
    posiçã cõ o articulo feminino; & nã he necessario, 
    que quando a preposicã se ajunta ao articulo femi-
    nino, que he no caso do dativo, escrevamos por dous 
    aa, como quer o Lecenciado Duarte Nunes, & 
    seus sequazes,
       Aos nomes proprios nã he necessario preceder ar-
    ticulo o, n? a; & assi nã diremos o Pedro, o Cesar, &c. 
    màs Pedro, Cesar, &c. nos apelativos si, porque dize-
    mos o omem, o Rey, &c. diremos cõ Pedro, cõ Ce-
    sar; & da mesma sorte cõ o Rey, nã cõ Rey, cõ o o-
    mem, & nã cõ omem.
       Po?se tãb? ás vezes os articulos nos apellidos & 
    cognomes de pessoas muyto conhecidas, de que fre-
    qu?temente fazemos mençã, como o Navarro, o 
    Mantuano, entendendo o Doutor Martim de Aspil-
    cueta, o Poeta Virgilio, &c.
    Para melhor intelligencia dos articulos & saber-
    se quando escrevemos a, ou á, nos governamos pelos 
       

    pág. 63
    Castelhanos, desta sorte: dizem elles, Voy a Roma, voy 
    a Toledo; nós diremos tãb?, vou a Roma, vou a Tole-
    do; ent?d?do que ali o a, nã he articulo, mas preposi-
    çã s? articulo; & quando elles disserem, voy a la India, 
    voy a la Persia, nós diremos, vou a India, vou a Persia; 
    entendendo, que naquelle á se une o articulo cõ a 
    preposiçã; pola qual razã nossos Ortografos quer? 
    que entã se escrevam dous aa, a saber ? do articulo, 
    & outro da preposiçã, o que nã conv?, màs contrail-
    los ambos ? ?, pola dita sinalefa, ou apocope.
    A alguns nomes de Provincias ajuntamos articulo, 
    & a outros nã, porque dizemos, Italia he Provincia 
    grande, & fertil; v? b? a Italia, vou a Italia, & o mesmo 
    a França, Lombardia, Espanha, & outras, & nã diremos 
    vou a India, v? bem a India, màs diremos vou à India, 
    vem bem à India, ajuntando o articulo á preposiçã. 
    Pelo conseguinte diremos vou a Corinto, a Tole-
    do, & nã ao Corinto, ao Toledo; & diremos ao Cayro 
    ao Porto, & nã a Cayro, a Porto: màs disto, como 
    b? advertio o Lecenciado Duarte Nunes, nã se pó-
    de dar outra razã, senã, que o pede assi a orelha.   

     

     

    pág. 64
    ___________________________________________________________________
    CAP. XV.
    Da divisã das letras.
    O Que ategora dicemos nã foy mays que uma 
    preparaçã para as regras de nossa ortografia, 
    que daqui podemos dizer t? principio; & como o f?-
    damento della são as letras, necessario he qne 
    digamos quantas, & quaes saõ: que ainda 
    que no capitulo primeyro, & no capitulo terceyro, 
    fallamos dellas, nã per enchermos entã o nume-
    ro, n? tratamos mays que das mayusculas, s? 
    lhe darmos os nomes, cõ que as chamamos, & assi nã 
    pareça superfluo, trazellas aqui outra vez, nesta 
    forma.
    Letras mayusculas, ou grandes.
    A. B. C. D. E. F. G. H. I. K. L. M. N. O. P.
    Q. R. S. T. V. X. Y. Z.
    As quaes servem para os nomes proprios de pes-
    soas, lugares, rios, montes, &c.   
    As minusculas, ou pequenas.
    a. b. c. d. e. f. g. h. i. k. l. m. n. o. p. q. r. s. t. u. x. y. z.
    Nomeãse assi; A, be, ce, de, e, efe, ge, aga, i, ca, elle, eme, 
    ene, o, pe, qu, erre, esse, te, u, xis, ypsilon, ze. As quaes 
       
    pág. 65
    os modernos acrecentã tres, ç. j. v. que chamã, ce, je, 
    ve. Com as quaes se incluem vinte & seys ? nosso 
    abc. Estas se dividem ? vogaes, & consoantes: as vo-
    gaes saõ seys, a. e. i. o. u. y. Chamãose vogaes por ex-
    cellencia da voz, que formam; porque ellas per si sós 
    saõ fundamento da voz: isto he que pódem pronun-
    ciar, & formar sillaba, s? ajuda das consoantes, que 
    saõ todas as outras, que nã saõ vogaes, & s? ellas nã 
    pódem soar; n? dar tempo, espirito, ou teor á voz: de-
    maneyra que s? uma das vogaes, ? a nossa lingua Por-
    tugueza nã póde soar vóz perfeyta, ainda que se po-
    nhã muytas consoantes juntas, assi como scr, str, spl, 
    & semelhantes, se b? Duarte Nunez contra toda ra-
    sã, uza escrever, esta mesma palavra assi, screver, & as-
    si strado, por estrado, splendor, por esplendor, & ou-
    tras semelhantes, o que de nenh?a maneyra devemos 
    fazer, porque devemos escrever como pronuciamos.
    Algumas linguas estrangeyras poem talvez quatro 
    & cinco consoantes, juntas s? vogal, como a Todes-
    ca ? estes vocabulos, Tenevboltlz, Vulreltsch, & seme-
    lhãtes, màs devem s? duvida entender ? os taes voca-
    bulos alguma vogal; porque ? toda a sillaba, como ? 
    todas as outras cousas, concorrem materia & forma; 
    & por tanto podemos dizer, que a consoante 
    he a materia, & a vogal a forma; porque esta 
    he a que rege o sõ, logo assi como duas formas 
    s? materia nã pódem produzir sillaba, assi duas ma-
       

    pág. 66
    terias s? forma nã o podem produzir. Ainda que Dan-
    te ? o livro da vulgar eloquencia afirma, que aquel-
    le verso de Gerardo Bornelli.
    Ara aufiren encabalitz catorz.       
       He de onze silabas, como que aquelle r. & z. fa-
    çam uma silaba per si: màs deve ser como dice, por 
    alguma vogal, que se ali ?tenda porque o verso pare-
    ce s? duvida brachy cataletico. Senã he, como alg?s 
    dizem que algumas linguas proferem muytas pala-
    vras s? vogaes á maneyra dos mininos, quando cho-
    ram, & outros semelhantes módos; màs saõ todavia 
    vozes indescerniveis, qual he a nota st, dos Latinos, 
    quando se quer pedir silencio, como Terencio in 
    Phorm act. 4. Quid? non is obsecro es, quem semper te es-
    se dictitasti? Chre. st, &c. & assi tamb? Plauto, in Curcu-
    lio; st, tace, tace, &. o mesmo ? Casina, & outros luga-
    res; & della Cicero. 2. de orat. ad Q. Fratr. E da mesma 
    nota usamos ? Portuguez, se b? por ora me nã sey de-
    terminar como se deva escrever, se st, como os Lati-
    tinos, se xt.
       As consoantes se dividem ? mudas, & semivogaes; 
    as mudas entre os Latinos são outo, nós as fazemos 
    dez, cõ as que os modernos acrecentam je, ve, senã 
    querem que sejão onze cõ o ç.
    Chamãose mudas, porque tirandolhes as vogaes, 
    que as acompanham, & cõ que de sua natureza se 
       

    pág. 67
    pronunciam como be. ce, de, &c, ficã mudas, & s? sõ: 
    & na cõposiçã, deyxando a cõpanhia da vogal, que 
    lhes dava o sõ, caem sobre a vogal, que se lhes segue 
    & mudam o sõ, como se ve desta palavra barã; adon-
    de o b, deyxou o e, que era seu proprio sõ, & se aco-
    modou cõ o a, porque de outro módo ouvera de ser 
    bearã. E tamb? se podem chamar mudas, porque se 
    mudam, nesta forma, que dizemos.
       As semivogaes são seys, f. l. m. n. r. s. chamãse assi; 
    porque nã saõ tã imperfeytas, como as mudas; n? tã 
    pouco gozam tãta perfeyçã de sõ, que possam chamar 
    se vogaes; & assi se chamam semivogaes, que val tan-
    to, como meas vogaes; porque na composiçã ret?, 
    & conservam o seu sõ, por razã de se formarem ? tal 
    parte da boca? que se pódem pronunciar s? ajuda 
    das vogaes, ainda que per si nã constituam silaba. 
    Quatro destas se dizem liquidas, que são l m. n r: por- 
    que acompanhadas cõ outras consoantes se ouve 
    muyto claro o seu sõ x & z. são letras dobradas co-
    mo ? seu lugar diremos.
    ________________________________________________________________
    CAP. XVI.
    Como se pronunciam as vogaes.
    ESta letra A. para cõ os Latinos, Gregos, He- 
    breos, Arabes, & segundo S. Isidro 1. Etim. para 
    cõ todas as outras linguas independentes destas, he 

    pág. 68
    a primeyra ? ordem do Abece, assi das consoantes, co-
    mo das vogaes, pola qual razã Ausonio a chama guia 
    dos Elementos.
    Dux Elementorum studijs viget in Latijs.       
    Donde veyo a tomarse polo principio de qual-
    quer cousa: & consta do Apocalypse; adonde para 
    Deos dizer, que he principio (s? principio) & fim (s? 
    fim) de todas as cousas, diz Ego sum Alpha, & Ome-
    ga; porque o O mega he o ultimo do Alfabeto Gre-
    go. E assi nos Theoremas dos Geometras se toma 
    pola principal parte da linha, & de, qualquer cousa 
    como se poderá ver na perspectiva de Euclides: & o 
    Francez para dizer que ? he omem muyto de b?, diz 
    por adagio que está assinalado cõ A. Os Gregos soiam 
    contar pelas letras do seu Abece; donde se entende-
    rá o epigrama de Marcial a Codro, lib. 2.   
           Quod Alpha dixi Codre pænulatorum
           Te nuper, aliqua c? socerer in charta;
           Si forte bilem movit hic tibi versus, 
    Dicas licebit Beta me togatorum.       
    Tinha Marcial dado este nome a Codro, de que 
    era o primeyro dos plebeos, & pobres, de que Co-
    dro se dava por afrontado, & corrido; & assi para o de- 
    sanojar lhe diz, que elle lhe da licença, que o chame 
    a elle segundo dos nobres, & ficará vingado; & para 
       
    pág. 69
    dizer primeyro, usa destes termos Alpha, Beta, pri-
    meyra & segunda letra do Abc.
       Plutarco disputa a razã, porque esta letra he a pri-
    meyra de todas, & se toma por outros principios; & 
    per opiniam de Protogenes Gramatico, diz que 
    porque as vogaes saõ as mays principaes, (porque fa-
    zem per si mesmas voz) & das vogaes o A. Ammo-
    nio diz, que Cadmo (que foy qu? segundo alg?s 
    as poz na ordem, que oje guardam) teve considera-
    çã, a que despoys da caza, & da mulher, o principal 
    da fazenda he o boy, cõ que se lavra & cultiva a ter-
    ra, que nos da o sustento; & porque Alpha, ? a lin-
    gua Fenicia significa o boy, por isso deo o primey-
    ro lugar ao A, que ? Grego como dicemos se diz 
    Alpha. Tãb? diz Plutarco outra razã, que afirma ter 
    ouvido a seu avô Lampria (que alude a de S. Isidro) 
    & he, porque a primeyra, que pronuncia o omem ? 
    nacendo, he esta: & a que mays me quadra, porque cõ 
    ella denunciamos os ays, cõ que neste valle de lagri.
    mas vivemos E outra razã he, porque t? mays facil 
    pronunciaçã, que todas as outras, porque se forma 
    cõ ? natural movimento, & abertura dos beyços, & 
    nã he necessario saber fallar, para a pronunciar, co-
    mo cõsta de alg?s Profetas, que disseram, que nã sa-
    biam falar, A. A. A. Nescio loqui. Cap. 1. Hier.
    Os Latinos a chamam vogal livre, & prepositiva, 
    porque recebe despoys de si todas as outras vogaes 
       

    pág. 70
    & consoantes; & a nomeam, como todos os que del-
    les dirivam sua lingoagem, simplezmente, A. os Gre-
    gos Alpha, os Hebreos Aleph, os Arabes Alif, ou 
    Alifa.
       Nã se dobra ja mays ? diçã alguma Portugueza, 
    n? no principio, n? no meyo, n? no fim, como tam-
    b? nenhuma das outras vogaes, contra o parecer de 
    nossos Ortografos, como logo direy.
       He vogal simples, & pura, & na cantidade, assi 
    para cõ os Gregos, como para cõ os Latinos, a qu? 
    siguimos, duvidoza: porque póde ser breve, & póde 
    ser longa, segundo o lugar onde cair, como ? este no-
    me vara: aonde o primeyro a, he longo, & o segundo 
    he breve: por? nã ha mays que ? a, que ser longo, 
    ou ser breve, he cousa acidental: porque per si nã he 
    longo, n? breve, & póde ser ? & outro, como todas 
    as outras vogaes: cuja pronunciaçã se varia, confor-
    me os acentos, ou as letras, a que se ajuntam: porque 
    quando t? o acento agudo, parecem grandes, quan-
    do o t? grave pequenos.
    Quando o a se po? antes de m, ou n. Pronunci-
    ase cõ menos hiato, & abertura da boca, & fica pare-
    cendo pequeno, nã o sendo; assi como ? flama, cano: 
    de maneyra, que o ser grande, ou ser pequena a vo-
    gal, consiste na longura, ou espaço, cõ que se pron?-
    cia, & nã na maneyra della. Iunto a outras letras nã 
    soa tã obtuso.   


    pág. 71
        Mandase fora da boca cõ espirito mays cheyo, que 
    nenhuma das outras vogaes; redusindose o gorgo-
    millo, & o espaço ? que se forma a voz, a mayor re-
    dondeza, & abayxandose o grosso da lingua, para 
    dar saida mays larga ao flato, que faz a tal voz, & o 
    restante da boca, cõ os beyços, fica ? sua ordinaria 
    postura, senã ?quãto he necessaro ac?modar a aber-
    tura da boca á voz, que sae.
       Em quanto letra elemental, tomada (como dizem) 
    ? abstrato, n? t? acento, n? medida, màs despoys, que 
    se faz diçã, & cõ a diferença dos acentos, varia tam-
    b? a pronuciaçã.
       Quando se poem por relativo, antes, ou despoys do 
    verbo, como à amo, ou amo a, se asinalará cõ acento 
    grave, como nòs exemplos se ve, porque entã t? a pro-
    nunciaçã breve, & remissa. Quando he preposiçã, 
    se asinalará cõ acento agudo, porque entã he longo: 
    & o mesmo se faz quando essa preposiçã se ajunta 
    cõ o articulo: & debayxo desta unica figura á se in-
    cluem ambos per sincopa, & nã se escreverã dous aa, 
    como o Licenciado Duarte Nunez, & seus sequa-
    zes dizem, ainda que Alvaro Ferreyra de Vera, diz 
    que tamb? póde ser como nós dizemos. Quando he 
    articulo, nã ha mister acento grave, n? agudo.
       A importancia destes acentos mostraremos, quan-
    do delles tratarmos.
    He esta letra a. fatal para os de entre Douro, & 
       

    pág. 72
    Minho, & Beyrões, siguindoselhe outro a. porque nã 
    os pódem pronunciar ambos ? detras do outro, s? lhes 
    meter de permeyo ? y, & assi havendo de dizer, a a-
    gua, a alma, infalivelmente hã de dizer ay agua, ay 
    alma. Màs o mesmo vicio t? [segundo Frey Regnial-
    do Acceto, ? o tesouro de sua lingua] algumas terras 
    de Italia, como as do Brexiano, & Ariano do R?, 
    que por dizerem aqua, pane, cazo, barca, dizem, ay-
    qua, payne, cayso, bayrca, &c.
       Em alg?s vocabulos, que dos Latinos temos se 
    converte ? e. como de alacris, alegre; factus, feyto; 
    faxus feixe; basium, bejo; lac, leyte; magister, mestre; 
    sagitta, seta, & outros taes As vezes ? o, como de fa-
    mes, fome, &c.
    Cicero a chama letra salutifera, ou saudavel. 3. Ver. 
    Porque como diz Asconio Pediano, era letra de ab-
    solviçã, como o c. era de condenaçã, màs ? as divinas 
    letras era sinal de alguma ameaça; porque b? notou 
    o Padre Frey Xisto Senense, lib. 3. de divinis. Os Ex-
    positores antigos soiã por no texto alg?s sinaes, al-
    guns dos quaes nã eram letras, outros si: como que 
    cõ elles denotavam os sentidos encubertos ? a letra, 
    ou sentença, adonde se punham, & assi entre elles o 
    a significava, que a prófecia a que se antepunha, era 
    sempre cominatoria; como por Isaias diz A. Poem or-
    dem Deos ? seus caminhos. Ionas A. Dentro de quarenta 
    dias Ninive sera destruida.   


    pág. 73
        Os Antigos agoureyros adivinhavam per esta letra, 
    como per outras cousas, como advertio Cicero. Em 
    as subscripções, & inscripções, diz Prateyo, que he 
    antenome, & que significa Augusto; màs aqui nã he 
    senã cognome, ou sobre nome, como advertio o Mes-
    tre Bertolameu Ximenes Patã, ? o seu Epitome da 
    ortografia Latina & Castelhana; & assi quando he 
    antenome, pola mayor parte significa Aulo, segundo 
    o disse Valerio Probo Gramatico, ? o tratado, que 
    disso fez.
    ________________________________________________________________
    CAP. XVII.
    Do E.
    E Segunda vogal he letra simplez, & a mays vi-
    sinha, & semelhante na pronunciaçã ao a, que 
    nenhuma das outras vogaes; porque havendose de 
    pronunciar e, & continuandose a voz, se alg? tanto 
    abrimos mays a boca, o seu sõ se converte ? a. E assi 
    t? melhor sõ que as outras vogaes, excepto o o, por-
    que nã se forma tã prontamente seu espirito dos 
    beyços, como o sõ do a.
    Cuydam alg?s que he de duas maneyras, porque 
    assi como dicemos do a, o pronunciamos ora longo, 
    ora breve; como nesta palavra besta; que tomandose 
    polo animal, t? o e breve; & tomandose pola arma 
    t? o e, longo, & se escreverá cõ acento agudo ?ci-
       
    pág. 74
    ma. Por? na pronunciaçã desta letra nã discrepa-
    mos dos Latinos, segundo o uso de agora, porque 
    do antigo nã podemos fazer resoluto juiso, nã sen-
    do certos de como pronunciavam os escritos, os mes-
    mos falladores delles.
       O Trissino considerando já o mesmo, acerca de 
    sua lingua Italiana, quiz introduzir nella o e tenue 
    dos Gregos, que he desta fórma ?, & o mesmo acer-
    ca do o, acrecentando ao abece o dito e, & o Ome-
    ga Grego, que he ?, porem nã foy siguido, por 
    mays razões, & argumentos, que para o persuadir 
    acumulou; que he tã mao de desarreygar de nossos a-
    nimos, o que nos annos pueris uma vez percebemos, 
    como tirar de uma vasilha o sabor, que ? nova rece-
    beo: n? das lãs se pódem apagar aquellas cores, ? que 
    aquelle simplez candor uma vez se mudou: & sem-
    pre se apegam mays pertinazmente aquellas cou-
    sas, que, piores saõ, & as boas cõ muyta facilida-
    de se perdem. Nã ha por? duvida, que estas duas le-
    tras do Trissino eram superfluas, porque cõ ? a-
    cento encima, agudo, grave, ou circunflexo, se póde 
    remediar a ambiguidade destas letras, como a dian-
    te diremos. E ja que acrecentava o ?, & o ?, pudera 
    tamb? acrescentar o æ, pois he da mesma natureza.
    Servenos tamb? esta letra e, de conjunçã, & do 
    mesmo servia aos Antigos Latinos, s? t, como Elias 
    Veneto diz sobre este verso de Ausonio.   


    pág. 75
    Elogo Dædalia stridet modo quid nimium?      
       E assi cõ pouco fundamento certo escritor nos-
    so moderno usou promiscuamente della & do i, por 
    cõjunçã, imitando a alg?s Castelhanos, que fizeram 
    o mesmo com o e. Seb? nã ignoro, que os Antigos ? 
    muytos vocabulos, confundiam estas duas letras; dõ-
    de Quintiliano, lib. 1. c. 4. disse que ?, here, n? o i, n? o 
    e, se ouviam distintamente, ? Ingrez t? grande ami-
    zade entre si, de maneyra, que uma supre o lugar da 
    outra, & se usam ás vezes indiferentemente.
       Em alg?s vocabulos, que dos Latinos temos, o 
    mudamos ? i, como de legi, li, de feci, fiz, de steti, es-
    tive, & outros taes.
    ________________________________________________________________
    CAP. XVIII.
    Do I.
    I Terceyra vogal t? o sõ debil, sutil, & ligeyro, incli-
    nado, & todavia doce, & apto (como diz Platã) 
    para exprimir as cousas sutis, porque nenhuma das 
    outras vogaes t? menos espirito, màs produz o sõ 
    aprazivel, & suavemente alg? tanto.
    Formase cõ o gorgomillo menos redondo, do 
    que ? produzir a, o, & engrossando alg? tanto a raiz 
    da lingua, passa o flato per lugar mays dezempedido, 
       

    pág. 76
    do que ? fazer as sobreditas. T? a natureza longa, & 
    breve, segundo Quintiliano, lib. 1. c. 7. Breve, como ? 
    solido, & longa, como ? perigo, màs esta diferença 
    se assinalarà cõ os acentos, a saber solido, perigo.
       Foy esta letra tida geralmente umas vezes por 
    vogal, & outras por consoante; & assi era anfibola, o 
    que nunca faz ? Hebreo, n? ? Grego: màs os moder-
    nos as destinguem agora cõ figuras diferentes; & o 
    advertio ja muyto antes Iorge Bartoli, Gentilomem 
    Florentino, ? o tratado, que fez dos elementos da lin-
    gua Toscana; ainda que ? quanto consoante lhe não 
    deo nome, n? figura.
       O licenciado Duarte Nunez ? a sua Ortografia, 
    fol. 8. v. diz, que o soido desta letra, quando he vogal 
    he proprio, & natural seu, & quando he consoante, 
    improprio, falso, & alheo de sua natureza; & que este 
    he cõmum ao g. quando o pronunciamos cõ e. i. que 
    he uma pronunciaçã Mourisca tã alhea da proprie-
    dade do g, como do i, & traz por exemplo estas pa-
    lavras, janella, jej?, joane, justiça, ? os quaes (diz) nã 
    sintimos ? a pronunciaçã alguma semelhança do i, 
    consoante dos Latinos, que segundo elle, t? o soido, 
    que vemos ? Troia, Maio, ou ? estas palavras Lati-
    nas, hei, huic, cui, onde os Autores Latinos dizem ser 
    o i, consoante.
    A ningu? quizera contradizer, somente digo, que 
    nã sey a pronunciaçã, que os Antigos davam a Troia.
       

    pág. 77
    Maio, hei, huic, cui; màs que janela, jej?, justiça, me 
    soam os ouvidos, como ianua, ieiunium, Ioannes, ius-
    titia dos Latinos, conforme nós agora os pron?cia-
    mos, que como elles os pronunciavam, nã haverá oje 
    qu? o diga. N? deyxo de reparar acerca do que diz 
    ali o Licenciado Duarte Nunez, que se ? hei, huic, cui, 
    o i, he consoante, como se acham ás vezes de duas si-
    labas? b? sey que dirã que por Dieresis, como ? 
    Stacio.   
    Falsus huic pœnas, & cornua sumere terræ.    
    E neste de Ausonio.   
    Dinochares quadro cui in fastigia cono.    
    Adonde diz Turnebo se ha de ler cuui, por fazer 
    a silaba longa, como tamb? se acha ? os Comicos, 
    & Plato disse fuuerit, pro fuerit: màs parece que se 
    ali o i fôra consoante, nunca tivera lugar de vogal: & 
    os Antigos disseram tamb? qui, por cui, & cui, por 
    qui; màs estes argumentos nã saõ deste lugar; & assi 
    tornando ao nosso intento, consinto no que nossos 
    Ortografos dizem, que o i, quando fizer oficio de vo-
    gal se escreva cõ figura pequena, nesta forma i; & 
    quando fizer oficio de consoante, rasgado para bay-
    xo, assi j, ao qual os Modernos chamam je, & eu lhe 
    chamara jo, dedusindoo de Iod da lingua Hebraica, 
    ? a qual sempre he consoante; porque ao je, lhe nã 
       
    pág. 78
    acho origem alguma, & he confundillo cõ o ge, que 
    assi se hade chamar esta letra g, & n? ga; porque es-
    te foy sempre o seu nome, entre os Latinos, como 
    diz Iosepho Escaligero sobre Ausonio; Nam Latini 
    (diz elle) pronunciant be, ce, de, ge, pe, te, &c. & nós assi o 
    pronunciamos ategora.
       Màs ou seja je, ou jo, quando he consoante, t? 
    muyto diverso oficio, do que quando he vogal: por-
    que o j consoante sempre fere outra vogal, & nun-
    ca se po? antes de outra consoante, n? ? o fim de al-
    guma diçã, n? t? lugar no principio dos nomes pro-
    prios, que esses se escrevem cõ letra mayuscula, como 
    I. E o i vogal nunca fere outra vogal, & pode ir no 
    fim de qualquer diçã. Em os numeros antigos, & 
    modernos significa ?.
    ________________________________________________________________
    CAP. XIX.
    Do O.
    O He elemento vogal, de muyto bõ sõ, & de fi-
    gura perfeytissima, porque he redondo simbo-
    lo de toda a Eternidade, porque nã selhe parece prin-
    cipio, n? fim; aindaque tambem he simbolo do fim, 
    porque o Omega he a ultima do Abece Grego, co-
    mo está dito. He tamb? simbolo de dezejos, & por 
    essa razã uma das festas de Nossa Senhora [que he a 


    pág. 79
    Expectaçã, ou como vulgarmente se diz da Esperan-
    ça,] se diz Nossa Senhora do O, porque no oficio, 
    que a Igreja sete dias per aquelle tempo reza, come-
    çã sete antifonas per O.
    Nã quero deyxar de referir aos curiosos ? enigma, 
    que o Mestre Bertolameu Ximenez Patã traz ? a sua 
    dita Ortografia, & tamb? por aver sido o caso mila-
    groso, de dous versos, que a ? Servo de Deos foram 
    dados, que diziam.   
       Dimidium lunæ, & spheram cum principe Romæ.
    Postulat à nobis divinus conditor orbis.   
       Os quaes versos, explica o mesmo, lhe puseram ? 
    cuidado, até que achou a explicaçã, que he esta; Deos 
    criador do Ceo, & terra, nos pede que lhe demos o co-
    raçã. Diceo por estes termos; pedenos tres letras, que 
    sinificam pela mea l?a o. c, pela esfera c. o, pelo prin-
    cipio de Roma or, que todas juntas dizem cor, que 
    significa o coraçã, & pedindo isto pede a alma, por-
    que segundo muytos filosofos, ? o coraçã t? seu prin-
    cipal assento. Por isto o Sagrado Doutor S. Agosti-
    nho tomou por armas ? coraçã atravessado cõ uma 
    seta do amor de Deos: no que o imitou o b?aven-
    turado Santo Thomas de Villa nova filho de sua ve-
    neravel Religiã.
    Formase cõ a garganta mays redonda que o i, & 
    menos que o e. Ajudase a pronunciar cõ lançar os 
       

    pág. 80
    beyços mays para fóra doque nas outras vogaes. Faz 
    sõ diferente quando he longo, & quando he breve, 
    assi como dicemos do a, & do e, & tamb? do i. Por? 
    n? he mais que uma só letra, & nã duas, como alg?s 
    imaginaram, & o ponderou o Trissino, como dice-
    mos do e, màs nós o escrevemos como os Latinos; se 
    b? na pronuncia diz Terenciano que os Antigos o 
    distinguiam, como neste nome pópulus, que pola ar-
    vore profiriam abrindo mays a boca, que quando o 
    tomavam polo povo.
       He grande a semelhança, que t? cõ o u, que se nã 
    se t? conta cõ a pronunciaçã facilmente se ouve ? 
    por outro; como ordinariamente nos parece, que os 
    estrangeyros Setentrionaes os trocam: assi diz Quin-
    tiliano lib. 1. c. 4. Quid o, atque u, permutatæ invicem? in 
    Hecoba, & notrix, Culchidas, & Pulyxena scribentur, ac 
    ne in Græcis id tantum notetur, dederont, & probaveront.
    O mesmo diz Festo, que os Antigos usurparam 
    o o, polo u; & escreviam Sacerdus por Sacerdos, E-
    pistula por Epistola, & muytos semelhantes Angelo 
    Policiano, escrevendo a Bertolameu Scala, diz que 
    algumas terras carecem de o, & ? seu lugar uzam de 
    u; como saõ os Tuscos, & os Vmbros. T? os Gre-
    gos dous oo, ? que chamam O micron, que quer di-
    zer o pequeno, & outro, que chamam Omega, & 
    quer dizer O grande, & diferem na figura Os Caste-
    lhanos tãb? ? lugar de o, quãdo he conj?çã, usam 
    muytas vezes do u.   

    pág. 81
        Tomase ? muytas maneyras, segundo os Grama-
    ticos; porque umas vezes he para chamar; outras he 
    interjeycã de varios afectos, ou de admiraçã, ou de 
    nojo, ou de dezejo, ou de pessoa colhida de sobresal-
    to, ou de dor, ou de alegria, ou de exclamaçã, ou vitu-
    perio; & serve tamb? de articulo masculino, como di-
    cemos, fallando do a. Em conta de guarismo se cha-
    ma cifra, & per si so nã significa cousa alguma, & 
    posta diante de outras vay subindo o valor de dez 
    por diante, como se póde ver ? Moya, & os mays, 
    que deste genero escreveram.
    ________________________________________________________________
    CAP. XX.
    Do V.
    HE o u, vogal, que se pronuncia lançãdo os bey-
    ços para fóra, màs menos abertos, que no o. 
    He letra muyto diversa do v consoante, assi na figu-
    ra, como no oficio, ainda que os Antigos uzaram de 
    ambas indistintamente: màs poys nós podemos re-
    prezentar estas duas letras, vogal, & consoante, cõ di-
    ferentes figuras, he m?y acertado que o façamos. 
    Oxalá pudera ser o mesmo ? as outras vogaes, como 
    os Gregos fizeram ? e, o, porque t? e, tenue, que cha-
    maram epsilon, & e, longo, que chamaram Eta, o, 
    pequeno que dizem o micron, & O grande, que di-
    zem Omega: & todas cõ diversas imagens, ainda que 

    pág. 82
    no soido cõ nenhuma diferença, mays que serem si-
    labas longas, ou breves. Por? como estas vogaes, en-
    tre os Latinos, nã t? mays que uma fórma, cõ elles 
    nòs acomodamos.
    Remeda ao sõ, ou mugido do boy, ou ao brami-
    do do lobo, por onde Ausonio disse que soava como 
    sõ de fera; Ferale sonans; & os Gregos nã a tiveram 
    na igualdade dos Latinos, como diz Vineto, sobre 
    este verso do mesmo Ausonio.   
    Cecropijs ignota, notis, &c.         
       E Prisciano diz que t? o sõ como o ditongo ?
    dos Gregos, & ou Francez.
    De quando se faz consoante fallaremos adian-
    te. As vezes, he liquida, que nã he vogal, n? consoan-
    te: & ainda no verso, sendo consoante se faz algumas 
    vezes vogal breve, como vemos ? Horacio no 
    Epodon.   
            Nivesque deducunt Iovem.
    Nunc mare; nunc silvæ.        
    Per dirivaçã sendo vogal se converte ? v, consoã-
    te, como de Nauta, navita, de gaudeo, gavisus: ? e, co-
    mo de pondus, ponderis; onus, oneris, ? i, como de 
    cornu, corniger; despois de q, g, e, s, se faz liquido. Cõ-
    vertese ? o, como de gumi, gomo; de lupus, lobo; de 
    guta, gota; de musca, mosca; de nurus, nora; de pu-
       

    pág. 83
    tator, podador; de umbra, sõbra; de unda, onda, & ou-
    tros semelhantes. He tamb? u, nome de ? famoso la-
    drã, & valerozo capitã ? o Reyno da China, & no-
    me de ? Reyno. & de ? Rey, ? a mesma, segundo o 
    Padre Martins, ? o seu Atlas.
    ________________________________________________________________
    CAP. XXI.
    Do Y.
    ESta letra y, he propriamente Grega, & uma de 
    suas vogaes, màs servialhes de u, que chamá-
    ram upsilon, que quer dizer u tenue, como tamb? 
    ao e tenue chamaram epsilon: & he pouco diversa 
    do u Latino, ? a pronunciacã, que nós agora nã sa-
    bemos; porque a antiguidade he toda cuberta de tre-
    vas. Os Latinos a receberam ? seu Abece, por enten-
    derem, que s? ella nã podiam b? escrever os voca-
    bulos Gregos, que naturalmente a t?, & nós á sua i-
    mitaçã o fazemos tamb?, para alguns vocabulos 
    nossos proprios, cõ que fazemos seys vogaes. Para cõ 
    os Castelhanos serve de consoante, salvo quando 
    he conjunçã, porque entã constitue per si silaba: & 
    os Francezes se aproveytam della ? lugar de i, vo-
    gal, ? vocabulos originalmente Latinos, ou proprios 
    de sua lingua, que alguns Ortografos nossos dizem 
    nã pódem ter esta letra, que propriamente he Gre-


    pág. 84
    ga, & teve muyto diferente pronunciaçã, posto que 
    oje a nã sintamos, como he ? muytas letras, a que 
    nã damos o seu proprio sõ, por se perder cõ o discur-
    so do tempo: o que adverti, por curiosidade, s? dizer 
    pro, n? contra; Nós a uzamos cõ muyto acerto, para 
    distinçã de algumas dições, que no soido o i Lati-
    no nã difere do y Grego, como diz Ioã Bautista 
    Porta, ? o livro, de occultis literarum notis, livro 3. cap. 3. 
    cõ estas palavras; Græcum quoque y é nostris expungimus, 
    cum satis sit notarijs ejus sonum expleri per i, sonum enim 
    utrique characteri cõmunis est. E essa deve ser a razã, 
    porque muytos Castelhanos doutos a excluem de 
    suas composições, como Aldrete, que sómente usou 
    do i, Latino, & assi ? seus escritos se ve.
       Nós a temos por vogal, por? nã suficiente a fazer 
    per si so silaba, poys sempre lhe precede outra vogal, 
    cõ a qual compoem uma so silaba. como ? pay, mãy, 
    & assi se destingue do i, que he vogal completa. E 
    a diferença, que entre estas duas y, i, & esta j, ha, se 
    mostra claramente ? as palavras seguintes;cayado, cai-
    do, cajado; as quaes se diversificam pela diversidade 
    dos y, i, j.
    Deste y, poys usaremos ? todas as silabas, ? que 
    ouver de entrar i, & nã se ouvir o tal i, & cõ elle se 
    pronunciarem as vogaes a, e, o, u, de ? flato, como 
    pay, ley, boy, ruyvo, & assi escreveremos gayta, feyto, 
    foyce, muyto, & outras taes, & n?ca lhe poremos 
       

    pág. 85
    encima põto: màs adõde se sentir o soido do i, se escre-
    verá cõ elle, como gemido, suspiro, &c. E nã temos 
    necessidade de escrever cõ y, as dições Gregas, que os 
    Latinos escrevem cõ elle, como syllaba, sylva, hydro-
    pico, hydropisia, hypocrita, hypocrisia, & outros taes, 
    porque nã estamos obrigados ? tudo à ortografia 
    dos Latinos; quanto mays, que elles escreviam os taes 
    vocabulos cõ y, porque entre os Gregos soava co-
    mo u, como diz o Brocense; & o dizem Sosipatro Ca-
    risio, Terenciano Mauro, Vitorino, Terencio Scauro, 
    Verrio Flacco, & outros, por entenderem, que cõ o 
    seu i, lhes nã davam a doçura, que naquelle y, s?tiam; 
    por onde diz Quintiliano lib. 12 cap. 10 Quod cum cõ-
    tingit nescio quo modo velut hilarior protinus renidet oratio, 
    ut in Zephyris, & Zopyris, quæ si nostris literis scriban-
    tur surdum quiddam, & barbarum efficient, & velut in 
    locum earum succedent tristes, & horridæ, quibus Græcia ca-
    ret. E assi quando cõ suas letras escreviam dições, ? 
    que ouvesse de entrar y Grego, ? seu lugar punham, 
    & pronunciavam a vogal u, como diz Cicero, & di-
    ziam Sulla, por Sylla, Purum, por Pyrum, Phruges 
    por Phryges, & semelhantes, de que ha muytos exem-
    plos ? a trasladaçã de muytos vocabulos da Lingua, 
    Grega ? a Latina: Nós como nã sintimos ? a orelha, 
    aquella melodia Grega, escrevemos os taes vocabu-
    los per i Latino, como silaba, silva,, idropico, idrope-
    sia, ipocrita, ipocresia, &c.


    pág. 86
        Duvidam alguns como se ha de escrever este 
    nome cajado, por bordã de pastor, ou cayado, por 
    branqueado cõ cal, & digo que se ha de escrever, co-
    mo aqui se ve, & ja atras dicemos. Vltimamente ad-
    virto que nenhuma diçã nossa começará per esta le-
    tra y como fazem os Francezes, & os Castelhanos. 
    Os Italianos nã a t? ? seu Abece.
    Chamase esta letra de Pythagoras, Filosofo Samio, 
    nã (como alguns creram) porque elle fosse o seu in-
    ventor, màs porque cõ esta letra nos mostrou, que 
    dous caminhos tinhamos ? esta vida, per onde ca-
    minhar; significando o rasgo da mã direyta, que he 
    estreyto, o caminho da virtude, arduo, & apertado, 
    como disse o mestre da verdade, quando disse, que a 
    porta do Ceo era pequena, & estreyta; Arcta est via, 
    quæ ducit ad salutem, & pauci inveniunt eam. Math. 7. E 
    significando o rasgo da mã esquerda, que he largo, 
    & amplo, o caminho dos vicios, & perdiçã; porque, 
    como diz o mesmo Senhor, ibidem; Lata, & spacio-
    sa est via quæ ducit ad perditionem, & multi inveniunt eam. 
    E no pe desta letra, que he estreyto, se representa a 
    mocidade, ? o qual tempo os omens estã incertos do 
    caminho, que seguirão; se o da parte esquerda, que 
    conduz aos vicios, se o da parte direyta, que guia á 
    virtude: a qual letra acaba ? ? grande, espaço, simbo-
    lo da bemaventurança. O que declarou Virgilio ? 
    este epigrama,   


    pág. 87
             Litera Pytagoræ discrimen secta bicorni,
          Humanæ vitæ speciem præferre videtur.
          Nam via virtutis dextram petit ardua callem,
          Dificilemque aditum primum spectantibus offert.
          Sed requiem præbet fessis in vertice summo.
          Molle ostentat iter via lata: sed ultima meta
          Precipitat captos, volvitque per ardua saxa.
          Quisquis enim duros casus virtutis amore
          Vicerit, ille sibi laudemque, decusque parabit.
          At qui desidiam, luxumque sequuntur inertem;
          Dum fugit oppositis incauta mente labores,
    Turpis, inopsque simul miserabile transiget avum.      
       O quaes ? Portuguez poderão dizer, 
             De Pythagoras parece
             A letra ? ramos partida,
             Que os dous caminhos da vida
    Aos olhos nos oferece.         
             A vida da mã direyta
             He a da virtude, & t?
             A entrada dificil b?
    Apertada, & muyto estreyta.         
             Màs no cume seu mays alto, 
             Que parece inacessivel,
             Acha descanço aprasivel
    O que vay de forças falto.         

    pág. 88
                A via larga nos mostra
             Caminho suave & brando,
             Por? ao cabo chegando
    Nos precipita, & nos postra.         
             Quem poys por amor sómente
             Da virtude nã temer
             Trabalhos, poderà ser
    Louvado, & honrado entre a gente.         
             Màs aquelle, que seguir
             A preguiça, & o inerte
             Regallo s? que o desperte
    Louvores de outros ouvir,         
             Emquanto faz neciamente
             Porque os trabalhos esquive,
             Sempre torpe & triste vive, 
    E acaba mays tristemente.         
    E he o mesmo que Virgilio diz ? o 6. da Æneida.   
       Hic locus est parteis ubi se via findit in ambas
       Dextra, quæ Ditis magni sub mænia tendit, 
       Hac iter Elisium nobis, at læva malorum
    Exercet pænas, & ad impia Tartara mittit. &c.   
    E Persio ? a Satyra terceyra.   
    Est tibi quæ Samios deducit littera ramos   
    pág. 89
    Surgentem dextro monstrabit limite coelum.   
    A invençã desta letra atribuem alg?s a Palamedes.   
    — — — — quem falsa sub proditione Pelasgi
    Demisere neci Virg 2, Æn.   
    Em o cerco de Troya, fiados ? a autoridade de 
    Philostrato, porque diz que estando os Gregos j?-
    tos & sucedendo voar uns grous, olhando Vlysses 
    para Palamedes, lhe dissera; Grues Achivis testibus in-
    ventionem sibi literæ vendicant, isto he; os Grous, tomã-
    do aos Gregos por testimunhas, atribuem a si a in-
    vençã da letra; & que Palamedes respondera; Litteras  
    non inveni, sed ab avibus inventas fateor: Eu nã achey as 
    letras, màs antes confeço, que as aves as acháram. 
    Ao que parece teve intento Marcial, quando disse.   
        Turbabis versus, nec littera tota volabit,
    Vnam perdideris si Palamedis avem.   
    E Lucano.
    Et turbata petit dispersis littera pennis   
    Màs Ioã Britanico, declarando o lugar de Persio 
    acima refirido, do que a invençã desta letra se deve 
    atribuir a Simonides; que a causa porque se atribue a 
    Pythagoras, he a que acabamos de refirir. He tamb? 
    y, nome de ? Rio ? a China, na Provincia de He-
    na, & de ? outeyro ali mesmo muyto ameno & 
       
    pág. 90
    & aprasivel, & tamb? de ? pequeno monte na Pro-
    vincia de Quangui, territorio da cidade de Kingyven.
    ________________________________________________________________
    CAP. XXII.
    Do valor das vogaes.
    SAõ as consoantes s? as vogaes, como ? corpo s? 
    alma, & cõ ellas se constitue esse corpo ? sua 
    perfeyçã; & assi o concurso das vogaes faz a oraçã 
    doce, & sonora, como Cicero diz, no orador; pola 
    qual razã os Sacerdotes do Egypto (como delles escre-
    ve Oro que cõ diligencia tratou de seus ritos) que-
    r?do mostrar a Musa, pintavam dous dedos rodeados 
    de sete vogaes, que tantas t? a lingua Grega, dando 
    a entender, que nellas consistia toda a suavidade, & 
    propoçã da musica: & disto tamb? os Gregos, que 
    da arte da musica deram preceytos, nos dã nã pouca 
    fé; porque querem, que nossas orelhas tomem admi-
    ravel prazer do sõ das vogaes, & ensinam como t? 
    proporçã cõ as vozes do canto: sobre o que Pierio 
    Valeriano discorre largamente ? seus geroglificos. 
    Màs he necessario que estas vogaes sejã acompanha-
    das de consoantes, porque cõ ellas fica o sõ mays 
    cheyo, como diz Iulio Cesar Scaligero, Poet. lib. 4. 
    c. 47. & s? ellas ficam as palavras languidas, & molles, 
    como b? advertio o Beni, ? a introduçã á Ierusalem 


    pág. 91
    Liberata de Tasso (antes delle Quintiliano lib. 9.) que 
    he ? grãde defeyto da lingua Italiana, que por acabar 
    sempre suas vozes ? vogal, fica afeminada, & pueril. 
    O cõtrario dizem alg?s socedeo ? a lingua Hebraica, 
    que por falta de vogaes querem padecesse antigam?-
    te grande dificuldade; & que para se nã perder de to-
    do o conhecimento della, se inventaram os pontos 
    & os acentos, que agora se v? nas Biblias Hebreas, 
    embayxo, & encima, ou no meyo das letras consoan-
    tes, donde imaginam procede a grande variedade 
    ? sua interpretaçã: màs ser isto falso mostra muyto 
    clara & doutamente o P. Frey. Francisco Donato, da 
    sagrada Ordem dos Prégadores ? o seu livro, que in-
    titulou Poma Aurea, Vbi de punctis vocalibus. E os 
    Francezes polas demasiadas vogaes t? nã menor de-
    feyto ? sua ortografia; porque nã pronunciam os 
    vocabulos como os escrevem: do que os calumnia Ioã 
    Piloto, autor tamb? Francez, ? a arte que da mesma 
    lingua compoz. As vozes Gregas, & Latinas, como 
    tamb? nossas Portuguezas, todas saõ formadas de 
    consoantes, & nellas acabam muytas vezes, cõ que re-
    cebem gravidade, suavidade, & fermosura. Isocrates 
    de maneyra fugia o concurso das vogaes, que deo cõ 
    muyta razã a Plutarco lugar de o escarnecer; quã-
    do ? o livro, onde propoem, se os Athenienses ti-
    nham aquirido mayor gloria cõ as armas, ou cõ as le-
    tras, discurrendo pela vida de Isocrates, & mostrando


    pág. 92
    como elle fora sempre pouco suficiente para as cou-
    sas de guerra, diz; Como sofreria o sõ das armas, & o 
    rompimento dos esquadrões, que ? tanto concurso das vogaes 
    temia, & pavorosamente fugia, que ? membro de clausula 
    nã fosse menor que o outro, n? uma silaba? & a oraçã, por-
    que Isocrates isto fazia, era porque amava muyto as 
    palavras iguaes, & cheyas. Màs Demetrio, ? o seu belis-
    simo tratado, & outros, saõ de parecer, & opiniã cõtra-
    ria: E creceo tãto este credito, que Cicero se sugeytou 
    a ella, ? ? lugar, cujas palavras ? o Orador saõ estas. 
    Quod quidem Latina lingua sic observat, nemo ut tam rus-
    ticus sit, quin vocales nolit conj?gere, in quo quidem Theo-
    pompum reprehendunt, quod eas tantopere fugerit, & si id 
    magister ejus Isocrates, at non Thucidides, nec ille quidem 
    haud paulo maior scriptor Plauto. O que a todos elles a-
    conteceo por ser? amadores daquelle sõ suave, que 
    do concurso das vogaes (como dice) nace; por? nã 
    se hã de acumular afectadamente, porque assi como 
    por parecer do mesmo Cicero, aquellas mulheres só 
    são fermosas, que desprezam a fermosura, assi aquella 
    oraçã será bella & gentil, que demasiadamente nã 
    procurar cõ afecto este concurso; como ? o siguinte 
    verso de Petrarca se nota.
    Fior‘, frond‘, herb‘, omb‘, antr‘, ond‘, aure suaue.  
    O qual, como b? disse o Trissino, livro de vulgar 
    eloquencia, parece escrito ? lingua Todesca.   

    pág. 93
    Das vogaes, diz Tarquinio Galucio, cap. 19. de E-
    leg. que a, o, produzem grande sõ; como   
                   Italiam fato;
    Ioniam in magno, &c.               
    Que o e, nã t? tamanho sõ, más mediocre, & que por 
    essa  razã as palavras, que t? semelhante vogal, seraõ 
    mays suaves, assi como, ciere, dicere, que o i, soa menos, 
    & faz a voz molle, como, ut vidi, ut perij, & que o u, 
    soa mays branda & suavemente que todas, particu-
    larmente repetindose ? a mesma voz, como;   
          Et color in niveo corpore purpureus.
    ________________________________________________________________
    CAP. XXIII.
    Dos Ditongos.
    DItongo, segundo se colige da etimologia, & 
    significaçã da palavra Grega, donde este no-
    me se diriva, he ? ajuntamento, cõ glutinaçã, ou cõ-
    curso acidental de duas vogaes, que fazem ? sõ sim-
    plez, & uma só silaba, porque di, & phtongos, ? a lin-
    gua Grega, quer dizer dobrado sõ, de duas vogaes, 
    & nã de uma sómente, como se ve ? os seguintes 
    versos de Terenciano.

    pág. 94
        Porro vocalem secuta, vim tenet vocalium, 
       Et sonos utrosque jungit, unde diphtongos eas
       Græciæ dicunt magistri, quod duæ junctæ simul
    Syllabam sonoro in unam, vique gemina præditæ, &c.   
    Cada lingua t? os seus ditongos proprios, & os 
    forma de diferentes maneyras, & per diverso aj?-
    tamento de vogaes; & umas nações t? mays, outras 
    t? menos, & ainda triphtongos, que quer dizer aj?-
    tamento de tres vogaes ? uma só silaba. Os Gregos 
    usam de onze ditongos, cinco que chamam proprios, 
    tres cacofanos, & tres improprios; Os Latinos, seg?-
    do Henrique Bebelio, lib. de modo dicendi, & scribendi; 
    tinham sómente quatro; au, eu, ae, oe; os mays anti-
    gos tiveram sete, porque acrecentavam mays estes 
    tres; ai, ei, ou; màs tamb? tiveram, ee, ii, iy, cõ que fize-
    ram dez, acerca do que se póde ver Angelo Poli-
    ciano, ? as Micelaneas, cap. 43. & o Mazzoni, no dis-
    curso, que dos Antigos fez, p. 2. Os Francezes t? outo 
    segundo Antonio Fabro; os Italianos ?s lhe dam 
    sete, outros outo, alguns doze, muytos dezaseys; & o 
    dito Mazzoni afirma, que a sua lingua ltaliana ne-
    nh? ditongo t? proprio, màs os dous estrangeyros 
    tirados da lingua Latina, que ja o uso (diz) t? rece-
    bido na escritura. Em Castelhano ha doze, como diz 
    o Mestre Berrolomeu Ximenes Patam, no dito E-
    pitome da ortografia Latina & Castelhana, que saõ, 
       

    pág. 95
    ae, au, ao, ei, ia, ie, oi, ua, ue, ui. Entre nossos ortogra-
    fos ha muyta variedade, porque ?s querem que sejam 
    quinse, outros dezaseys, outros vinte & quatro: os 
    que eu acho são estes;  ae, ãe, ay, ãy, ao, ão, au, ey, eo, eu, 
    ia, ie, io, oe, óe, oy, ou, ua, uy, que saõ dezanove.
    Do ditongo ae.
    1. Deste ditongo usamos ? a segunda pessoa 
    do módo imperativo, & numero singular dos verbos 
    cayo, sayo, vou: como cae, sae, vae; & semelhantes: Os 
    Latinos a pronunciam como se fora e, màs cõ esta fi-
    gura æ, aonde estão cincopados o a, & o e, & assi fa-
    zem do ditongo oe, esta forma œ, que diferencea 
    pouco da outra: màs antigamente se pronunciavam, 
    & escreviam desatados, ae, oe, como consta de muy-
    tas laminas & pedras antigas; & Sanches quer que 
    ainda oje se guarde o mesmo estilo. E parece o favo-
    rece Marcial ? ? epigrama, lib. 1. ao sono, que diz assi.   
       Næuia sex cyathis, septem Iustina bibatur;
         Quinque Licas, Lide quatuor, Ida tribus.
       Omnis ab infuso numeratur amica Falerno;
    Et quia nulla venit, tu mihi somne veni.     
    Para o que he de saber, que quando os namora-
    dos bebiam, costumavam brindar ao nome de suas 
    damas (como Horacio no Epodon) & contavam as 
    letras, que o nome de cada uma dellas tinha, & tan-
       
    pág. 96
    tas vezes bebiam, segundo Ovidio, & Stacio. E quer?-
    do o poeta zõbar dos que guardavam estas leys (a 
    que Horacio chamava loucas) diz que quer brindar 
    ao nome de Nevia seis vezes, o qual nome escrito cõ 
    o ditongo ae, Naevia t? seys letras, ao de Iustina 
    sete, de Lydas cinco, de Lida quatro, & ao de Ida tres: 
    onde claramente se vé, que ? Nevia se desatou o 
    ditongo ae, & o contou por duas letras, como na 
    verdade t?, & nos tres ultimos versos de outro epi-
    grama fez o mesmo, nos quaes diz lib. 11. ad Lup?.
                Errasti, Lupe litera sed una,
                Nam quo tempore prædium dedisti:
    Mallem tu mihi prandium dedisses.            
    Adonde pola Paromasia jogando do vocabulo 
    diz; Erraste Lope amigo ? uma letra, quando me cõ-
    vidaste a tua erdade [que ? Latim se diz prædium] 
    & mays quizera, que me convidaras a uma comida 
    [que ? Latim se diz prandium] & dizendo que es-
    teve o erro ? uma letra, que foy ? vez do e, n, mostra 
    que ? praedium o ditongo se deve ler desatado: o 
    que tudo notou Ximenez ? o dito Epitome. Contu-
    do a pronunciaçã ha de ser a que agora cõm?mente 
    se usa, & assi havemos tamb? de escrever, porque o 
    costume t? grande força, como Ioã Ouven diz.   
    Consuetudo & mos vim legis habere videntur.    

    pág. 97
        E os dicionarios muytos vocabulos, que se escre-
    vem cõ ditongos, os escrevem tamb? s? elle, por-
    que de ambas as maneyras se acham, como Mæce-
    nas, & Mecenas, Cælius, & Celius, Musæ, & Muse.
    ãe,
       2. Este ditongo he necessario ? os pluraes dos 
    nomes acabados ? ã, como capitã, Alemã, gaviã, de 
    que dizemos capitães, Alemães, gaviães; & outros taes, 
    como mays largamente diremos quando tratarmos 
    da formaçã dos pluraes.
    ay.
    3. Este ditongo he propriamente nosso, & muy-
    to necessario para distinçã de muytos vocabulos, 
    que parece acabar ? ai, ditongo proprio dos Gregos, 
    que tamb? os Latinos t?, ainda que impropriamente, 
    & por se dirivar da lingua Grega, o chamam estran-
    geyro, & improprio, porque o proferem cõ duas sila-
    bas, nã tendo o ditongo mays que uma, & dous 
    sõs, por ser meyo entre o natural, & o acidental cõ-
    curso, escrevendo aulai, animai, por aulæ, animæ; co-
    mo se ve ? muytos lugares de Lucrecio, & de outros 
    poetas antigos; & se acha tamb? ? Virgilio, como.   
    Aulai in medio libabant pocula Bacchi.      
    E ? Benavento refere Pontano ? o primeyro li-
    vro da aspiraçã, ha pedras, ? as quaes se ve escrito, 
    Coliniai, Beneventanai; & Festo diz tamb?, que os 
       

    pág. 98
    velhos Latinos pronunciavam o ditongo dos Gre-
    gos ae, por ai: & ? algumas medalhas se acha escrito 
    Aimilius, por Æmilius Nigidio Figulo, segundo A. 
    Gelio, distingue o ai, do ae; dizendo que ae, se deve 
    dar ao dativo, & ai, ao genitivo.
       Nós usaremos sómente do ditongo ay; todas as ve-
    zes, que cõ a vogal a, ouver de ir i, & nã soar como i, 
    assi como ? ay, pay, amays ensinays, &c. porque usan-
    do do ditongo ai póde causar anfibologia, como ? 
    esta diçã cay, terceyra pessoa do verbo cayo, no indi-
    cativo, que se se escrever cõ i, dirá cai, na primeyra 
    pessoa do preterito perfeyto; assi say, sai, &c. & aos 
    Castelhanos pola mesma razã convinha muyto uzar 
    dos mesmos, porque diferentemente soará entre el-
    les ley, ou lei; Rey, ou rei: porque ley, & Rey saõ no-
    mes apelativos, & lei, preterito do verbo leo, rei pre-
    terito do verbo rio; & outros muytos, & me espanto 
    de como o nã advertiram ? suas ortografias om?s tã 
    doutos, que a escreveram.
    ãy.
       4. Este ditongo nos serve unicamente para este 
    nome mãy.
    ao.
    5. Deste ditongo usamos ? muytos nomes, co-
    mo ? vao, nao, pao, ainda que nossos Ortografos 
    queyram que estes sejam de duas silabas: nã sey cõ 
    que fundamento; porque nós nã pronunciamos as 
       

    pág. 99

    vogaes ao distinctas, como va o, na-o, pa-o; màs de 
    ? folego, vao, nao, pao, cadaqual de uma só silaba, & 
    assi birimbao, calhao, marao, &c.
    aõ.
    6. Este ditongo sucedeo ? lugar da antiga ter-
    minaçã dos Portuguezes, om, que punham ? lugar 
    de an, ou on, dos Castelhanos, como se ve nestes ver-
    sos de ? letreyro antigo.   
             Aqui jaz Simom Antom,
             Que matou muyto Castelhaõ
             E debayxo de seu covom
    Desafia a quantos saõ.         
       A qual ainda agora guardam alg?s de antre Dou-
    ro, & Minho, & os Galegos, que dizem, fizerom, amá-
    rom, Capitom, Cidadom, Tabaliom, Apellaçom, &c.
    He o mays frequente de nossa lingua, & sobre 
    que ha varias opiniões; a minha he, que para o acer-
    tarmos nòs guiaremos pela lingua Castelhana, & os 
    vocabulos, que elle acabarem ? ano, anos, acabare-
    mos nós ? ão, aõs; Diz? elles, cano, ciudadano, aldeano, 
    mano, vano, sano, vilhano, & no plural canos, ciudada-
    nos, aldeanos, manos, vanos, sanos,; diremos nós cão, 
    cidadão, aldeão, mão, vão, são, villão; e no plural caõs, 
    cidadãos, aldeãos, mãos, vaõs, saõs, & outros semelhã-
    tes. E assi se escreveraõ por este ditongo aõ, todas as 
    terceyras pessoas do plural, & tempo futuro, de qual-
       

    pág. 100
    quer verbo que seja, como seraõ, amaraõ, leraõ, ensi-
    naraõ, foraõ, &c.
    au.
       7. Este ditongo he tamb? Grego, & o t? os La-
    tinos, & he ? dos que o Mazzoni diz serem proprios 
    da lingua Italiana, & tamb? he Francez Aristopha-
    nes diz, que soa como o ladrar dos cães, especialmente 
    dos pequenos. Delle usamos ? muytos vocabulos, 
    como ?, autor, autoridade, causa, pausa, pauta, frauta, 
    nauta, &c. Pompeio Festo diz que os rusticos o pro-
    nunciam, como o, & assi diziam orum, oriculas, por au-
    rum, auriculas. Màs o mesmo fizemos ? quasi todas as 
    dições, que dos Latinos temos, & elles escreveram 
    per au, que as mudamos ? ou; como de audere, ousar, 
    de audire, ouvir, de aurum, ouro, de aurifer, ourivez; de 
    aurare, dourar; de autumnus, outono; & assi de laudare, 
    Laurentius, Laurus, Maurus, paucus, taurus, thesaurus, 
    louvar, Lourenço, louro, Mouro, pouco, touro, tesou-
    ro, & outros muytos, Màs b? podem concorrer estas 
    duas vogaes s? formar ditongo, & ir cada letra per si, 
    & fazer silaba, como ? saüde, ataüde, o que se 
    costuma asinalar cõ dous pontos, que chamam api-
    ces, como nelles se ve. E o mesmo póde acontecer ? 
    alguns dos outros ditongos.
    ey.
    8. He Portuguez, & Castelhano sómente, se b? 
    o Mestre Bertolameu Ximenez Patã nã o notou ? 
       

    pág. 101
    seu epitome, como notey acerca do ditongo ay. Del-
    le usaremos ? todas as dições, que soarem, como 
    grey, ley, Rey, & nunca usaremos do ditongo ei, Gre-
    go, ainda que os Latinos antigos o usavam frequen-
    temente, porque ? Plauto se acha captivei, Me-
    næchemei: & tamb? disseram amiceis sueis per amicis 
    suis; sibei, ? lugar de sibi, queis, omneis, treis per quis, om-
    nes, tres; Latineis, Gabineis, por Latinis, Gabinis: puerei, 
    ubei, utei, quei, (como diz Quintiliano lib. 1. cap. 7.) 
    por pueri, ubi, uti, qui, Heic por huic; segundo se mostra 
    ? uma pedra de Capua, cuja inscripçã refere Iacobo 
    Mazzoni, ? o seu discurso dos ditongos. Nós o nã u-
    saremos ? diçã alguma, màs tanto que tiver este soi-
    do, ei, escreveremos per y, como aceyto, deyto, estrey-
    to, feyto, geyto, leyto, maneyra, nogueyra, joeyra, 
    poeyra, & todos os mays, na forma que digo.
    eo.
    9. Entendo que só o t? a nossa lingua; assi co-
    mo, arpeo, ceo, chapeo, manteo, Orpheo, Pentheo, 
    Thesseo, & semelhantes. E tamb? as terceyras pessoas 
    do singular ? o preterito dos verbos da segunda con-
    jugaçã, como, cometeo, estendeo, fendeo, leo, meteo, 
    & semelhantes, & o verbo dou da primeyra, como 
    deo, Ceruleo, Herculeo, & outros taes, pod? per 
    dieresis, & sineresis, fazer ? os verbos aquelle eo, de 
    uma, ou de duas silabas.   

    pág. 102
    eu.
       10. He usado dos Gregos, & Latinos, & assi dos 
    Italianos, & Françezes; màs estes o pronunciam como co-
    mo se fora e, nós como os demays, & Sanches ? a Gra-
    matica Grega, para explicar este ditongo acerca dos 
    Gregos, diz que soa como acerca dos Portuguezes; 
    meu, teu, seu, & cõ elle escreveremos tamb? outros 
    nomes, breu, Matheus, Bertolomeu, ainda que muy-
    tos o escrevem breo, Matheos, Bertolomeo, & outros 
    desta sorte. O concurso destas vogaes póde tamb? 
    fazer silabas separadas, como ? ciümes, teüdo, man-
    teüdo, miüdo, & se costuma divisar entre os doutos, 
    cõ os apices encima de uma das vogaes, como aqui 
    se ve, & atras dice.
    ia.
    11. Os Latinos nunca destas duas vogaes fazem 
    ditongo, màs sempre dellas fazem silabas separadas; 
    & nós ordinariamente as ditongamos, como Camões 
    ? os seguintes versos.   
          Se eu nunca vi tua essencia.
          Senã na reminicencia.
    Que cantasse ? Babilonia. &c.      
    Assi ? Arabia fazemos tres silabas, ? Asia, & Gre-
    cia duas, ? memoria tres, &c. Tamb? estas vogaes se 
    podem ajuntar s? que façã ditongo, como ? dia, cõ-
    tia, devia, Maria, senhoria, Thalia, &c.   

    pág. 103
    ie.
       12. Delle usamos ? poucas dições, como nestas, 
    especie, efigie, Clicie. Entre os Castelhanos he frequ?-
    te, & tamb? entre os ltalianos; & o Trissino o quiz 
    variar tamb? cõ o e Grego, nesta forma ie, porem nã 
    foy siguido.
    io.
       13. Temos este ? muytos vocabulos, como saõ 
    beneficio, artificio, exercicio, oficio, vicio, ocio, lirio, 
    imperio, oprobrio, folio, & infinitos outros; & he co-
    m? a Castelhanos & Italianos.
    oe.
    14. Caenos ? poucos vocabulos, & ainda nesses 
    póde formar duas silabas, como Camões fez nos se-
    guintes versos.   
          Nunca por Daphne, Clicie, ou Leucothoe,
    Te negue o amor divido, como soe.      
       E da mesma condiçã ficam destroe, moe, roe, seg?-
    das pessoas do módo imperativo, dos verbos destruo, 
    moò, roò, & terceyras do indicativo.
    õe.
    15. He da natureza do ditongo ãe: nelle devem 
    de acabar todos os pluraes dos nomes, que nós acaba-
    mos ? ã, & os Castelhanos ? on, porque estas duas 
    linguas, como originadas da Latina, saõ analogicas; 
    & assi de coraçã, cordã, opiniã, roupã, quinhã, sermã, 
       

    pág. 104
    que elles dizem coraçon, cordon, opinion, ropon, 
    quinhon, sermon, diremos corações, cordões, opi-
    niões, roupo?s, quinhões, sermões: & assi diremos cal-
    ções, tostões, porquanto elles dizem calçones, tosto-
    nes, & nã calçães, tostães, como o vulgo circunvisi-
    nho de Lisboa costuma, & o que aõde acabar ? a?s, 
    acabam ? o?s, como Capito?s, Alemo?s, ? vez de Ca-
    pita?s, Alema?s, & semelhantes.
    oy.
       16. Devemos usar este ditongo todas as vezes 
    que despoys de o, ouver de ir i, & nã tiver o i esse seu 
    sõ; como foy, boy, noyte, & semelhantes, màs couro, 
    couto, açoute, afouto, mouro, escreveremos como a-
    qui cõ u, & nã cõ i, n? y, como muytos impropria-
    mente escrevem. E tamb? o deviam usar os Castelha-
    nos, quando dizem estoy, voy, & outros taes, & nã 
    estoi, voi.
       De oi. usaram os Latinos ? vez de u, & assi diziam 
    loidus, por ludus; & os Campanos do mesmo modo 
    diziam coirare, por curare.
    ou.
    17. He tamb? proprio dos Gregos, acerca dos 
    quaes (segundo Sanches) soa como entre nós, ? os se-
    guintes, & semelhantes nomes; cousa, couro, couto, 
    açoute, estouro, Mouro, ouro, touro, tesouro; que 
    muytos erradamente confundem cõ o ditongo aci-
    ma oy; socedeonos como atràs dicemos do au, dos 
       

    pág. 105
    Latinos. Os Francezes, segundo Antonio Fabro, o 
    pronunciam como se fora u, & assi por nous, nourri-
    ce, dizem nus, nurrice.
    ua.
       18. Delle usamos ? alguns nomes, como agua, 
    egua, fragua, legua, lingua, mingua, &c. ainda que 
    nossos ortografos escrevem estes nomes per oa, agoa, 
    egoa, fragoa, legoa, lingoa, &c. Porem nã consideram 
    (ao menos ? os dous primeyros) que sómente muda-
    mos o q, ? g, conservando sempre o u, companhey-
    ro insceparavel do q, & tamb? companheyro, que 
    ainda quando o q, desaparece fica elle immovel ? o 
    proprio lugar, & que assi de aqua, equa, dizemos a-
    gua, egua. Mudança muyto usada ?tre nós, como ve-
    mos ? aliquis, æqualis, aquila, sequi, & outros muy-
    tos, dos quaes mudando o q, ? g, dizemos alg?, 
    igual, aguia, siguir. Lingua he meramente Lati-
    no; Legua, v? de leuca, & o c, entre nós ordinaria-
    mente se muda ? g, como de acer, agro, acutus, 
    agudo, amicus, amigo, jocus, iogo, &c. & assi o u, a-
    maçase melhor cõ o g, que cõ o o, como ao diãte ve-
    remos. Fragua he diçã propria nossa, se b? se póde de-
    duzir de fragor, que significa sõ muyto grãde, & alto, 
    como os ferreyro ? as taes so? fazer cõ seus martellos.
    Temos tamb? este ditongo ? algumas dições, 
    que nos ficaram dos Arabes, como Guadiana, Guada-
    lete, Guadalquibir, Guadalaxara, & outros taes, por-
       

    pág. 106
    que elles chamam ao rio Guad, seb? outros dizem 
    Guid.
    Suave pode ser de duas silabas, & pode ser de tres: 
    porque as duas vogaes, ua, ?s as contra?, como Vir-
    gilio 4. Georg. & Egloga 2.   
       Verum ipsæ folijs notos, & suavibus herbis.
    Sic positæ quoniam suaves miscetis odores.   
    Outros as separam, como Camo?s Soneto 11.   
    O gosto de ? suaue pensamento.        
    uy.
    19 Com este para b? devemos escrever cuydado, 
    fruyto, muyto, ruyvo, & semelhantes; & nã cõ i Lati-
    no: ainda que Sanches explica o ditongo oi, dos Gre-
    gos cõ os vocabulos Espanhoes, cuidando, muito: 
    màs o que digo tenho por mays acertado, & isto he 
    o que sinto acerca dos ditongos, os quaes segundo 
    Demetrio, do muyto sõ das vogaes diferentes causam 
    á lingua variedade, & grandesa.   

     


    pág. 107
    ________________________________________________________________
    CAP. XXIV.
    Dos falsos ditongos.
    FAlsos ditongos chamo eu aos, que nossos or-
    tografos quiseram iutrodusir ? a nossa escritura, 
    que saõ estes; ãa, ?e, ij, iy, õo, ?u, màs para boa razã 
    deviam de acrecentar a estes, aa, ee, ii, oo, uu, que tã 
    frequentemente usam, ? especial o Licenciado Duar-
    te Nunes de Leã, a qu? os mays imitaram, s? cõside-
    rar se dizia b?, ou mal. Acerca do que direy o que 
    sinto; que nã he outro meu intento.
    ãa.
    Este ditongo diz o Licenciado Duarte Nunez, 
    que he composiçã de dous aa, & ? til percima, serve 
    para certos nomes femininos, cujos masculinos aca-
    bam ? aõ; sobre que gasta paginas inteyras: abrivian-
    do digo, que irman, lan, van, san, & semelhantes se hã 
    de escrever como aqui se ve, & nã irmaan, laan, vaan, 
    saan, porque nã he escrever como se pronuncia, que 
    he a pedra fundamental de toda boa ortografia, & 
    que só por excellencia (como ja dice) ? nossa lingua 
    se acha; porque nenh?a cousa pudera parecer mays 
    redicula, que pronunciarmos irma an, la-an, va-an, 
    sa-an, & assi as demays; cujos pluraes faz? elles, irmaãs, 
       

    pág. 108
    laãs, vaãs, saãs; havendo de ser, irmans, lans, vans, 
    sans, & soam como ? Latim esta preposiçã trãs, ou 
    trans.
    ?e.
       Deste ditongo usam os ditos ortografos ? os plu-
    raes dos nomes, cujos singulares acabam ? ?; como 
    de beem, be?s, vinte?, vint?es, &c. Os quaes pluraes, 
    dizem se nã podem formar ? nossa lingua, s? o vin-
    culo do til, que liga os dous ee, por nã dizermos bem-
    es, como a razã, & analogia de nossa lingua pedia, 
    n? benes, como Castelhanos. Argumentam ? falso, 
    porque os taes nomes n? os havemos de escrever cõ 
    dous ee, n? cõ m ? o cabo, màs cõ ? e, & ? til, nesta 
    forma; b?, vint?, nig?, aos quaes acrecentando ? s, que 
    he a nota de nossos pluraes, diremos, b?s, vint?s, 
    ning?s, &c.
    ij.
    Dizem os mesmos v? este ditongo necessaria-
    mente ? os pluraes de nomes, cujos singulares aca-
    bam ? im; como malsim, mals?js, roim, ro?js, beliguim 
    beligu?js: & he o mesmo erro, que nos seus ditongos, 
    acima; & porque abreviemos, digo que estes nomes, 
    & outros semelhantes se hã de escrever assi; mals?, 
    ru?, beligu?, & acrecentandolhes ? s, ficarão ? o plural 
    mals?s, ru?s, beligu?s, que t? o soido desta preposi-
    çam compositiva ins.   

     

    pág. 109
    õo.
       Fazem este para formaçã dos nomes pluraes, cujos 
    singulares acabam ? om, como bom, tom, som, dom, 
    dos quaes dizem boõs, toõs, soõs, doõs. Escrevere-
    mos bõ, tõ, sõ, dõ, & nos pluraes, bõs, tõs, sõs, dõs, & 
    t? o soido deste nome Latino fons, ou fõs. Cõ adver-
    tencia, que diremos dõs, quando he pronome de no-
    breza, mas quando significa benificio, ou graça, di-
    remos & escreveremos, dões; & he este o unico nome 
    sustantivo ? a nossa lingua, a que no plural se acre-
    centa vogal antes do s, porque todos os mays se cõ-
    tentam sómente cõ ? s.
    ?u.
       Serv?se deste para os pluraes, cujos singulares aca-
    bam ? um, como atum, vacum, de que formam a-
    t?us, vac?us, porque escreveremos at?, vac?, no singu-
    lar, & no plural, at?s, vac?s; assi da mesma sorte alg?, 
    alg?s, nenh?, nenh?s, ou tamb? per, ns.
    ________________________________________________________________   
    CAP. XXV.  
    Se se dev? dobrar as vogaes.  
    BEm sey que os Latinos antigos escreveram 
    feelix, por fælix, vijrtus, por virtus; & que yi se 
    acha ? dições Gregas, como saõ Harpyia, Orithyia, 
    Thyiades, màs ?s, & outros se tiráram disso, por 


    pág. 110
    lhes parecer cousa muyto impropria; como tamb? de 
    escrever cuui, fuuerit, que usaram ? razã de fazer a 
    vogal breve, longa, segundo atràs mostramos: màs 
    he de advertir, que todos os ditongos sejam Gre-
    gos, Latinos, ou de outra qualquer lingua, antigos, 
    ou modernos, todos se formam do concurso de duas 
    vogaes, como temos dito; ? alg?s se pronunciam es-
    sas duas vogaes, como se fôra uma só, assi como ? os 
    ditongos ae, oe, Latinos, que ambos se pronunciam 
    per e, ainda que alg?s quizeram, que se pronunciass? 
    separadas, segundo vimos ja: todos os mays diton-
    gos, ainda que se profiram cõ uma só silaba, nella se 
    hão de sintir ambas as vogaes, de cujo concurso se 
    formam, o que tamb? vimos, poloque digo, que da 
    mesma sorte nestes ditongos, que os nossos ortogra-
    fos modernos faz?, ãa, ?e, ?j, õo, ?u, & nestas silabas 
    aa, ee, ii, oo, uu, se deve dar o soido a ambas as vogaes. 
    como neste verso de Virgilio claramente se ve;
    Dijque, deæque omnes studium quibus armatueri;     
       Que nã se hade ler dique, deque, màs Dijque, Deæ-
    que, dando a sintir ambas as vogaes.
       Polaqual rasã dando o soido a ambas vogaes nos 
    ditos ditongos, & silabas, nã poderaõ ficar as pala-
    vras, onde entrarem, muyto sonoras, ? a Lingua Por-
    tugueza.
    He tamb? de advertir (ainda que o apontamos) 
       

    pág. 111
    que muytas vezes pódem cõcorrer vogaes como, & da 
    maneyra que nos sobre ditos ditongos legitimos o-
    correm, & nã formarem ditongo, como nos seguin-
    tes exemplos se ve: do ditongo ae seja exemplo a-
    trae; de ao, ama o; de au, saude; de eo, teologo; de eu, 
    Creusa; de ia, dia; de ie, fie, de io, fio; de oe, Leucothoe; 
    de ua, sua, de ue, sue, de uo, suo. Nã ponho exemplos 
    de ay, ey, oy, uy; porque nestes nã póde variar o sen-
    tido, n? acharse a diferença, que nos demays; & fo-
    ram da mesma natureza delles, quando se escreve-
    ram cõ i Latino, ai, ei, oi, ui; porque entã tinhamos ex-
    emplos ? muytos vocabulos, como caido, deidade, 
    arroido, constituido, &c.
       Al? disto he de saber, que concorrendo acidental-
    mente uma vogal no fim da diçã, & outra no prin-
    cipio, nã formã ditongo; màs a primeyra (especial-
    mente ? o verso) se come por colisã, ou cesura: co-
    mo adiante diremos.
    Costumam tamb? os poetas dividir algumas 
    vezes as duas vogaes, que naturalmente fazem ditõ-
    go, pela figura chamada Syneresis, como Catulo fez 
    ? o ditongo au, quando cantando de Camerio disse.   
            Si linguam clauso tenens in ore,
            Fructus projicies amoris omnes, 
    Verbosa gaudet Venus loquella.        
    Aonde necessariamente no primeyro, & ultimo 
       

    pág. 112
    verso se deve separar o ditongo au, & fazer delle 
    duas silabas, porque o datilo t? sempre o segun-
    do lugar nos versos endicasilabos; & sendo o diton-
    go au, longo, fez as suas vogaes ambas breves, como 
    tamb? fazem muytas vezes nossos poetas.
    ________________________________________________________________
    CAP. XXVI.
    Das letras consoantes, & primeyro do B.
    TEm tamb? as consoantes seus nomes, figuras, 
    & pôder, como as vogaes, màs acompanhadas 
    dellas, como está dito; a primeyra he B, & uma das 
    mudas. Pronunciase cõ a respiraçã, que chegando aos 
    beyços estando cerrados, & juntos, os abre, & do me-
    yo delles sae o sõ cõ seu inteyro soido, be por essa 
    razã se chama letra labial. Diz Cratino (segundo Sui-
    das) que a pronunciaçã desta letra se tomou do bali-
    do da ovelha, que he emblema da inocencia, & assi a 
    chama letra de inocencia, por? nã se pronuncia bee, 
    senã be. Os Gregos a chamaram Beta, & os Hebrai-
    cos Beth, Platã escreve, que nã t? voz, n? soido. Em 
    todos os alfabetos ocupa o segundo lugar, como 
    constou do epigrama de Marcial a Codro. T? muyta 
    afinidade cõ o v consoante, a que os nossos ortogra-
    fos modernos chamã ve, & os Italianos u Francez. 


    pág. 113
    E assi muytos Portuguezes de entre Douro & Mi-
    nho, nã advertindo o que vay de uma a outra, as tro-
    cam ? a pronunciaçã; espccialmente os que ficam 
    mays chegados a Galiza, de tal maneyra, que a vento 
    chamam bento, & em lugar de Bento dizem vento; 
    por vos, vosso; bos, bosso: por vida, bida; & quasi to-
    dos os nomes, ? que ha v, consoante, mudam o v ? b. 
    & como se o fizessem, por o fazer ás avessas, o que 
    nós pronunciamos per b, pronunciam elles per v de 
    sorte que tamb? ? as letras, como nas partes da oraçã, 
    & seus atributos ha Enaloge.
       Acerca dos Castelhanos cousa he geral trocar o b, 
    por v, & o v, por b; como ja b? advertio Aldrete, no 
    principio da lingua Castelhana; & que para os no-
    tar disso escreveo delles ? certo Autor. Sobrij homines, 
    & quibus non placet bibere, sed vivere, & ? Tudesco 
    disse tamb?, Si beta est veta: sane bibere est vivere. Ver-
    dade he que tamb? os Latinos (como elle mesmo ali 
    diz) mudaram muytas vezes o b, ? u, porem nã con-
    soante, màs vogal, dizendo de abfero, abfugio, aufero, 
    aufugio, & semelhantes.
    Nos ? muytos vocabulos, que temos dos Latinos 
    mudamos tãb? o b, ? v, como de caballus, cavallo; de 
    cibus cevo; de faba, fava: E o Todesco está sugeyto a es-
    tas mudanças & trocas: & assi ha ? gracioso conto de 
    ? Alemã, que comprimenteando sua mulher, que era 
    Franceza, lhe disse; Ma foy, Madame, vous avez beaux 
       

    pág. 114
    enfans; isto he, A fe senhora tendes filhos m?y bezer-
    ros; porque ? vez de beaux, que quer dizer bellos, disse 
    veaux, que he o mesmo que bezerros.
       T? tãb? esta letra b, muyta semelhança cõ o p, 
    porque tamb? este se pronuncia ? a mesma parte da 
    boca, & quasi cõ a mesma postura dos beyços, se nã 
    que estes se apertam entã alguma cousa mays, & sae 
    o espirito, & o folego mays de dentro; & o mesmo 
    diz Quintiliano lib. 1. cap. 7. quando pronunciava ob-
    tinuit, pondo o b, ? o segundo lugar, como he razã, 
    lhe parecia que ouvia p, & pelo conseguinte ? Byr-
    rhus, Bryges, Pyrrhus, Phryges; pola qual razã os La-
    tinos ? a traduçã de muytos vocabulos da lingua 
    Grega, mudavam uma letra ? outra, dizendo de, Triã-
    bos, triumphus; & de Pyxos, buxus, porque como 
    ja dice ellas tiveram o y Grego ? lugar de u.
       Nós assi tamb? ? muytas vozes, que tomamos 
    dos Latinos, mudamos o p, ? b; dizendo de Aprilis, 
    capilus, apertus, capra, caput, Abril, cabello, aberto, cabra, 
    cabeça, & semelhantes.
       Tãb? na lingua Hebraica o b, val ás vezes por 
    v consoante.
    Tem esta letra uma propriedade ? a lingua Lati-
    na & Portugueza, & he nã consintir, antes, ou des-
    poys de si a letra n, senã m. Nella nã acaba diçã al
    guma nossa, màs somente as que temos peregrinas, 
    como Acab, Iacob, Iob, Horeb, Moab, & outros taes, 
       

    pág. 115
    ? a cõposiçã posto so cõ ? ponto diante, como B. 
    quer dizer b?aventurado.
    ________________________________________________________________
    CAP. XXVI.
    Do C.
    ESta letra C, he a terceyra de nosso alfabeto co-
    mo delle se ve, dizendo abece; & neste lugar & 
    cõ o mesmo nome o t? os Latinos; & o diz Frey Re-
    ginaldo Acceto, ? o tesouro da lingua Toscana per 
    estas palavras; Il. C. é consonante, delle especie dalle mutte, 
    dalli Latini é posta nel terZo luoco delle lettere. E assi nã 
    sey cõ que razã & justiça nossos ortografos mo-
    dernos a querem excluir do lugar ? que està de posse 
    pacifica ha tantos mil annos, dandolhe o de K, cõ 
    descomodo do mesmo K, & nã sómente o lançaram 
    de sua caza, màs demays a mays lhe tiraram o no-
    me, & quizeram chamarlhe ca, que he proprio do 
    que t? esta figura K. Quanto a mim nã foy mays, 
    que querer mostrar capricho, & filosofar á maneyra 
    daquelle Datho, de que o Brocense nòs faz mençã, 
    ? o outavo de seus paradoxos: o qual queria persua-
    dir que otium, se devia escrever per c, & y, & nã per ti, 
    como todos ensinam, & dizem que o c, cõ cedilho 
    he letra propria nossa, sendo engano manifesto, por-


    pág. 116
    que tãb? os Castelhanos a usam, & muyto mays que 
    nós, seb? cõ alguma diferenca, que logo direy. Duar-
    te Nunez diz que he propria dos Mouros, & que 
    delles a tomamos; assi o diz tãb? o M. Bertolomeu 
    Ximenes, ? seu epitome, acrecentando que dos Anda.
    luzes, màs he pronunciandoo como se fora Z, como 
    elle diz, que advertio no livro, que intitulou Sapien-
    tia, por? nós nã lhe damos esse soido. Para o que he 
    de advertir, que esta letra C, t? tres oficios muyto di-
    ferentes, ? proprio, que he quando acenta sobre a, o, 
    u, como capa, cota, cura, que he o sõ, que antigamen-
    te tinha acerca dos Latinos, ainda sobre e, & sobre i. 
    Donde se conta aquelle gracioso dito de M. Tullio; 
    quando por querer motejar de ? certo, que sendo fi-
    lho de ? cosinheyro, lhe pedia certa dignidade na 
    Republica Romana, lhe disse; Ego tibi coce favebo. & 
    da mesma maneyra pronunciavam, dulcis, & dulce, 
    que dulquis, & dulque; por Cicero, Quiquero, (& assi 
    pronunciam os Francezes) por onde diz Quintilia-
    no, que fere sobre todas as vogaes, màs he de crer 
    seria entã pronunciaçã diferente.
    O segundo oficio que a letra C. t? he ?prestado, 
    que he quando assenta sobre e, & sobre i, como dice-
    mos; & o terceyro tamb? he improprio, que he quan-
    do se ajunta cõ h, que se pronuncia assi, chapeo, chei-
    ro, chicharo, choro. chuva. a qual pronunciaçã se nã 
    acha entre os Latinos, Gregos, n? Hebraicos; màs he 
       

    pág. 117
    só dos Espanhoes: porque aindaque os Gregos t? 
    cha, che, chi, cho, chu, & delles os Latinos, o e, perde 
    o seu sõ, & toma o de ca, K E os Italianos pronun-
    ciam ce, ci, como nós che chi.
       Digo poys que o C, he ? so, & nã ha dous ces; màs 
    que assi como as vogaes se notam ser breves, ou lõgas 
    cõ os acentos grave, agudo, ou circunflexo, assi quan-
    do o c, sobre a, o, u, ouver de soar como s, lhe pore-
    mos por bayxo uma risquinha, que chamamos 
    cedilho, nesta forma ç, & escusaremos multiplicar 
    letras. Sobre e, i, nã ha mister essa risquinha; & assi 
    ferirà sobre todas as vogaes, como diz Quintiliano, 
    cõ aquella brandura, que esta letra de si t?; como se 
    ve nestes exemplos; maçan, açucena, çifra, poço, açu-
    car. Serve tãb? este sinal para distinçã de alg?s no-
    mes, que cõ o cedilho t? uma significaçã, & s? elle 
    outra, como se ve nestes exemplos; caca, caça; moca, 
    moça; capa, çapa; roca, roça; faca, faça; cota, çota; Fran-
    ca, França, & semelhantes.
       Certo ortografo nosso diz que se pod? escrever 
    cõ cedilho, cinco, cinto, cisne, cifra, cesto, certo, cento, 
    màs he erro, porque o cedilho so t? lugar quando o 
    c, sobre a, o, u, t? o soido de s.
    Advirto que os nomes que temos dos Latinos es-
    critos per ch, os devemos escrever s? elle como cari-
    dade, coro, carta, & outros semelhantes, & nã chari-
    dade, choro, charta, como alg?s por se mostrarem 
       

    pág. 118
    Latinos costumam fazer. N? tã pouco o poremos an-
    tes de t, como Duarte Nunes costuma escrevendo, 
    docto, doctrina, respecto, sujecto: so diremos cõ c, 
    acto, ? distinçã de ato, do verbo atar; & pacto ? dife-
    rença de pato ave; como adiante diremos.
       Conta Benedito Buommattei, na introduçã á lin-
    gua Toscana, tratado 3. c. 3. que ouvio alguma vez di-
    zer a Ioã Bautista Vecchietti, gentilomem de prof?-
    da doutrina, & de prefeytissimo conhecimento de 
    linguas, que ? grande letrado da Persia se poz a a-
    prender cõ grande ardor a lingua Italiana, màs quã-
    do chegou a sintir que o c, soava ora como ca, & o-
    ra como ce, tendoo por trabalhosa empreza, se reti-
    rou mays que depressa, como aquelle satiro, que fu-
    gio do omem, porque aquentava, & esfriava as cou-
    sas cõ o bafo, & na verdade lhe podia isto parecer 
    cousa muyto nova, porque os Persianos, como diz 
    afirmava o Vecchietti, t? trinta & dous caracteres,
    cõ que explicam outros tantos elementos, que a sua 
    lingua t?, cõ que v? a ser mays pura, mays certa, & 
    mays breve, que todas as de Europa.
       Pronunciase esta letra, chegando a ponta da lin-
    gua quasi ao ultimo do ceo da boca para os dentes, 
    nã chegando a elles, màs deyxando alg? respiradou-
    ro, per onde se mova o flato.
    A muytos nã ajuda a lingua a pronunciala, & assi 
    diz o dito Butommattei, que ? Padua conhecera ?a 
       

    pág. 119
    mulher, que para dizer, Comincia a sonare il cãpanon, que 
    he começa a soar o cãpanayro, dizia, Tominta a tona-
    re il tampanon; & eu conheci tamb? certa pessoa, que 
    para dizer escada de Iacob dizia, estada de Iató; por 
    coro, carro, toro, tarro, & por cacho, tacho, &c.
    Os Latinos antigos (como dicemos) escreviam c, 
    por qu, & o diz Fabio in Rhet. referido de Emerico 
    Cruceo no comentario ás silvas de Stacio sobre este 
    verso.   
    Traditur & genitum formaque ac voce meretur.    
       E assi ? o mesmo lugar diz Bernario, que muytas 
    vezes se toma ? por outro, c, por q, & Adriano Tur-
    nebo o usou ? o cap. 11. lib. 23. dos adversarios sobre 
    Ausonio.
    Nos o mudamos ? g, nos vocabulos, que toma-
    mos dos Latinos; & assi de acer, acuere, acutus, acus, ala-
    cer, amicus, callaici, cæcus, Clericus, Corsica, dico, draco, effo-
    carè, emacrari, ficus, focus, formica, hac hora, hoc anno, illico, 
    inimicus, iocus, iudicare, lacertus, lacus, lacuna, laicus, locusta, 
    macer, mecum, tecum, secum, mica, miraculum percõtari, peri-
    culum, pertica, pica, picare, posticum, præco, radicare, sacra-
    tus, securis, secutus, secretum, vindicare, urtica, dizemos a-
    gro, aguçar, agudo, agulha, alegre, amigo, Galegos, 
    cego, Corsega, Clerigo, digo, drago, afogar, emmagre-
    cer, figo, fogo, formiga, agora, o ganho, logo, inimi-
    go, iogo, iulgar, lagarto, lago, lagoa, leigo, lagosta, 
       

    pág. 120
    magro, comigo, contigo, consigo, migalha, milagre, 
    perguntar, perigo, pirtiga, pega, pegar, postigo, prego-
    eyro, arraygar, sagrado, segura, seguro, segredo, vin-
    gar, ortiga, & outros muytos. E tamb? os Latinos cõ-
    fundiram muytas vezes estas letras c g. dizendo; cras-
    satur, & grassatur, Cabinus, & Gabinus; lece, por lege; ac-
    na, por agna; como diz Manoel Victorino, ? o capitu-
    lo de ortografia; & trocaram despoys o c, ? g, como 
    por quadrincenti, quadringento, por vicessimus, tri-
    cessimus, vigessimus, trigessimus.
       Tamb? o mudamos ? z, como de recens, rezente; 
    de sarcire, sarzir, de facere, fazer, de jacere, jazer, &c. du-
    razios de duracina, dizemos.
       Antigamente o c, era sinal de condenaçã, & por 
    essa razã ? a oraçã por Milam (como advertio Al-
    conio) Cicero a chamou triste, & o toca ? a terceyra 
    Verrina; ? a conta antiga val por cento: ? abreviaçã 
    Latina antes do nome val par Caio, & quando lhe se-
    gue n. he o mesmo que Cneus. Dous CC. despoys de 
    dous PP. quer dizer Patres conscripti.
    Nenh? vocabulo temos, que acabe ? c, salvo se for 
    perigrino, como Isac, filho de Abraham, & Sara; Bol-
    duc, cidade de Flandes, & Bragstoc, ponte ? os mes-
    mos paizes; os quaes forçosamente devemos escre-
    ver assi; màs ? ç, cõ cedilho nenh? nome nosso, n? pe-
    regrino pòde acabar.   


    pág. 121
    ________________________________________________________________
    CAP. XXVII.
    Do D.
    A Letra De, he elemento mudo, & remisso, soa 
    entre nós, como entre os Gregos & Latinos; 
    donde Ausonio disse, que o d, Latino, & o d, Grego, 
    se diferençavam ? a forma màs nã ? o sõ.
    Non formam, at vocem Delthæ gero Romuleam.    
       Formase cõ a lingua entre os dentes, & o seu soi-
    do he pouco sonoro. Os Gregos lhe chamã Delta, 
    os Hebreos Daleth, ou Deleth. Tem muyta seme-
    lhança ? a pronunciaçã cõ o t, senã que este se forma 
    cõ mays espirito, & cõ a lingua mays levantada para 
    o pádár, ou Ceo da boca, & por esta semelhança os 
    Antigos (segundo Quintiliano) o tiraram de muy-
    tas dições, ? que no seu tempo o tinham; & muytas 
    ? que entrava d, escreviam per r, como noutras ? lu-
    gar de t, puzeram d, segundo diz Victorino: & assi 
    escreviam Alexanter, Cassantra, por Alexandre, Cas-
    sandra; set, por sed, &: atventus, por adventus.
    Nós pola afinidade, que estas letras t? entre si, ? 
    muytos vocabulos, que tomamos dos Latinos mu-
    damos o t, ? d: & assi de fatum, gemitus, latus, manda-
       

    pág. 122
    tum palatum, pater, pecatum, prælatum, pratum, spatha, vi-
    ta, secretum, dizemos, fado, gemido, lado, mandado, 
    pádár, padre, pecado, prado, prelado, espada, vida, se-
    gredo, & outros taes. O que particularmente guar-
    damos ? os participios acabados ? tus, como de ama-
    tus, amado; de lectus, lido; de auditus, ouvido, &c.
       Em outros deytamos totalmente fóra o d, polo 
    que de audire, cadere, comedere, concludere, credere, crude-
    lis, desiderare, desiderium, excludere, fides, fidelis, fiducia, fæ-
    dus, fædare, hodie, includere, iudex, iudicare, iudicium, lauda-
    re, limpidus, medietas, Mediolanum, medulla, modius, Pa-
    dus, pedes, possidere, præiudicium, podium, quadraginta, ra-
    dius, radere, radicare, radix, rancinum, rodere, tepidus, vide-
    re vindicare, dizemos, ouvir, cair, comer, concluir, crer 
    cruel, dezejar, dezejo, excluir, fe, fiel, fiuza, feo, afear, 
    oje, incluir, juiz, julgar, juizo, louvar, limpo, ametade, 
    Milã, meolo, meyo, Po, pez, possuir, prejuizo, payo, 
    quarenta, rayo, rapar, arraygar, raiz, ranço, roer, tibio, 
    ver, vingar, &c.
       Entre os Sinas & Catheos, segundo Iacobo Go-
    lio, ? as adições ao Athlas Sinense fol 8 se confun-
    dem tamb? estas duas letras d. & t. demaneyra que 
    parece nã póde notarse a diferença.
    Posta por abreviatura ? Latim antes do nome, si-
    nifica Decius, & Divus: ? vulgar, Doutor, dõ, ou dona, 
    sinal de nobreza, (ainda que nisto ha grande abuso.) 
    Prateyo, per doutrina de Publio Victorino sobre Ci-
       

    pág. 123
    cero, diz que D. significa Dico, & dous DD, dedica-
    vere; & o explica tamb? assi Probo Gramatico. Na 
    conta antiga val quinhentos ? numero, & se cor-
    rompeo este caracter D, da forma que o escreviam 
    os Romanos porque faziam o milhar assi, CI? & os 
    quinhentos essi I? & ajuntando, o I, & o C, ao revez 
    ficou a forma de D como se agora usa por quinhen-
    tos.
       Nenh? vocabulo nosso acaba ? esta letra, màs so-
    mente alguns, que temos peregrinos, como Cid. Da-
    vid, Galaad, & outros taes. Os Castelhanos todos os 
    que nós acabamos ? ade, acabam ? d, como cidade, 
    piedade, calidade, vontade, verdade, que dizem pie-
    dad, calidad, voluntad, verdad, & assi acabam todos os 
    imperativos ? o numero singular, como amad, leed, 
    ensenhad, &c. os Chins nã usam desta letra, como 
    n? da letra R.
    ________________________________________________________________
    CAP. XXVIII.
    Do F.
    EFe he uma das que chamamos semivogaes, & 
    se faz muda, quando se lhe segue, l, ou r, como 
    ? Flama, franga, &c. aindaque Prisciano quer que 
    sempre seja muda. T? entre nós outros o soido do 


    pág. 124
    ph, ou ? dos Gregos. Formase tocando cõ o beyço 
    de bayxo ? os dentes de cima, & deyxando sair por 
    elles o flato. Antigamente servia aos Latinos per v, 
    consoante, màs posto ás avessas, nesta forma ?, & lhe 
    chamavam digama, & assi escreviam, TERMINA-
    ?IT, por terminavit, ?IXIT, por vixit, & foy inven-
    çã do Emperador Claudio; & assi se acha ? alguns 
    instrumentos, ou escritos de seu tempo; màs ainda 
    que o procurou cõ todas as veras, nã o pôde acabar 
    cõ todos; & os que por lhe dar gosto o faziam, des-
    poys de morto, o deyxaram; como tamb? outra letra, 
    que o mesmo Claudio inventou nesta forma ?. a 
    que chamavam antisigma, para suprir o ps, ou bs, dos 
    Gregos. Devemos cõtudo reparar de quã grande mo-
    mento seja o escrever cõ as letras devidas, & neces-
    sarias, poys até os Emperadores punham nisto seu 
    cuydado, & propensã.
    Costumam muytos escrever alguns nomes, que 
    os Latinos escrev? por ph, a que os nossos Ortogra-
    fos chamã f, aspirado, assi tamb? como philosophia, 
    Philippe; nã considerando, que entre a pronunciaçã 
    do f. dos Latinos, ao ph aspirado dos Gregos, ha 
    muyta diferença, porque (segundo dizem os que 
    da lingua Grega nos deyxaram documentos) o ph, 
    dos Gregos se pronunciava cõ muyta suavidade, & 
    brãdura, a que nã t? o f, Latino, que se pronunciava 
    cõ ? sõ horrido, & que quasi nã parecia voz humana 
       

    pág. 125
    a qual pronunciaçã nã sentimos oje como de outras 
    muytas letras, que nos ouvidos faziam uma concer-
    tada musica. O mays acertado he escrevermos filo-
    sofia, filosofo, Filipe, fado, faro, Filemon, Flegetonte, 
    Foroneo, & outros taes do módo que aqui se ve, & 
    nã per ph, salvo ? alguns nomes proprios ? que pó-
    de aver confusã, escrevendose per f, como ? outro 
    lugar digo, fallando dos nomes proprios.
    Os Castelhanos mudam ? h, o f, nos vocabulos, 
    que t? dos Latinos, & assi de effocare, faba, facies, fac-
    tor, fatum, falco, fames, farina, fartus, fastidium, fasces, fe-
    bruarius, fel, ferire ferrum ferramentum, fervere, filius, fill?, 
    findere, fossa, foemina foetor, folium, forma, færmosus, formica, 
    fornax, fugere, fuga, fuligo, fumus, funda, fundum, fungus, 
    furca, furnus, furo, furari, furtum, &c. dizem ahogar, ha-
    ba, haz, hechor, hado, halcon, hãbre, harina, harto, 
    hastio, hachas, Hebrero, hiel, herir, hierro, herramen-
    ta, herver, hijo, hilo, hender, hoz, h?bra, hedor, hoja, 
    homa, hermozo, hormiga, hornaja, huir, huida, hol-
    lin, humo, honda, hongo, horca, horon, hurtar, hurto, 
    ? os quaes, & noutros, que por brevidade deyxo, si-
    guimos direytam?te a analogia Latina dizendo, afo-
    gar, fava, face, feytor, fado, feyçã, fome, farinha, farto, 
    fastio, fachas, Fevereyro, fel, firir, ferro, ferramenta, 
    ferver, filho, fio, f?der, fosso, femea, fedor, folha, for-
    ma, fermoso, formiga, fungo, fornalha, fugir, fugida, 
    felug?, fumo, fundado, fungã, forca, forno, forã, fur-
       

    pág. 126
    tar, furto; onde evidentemente se ve quã b? avisi-
    nhamos cõ os Latinos.
       Os Latinos muyto antigos, usavam do f, por h, & 
    assi diziam forreum, trafo, vefo, fircus, por horreum, 
    traho, veho, hircus; & os Castelhanos diziam tamb? 
    fijo, por hijo, fazer, por hazer; fidalgo, por hidal-
    go, &c.
       Em abreviaçã Latina diz filius, F, Fa, filius fa-
    milias. Outras vezes F, fides; & F D. fides data. Tam-
    b? significa frey, ou frater. O mayor louvor, que se 
    lhe póde dar he ser a primeyra letra da mays alta 
    virtude espiritual, que he a Fe.
       Nã temos ? Portuguez vocabulo, que acabe ? f, 
    salvo se for estrangeyro; como Iofaf, lugar ? o mar 
    roxo na Costa de Arabia; & outros taes.
    ________________________________________________________________
    CAP. XXIX.
    Do G.
    GE he letra muda, & assi se deve pronunciar, & 
    nã ga; como nossos Ortografos modernos di-
    zem, por acomodar o j, rasgado consoante, que elles 
    querem que se nomee je; porque ge foy sempre o 
    nome desta letra, & assi o acho nomeado ? os Escri-
    tores Latinos, Francezes & Italianos. Os Gregos lhe 


    pág. 127
    chamam Gamma, & os Hebreos Gimel. Formase to-
    cando cõ a lingua ? o Ceo da boca, proximo aos den-
    tes. T? grande parentesco cõ o c. como diz S. Isidro: 
    & Festo diz, que ao que agora chamamos c. chama-
    ram os Antigos Latinos g. & no escrever & pron?-
    ciar tomavam ? por outro; dizendo Caius, & Gaius, 
    cignus, & cicnus, cobius, & gobius, Gneus, & 
    Cneus, &c.
       Algumas Nações carecem de g.
       Achase nesta letra duas pronunciações diversas; 
    uma propria, como quando se ajunta cõ as vogaes 
    a, o, u. [como dicemos do C.] & outra alheya, como 
    quando se ajunta cõ as vogaes e. i. o que se acha ? ou-
    tras muytas linguas. Por? nisso siguimos aos Lati-
    nos, & lhe damos a força, & vigor, que lhe elles de-
    ram. Em a. o. u.como ? galerus, gobius, gula, & nós ga-
    la, gola, gula; ? e. i. como gemitus, gigas; & nós gemi-
    do, gigante. Em os quaes me parece nã poderá ha-
    ver ouvido tã delicado, que sinta diferente soido nos 
    Latinos, dos Portuguezes: & ainda digo, que a nossa 
    pronuciaçã, ? as ditas silabas, nã difere nada da que 
    os Gregos dam ao seu Gamma, & os Hebreos ao seu 
    Gimel, como poderá ver o que destas linguas tiver 
    conhecimento.
    Fuy demasiadamente prolixo nisto, porque ha 
    om?s tã sutis, que sentem ser a nossa pronuncia 
    acerca desta letra diversa da que lhe dam os Gregos, 
       

    pág. 128
    & os Latinos) & tal vez porque os tenhamos por 
    Latinos & Gregos) dizem que a que lhe damos he 
    propria dos Mouros; do que eu nã saberey dar razã.
    O que importa he sabermos quando avemos u-
    sar de g, ou de j, que parecem ter o mesmo soido; & 
    he cousa ? que muytos, que presumem de ortogra-
    fos se embaraçam, & perdem: para o que digo se deve 
    ter respeyto á orig? & analogia do vocabulo, & que 
    por ahi nos governemos; & assi de agens, participio 
    de ago, de congelare, diligens, diligentia, exagerare, ferrugo, 
    flagellum, frigere, gelascere, gelatus, gemellus, gemella, geme-
    re gemitus, genealogia, gener, generosus, generositas, gens, gen-
    tilis, gentilitas, genus, geographia, geometria, gestus, gingiber, 
    gingiva, imago, indigestus, ingenium, ingeniosus, ingens, legi-
    bilis, legio, legislator, Magicus, magistratus, margo, Megæ-
    ra, naufragium, negligentia, pagina, regere, regimen, regio, ru-
    gere, rugitus, sigillum, spargere tangere, vigesimus, vigil, 
    vigilare, vigilantia, virgo, &c. diremos agente, conge-
    lar, diligente, diligencia, exagerar, ferrugem, flagello, 
    frigir, enregelarse, enregelado, gemeo, gemea, gemer, 
    gemido, genealogia, genro, generoso, generosidade, 
    gente, gentil, ou gentio, gentilidade, geraçã, geogra-
    fia, geometria, gesto, gingivre, gingiva, imagem, in-
    digesto, engenho, engenhoso, ingente, legivel, legiã, 
    legislador, magico, magistrado, margem, Megera, 
    naufragio, negligencia; pagina, reger, regimento, re-
    giã, rugir, rugido, sigillo, espargir; tanger, vigesimo, 
       

    pág. 129
    vigilante, vigiar, vigilancia, virgem, &c. & assi escre-
    veremos todos os nomes, que t? a mesma correspõ-
    dencia, & consonancia, aindaque outros Latinos nã 
    a tenham semelhante; como saõ todos, os que t? a, 
    ou u, na penultima silaba, assi como, bagagem, foga-
    gem, lagem, lingoagem, lavagem, passagem, pagem, 
    romagem, babugem, lambugem, penugem, & seme-
    lhantes.
    Quando esta letra g. se poem antes de n. ? alguns 
    nomes, que temos corrutos ordinariam?te mudamos 
    o g ? n. & o n ? h. & assi de agnus, lignum, pugnus, pignus, 
    cognosco, cognitor, cognitus, dizemos anho, lenho, punho, 
    penhor, conheço, conhecedor, conhecido, &c. E por 
    isso Camões disse manho, de magnus, c. 4. est. 32.   
    Qual nas guerras civis do Iulio manho.        
    E assi por mare magnum, costumamos ainda dizer 
    marmanho, & de tam magnus, tamanho; & nã tam 
    magno; como Duarte Nunes ensina. E he pronun-
    ciaçã Italiana, cõ esta diferença, que fazem do gn. & 
    do nh. & assi escrevendo Signore, agnello, pronun-
    ciam Sinhore, anhello. E tamb? mudam o g. ? l quã-
    do se lhe segue l. & o l. ? h; como ? figlio, que l? filho 
    egli, elhi, &c. Por onde se ve que nós escrevemos co-
    mo pronunciamos, & pron?ciamos como escreve-
    mos, que he a basi fundamental de toda a boa orto-
    grafia, ? que elles tã claramente faltam.   

    pág. 130
       Acompanhada a letra g. cõ outras letras, t? diver-
    sas abreviações; como se póde ver ? Probo.
       Nenh? vocabulo nosso acaba ? g. peregrinos al-
    guns como Magog filho de Iosaphat.
    ________________________________________________________________
    CAP. XXX.
    Do H.
    SObre esta letra, que pronunciaremos aga ha 
    grande controversia entre os Autores. Prisciano 
    diz que nã he letra, Diomedes que si; alg?s a cha-
    mam regra das consoantes; & se póde chamar letra da 
    vida, porque s? alento nã ha vida. Eu direy o que 
    sinto que nã he outro meu intento ? toda esta obra; 
    como ás vezes repito, porque nã presumo de m? tã-
    to, que queyra dar documento. He verdade que dos 
    Latinos nã foy recebida para mays que dar valor á 
    vogal, ou consoante a que se ajuntava. Antes do t?-
    po de Cicero se ajuntava so a vogaes (como elle mes-
    mo diz) & nã ás consoantes, cuja pronunciaçã cõfes-
    sa, no de Orador, aver elle siguido muyto tempo per 
    semelhantes palavras; Eu mesmo sabendo que assi 
    haviam fallado nossos Antepassados, que nã ajunta-
    vam o h. senã cõ as vogaes, dizia, pulcros, Cetegos, tri?-
    pos, Cartaginem, até que andando o tempo [aindaque 


    pág. 131
    tarde por falta, que tive no ouvir] convencendome 
    de todo a verdade, me acomodey a fallar ao uso do 
    povo, guardando para m? o saber como se havia de 
    fallar, para fallar b?. Aulo Gelio diz lib 2. c. 3. que nas 
    mays das dições Latinas se acostumava acrecentar h. 
    porque criam que assi era o soido mays firme, á imi-
    taçã dos Athenienses (de que foram grandes sequa-
    ses os Romanos) os quaes fóra do costume das de-
    mays Cidades de Grecia aspiravam muytas dições; 
    màs diz que o h, nã se havia de por entre as letras, 
    senã encima, que assi o faziam os Gregos; & afirma 
    que o vio usado & escrito ? ? muyto antigo instru-
    mento, que diz imagina ser o Authographon de 
    Virgilio, isto he o original ? que escreveo suas obras; 
    por onde b? parece que nã tinham ao h, por letra, 
    màs como sinal, de que ali donde se punha, se havia 
    de engrossar mays o espirito.
    Em nossa lingua (& na Castelhana) nã ha duvida 
    que t? tres oficios, porque realmente serve de letra, 
    de aspiraçã, & distinçã. Que seja letra he cousa ma-
    nifesta (& por tal a julga o P. Bento Pereira da Cõpa-
    nhia de Iesus, nas regras geraes, que da Ortografia 
    escreveo, fol. 55.) porque s? h. he impossivel escrever-
    mos muytos vocabulos, como são, chave, chapeo, a-
    char, cheyrar, chiar, chover, chuva, chupar, 
    chouriço, machado, conselho, espelho, engenho, se-
    nhor, senhora, & milhares. Entre os Castelhanos t? 
       

    pág. 132
    a mesma pronunciaçã ? pecho, acha, rechaçar, rechi-
    nar, coche, &c. & quando haja alg? tã engenhoso, 
    que s? h, escreva outros semelhantes vocabulos, en-
    tã confessarey que h, nã he letra; màs se de sua parte 
    faz o que cadaqual das outras no seu oficio; porque 
    rasã, ou cõ que fundamento lhe negaremos a digni-
    dade, que seu prestimo lhe grangeou? Certo que ? 
    tudo t? lugar a desgraça.
       Pola qual rasã advirto, que se os Latinos po? as-
    piraçã ? alguns nomes, que temos seus; como An-
    chora, Achaia, Achates, Acheron, Achilles, Bacchus, Ma-
    nichæus, mæchus, Monarchia, monichordi?, Monicha, Cha-
    meleõ, character, Charitas, charus, charta, chlamis, cholera, 
    chorda, chorea, choras, & infinitos outros, nos os escre-
    veremos s? ella; como ancora, Acaya, Acates, Aquerõ-
    te, Aquilles, Maniqueos, meco, Monarquia, monocor-
    dio, Monicha, cameleã, caracter, caridade, caro, carta, 
    clamide, colera, corda, corea, coro, &c. & assi to-
    dos os mays (porque nã se pod? refirir todos) que des-
    poys do c. tiverem h. Mas se ? os nomes proprios a 
    falta do h. mudar o sentido, ou ficar o nome desco-
    nhecido, entã se escreverá cõ h.
    Que seja aspiraçã he cousa ? que todos v?, su-
    posto que entre os antigos (segundo Quintiliano, 
    lib. 1 c. 5.) se duvidou tamb? se era letra, ou nota: os 
    mays sentenceam ser aspiraçã, porque se pronuncia 
    simplezmente da guella, & nã se forma dos instru-
       

    pág. 133
    mentos da boca, como as demays letras; & por essa 
    razã a chamam aspiraçã gutural, donde v? pronun-
    ciarmos nós, & os Italianos; mihi; & nihil. como se an-
    tes da aspiraçã levara C. [de que ? França te os estu-
    dantes de menor idade faziam grande escarnio] & on-
    de sintimos ? nossa lingua esta aspiraçã he nestas in-
    terjeyções ha, ha, significando alegria, & riso; & nes-
    tas ah, oh, significando temor, indignaçã, ou espan-
    to ? diferença de a, articulo, & preposiçã, & de o, 
    quando chamamos, cujo módo entendem os Gra-
    maticos, aqu? pertence mays, que a outros.
    O terceyro oficio do h, he distinguir, & declarar 
    alguma ambiguidade, que pode acontecer na escri-
    tura; como ? a terceyra pessoa do presente do indica-
    tivo do verbo sou, que sempre escreveremos cõ h, he 
    ? diferença de e, conjunçã, que escreveremos como 
    aqui fica. E tamb? escreveremos cõ h, os preteritos 
    imperfeytos, do indicativo, conjuntivo, & infinitivo 
    do verbo vou, que diremos, eu hia, tu hias, &c. & da 
    mesma maneyra todo o verbo hey (isto he tenho) 
    que diremos, eu hey, tu has, &c. por quanto este ver-
    bo ? muytos tempos, & pessoas s? h, terá outra sig-
    nificaçã diversa, como nos presentes; avio, avias, avia, 
    &c, isto he despacho, despachas, despacha, &c. E na 
    terceyra pessoa do preterito perfeyto, & outra ain-
    da desta diferente, a saber ouve do verbo ouço; polo 
    que sou de parecer se escreva todo elle cõ h, ? o prin-
       

    pág. 134
    cipio. Assi que o h, serve umas vezes de letra, outras 
    de aspiraçã, outras de distinçã.
       Sonho me parece o que nossos Ortografos di-
    zem acerca do ch, lh, nh, que elles chamam letras as-
    piradas, Concederalho eu se de cada uma dellas me 
    deram uma figura, ou forma como os Gregos as t? 
    para o th, ph, ch, ps, màs se nós nã temos carateres 
    proprios para o ch, lh, nh, de que serv? essas inv?ções? 
    o certo he que h, ? as taes d?ções he letra; & nã aspira-
    çã, como temos mostrado; & nã saõ as pronucia-
    ções deste concurso de letras proprias nossas, como 
    dizem, porque assi pron?ciam os Castelhanos, como 
    ja mostrey do lh, & do nh, ? ella, & niño; he diferente 
    si a escritura, & a nossa mays posta ? a razã, que a 
    sua, poys fazem do l, n, & do l, h, nã o sendo, n? ? a 
    figura, n? ? o soido. E os Italianos a t? tamb?, màs 
    variam, & adulteram, como os Castelhanos as letras, 
    ainda que por outro estilo; fazem do g, antes do l, l, 
    & do lh, como ? voglio, & ? egli, & tamb? do g, n, 
    & do n, h ? ogni, como atràs dice. E assi n? ?s n? ou-
    tros pronunciam como escrevem, n? escrevem como 
    pronunciam. que he contra o principal fundamento 
    da boa ortografia.
    Menos rasã me parece teve qu? quiz mos-
    trar diferença na letra c, ? esta palavra tacha, & Me-
    chanico; porque ? tacha, faz o h. oficio de letra acer-
    ca do Portuguez, & Castelhano, & ? mechanico faz 
       

    pág. 135
    oficio de aspiraçã no Latim; porque nós s? aspiraçã 
    devemos escrever mecanico, & outros semelhantes, 
    como ja dicemos.
    Nem obsta dizer que são vocabulos Latinos, & 
    que por essa rasã se dev? escrever como elles os es-
    creveram cõ h; porque aquelles, que per si só saõ ja 
    nossos, nã dev? seguir ortografia alheya, senã (torno 
    a dizer) quando para melhor intelligencia dellas ne-
    cessario for, assi como ? Chiron, que se o escrever-
    mos s? h, ficará Ciron, & cõ Qu, Quiron; & nã se en-
    tenderá o que he, màs ficará confuso. Polla qual ra-
    sã erram, os que querem escrever per ch, vocabulos 
    Portuguezes, dirivados dos Gregos, ou Latinos, co-
    mo choro por coro, charo por caro, querido, & os 
    mays que apontamos, que nã saõ todos que ha; & as-
    si estes nomes Monarchia, Machina, & semelhantes 
    escreveremos s? h, & cõ qu; como Monarquia, Ma-
    quina, &c. diremos tãb? Cosmocrafia, filosofia, orto-
    grafia, assi como soã ? Portuguez; se nã he que se 
    queyram parecer cõ aquelle Ario Romano; intitula-
    do de Catulo o aspirante, porque todas as silabas 
    profiria da garganta aspiradas, de maneyra que por 
    commoda, dizia chommoda, por insidias, hinsidias, por Io-
    nios, Hionios, como se ve ? o seguinte epigrama, cele-
    brado de Quintiliano, Policiano; & outros muy-
    tos.   


    pág. 136
       Chõmoda dicebat, si quando cõmoda vellet.
         Dicere, & insidias Arius hinsidias.
       Et tum merifice sperabat se esse locutum,
         Cum quantum poterat dixerat hinsidias.
       Credo sic mater, sic Liber avunculus ejus,
         Sic maternus avus dixerat, atque avia.
       Hoc misso in Syriam, requierant omnibus aures.
         Audiebant eadem leviter, & leniter.
       Nec sibi post illa metuebant talia verba,
         Cùm subitò affertur nuncius horribilis.
       Ionios fluctus, postquam illac Arius isset,
    Iam non Ionios esse, sed Hionios.     
    Cujo sentido, se me nã engano póde ser;
       Chõmodos Ario acõmodos sohia
       Dizer, tamb? hinsidias por insidias.
       Entã cria fallar muyto elegante
       Se dizia cõ muyta força hinsidias.
       Assi creo fallou a mãy, & o filho,
       Assi os avós maternos, assi a tia.
       Este mandado a Syria, o escutam todos,
       Por ouvir as palavras mays suaves.
       N? taes vozes despoys ouvir temiam;
       Quando subito chega horrivel nuncio,
       Que desque Ario sulcou as Ionias ondas,
    Ia nã eram Ionias, màs Hionias.   


    pág. 137
       Os Latinos antigos, como diz Quintiliano (màs 
    despoys de Cicero) usavam pouco da aspiraçã ? as 
    vogaes, & asi diziam ædos, ircos, por hædos, hircos; 
    & o mesmo observaram ? as consoantes, escrevendo 
    Graccis, triumpis, por Grachis, triumphis; despoys creceo 
    tanto o uso do h. que tamb? escreveram por corona, 
    Centurio, præco; chorona, Chenturio, præcho, segundo o 
    mesmo diz se acha ? alg?s letreyros.
    O conselho que Angelo Policiano, ? suas misce-
    laneas cap. 15. da acerca disto he, que se escrevam cõ 
    aspiraçã: os que se pronunciarem cõ aspiraçã, o 
    que os Gregos usam agora ? os consoantes so-
    mente. Acerca do que se póde ver Cicero no 
    Orador a Bruto. Aulo Gelio ? o segundo das noy-
    tes Aticas diz, que os Antigos admittiram o h, ? al-
    gumas palavras para lhes dar mayor força, & vigor 
    ao sõ; como sintimos ? algumas palavras Castelha-
    nas, ? que he muyto frequente; aindaque como diz 
    Aldrete, no principio de sua lingua cap. 11. lib 2 ? al-
    gumas palavras que se aspiravam, se hia ja deyxando 
    o h, & assi por hazer, hormiga, hombre; dizem azer, 
    ormiga, ombre: polo que cõ muyta mays razã nós, 
    que nenhuma palavra pronunciamos da garganta, 
    devemos escrever s? h, as palavras que nossos Orto-
    grafos aspirantes, como Ario, querem se escrevam 
    per h. como homem, honesto, honestidade, humilde, 
    humildade, humilhar, humido, humidade, humor, 
       

    pág. 138
    h?, huma, & semelhantes; màs diremos omem, ones-
    to, onestidade, umilde, umildade, umilhar, umido, u-
    midade, umor, ?, uma;
       Os Italianos ?s excluiram de todo a aspiraçã, ou-
    tros a abraçaram. Os Francezes escrevem ch, sobre 
    todas as vogaes, màs pronunciam como se fôra x.
       Abreviada diz varias cousas, como parece ? Probo.
    ________________________________________________________________
    CAP. XXXI.
    Do I.
    A Letra I, como atrás dicemos, umas vezes he 
    vogal, outras consoante, & assi t? diverso soido, 
    conforme o oficio diverso, que lhe dam. O proprio, 
    & natural he o que se sente ? as primeyras silabas des-
    tas vozes idea, imagem, ira, & entã he vogal, & o es-
    creveremos assi i. O soido improprio, & alheyo he 
    quando serve de consoante, do qual tratamos agora.
    Remeda muyto na pronunciaçã ao g, quando 
    fere sobre e, & escrevese rasgado para bayxo, nesta 
    fórma j Nã t? lugar sobre i. vogal, que polo paren-
    tesco & semelhança, que cõ elle t?, parece se absteve 
    de o ferir, como faz ás outras vogaes; que até nas le-
    tras se acha o conhecimento de afinidade, que ? 
    muytos om?s falta: màs isto he acerca dos Portugue-
    zes, ? que se acham todos os primores, que acerca 
       

    pág. 139
    dos Latinos mede ao i, vogal, como a todas as outras 
    vogaes. E assi nã acertou o Ortografo, que escreveo 
    jinja, porque devia escrever ginja.
       Escreveremos poys per j, consoante todas as dições, 
    que dos Latinos passaram a nós cõ o mesmo j, con-
    soante, se essa silaba ficou inteyra, aonde o j, ficou co-
    mo jejum, sujeyto, majestade, porque v? de jeiunium, 
    subiectus, maiestas; & assi diremos rejeytar, por que v? 
    de reiicio, & enjeitar pola analogia, & outros seme-
    lhantes.
       Alguns Ortografos nossos escrevem injenho, je-
    ral, advirtoo porque he erro, conforme o que dice-
    mos ? a letra g.
    Os vocabulos que no principio se escrevem per 
    hie, entre Gregos, ou Latinos, como Hieronimus, 
    Hierarchia, Hierusalem, Hierico, & outros taes; nós 
    os escreveremos por j, Ieronimo, Ierarquia, Ierusal?, 
    Ierico, & assi Ieremias, Iereboam, porque assi os es-
    crevem ja alguns modernos, & se acha ? os livros 
    impressos, que tudo pode o costume, & a pronuciaçã 
    & corruçã de uma lingua noutra; màs nã he regra 
    geral, porque Hiempsal, nome proprio de ? Cartagi-
    nez, & Hieron, de ? Rey de Siracusa, mal se escreve-
    raõ cõ j. consoante. Pola qual razã conv?, que o que 
    rectamente quizer escrever ouça cõ atençã o soido, 
    que o vocabulo faz na orelha, porque facilmente en-
    tenderá como o ade escrever: & considere que a nos-
       

    pág. 140
    sa pronunciaçã naturalmcnte foge o aspirado, & a-
    braça cõ amor & suavidade, o que carece de afectaçã; 
    màs quando o sintido da diçã nã ficar intelligivel, 
    entã siguirá o que mays usado for.
       Em esta letra nã acaba palavra alguma nossa n? 
    peregrina.
    ________________________________________________________________
    CAP. XXXII.
    Do K.
    ESta letra K. tomaram os Latinos dos Beocios 
    & Gregos, como diz Elias Vineto sobre este 
    verso de Ausonio.
    Hæc tribus in Latio tantum addit nominibus.    
    Para exprimir sómente tres nomes Gregos, Ki-
    rios, Kalenda, Kappa. Este he seu nome entre os 
    Gregos, & nós a nomeamos Ca. Ioã Bautista Porta, 
    ? o livro 3. De occultis litterarum notis. cap. 3. diz que Sau-
    lio Mestre foy o primeyro que o acrecentou ás letras 
    Latinas. Diomedes diz se escusa, & Persiano que entre 
    os Latinos sobra, & se cõta de mays: & assi muytos es-
    crevem ja Cal?das, & cappa, como aqui se ve. cõ c, cu-
    ja pronunciaçã t? sobre a. o. u. & fica so para o Kiere-
    leyson, (que quer dizer Senhor havey misericordia 
       

    pág. 141
    de mi:) Nã obstãte isso, digo, que poys nós mudamos 
    sobre e, i, o c, ? qu, que melhor fora valermonos do 
    K, como cõ grande acerto fazem outras nações. Ve-
    molo ? o nome de Thomas de Kempis, conhecido 
    Varã per letras, & virtude; & no S. Arcebispo, & 
    glorioso Martyr de Christo Thomá Beket, que este 
    era seu apelido. E eu o tenho ponderado ? o nome 
    de minha avó paterna, que era Haeseken, donde pa-
    rece lhe fiquey afeyçoado, aindaque ocularmente à 
    nã conheci. Màs a rasã, que me inclina a nós admittir-
    mos esta letra ? nosso alfabeto ? lugar do qu, sobre 
    e, i, he; por que ao q, quando se ajunta cõ u, [de cuja 
    assistencia pende todo o seu valor, & s? o qual fica 
    como morto] sobre e, i, nã lhe damos a verdadeyra 
    pronunciaçã, que ? razã da vogal ouvera de ter, co-
    mo ? a lingua Latina sintimos no qui, que; como ? 
    querella, quietus, dições Latinas, ? as quaes sintimos 
    o soido daquelle u, que nã sintimos ? as mesmas di-
    ções Aportuguesadas, querella, quieto: onde parece 
    que nã pronunciamos, como escrevemos: & o mes-
    mo sucede ? outras semelhantes, o que nã seria, se as 
    escrevessemos cõ k. kerella, kieto, &c. B? he verdade, 
    que as cousas novas nã pódem introduzirse s? peri-
    go, como advirtio, Quintiliano màs todavia, 
    havemonos de atrever, porque aquellas cousas, que 
    ao principio (diz Cicero) parecem duras, cõ o uso se 
    facilitam & abrandam: por isso dizia Hesiodo, que a 


    pág. 142
    mayor dificuldade, que ha nas cousas umanas, he o co-
    meçallas; & assi Terencio in Heauton, Omnia hæc d? in-
    cipias gravia sunt, dum que ignores, ubi cognoveris, facilia.
       Ioseph Scaligero, sobre Ausonio assi escreve Gua-
    dalkebir, per k & nã per qu. E se os antigos Latinos 
    nã usaram desta letra, foy por que a sua pronunciaçã 
    ? qu, sobre e, i, he, como vemos, muyto diferente da 
    nossa.
       Finalmente digo que ainda que esta letra k, entre 
    nós nã he usada, sendo o, fará seu oficio & obrigaçã 
    muyto b?, sobre as ditas letras, e, i, na forma, que 
    dicemos.
       Formase aplicando ao pádar o principio da lin-
    gua, na sua parte grossa, junto á guela, & despedindo 
    o flato, cõ pouca abertura da boca. Os Gregos lhe 
    chamam Cappa, & os Hebreos Caph.
       Nã temos vocabulo que acabe ? K, salvo alg? 
    estrangeyro, como Craesbeek. Os Francezes, & Ita-
    lianos nã a t? ? seu alfabeto.
    ________________________________________________________________
    CAP. XXXIII.
    Do L.
    ELe he uma das semivogaes liquida, quãdo lhe 
    precede muda; corresponde cõ o soido & po-
    der ao Lamda dos Gregos, & ao Lamed dos He-


    pág. 143
    breos, que assi se chama entre ?s, & outros. Gerase to-
    cando cõ a ponta da lingua o pádar visinho aos d?-
    tes, mandando fóra ? pouco de espirito cõ que sua 
    prolaçã he gentil & mansa. T? alguma semelhança ? 
    a pronunciaçã cõ o r, ? cujo lugar sucede, como diz, 
    Quintiliano (& logo mostraremos) senã que o l, t? 
    naturalmente uma certa brandura, & o r, pelo con-
    trario uma certa aspereza, porque quando se quer for-
    mar, he força dobrarse a lingua: & assi os pividosos 
    ordinariam?te o mudam ? l, como de Demostenes, & 
    Alcibiades conta Plutarco, & he proprio dos mini-
    nos, que nã t? ainda força para profirir aquella as-
    pereza, que he natural do r; & chamam os Gregos a 
    este vicio lamdacismo, que quer dizer vicio de fre-
    quentar o l, que elles, como dicemos chama Lamda.
    Sua brandura deo a entender o Poeta, quando 
    para mostrar o lugar diversissimo do Tartaro disse. 
    Concilia, Elisium que colo: & nã menos ? o siguinte 
    verso, notado tamb? de Quintiliano.   
    Mollia luteola pingit vaccinia caltha.        
    E Persio ? a satyra primeyra por reprender o cos-
    tume dos Poetas, que por ter voz suave, delicada, & 
    mole no recitar os seus versos, enxaguavam, & lava-
    vam a boca cõ unguentos aptos para esse efeyto, usã-
    do tab? de palavras brandas, & delicadas, quaes são as 
    que levam esta letra, como se ve neste lugar.   

    pág. 144
    _______ _______ liquido cum plasmate guttur.
    Mobile colluerit, &c.     
    Logo abayxo, diz ao mesmo intento.   
       Plyllidas, Hypsiphylas, vatum, & plorabile siquid
    Eliquat, & tenero supplantat verba palato.   
       Nós ? muytos vocabulos que temos dos Latinos 
    mudamos o l, ? r, como mays varonil; & assi de blã-
    dus, blanditia, clavus, flaccere, flaccidus, lilium placa planca, 
    placere planus, planctus, dizemos brando, brandura, cra-
    vo, enfraquecer, fraco, lirio, praya, prancha, aprazer, 
    prano, pranto, & semelhantes; & de fluxus; dedusimos 
    froxo, de obligare, obrigar; & de supplere suprir, &c. de 
    Flasca, vocabulo Grego, frasqueyra; & de flascus, frasco. 
    Refereo Aldrete, de S. Gregorio.
       Em outros nomes tamb?, que tomamos dos 
    Latinos, o acompanhamos de ? h, & assi de Alienus, 
    allium, apiada, articulus, folium, filius, ilia, malliare, melior, 
    milium, millia, mulier, novacula, oculus, palea, parilitas, 
    similare similis, speculum, tegula, vinculum, vetulus, dize-
    mos; Alheyo, alho, abelha, artelho, folha, filho, ilhar-
    gas, malhar, melhor, milho, milha, mulher, navalha, 
    olho, palha, parelha, assemelhar, semelhante, espelho, 
    telha, venselho, velho, & outros taes.
    Muytos inorantemente trocam o l, ? r, ? algu-
    mas dições dizendo, & escrevendo cremencia, 
       

    pág. 145
    cremente, frama, Creligo, crelesia, frol; hav?do 
    de dizer, clemencia, clemente, flama, Clerigo, cle-
    resia, flor. Assi diremos simprez, & nã simplez, claro, 
    & nã craro, obrigar, & nã obligar, como certo Orto-
    grafo nosso erradamente ensina, & tamb? suplican-
    te, & nã supricante, como o mesmo diz. Diremos 
    clamar por gritar, ou chamar dando vozes, & cramar; 
    por fazer queyxas de algu?, ou bradar queyxoso so-
    bre algu?: aindaque no Latim a mesma significaçã 
    t? clamare, porque nessa disse Livio 3. ab urbe; Cla-
    mant fraude fieri, quod foris teneatur exercitus, màs neste 
    sintido o nosso vocabulo t? mays energia.
       Fere esta letra l, cõ sua natural brandura todas as vo-
    gaes, & se po? despoys de b, c, f, g, p, como blasfemo, 
    claro, flor, gloria, planta, & despois de t, ? nomes peri-
    grinos, como, Tlepolmeo, filho de Hercules, & Astio-
    che; Tlesias, Principe anual, dos Ateni?ses, Tlos, cida-
    de de Licia; que tomou o nome de Tlo, filha de Mile-
    to, & da nynfa Praxidi. e; & tãb? uma cidade de Sicilia.
       He letra recebida ? todas as nações do mundo, 
    salvo na Brasilense, cuja lingua dizem a nã t?, como 
    tamb? lhe falta o f, r, como aquella, que carece de fe, 
    de ley, & de Rey.
    Nella acabam muytos vocabulos nossos, prece-
    dendolhe todas as vogaes. Sua prerogativa he fazer 
    levantar o mays alto tono ? a musica. Em a lingua 
    Latina L. quer dizer, Lucius; entre dous pontos val 
       

    pág. 146
    por vel; como adverte Miguel Salinas, referido de 
    Ximenes: & na conta antiga he numero de cinco?ta.
    ________________________________________________________________
    CAP. XXXIV.
    Do M.
    EMe he letra semivogal, & uma das liquidas; pro-
    nunciase cõ brandura, porque se forma quasi 
    fora da boca, chegando ? beyço a outro, & assi se du-
    vida se ella, ou antes o b, he a primeyra que ? ? mi-
    nino faz ajuntar os beyços. Do Frigio infante, de 
    que ElRey Tolomeo se sirvia para saber, que lingua 
    era mays natural ao genero umano; lemos, que pri-
    meyro produsio bec, que ? aquella lingoagem sig-
    nifica pã: màs os antigos Bretões ? Ingalaterra t? 
    que m, he a primeyra letra, que faz ajuntar os beyços, 
    porque nã ha outro vocabulo por mãy ? Ingrez que 
    Mam, que todos os mininos de qualquer Clima 
    que sejam, logo ? entrando ? o mundo pronuciam 
    articuladamente; & assi ? varias linguas o nome do-
    ce de mãy começa por esta letra M.
    Os Gregos lhe chama My, & os Hebreos Mem. 
    Fere todas as vogaes direytamente: nã admitte (? a lin-
    gua Portugueza) antes, n? despoys de si; outra letra 
    consoante mays que b. p. & outro m; & assi escreve-
       


    pág. 147
    remos, ambos, tempo, immovel, & semelhantes: polo 
    que fique por regra inviolavel, que antes b, p, m, se 
    escreva sempre m: digo ? a lingua Portugueza, por-
    a Grega & a Latina, & outras dellas dirivadas, nã 
    guardam ? todo esta regra: & alg?s ortagrafos nossos 
    se deyxaram ir trás elles ? vocabulos, que temos me-
    ramente Latinos, & ensinam, que se hão de escrever 
    assi como os tomaram, como são condemno, dam-
    no, solemne, somno, màs estes, & outros semelhantes 
    que o Licenciado Duarte Nunez refere se hão de 
    escrever ao nosso módo, condeno, dano, solene, 
    sono, porque assi os pronunciamos; & quan-
    do pronunciamos os Latinos fechamos os beyços ? 
    o m, que he o seu proprio natural; como se profirira-
    mos, condem no, dam no, solem-ne, som-no, que ? 
    a nossa lingoag? fora uma redicula cousa. Os nomes 
    proprios Gregos, & Latinos, que t? m, antes do n, as-
    si tamb? os escreveremos; & pronunciaremos, por-
    que os taes s? m, nã fazem tã bõ soido, como são 
    Agam?non, Clytemnestra, Clytumno, Lemnos. Lem-
    noria, Memnoa, Polimnia, & semelhantes. Hymno, 
    & gimnasio, inda poderemos escrever assi; ou hyno, 
    & ginasio; & o primeyro se acha ordinariamente ? os 
    versos, s? m, por rasã do consoante.
    Os compostos deste adverbio bem, & desta pre-
    posissã com; nã se devem escrever como ? ortografo 
    nosso diz absolutamente, mas cõ esta diferença; que 
       

    pág. 148
    quando se lhe seguir vogal se escreverão cõ m, como 
    b? estreado, comigo, màs quando se lhes siguir con-
    soante, cõ n, como bendito, contigo, consigo, por-
    que uma vez que os fizemos nossos, hão de siguir 
    a nossa ortografia, & nã a alheya; tiramos so bem 
    quisto, porque assi o pronunciamos.
       Em a lingua Latina so ? nome se acha que an-
    tes do s, tenha m, que he hyems; mas ? outras linguas 
    muytos; como Amsterdam, cidade de Olanda; Ems, 
    Rio da mesma, & outros; porque o que digo do m. 
    so entre nós se observa inviolavelmente, & ningu? 
    o corrompe mays que os Castelhanos, que ordinaria-
    mente, antes do b, p, po? n, elles saberão a razã, & ate 
    no cabo das dições o pronunciam como n. T? tres 
    pronunciações, clara ? o principio, mays cerrada ? o 
    meyo, & no fim obtusa & escura.
    Nesta letra acabam muytos vocabulos nossos, co-
    mo ja dicemos, & diremos; Grego nenh?, segundo 
    Quintiliano, lib. 12. cap. 10. donde Ausonio.   
    Vocibus in Graijs, nunquam ultima conspicior.   
    Como a materia de que escrevo nã he de si apra-
    sivel, procuro entresachar sempr alguma cousa, que 
    a faça parecer menos dura; & por ventura, que n? de 
    todos seja a minha diligencia b? recebida; cõ tudo ja 
    heyde siguir o estillo, que nisso tomey até o cabo; 
    que mayor trabalho tenho eu ? o escrever, do que 
       

    pág. 149
    ningu? terà ? o ler. Acerca poys do m, contarey o que 
    Plutarco tràs ? ? de seus apotemas.
    Como ? Siracusas de Grecia (que alguns cha-
    mam Çaragoça) se deytasse sorte sobre a eleyçã do 
    Princepe, polas letras do abece, como estava ? costu-
    me; socedeo, que cahio a Dionisio velho, a letra m. 
    H? dos que estavam prezentes disse, O Dionisio m. 
    te cae? morrerás s? duvida. Enganaste, respondeo 
    Dionisio, que antes o M, quer dizer, que serey Mo-
    narca E tudo se cumprio. Porque Dionisio foy levã-
    tado por Princepe, & Monarca; màs governando cõ 
    violencia, & tirania, o povo se cõjurou cõtra elle, & 
    tendoo cercado, lhe aconselharam alguns amigos 
    seus, que renunciasse o governo se nã queria morrer. 
    Màs vendo nesta ocasiã a ? cozinheyro degolar ? 
    boy cõ muyta facilidade, disse; Por tã pequeno tor-
    mento como he o da morte, heyde eu deyxar ?a 
    monarquia? nã he meu gosto, Monarca sou, & Mo-
    narca hey de morrer, & assi foy. M antes de nome La-
    tino val por Marcus; & ? a conta antiga por mil; 
    que antes se escrevia segundo Prisciano assi, CX? a-
    inda que Paulo Manuci o nã o aprova, & diz que 
    era CI? como ja dicemos. Em alg?s instrum?tos anti-
    gos para significar mil, se acha esta figura ?C.   

     

    pág. 150
    ________________________________________________________________
    CAP. XXXV.
    Do N.
    HE a letra ene semivogal liquida; formase, fe-
    rindo a ponta da lingua ? a parte dianteyra 
    do pádar; & assi o diz Aulo Gelio, lib. 19. c. 14. in fi-
    ne; ? Grego se diz ny, & ? Hebreo, nuu, & ? Latim 
    en. Em nosso vulgar, nã t? lugar antes de B P. M. des-
    poys de M, ? os nomes, que assima referimos, Agam?-
    non, Clytemnestra, &c. T? grande uniã cõ o S. como 
    nestes vocabulos se ve; Constar, constancia, cõstruir, 
    instruir, instituir, insperado, & outros semelhantes, & 
    seus dirivados. T? tres graos de soidos, quando ac?-
    ta sobre vogal forte, antes de consoante, fraco, & no 
    fim escuro.
    A letra g, se perde antes della ? muytos vocabu-
    los, que dos Latinos temos, como fallando do g, tra-
    tamos, guardando para este lugar os mays: porque de 
    signum, significare, significatio, agnum, pignus, pigmentum, 
    benignus, dignus, cognosco, cognitus, cognitio, dignitas, sigm?-
    tum, ignorare, ignorãs, ignorantia, ignotus, lignum, prægnans 
    prægnatio, prognosticum, regnare, regnum, diremos, & es-
    creveremos, sinal, sinificar, sinificaçã, anho, penhor, 
    pimento, benino, dino, conheço, conhecido, conhe-
       

    pág. 151
    cimento, dinidade, fingimento, inorar, inorante, ino-
    rancia, inoro, lenho, prenhe, prenhidã, pronostico, 
    reynar, reyno, & outros semelhantes. Magno sómen-
    te escreveremos cõ g, porque s? elle t? muyto diver-
    sa significaçã; sendo certo que de muytas palavras 
    Latinas nos sirviram s? as corrompermos, màs de 
    outras corruptamente, segundo he necessario para 
    nossa pronunciaçã.
       Os Castelhanos ? lugar de m, final, po? sempre 
    n, ? o que imitam aos Gregos, porque como dice-
    mos, nestes nenhuma diçã sua acaba ? m. Por? os 
    Castelhanos o fazem cõ tal excesso, que até o am fi-
    nal dos Latinos, convertem ? an, ao menos ? a pro-
    nunciaçã, & assi diz? amaban, legeban, musan, &c. 
    Os Latinos rarissimamente o usam, ? suas clausulas; 
    & nós á sua imitaçã ? muyto poucas.
    Desta letra entende Ausonio, quando diz.   
        Vna fuit tantum, qua respondere Lacones.
    Littera, & irato regi placuere negantes.    
    Porque pedindo Filipe Rey de Macedonia aos 
    Gregos Laconicos, que o recebess? na cidade, lhe res-
    ponderam ? uma grande carta cõ esta letra Grega, 
    ?. que he o mesmo, que nã; & assi o declara Elias Vi-
    neto.   


    pág. 152
    ________________________________________________________________
    CAP. XXXVI.
    Do P.
    PE he uma das mudas, & se pronuncia & forma 
    ? a mesma parte da boca, & quasi cõ a mesma 
    postura, cõ que se pronuncia o b, se nã que o p, se 
    pronuncia (como dice fallando do b.) apertando 
    mays os beyços, & lançando o espirito & folego 
    mays de dentro: & assi he a terceyra que no minino 
    faz ajuntar os beiços, & pola semelhança, que es-
    tas duas letras entre si t?, os Latinos ? muytos voca-
    bulos, que tomaram dos Gregos, mudam uma letra 
    ? outra, como nós tamb? fazemos, ? os que toma-
    mos dos Latinos; polo que de implicare, aperire, aper-
    tus, apertura, apis, apricare, apricus, aprillis, capere, capillus, 
    capistrum, caput, capra, caprarius, capulus, cupa, cupiditas, 
    cupere, cupidus, duplex, duplico, Episcopus, lepus, lupus, na-
    pus, napina, opera, operare, operarius, opifex pauper, pauper-
    tas, percipere, pustula, rapere, raptus, ripa, sapere, sapiens, 
    sapor, sepia, super, suberbia, superbus, supercilium, tepidus, 
    dizemos, embrulhar, abrir, aberto, abertura, abelha, a-
    brigar, abrigado, abril, caber, cabello, aberto, cabeça, 
    cabra, cabreyro, cabo, cuba, cubiça, cubiçar, cubiçoso, 

     

    pág. 153
    dobrado, dobrar, Bispo, lebre, lobo, nabo, nabal, o-
    bra, obrar, obreyro, pobre, pobreza, perceber, bustella, 
    ribeyra, saber, sabio, soberba, soberbo, sobrancelha, 
    tibio, & outros muytos deste genero.
       Os Latinos usam desta letra aspirada, seb? cõ duas 
    figuras, ou duas letras, como ph, nã como os Gregos 
    cõ uma sómente, nesta forma ? por razã de escrever 
    alguns nomes Gregos, como, antiphona, phantasma, 
    Nimpha, triumphus, philosophia, & outros semelhã-
    tes: por? nós ? nosso vulgar sempre escreveremos es-
    tes, & outros taes, por f. & nã por ph. como nossos 
    Ortografos ensinam; & deste meu parecer he o 
    Mestre Bertolameu Ximenes Patã, ? o seu Epitome 
    da Ortografia Latina, & Castelhana; & os Latinos 
    antigos, segundo Quintiliano, lib. 12. c. 10. assi o fa-
    ziam, & nã usavam de ph. ainda que o f. diz o mes-
    mo Autor, (& nós o tocamos ? seu lugar) saindo per 
    antre os dentes, nã parece voz umana: poronde os 
    Gregos usados á doçura do seu phi, que antre elles 
    soava cõ grande suavidade, & alegria, nã o podiam 
    pronunciar; & assi Cicero tachou a uma testimunha 
    Grega, que dizia contra Fundano, porque nã o po-
    dia pronunciar, & dizendo Phundano, soava como 
    Pundano. Acerca do que se veja o que diccmos ? o 
    capitulo 28.
    Os Arabes Maometanos (segundo Rodrigo Caro, 
    ? as antiguidades de Sevilha, lib. 1. cap. 1.) nã conhec? 
       

    pág. 154
    p, n? o pronunciam. Os Gregos o pronunciam pi. & 
    os Hebreos pe. como nós. Em abreviatura Latina, an-
    tes do nome o P quer dizer Publicos, dous PP. Pa-
    tres; donde PP. CC. Patres Conscripti.
    ________________________________________________________________
    CAP. XXXVII.
    Do Q.
    A Letra Que [pronunciamola assi; polo mao soi-
    do, que faz cõ o u. que he seu companheyro in-
    separavel, ? nossa lingoagem sómente] he uma das 
    mudas. T? necessidade (como agora dicemos) do u. 
    liquido, para lhe dar valor porque s? elle nenhu-
    ma força t?. Por esta razã alguns [nã s? funda-
    mento] a chamaram meya letra; outros tendoa 
    ? pouco necessaria, a excluiram do numero del-
    las, como diz Ioã Bautista Porta; & fez Nigidio 
    Figulo, filosofo pithagorico, doutissimo ? a gra-
    matica, & contemporaneo de Marco Tullio, que 
    nunca usou do q. dizendo que o mesmo efeyto ti-
    nha ? tudo o C. & assi muytos vocabulos antigos, 
    que per q. se escreviam como arqus, oqulus; se escreve-
    ram despoys per c. arcus, oculus; & de sequor, disse-
    ram secutus, de loquor, locutus; & tamb? uzaram de ? 
    & de outro promiscuamente; como se ve nos relati-
    vos quis, & qui, que nos oblicos fazem cujus, cui. E al-


    pág. 155
    guns Castelhanos doutos por quanto, quando, escre-
    vem cuanto, cuando, &c.
       S. Isidro lib. I. c. 27. de suas etimologias; diz que o 
    c.& o q t? muyta semelhãça; polo que de duce, dize-
    mos duque, de vacca, vaqueyro; de scapha, esquife, & 
    Terenciano Mauro dizia que importava pouco ser 
    primeiro o k. ou q. ou c.
       Nós ? muytas dições Latinas mudamos o q ? g; 
    como de aliquis, antiquus, equa, aqua, aquila, æquus, sequi; 
    dizemos; algu?, antigo, agua, egua, aguia, igual, se- 
    guir, &c.
       Os Hebreos, Caldeos, Gregos, Arabes, nã t? q, ? 
    seus alfabetos, màs he proprio dos Latinos, de qu? 
    nós o tomamos seb? usamos delle cõ muyta imper-
    feyçã sobre e, & sobre i, como se póde ver acerca do 
    que dice fallando do k. Sendo necessario & forçoso 
    levar esta letra q, diante de si u, ao qual nã sintimos 
    sobre i, como sobre a, nestes & semelhantes voca-
    bulos, quadro, qual, quanto, quarenta, quaresma, &c. 
    & por essa razã julgava eu seria b? servirmonos do 
    k; & sobre o, sou de parecer uzemos sempre do c, 
    porque do mesmo módo soam como, & quomo, 
    cotidiano, ou quotidiano; cinco, ou cinquo, &c.
       Pronunciase retraindo a lingua, que nã chegue 
    aos dentes, & apertando a campainha, lançando a 
    voz de dentro.
    Em abreviatura Latina diz quintus, ou quincius.
       

    pág. 156
    Acerca dos Latinos Antigos, sinificava quinhentos 
    mil; por? nã he ja usado.
    ________________________________________________________________
    CAP. XXXVIII.
    Do R.
    A Letra Erre he semivogal, & uma das liqui-
    das, simplez, & nã de duas maneyras, como 
    alguns cuydam O Grego lhe chama Rho, & o He-
    breo Res. Formase chegando o mays alto da lingua 
    ao confim do pádar, junto aos dentes, & lançando 
    fóra o flato.
       Della usamos assi como os Latinos entre nós, & 
    elles t? a mesma pronunciaçã, ou se forme cõ aspere-
    za, que he o seu proprio soido, ou se forme cõ bran-
    dura, que nella he impropria; salvo quando lhe pre-
    cede outra letra muda; que he a razã, porque a ima-
    ginam cõ figuras diferentes, nã tendo mays que u-
    ma; & pronunciarse assi, ou assi, he acidentalmente, 
    como acontece a todas as vogaes, & a muytas das 
    consoantes.
    A pronuciaçã aspera he (como dizemos) pronun-
    ciaçã sua, segundo diz Bertolameu Scala, escrevendo 
    a Angelo Policiano. lib. 5 epist. & segundo Dionisio, 
    refirido do mesmo, cõ sua aspereza ofende. Donde 
       

    pág. 157
    os Poetas, & os mesmos Oradores, so? usar de dições, 
    que t? este sõ, para exprimir algumas cousas asperas 
    & desabridas (como dicemos do l, para as cousas 
    brandas, & moles) & assi o fez Virgilio ? este verso;
          Nunc rapidus retrò, atq; æstu recoluta resorbet
                      Saxa.                                  E tamb?;
         Studijsque asperrima belli.             Acerrimus armis;
               miserrima Dido.   
       Sentese este sõ ? o principio da diçã, como ? ra-
    posa, relogio,, rio, roda, rua, &c. adonde o r, nã póde 
    ser dobrado, porque no principio da diçã, nenhuma 
    letra se dobra, & cõtudo soa cõ aspereza.
       Despoys de n, s, t? o mesmo soido, & s? ser dobra-
    do, como ? onra, genro, Israel: Antes das outras con-
    soantes soa cõ mays brandura, como ? barba, arca, 
    ardil, orfan, argola, orla, arma, arnella, arpa, Arqui-
    quo, barsa, farto; fervor, varzea; por? nã tanto, quan-
    to, no meyo de vogaes; como ? seara, primavera, sus-
    piro, fermosura: màs se entre ellas se dobra, soa cõ 
    sua natural aspereza, como ? carro, terra, birra, torre, 
    empurre.
    Sua pronunciaçã a muytas nações he trabalhosa, 
    & cõm?mente aos pividosos; porque ou a deyxam 
    de todo, ou a trastornã, diz?do ? lugar de prato, pato, 
    ou parto; outros a trocam ? l, como de Demostenes 
    dicemos; & por quarto, pronunciam qualto, o que tã-
       

    pág. 158
    b? he proprio nos mininos, porque nã t? força para 
    o exprimir; & assi o grande poeta Dom Luis de Gõ-
    gora.
            Perque llora la  Mariquita?
            Que chiribica?
            Chiriba ? ochabo de oro;
    Danme ? qualto de palta y lloro        
       Tamb? os Chins nã a podem pronunciar, & assi 
    chamam aos Tartaros Tataos. No módo infinitivo 
    de todos nossos verbos, quando se lhe segue o rela-
    tivo a, ou o, se muda ? l. dobrado, como de amar, 
    amallo; de ler, lello, de ouvir, ouvillo, de por, pollo, 
    &c. & tamb? nas preposições per, & por, cõ os arti-
    culos, ou relativos, o, a, se muda ? l, como, pelo, pela, 
    polo pola.
    Persio ? a satyra primeyra a chama letra canina.   
    _______ sonat hic de nare canina
    Littera.     
    Tomando a metafora dos cães, quando rega-
    nham os dentes, para morder; porque (como escreve 
    Donato) parecem entã remedar esta letra; donde 
    Lucilio;   
    Irritata canis, quod rr. quamplurima, dicat.   
    Por esta letra os Medicos dã a entender o seu 
       
    pág. 165 [recte pág. 159]
    Recipe, ? as receitas, que para os seus enfermos 
    fazem.
    ________________________________________________________________
    CAP. XXXIX.
    Do S.
    ESte he letra semivogal, & formase chegando 
    a lingua ao pádar, junto aos dentes, cõ alguma 
    aspiraçã. Marco Marcello, segundo Marciano Capel-
    la, dizia, que mays era asovio que letra: & por essa ra-
    zã a figuraram á maneyra de uma cobra enroscada, 
    por parecer mays silvo de cobra, que voz de omem, 
    O Grego a nomea Sigma, & o Hebreo, Samech, ou 
    Sin, porque t? duas formas de S, & cõ alg?a diferença 
    ? elles; porque o S que chamam Samech he de pro-
    laçã aguda, & o S, que chamam Sin, quando t? pon-
    to ? a cabeça direyta, val por S, crasso, & quando na 
    esquerda, nã se deferença do S, Samech; màs vamos 
    ao que nos importa.
    Em o principio da diçã pronunciase como se fo-
    ra dobrado, & soa á maneyra de ç, cõ cedilho; assi 
    como sal, serea, sino, sono, suor. E tamb? t? o mesmo 
    soido, despoys das consoantes, b. l. n. r. como ? absti-
    nencia, balsamo, sansonete, persiguiçã, & semelhan-
    tes; màs quando se poem singellos entre vogaes soa 
       

    pág. 160
    á maneira de z, como ? ousado, Anchises, ocasiã, riso, 
    uso, &c. E para sabermos quando avemos usar de z, 
    & quando de s, (que nã t? pouca dificuldade) deve-
    mos considerar, a origem do nome, & dirivandose 
    de alg? vocabulo Latino, que se escreva per s, tamb? 
    nós o escreveremos cõ elle: como nos exemplos ha 
    pouco apontados vimos, porque ousado v? de ausus, 
    & assi escreveremos cõ s, ousar, ousadia, ainda que 
    este pareça v? de audacia; ocasiã v? de occasio, riso, de 
    risus; uso, de usus; desejar, desejo, de desiderare deside-
    rium, casa he tãb? vocabulo Latino, & dahi deduzire-
    mos casamento, caseyro, casal; clausula, he assi pala-
    vra Latina; Deosa, dirivase de Deos; & assi os mays 
    que nã he possivel apontar todos.
       Tamb? escreveremos cõ s, os nomes que os Lati-
    nos acabam ? sio, como conclusio, confusio, defensio, divi-
    sio, infusio, lesio, & semelhantes, de que diremos con-
    clusã, defensã, divisã, infusã, lesã.
       Tamb? escreveremos cõ s, os nomes originados 
    dos Latinos acabados ? sa, como de ansa, asa, de causa, 
    causa, & causar, de mensa, mesa; de pausa, pausa pau-
    sar, pausado.
    It? os nomes, que nacem dos participios ? sus, dos 
    quaes diremos, raso, & arrasado, rasoura, leso, & lesã; ri-
    so, risonho, uso, usar, usado, usura, usurario, de clausus, 
    clausula, & escreveremos cõ s, como os Latinos fer-
       


    pág. 161
    moso, amoroso, glorioso, vitorioso, & outros taes.
       Alg?s autores nã t? ao s, por letra, como diz Mar-
    ciano Capella, lib. 3. de semivocalibus; especialmente 
    vindo antes de m, p, t, & eu digo que tambem antes 
    de c, pello que erram nossos Ortografos (especialm?-
    te o Licenciado Duarte Nunez) ? escrever; scripto, 
    scriptura, smeralda, spelho, sperança, spirito, star, sta-
    do, statura, & semelhantes, s? antes do s, por, e, porque 
    se ouver de ser como elle diz, & seus sequazes apro-
    vam, toda nossa poesia, desde a de Camões até á mi-
    nha; que he como se dissera, desde a melhor até a peor 
    está errada: porque nos versos, ? que temos estas & 
    semelhantes dições, temos outras tantas silabas me-
    nos, màs creo, que elles saõ os que erram, como digo, 
    porque se deve escrever; escrito, escritura, (& s? p.) es-
    meralda, espelho, esperança, espirito, estar, estado, es-
    tatua, &c.
       A letra s, se muda ? l, nas primeyras pessoas do 
    plural, de todos nossos verbos, & de todos os tem-
    pos, quando immediatamente se lhe segue o relativo 
    o, a, o qual posto antes dos verbos nestas pessoas, di-
    zemos, o amamos, avemos, & posto lógo despoys, 
    nã se pódem b? unir, como se dicermos amamos o, 
    vemos a; & assi mudando o s, ? l, dizemos, amamolo, 
    vemolo, &c.
    Por esta, abreviatura ? Latim SP, se quer dizer Spu-
    rius. Os Arabes usam pouco desta letra.   


    pág. 162
       He o S, brazã dos Cardenas, illustre linhagem de 
    Espanha, & esta a razã: Vindo Dom Fernando o Ca-
    tolico, Principe de Aragã, a Valhadolid, adonde es-
    tava a Infante Dona Isabel, cõ qu? estava esposado, 
    & pondose ? sua presença, ouve muytos, que nã o 
    conheceram, n? tã pouco a Princeza. Dom Gutteres 
    de Cardenas entã seu fiel servidor, & grande priva-
    do, mostrando ao Principe lhe disse, Es esse: ao que 
    respondeo a Princesa, pues, S. será vuestro blazõ, con-
    forme Garivay ? sua Cronica.
    ________________________________________________________________
    CAP. XL.
    Do T.
    A Letra Te he uma das mudas, & t? muyto pa-
    r?tesco cõ o d. [como diz Quintiliano] se nã 
    que o t, se forma cõ mays espirito, ainda que no mes-
    mo lugar, & cõ a lingua mays levantada para o pá-
    dar, do que o d, que se forma cõ ella entre os dentes: 
    & por esta semelhança, os Antigos escreviam muy-
    tas palavras, ? que entrava d, per t, como set, por sed; 
    atventus, por, adventus; como diz Vitorino; & Alexan-
    ter, Cassantra, por Alexandre, Cassandra, segundo Quin-
    tiliano; & outros pelo contrario escreviam d, por t, 
    como amavid, por amavit. E tamb? escreveram (diz Fes-
    to) muytos per s, que escreviam per t, como mersare, 


    pág. 163
    pulsare, que diziam mertare, pultare. Polla qual razã, 
    Luciano ? ? dialogo, introduz ao t, dando ? libello 
    cõtra o S, queyxandose, de que elle o lãçara de muy-
    tos lugares, & que cõ certas cadeas pertendia dilace-
    rar a voz umana: & como elle diz pronunciase cõ 
    alguma dificuldade ? algumas dições, & viciosamen-
    te o mudam ? d.
    Em os nomes, que dos latinos temos, o t, se corrõ-
    pe ? d, como de acutus, adjutare, afflictus, atrocitas, audi-
    tor, auditus, balatus, barbatus, calceatus, catella, catena, citò, 
    citrus, catarrhus, cathedra, creta, digitus, fatum, gemitus, 
    latus, later, latrare, latro, literatus, mater, materia, ma-
    texa, maturare, mercator, mercatura, metiri, mittere, 
    molitor, molitura, mutare, nates, natare, natator, nivatus, 
    orata, orator, pacificator, paratus, pater, patiri, pec-
    catum, petere, petra, potens, potator, putator, putredo, pu-
    trere, putre, pietas, qualitas, receptus, reformator, retortus, 
    rota, rotare, rotundus, ruta, rosata, sagacitas, salutare, seta, 
    sitis, spatha, status, tinnitus, totus, vitrum, vita, vitta, &c. 
    dizemos; agudo, ajudar, afligido, atrocidade, ouvidor, 
    ouvido, balido, barbado, calçado, cadella, cadea, cedo, 
    cidreyra, cadarrã, cadeyra, greda, dedo, doaçã, fogaça, 
    fado, gemido, lado, ladrilho, ladrar, ladrã, letrado, ma-
    dre, madeyra, madexa, madurar, mercador, mercado-
    ria, medir, mandar, moedor, moedura, mudar, 
    nadegas, nadar, nadador, nevado, dourada, pacifi-
    cador, orador, aparelhado, padre, padecer, peca-
       

    pág. 164
    do, pedir, pedra, poderoso, bebedor, o que pode, po-
    dador, podridã, apodrecer, poder, piedade, calidade, 
    recebido, reformador, retorcido, roda, rodar, redon-
    do, ruda, rosada, sagasidade, saudar, seda, sede, espada, 
    estado, tinido, todo, vidro, vida, fita, & semelhantes. 
    E assi mudam o t, ? d, todos os nomes, que nacem 
    dos participios Latinos ? atus, itus, como amatus, 
    de que v? amado, auditus, ouvido, & todos os mays.
       E assi como os Latinos os nomes que acabam ? 
    tia, mudam na pronunciaçã o t. ? c. assi mudamos 
    nós ? os taes nomes, que delles nos vieram, ora ? c. 
    ora ? z. poronde de avaritia, duritia, malitia, militia, justi-
    tia, pigritia; dizemos avareza, dureza, malicia, milicia, 
    justiça, preguiça, & semelhantes: da mesma sorte de 
    caput, platea. singultum, vitium, dizemos cabeça, praça, 
    soluço, vicio, & viço.
    Em Portuguez nã se ha de por c. antes de t. co-
    mo nossos Ortografos fazem & ensinam, escreven-
    do sancto, doctrina, doctor, & semelhantes, porque 
    nã fallamos assi; màs santo, doutrina, doutor; & qu? 
    de outro módo escrever, ou fallar, o fará como nã 
    deve Alguns vocabulos ha, que querem o c. antes do 
    t. porque s? elle sinificam outra cousa, como acto, 
    pacto; porque s? c. ato, he do verbo atar, & o segun-
    do, pato ave. Tamb? escreveremos cõ c. Alecto, por-
    que s? c. he certa ave de rapina. Circunspecto, invec-
    tiva querem c. porque assi os pronunciamos. Aspecto, 
       

    pág. 165
    objecto, tamb? se póde dizer aspeto, objeto, como ? 
    os versos achamos, & outros dizem aspeyto, subjeyto.
       Os gregos t? dous tes; ? simplez, que chamam 
    Thau, & outro aspirado, que chamam Theta, ou 
    Thita. E os Hebreos tamb? t? dous, & cõ os mesmos 
    nomes, mas entre elles o Thet he simplez, & o Thau 
    aspirado, seb? algumas vezes tomam ? por outro, 
    como letras do mesmo instrumento vocal.
    Era a letra Theta ? os Iuizos sinal de condenaçã, 
    porque a figura desta letra (ainda que t? diversas) 
    era a primeyra do nome Thánatos, que significa 
    morte: & por esta razã Persio, satyra 4 a chama negra.   
    Et potis es nigrum vitio præfigere theta.    
    Isto he letifera, exicial, & mortifera, como explica 
    Ioã Bautista Plaucio, & o intrepreta Budeo ? as an-
    notações sobre as Pandectas. Cicero, pro Milone, a 
    chama triste: acerca do que se verá Celio Rodiginio. 
    lib. 10. cap 8 de longa litera, & Asconio Pediano, in 
    divination. Cicer. in Cecilium. Donde Marcial, lib. 7. 
    cap. 36.   
        Nosti mortiferum quæstoris Castrice signum,
    Est opere pretium dicere Theta novum.       
    E assi S. Epiphanio cõ esta letra notou as here-
    gias de Origenes, ? aquella sua excelente obra, que 
    das heregias escreveo. Pollo contrario o t. simplez, 
       
    pág. 166
    que se diz Thau, era sinal de absolviçã, & de perdã 
    como diz S. Isidro. lib. 1. Etimol. & delle o doutissimo 
    Cobarrubias; Prioris partis relect. c. 8. in fine Huma cou-
    sa & outra ? os dous versos siguintes, que o Mestre 
    Bertolameu Ximenes tras ? o seu Epitome, porque de-
    mos a cada h? o seu.
        O multo ante alias infelix littera Thita,
    Amabilisque dulcis inter omnes littera Thau.    
    Para o que he de saber, que os antigos nas cau-
    sas criminaes davam suas sentenças per varios mó-
    dos: muytas vezes o presidente, como v.g o Regedor 
    da justiça, dava aos juizes certas taboinhas enceradas, 
    adonde escreviam seus votos. Outros certas letras, & 
    caracteres; & assi o Theta era sinal de condenaçã, o 
    Thau de absolviçã, o l. de amplificaçã: Asconio Pe-
    diano diz, que tamb? os juizes votavam cõ estas tres 
    letras, o, t, a, o O. condenava ao delinquente á morte, 
    o t, absolvia, o a, sinificava que nã estava a causa b? 
    provada, & que se desse novamente outra prova. Tã-
    b? tiveram por costume votar cõ pedras negras, & 
    brancas (como agora fazem alguns per favas) & da-
    vãose os votos secretam?te, & despoys regulavamnos; 
    & se as pedras negras excediam ás brancas, era o de-
    linquente condenado á morte, & se as brancas exce-
    diam ás negras, davamno por livre; donde veyo o 
    adagio do Autor Ciceroniano, addere calculum album; 
       

    pág. 167
    votar ? favor de algu?, ou aprovallo; & addere calcu-
    lum nigrum; votar contra algu?, ou reprovallo. O qual 
    costume toca Ovidio, ? o livro 5. de suas transforma-
    ções, dizendo.
        Mos erat antiquis, niveis atrisque lapillis
    His damnare reos, illis absolvere culpa.    
    Os Egipcios pela letra Thau, significavam a espe-
    rança da vida eterna, ou a mesma vida; & por essa ra-
    zã a esculpiam no peyto de seu Deos Serapis; & pa-
    rece o tomaram dos Hebreos; por aquella vizã 
    do Profeta Ezequiel; o qual conta, que bradando o 
    senhor a ? varã, que estava cõ tinta, pena, & papel, 
    lhe mandou, que passasse por meyo da cidade de Ie-
    rusalem, & que aos que achasse pesarozos de suas 
    culpas, & pecados, penitentes, & chorosos, os assina-
    lasse ? a testa cõ o sinal da letra Thau; & logo a seys 
    varões, que hiam atras deste, lhes mandou o Senhor, 
    que fossem matando a piquenos, & grandes, s? dey-
    xar criatura alguma, mays que os que achassem assi-
    nalados cõ este sinal T. ? a testa: & tudo fizeram assi 
    de sorte, que só os que tinham o dito sinal ficaram 
    vivos; Et signa Thau super frontes virorum gementium. 
    E assi cõ razã se t? o T por esperança de vida, & sal-
    vaçã. S. Agostinho, diz que quando (por mandado 
    de Deos) Gedeã, aquelle grande Capitã dos Hebreos, 
    despedio a todos seus soldados, deyxando sos trez?-
       

    pág. 168
    tos, cõ esperança certa da vitoria, os ordenou ? tal 
    forma, que hiam, ? figura desta letra Thau, & diz 
    que tinha esta virtude, por ser figura da Santa Cruz, 
    donde nos manou a vida, & ficou vencida a morte, 
    como a Igreja nossa Mãy canta.
       Os Comendadores de S. Antã trazem este sinal do 
    Thau, da cor asul, como os Leygos da Cavalaria de 
    S. Ioã a trazem branca.
       E cõ o que temos dito ficarão os lugares poeticos 
    que tocamos entendidos, & porque o Thau he letra 
    amavel, o Thita miseravel, & desgraçada; como no-
    ta Ximenes, ? o dito seu Epitome, que me comuni-
    cou & mandou a esta sua Villa o Excelentissimo Se-
    nhor Dõ Pedro de Alencastre, tã curioso, como eru-
    dito ? as letras divinas; & umanas.
       A letra T, ? as abreviações Latinas, diz Titus; & 
    tamb? se pinta por mil, como o Doutor Fr. Antonio 
    Brandã diz no prologo de sua terceyra parte da Mo-
    narquia.
    ________________________________________________________________
    CAP. XLI.
    Do V.
    ESta letra, que os Ortografos modernos chamam 
    Ve, he uma das mudas, ainda que os Antigos 
    (como dice fallando do u. vogal) não fizeram della 


    pág. 169
    mençã; màs poys ella t? diversos oficios b? he que 
    lhe demos diversas figuras.
       Sua pronunciaçã he branda; como he natural de 
    todas as mudas. Formase entre os dentes, chegando 
    brandamente a ponta da lingua a elles, & deyxando 
    sair fóra o flato. Fere igualmente todas as vogaes, ? 
    as dições onde entra, como se ve nestes exemplos; 
    valor, verdade, villa, voto, vulto, & nenhuma silaba 
    póde nella acabar.
       Os Gregos carecem della; & os Hebreos lhe cha-
    mam Vau, & lhes serve ora de vogal, ora de consoan-
    te, segundo os pontos, que se lhe ajuntam.
       He muyto importante para a lingua Latina, & 
    para as mays, que della se dirivam, particularmente 
    para a nossa, que mays que as outras della participa; 
    porque diferente sentido terá uivo, de vivo, lavra de 
    laura; & outros semelhantes: & na Lingua Latina se 
    deyxa b? ver esta diferença nos exemplos siguintes, 
    que na impressã de certo Ortografo moderno sairam 
    todos errados; solui, & solvi; calui, calvi; parui, parvi; 
    voluerim, volverim; deserui, deservi; cõ outros muy-
    tos adonde evidentemente se conhece a necessida-
    de que do v, consoante t?; polo que vay muyto a di-
    zer escreverse cõ ?, ou cõ outro.
    Dice que os antigos nã fizeram della mençã, en-
    tendendo da forma ou figura, & nome que os moder-
    nos lhe dam, que b? conheceram a necessidade que 
       

    pág. 170
    a falta della lhe fazia, poys ? seu lugar usavam do 
    F. ás avessas, nesta forma ?, & assi escreviam amplia?it, 
    termina?it, ?ixit, por ampliavit, terminavit, vixit, como 
    já tocamos no cap. 28.
       Iorge Bartoli, Gentilomem Florentino, ? o trata-
    do dos Elementos da lingua Toscana, a chama letra 
    Franceza, & quando tratey do B dice, como os nos-
    sos Beyrões, & d‘entre Douro, & Minho, trocam o b, 
    por v, & o v, por b, màs tamb? os antigos o faziam, 
    escrevendo Suevi, & Suebi. E os Castelhanos nenhu-
    ma diferença fazem de uma a outra.
       Em a letra antiga val por cinco; & nas abreviações 
    Latinas. diz Valerius.
    ________________________________________________________________
    CAP. XLII.
    Do X.
    ESta letra Xis he uma das duas, que chamam 
    dobradas. Os Gregos lhe chamam Xi. Formase 
    batendo a, lingua os dentes interiormente. Chamase 
    dobrada, porque ? lugar de x. usaram os antigos de 
    cs. gs, escrevendo apecs, gregs, por apex, grex; & du-
    rou isto até o tempo de Augusto Cesar, ? que se in-
    trodusio, parecendolhe mays a proposito escrever 
    cõ uma só letra, que cõ forma dobrada tivesse aquel-


    pág. 171
    le mesmo soido, & assi admitiram o X, ao seu alfabe-
    to, tomando o dos Gregos; ainda que entre elles t? 
    diverso soido, porque val por cs, gs, como os antigos 
    Latinos usavam, dedusindoo, como diz Sanches, do 
    Schin dos Hebreos, seb? pronunciam o cs, aspirados, 
    Schin, & soa como entre Italianos Sciagura. E assi 
    os nomes Latinos que se escreviam per cs, como 
    lucs, nucs pacs, & os que se escreviam per gs, co-
    mo gregs, legs, regs, conservam ? os seus oblicos a ori-
    gem; donde se dirivam, & assi dizemos, lucis, nucis; pa-
    cis, gregis, legis regis; ainda que ? alguns se variam 
    como ? nix, que faz nivis, & por essa rasã Aristoteles 
    diz que X, nã he ? elemento, màs dous; & Quinti-
    liano que se póde escusar, Marciano que ninguem a 
    julga por letra.
    Nossos Ortografos dizem a pronunciamos se-
    gundo os Arabes o seu Xin, como nestes vocabulos, 
    payxã, caxa, enxada, cox?, enxurrada, & outros, que 
    muytos por a lingua os nã ajudar, ou por mao costu-
    me, pronunciam barbaramente, dizendo (& ainda es-
    crevendo) páchã, cacha, enchada, cochim, enchurrada. 
    De módo que convertem o x, ? ch, que he o valor 
    (como dicemos) que os Gregos lhe daõ; sendo que 
    outros, que se devem pronunciar, & escrever per ch, 
    como chave, chapeo, chafariz, fechadura, &c. escre-
    vem & pronunciam, xave, xapeo, xafariz, fexadura: 
    O que parece se conserva entre os rusticos da comu-
       

    pág. 172
    nicaçã, que tivemos cõ os Francezes (dos quaes te-
    mos tamb? muytos vocabulos) porque escrevendo 
    elles, cheval, chevalier, chasteau, por cavallo, cavaley-
    ro, castello, pronunciam xeval, xevalier, xatau; por-
    que nã t? esta letra ? seu abece; n? tamb? os Italia-
    nos: & assi ?s & outros, para os nomes proprios, que 
    os t?, ? lugar de x, no principio da diçã poem ? s, 
    como Senophonte, Serses, por Xenofonte, Xerxes: & 
    no meyo da diçã poem dous ss, como Alessandro, 
    por Alexandre, crucifisso, por crucifixo, massimo, por 
    maximo, &c. màs se nós pronunciamos como os A-
    rabes, devem os Arabes pronunciar como os Lati-
    nos, ou os Latinos como os Arabes, porque tamb? 
    elles dizem, Xanthus, Xenium, Xibia, Xoes, Xuthus, 
    & outros semelhantes.
       T? mays o X, outra pronunciaçã acerca dos La-
    tinos, de qu? nós o tomamos, como nestes nomes se 
    ve, exemplum, examen, exercitus, excellens, executio, exerce-
    re, excedere, exercitum, extraordinarius, & semelhantes, 
    de que nós dizemos exemplo, exame, exercito, excel-
    lente, execuçã, exercitar, exceder, exercicio, extraordi-
    nario, & assi que ? tudo nos cõformamos cõ os Lati-
    nos, & se os Latinos se conformam cõ os Arabes, ou 
    os Arabes cõ elles, lá o averiguem.
    Nenh? nome nosso acaba ? x, & assi nos, que dos 
    Latinos procedem, nos a mudamos ? z, & assi de crux, 
    lux, pax, vox, dizemos, cruz, luz, paz, voz; ainda que 
       

    pág. 173
    alguns por se mostrarem Latinos, escrevem estes, & 
    outros taes cõ x. Outros (que ha varias ceytas de ig-
    norantes) o escrevem cõ s, crus, lus, pas, vos, sendo 
    que crus, he plural de cru, pas, de pa, vos de tu; como 
    diante diremos.
       E quanto ao nome Xis, nã he composto do Ara-
    be Xin, como dão a entender; màs do Xi. Grego, & 
    do ix Latino; & como dous ii, por sua tenuidade, por-
    que como se ve, he de m?y debil som, ajuntandose, 
    per concurço natural, nã póde cada qual per si existir, 
    ambos se refundiram ? ?, & de xi & ix, se formou o 
    xis. Alguns dizem que t? prerogativa de ser compos-
    ta de tres consoantes, (o que nenhuma outra letra t?) 
    a saber de c, k, s, & sendo assi o Anagrama de Orcus, 
    que se fez de uxor, era engenhoso, uxor, & orcus, idem.
       N? deyxarey de dizer, que a alguns Latinos pare-
    ceo dura de pronunciar, & assi o tiraram cõ a vogal 
    siguinte, de algumas dições, dizendo per acocope, 
    vellum, por vexillum, ala, por axila; palum, por paxil-
    lum; como o afirma Cicero ? o seu orador, sendo 
    que aos Gregos, (diz)lhes pareceo de soido mays sua-
    ve, que o s, & assi uzaram algumas dições.
    Em a conta dos antigos val por dez, & diz o Dou-
    tor Fr. Antonio Brandã, ? o lugar, & cap. 30 citado, 
    que cõ uma plica nesta forma X?. valia 40.   

     

    pág. 174
    ________________________________________________________________
    CAP. XLIII.
    Do Z.
    A Letra Ze he outra das dobradas, porque até o 
    tempo de Augusto se usou de sd, por z. dando 
    a mesma pronunciaçã a Sdacynthos, que despoys 
    deram Zacynthos: a qual pronunciaçã diz Sãches, he 
    de suavissimo sõ. Tamb? uzaram de dous ss, ? lugar 
    de z, como diz S. Isidro. lib. I. cap. 9. tomando despoys 
    esta letra, & o y. dos Gregos, & ? seu tempo diz o  mes-
    mo o S. Prelado, os Italianos tinham mudado o d. La-
    tino ? z, assi ? lugar de hodie, diziam hozie, despoys 
    o mudaram ? hoggi.
       Os Gregos lhe chamam Zeta, & os Hebreos Zad-
    dic, ou Zade.
    Formase encostando a ponta da lingua ao pádar 
    no confim dos dentes cõ mays força, que o s, & cõ 
    menos que o c. A pronunciaçã, que os antigos lhe de-
    ram se perdeo cõ o tempo, como já de outras letras 
    dicemos. Marciano lib. 3. diz que Apio Claudio detes-
    tava o z, porque quando se exprime & pronuncia, 
    imita os dentes de ? morto, isto he o soido derradey-
    ro, que se faz ? a boca ao sair do mundo, & por isso 
    ella he a derradeyra letra do Abc. Nós lhe damos o 
       

    pág. 175
    sõ entre s, & c. Poloque muytas vezes na escritura se 
    confundem o s, & o z. E na verdade (como já dice) 
    he dificultoso darse regra cerca de quando se usará 
    de z. & quando de s, polla muyta afinidade & se-
    melhança, que o s, posto entre duas vogaes, t? cõ o 
    z. Dicemos já do s, ? o seu capitulo, digamos agora 
    do z.
       Escreveremos cõ z os nomes femininos diriva-
    dos de outros, como avareza de avaro, alteza de al-
    to; bruteza, de bruto; careza de caro; certeza de certo; 
    estreyteza de estreyto; franqueza de franco; fraque-
    za de fraco; fortaleza de forte; frieza de frio; firmeza 
    de firme; gentileza de gentil; grandeza de grande; gra-
    veza de grave; inteyreza de inteiro; lindeza de lindo; 
    magreza de magro; nobreza de nobre; pobreza de 
    pobre; presteza de prestes; pureza de puro; rareza de ra-
    ro; rudeza de rude; sutileza de sutil; torpeza de torpe; 
    vileza de vil, & semelhantes.
    Tãb? se escreverão cõ z todos os nomes, que na ul-
    tima silaba tiverem ac?to sobre a vogal, ou sejam sustã-
    tivos, ou adjectivos, proprios ou apellativos, de qual-
    quer calidade que sejam como, arganaz, albernoz, ar-
    roz, axadrez, almofariz, alcaçuz, arcabuz, algoz, cabaz, 
    capaz, cõvez, codorniz, coz, capuz, cruz, eficaz, fez, foz 
    garoupez, luz, matiz, nariz, pez, perdiz, rapaz, verniz, 
    voz; & assi Badajoz, Andaluz, Frãcez, Ingrez, Irlãdez, 
    Ormuz, Portuguez, &c. De maneyra que nenh? no-
       

    pág. 176
    me Portuguez ha de acabar ? s, cõ alguma vogal antes 
    aguda, màs ? z; & he a razã porque o s, he o sinal de 
    todos nossos pluraes, ? os nomes: & nã obsta dizer?, 
    que uns parece se pronunciam cõ mays acento que 
    outros, como se vé ? convéz, & axedrez, porque isso 
    he acidentalmente, & entã a vogal se notará cõ ? a-
    cento agudo, como ? cõvés se ve, & o mesmo fare-
    mos ? Marquéz titulo, por diferença de Marquez, pa-
    tronimico de Marcos.
       Tamb? se escreverão cõ z, as terceyras pessoas do 
    presente do indicativo dos verbos faço, digo, jazo, 
    trago, como faz, diz, jaz, traz, & a primeyra pessoa do 
    preterito do verbo ponho, puz; & os que de todos 
    elles se dirivam.
       Tamb? escreveremos cõ z, os nomes numeraes 
    de dez até trezentos, como dez, onze, doze, treze, &c.
       Mays os nomes patronimicos Portuguezes; como 
    de Alvaro, Alvarez; de Antonio, ou Antã, Antunez; 
    de Bernardo Bernardez; de Fernando, Fernandez; de 
    Gonçallo, Gonsalvez; de Garcia, Garcez; de Henri-
    que, Henriquez; de Lopo, Lopez; de Marcos, Mar-
    quez; de Martinho, Mart?z; de Mendo, Mendez; de 
    Nuno, Nunez; de Payo, Paez; de Pedro, ou Pero, Pi-
    rez, & Perez; de Rodrigo, Rodriguez; de Sancho, Sã-
    chez; de Tello, Tellez; de Vasco, Vasquez, &c.
    Os Ortografos nossos que dizem, que os France-
    zes carecem desta letra, sabem pouco de sua lin-
       

    pág. 177
    gua, & puderam primeyro consultallo cõ alg? 
    dicionario.
    ________________________________________________________________
    CAP. XLIV.
    Do Til.
    O Til, dizem nossos Ortografos, que nã he le-
    tra senã uma risquinha, ou linha; como se as 
    letras foram mays que linhas, & riscas, seg?do no 
    principio dicemos: màs eu digo que ? nossa lingoa-
    gem ao menos he meya letra; porque a ser letra in-
    teyra, puderase começar alguma diçã per til, o que 
    nã he possivel; como nã he possivel escrevermos 
    muytas dições s? til; por onde o julgo por meya letra, 
    màs ainda mays que o q, porque este s? a companhia 
    do u, vogal, ou do mesmo til, nã he de vigor, & muy-
    tos dos Latinos (como já dice) o lançaram fóra de 
    seu Abece, & ao til todas as nações o abraçam, por 
    ser de grande prestimo: porque cõ elle se quere-
    mos, suprimos muytas letras: primeyramente ? que, 
    duas, ue, escrevendo q?, muytas mays nos patroni-
    micos acima referidos, porque dizemos
       Al?s, Frz?, Giz?, M?z, Ro?z,
    Por Alvarez Fernandez, Gõçalvez, Martinz, Rodri-
    guez, &c. assi tamb? M?a, por Misericordia, ph?a, por 
    filosofia, & semelhantes.   

    pág. 178
       Suprimos tamb? cõ o til, m, n; escrevendo por 
    tempo, canto, t?po, cãto; & outros taes; que he prero-
    gativa sua porse antes de todas as consoantes, o que 
    nã t? o m, que sempre ha de ser antes de B P. M. 
    n? o n, que se nã póde escrever [na Lingua Portu-
    gueza) antes destas letras; màs o til se dá b? cõ todas 
    as consoantes, do que nã saõ necessarios exemplos, 
    porque a experiencia o ensina.
       A necessidade que do til temos, he nas dições, 
    que acabamos per am, em, im, om, um; porque quan-
    do nestas vogaes soa o acento, deyxaremos o m fóra, 
    & poremos o til, encima dessa tal vogal, como ? ra-
    zã, vint?, jasm?, bõ, at?: porque entã o m. final pede a 
    sua pronunciaçã, que nós lhe nã damos, como fallã-
    do della dicemos, & adiante diremos.
    ________________________________________________________________
    CAP. XLV.
    Se as letras se devem dobrar.
    ATè qui dicemos das letras, que simplesmente 
    de usam ? os vocabulos Portuguezes, tratando 
    de cada uma ? particular, para que melhor se ?ten-
    da o que dicermos dellas juntas; porque como diz 
    Aristoteles, o conhecimento distinto do todo, depen-
    de das partes. Resta dizermos agora, se essas letras se 


    pág. 179
    devem dobrar, & as razões, que para as dobrarmos 
    póde ou nã haver. Para o que he de saber, que a cer-
    ca dos Latinos umas se dobram por natureza das 
    palavras, outras per dirivaçã, outras per sinificaçã, ou-
    tras per corruçã, outras per variaçã, & outras per 
    composiçã.
       As que se dobram per natureza das mesmas pa-
    lavras, nã se pódem assinar per alguma regra, porque 
    conciste ? o uso, & nã na arte; & assi lemos, pergun-
    tarse, por que razã estes nomes latinos gutta, & cabal-
    lus t? o primeyro dous tt, & o segundo dous ll? & 
    respõdese, que isso se fez assi, porque quem os inven-
    tou, os quiz desse módo compor. E assi por esta razã 
    os que tiverem uso, & conhecimento da lingua La-
    tina, poderão saber que nomes dobram, ou nã do-
    bram as letras; & os que nã forem Latinos, imitando 
    a escritura dos omens doutos; ainda que esta regra he 
    mays para os vocabulos Latinos, que para os Portu-
    guezes.
    Os que dobram per dirivaçã saõ nomes ou ver-
    bos, que se tiram de outros, que as t? dobradas, co-
    mo de terra, terreyro, terrestre, terreal, terrenho, en-
    terro, enterrar, desenterrar, soterrar, desterrar. De ca-
    vallo, cavalleyro, cavalleria, cavalleyrato, cavallagem; 
    de gotta, gotteira, gottejar, esgottar; de ferro, ferreyro, 
    ferraria, ferramenta, ferrador, ferrar, ferradura, ferra-
    gem, ferrenho, ferrolho, ferrolhar, ferrã, ferrete, fer-
       

    pág. 180
    retoada, ferrupea: de penna, pennacho, pennugem, pen-
    nugento, &c ? os quaes vocabulos se dobram as le
    tras r. l. t. porque os primitivos de que elles se diri-
    vam dobram essas mesmas letras.
       Os que dobram per sinificaçã saõ os diminutiuos 
    que na lingoagem nossa acabam ? te, porque seg?-
    do a orelha nos pede, parece, nã os podemos escre-
    uer b? de outro módo, como verdette, pequenette, 
    bonitette, azedette, tolette, diminutivos de verde, 
    pequeno, bonito, azedo, tolo, & outros taes a que pa-
    ra sinificarmos diminuiçã damos esta terminaçã, 
    como os Latinos aos seus, as de ellus, illus, ullus: di-
    zendo de liber, libellus: de tantus, tantillus; de parvus, 
    parvulus, & outros semelhantes: & tamb? os Italia-
    nos ? os seus dobram o t porque de Laura, disseram 
    Lauretta: de picciolo, piccoletto, &c.
       Dobram per corruçã os nomes, que estando ? a 
    lingua Latina de ?a maneyra, & cõ a mesma pron?-
    ciaçã, os fazemos nossos, mudandoos, & dobrando-
    lhes alguma letra, per razã de os acomodarmos a nós, 
    como por noster, nosso: vester, vosso; ipse, esse: persona, 
    pessoa: ursus, usso: de dicto, dicçã: de dictum, ditto, & ou-
    tros desta sorte.
    Dobram per variaçã os que pola variedade da cõ-
    jugaçã, ou declinaçã, para mostrar diferença de tem-
    pos, numeros, & significaçã acrecentam alguma le-
    tra, como acontece nos verbos de todas as conjuga-
       

    pág. 181
    ções, ? alguns tempos dos módos do optativo, & cõ-
    juntivo, como quando dizemos, amasse, lesse, ouvis-
    se, &c. cõ seus dirivados.
       Os que dobram per composiçã, saõ muytos, & de 
    muytas maneyras cõforme as preposições; porque se 
    faz mudandose a ultima letra da preposiçã compo-
    sitiva, ? outra tal, cõ a primeyra do verbo, ou nome 
    composto. E fazemse estas composições cõ as pre-
    posições Latinas, que aos verbos se ajuntam, para 
    lhes alterar, acrecentar, ou diminuir a sinificaçã, o 
    que nossos Ortografos querem imitar á risca ? as 
    vozes Portuguezas, cõ as preposições Latinas, a, ab, 
    abs, ad, an, em, de, des, dis, en, ex, in inter, ob, per, pro, 
    pos, re, se, sub, trans, sobre, as quaes todos ? nosso vul-
    gar saõ b? escusadas; & he a razã porque os verbos, 
    ou dições vulgares a que as ajuntam, s? ellas nã t? si-
    nificaçã alguma, salvo muyto poucas, o que nã ha ? 
    a lingua Latina, que os verbos, & dições a que se a-
    juntam, t? sua propria sinificaçã, como aos Latinos 
    he manifesto: & para os que o nã saõ, saõ de pouco 
    momento os exemplos, que por essa razã se dey-
    xam.
    O que acerca disto sinto he (cõ o parecer de Pedro 
    Bembo, (Cardeal da S. Igreja Romana, & Varã insine 
    ? as letras umanas) que entã dobraremos a con-
    soãte, quando quizermos dobrarlhe tamb? o soi-
    do: & he tamb? parecer de Benedito Buõmattei, 
       

    pág. 182
    ? a introduçã á lingna Toscana; aonde por exemplo 
    traz pala, & palla; & diz nã ha outra diferença ? a pro-
    n?ciaçã, mays, que mandar aquelle l, cõ mays força, 
    ? palla, que ? pala. Assi, que quando a pronuciaçã, & 
    o soido responder tanto á letra singella, quanto à 
    dobrada, por nenhum módo dobraremos a letra, 
    màs sempre a escreveremos singella: especialmente 
    b. d. f. g. que nunca se dobram, porque do mesmo mó-
    do soam ? a orelha, abbade, que abade, affirmar, que 
    affirmar, aggravar, que agravar, & outros taes: polo-
    que confeço que nã posso sintir essa musica oculta 
    & dilicada, que nas letras consideram alguns Orto-
    grafos nossos; sinto somente o do atambor, & da trõ-
    beta, como elles dizem, nã o instrumento de cordas; 
    porque ainda que alguns vocabulos, que dos Gregos 
    ou Latinos tomamos, dobram acerca delles algumas 
    consoantes, como nossas orelhas nã compreendem a 
    diferença, que vay das singellas ás dobradas, nã sa-
    mos obrigados a conservar a analogia desses taes vo-
    cabulos, que cada idioma t? sua ortografia & diale-
    tos proprios. Os Gregos & Latinos de crer he [polo 
    que achamos ? os livros] que consideravam as le-
    tras cada uma de per si, como os cantores os pontos 
    & figuras de sua solfa, segundo as linhas, & interval-
    los, ? que assinam certos tonos; & vozes, de que 
    o canto & musica se compoem; os exemplos sejam 
    estes nomes; populus polo povo, & pola arvore; conci-


    pág. 183
    lium polo ajuntamento, & consilium polo conselho; 
    vas polo fiador, & polo vaso: flumen polo Sacerdote, 
    & polo sopro; cœlum polo Ceo, & cælum polo instru-
    mento; & infinitos outros, os quaes ? nossas orelhas 
    nã fazem diferença alguma, & todavia elles o sabiam 
    sintir cõ a pronunciaçã. E assi torno a dizer, que ? 
    nossos vocabulos nã dobraremos letra alguma senã 
    quando a orelha o pedir; como ? acçã, dicçã, occid?-
    te occidental, accidente aonde, & noutros taes, quã-
    do os pronunciamos parece que o primeyro c. fica a-
    pegado, ou retardado ? a garganta, & que o outro vay 
    caindo sobre a vogal que se lhe segue: s? a qual 
    pronunciaçã nã ficã tã cheyos os taes vocabulos.
       Dobraremos o l. quando tamb? a orelha o pedir; 
    porque diferentemente nos soa amalla, do que ama-
    la. O m ? algumas dições parece necessario o do-
    brarse, para encher mays o sõ; como ? immenso, im-
    mensidade, immemoravel, immodesto, immodico, 
    immortal, immundo, immunidade, immutavel, em-
    madeyrar, emmagrecer, emmanquecer, emmastear, 
    emminincer, emmendar, emmudecer, & outras taes de 
    que a orelha será o melhor juiz: màs n? porque o 
    Latim o dobre ? alguns nomes, como ? gummi, dire-
    mos nós gomma, porque melhor soará goma.
    O n. tamb? conv? dobrarse ? alguns vocabulos, 
    como innavegaveis, innocente, innovar, innovaçã, 
    innumeravel, ennastrar, ennobrecer, ennubrar; tamb? 
                                                                        [an-]
       

    pág. 184
    no, penna, donno, & donna se ve b? esta diferença, por 
    que escrito assi cõ dous nn, he o pronome de nobreza 
    & dóna cõ ? n, quer dizer senhora de alguma cousa.
       P. nã ha paraque se dobre ? papa, comida de mi-
    ninos, ainda que os Latinos o escrevem cõ dous pp. 
    n? ? Papa S?mo Pontifice, porque n? os Latinos o 
    dobram, segundo Ximenes, & ? seu Epitome, capitulo 
    treze, he abreviaçã de duas partes, a primeyra, parte 
    de cada diçã, tomada por toda a diçã, & dizem que 
    antigamente se escrevia Pa-Pa, & queria dizer pay 
    de pays, como na verdade he o S?mo Pontifice Ro-
    mano, a qu? se deve, & se dá este nome de Papa, que 
    parece averse composto destas partes. Atentay (seg?-
    do o mesmo Ximenes diz) que he dirivada desta in-
    terjeyçã Pape, que he de admiraçã; màs quasi v? a cõ-
    cluir cõ o que temos dito, que se disse assi, porque he 
    pater patrum, pay de pays, ainda que lhe dam outra 
    etimologia, que agora nos nã importa: basta que se 
    escreva cõ P grande, á diferença de papa de mininos, 
    que t? o p. pequeno, como nome, que he apellativo. 
       O r, & o s, quando se haõ de dobrar a orelha o 
    diz. X. & Z. saõ dobradas de sua natureza, & cõtudo 
    os italianos ainda dobram o z.
    No principio da diçã nã se hade escrever letra do-
    brada, como RRey, ssaude, &c. n? no meyo da diçã 
    despoys de consoante, como conlluyo, trasllado, 
    Henrriques, Elrrey, onrra, & outros taes. N? tamb? 
       

    pág. 185
    se ha de por letra dobrada ? o fim, como Portugall, 
    Manoell, &c. como os Ingrezes dobram o l.
       Menos razã ha para que as vogaes se dobrem; màs 
    ha om?s amigos de antigualhas, & querem antes fal-
    lar como seus avós, que como os seus contempora-
    neos, nã conhecendo, que das moedas, & das pala-
    vras as mays correntes saõ as melhores. B? sey que 
    os antigos, como diz Plinio, queriam que uma vo-
    gal só nã fosse parte da oraçã; postoque (segundo re-
    fere Papinio) dobravam a mesma vogal da palavra, 
    & assi por aio, diziam aijo, por maio, maijo, & por 
    is, & tuis, ijs, tuijs; mas este abuzo se tirou cõ o bõ u-
    so, & cõ a razã, antes querem os modernos para que a 
    palavra tenha mays expidito & doce sõ; que quando 
    se ajuntem duas vogaes immediatamente, que uma 
    dellas se torne consoante.
    O Padre Bento Pereyra, nas suas regras geraes da 
    Ortografia, regra 6. diz assi; Quanto às vogaes, póde ser 
    regra geral, que nenhuma vogal se dobra sendo do mesmo 
    genero, & qualidade, & pertencendo ao mesmo vocabulo. 
    E diz muytas vezes b?; por? logo abayxo escreve es-
    ta palavra mentiys, querendo fazer de diversa calida-
    de o i Latino do y Grego: màs que necessidade t? a 
    tal palavra do y, grego, quando ali o i Latino he lõ-
    go acidentalmente? o certo he que o devemos escre-
    ver singellamente, mentis. O Licenciado Duarte Nu-
    nez costuma dobrar todas as vogaes; & assi diz maa, 
       

    pág. 186
    paa, jaa, paadar, aar, irmaan, & outras taes, que certo 
    me parece ? fino desproposito; polo que escrevere-
    mos ma, pa, já, pádar, ar, irman, & nunca dobraremos 
    a, n? outra alguma vogal pertencendo ao mesmo vo-
    cabulo. Assi diremos Fe, Se, & nã Fee, See, como se ve 
    escrito ? muytas cazas, que saõ foreyras á Metropoli: 
    pèga, pela ave, & péga por pegar, como aqui estão 
    escritos, ainda que o verbo queyra diversos acentos, 
    conforme a pronunciaçã dos tempos, ora grave, ora 
    agudo, que para isso foram inventados os acentos, & 
    nã t? outro uso. Diremos géral, gérar, géraçã, ter, ler, 
    ver, & nã geeral, geerar, geeraçã, teer, leer, veer: n? es-
    creveremos be?s, vinte?s; màs b?s, vint?s: & tãb? galé 
    Loulé, maré, polé, ré, cõ acento agudo, & nã galee, 
    Loulee, maree, polee, ree. S? acento, màs só cõ i, 
    escreveremos barris, setis, covís, buris; & os preteri-
    tos, li, vi, ouvi, sem acento; & nã barrijs, setijs, covijs, 
    burijs, lij, vij; ouvij; & assi belign?s, delph?s, mals?s, & 
    outros taes, cujos singulares acabam ? im. Escrevere-
    mos nó cõ ac?to agudo, mó, só, pó, noutibó, ?xó, eyró, 
    ilhó, ichó, traçó, malhó, avó, & nã noo, moo, soo, poo, 
    noutiboo, enxoo, eyroo, ilhoo, ichoo, traçoo, malhoo 
    avoo. Do mesmo módo diremos, (& escreveremos 
    s? acento) cru, mu, nu, & nã cruu, muu, nuu; que o 
    dobrar das vogaes foy cousa, que cõ o tempo se aca-
    bou, como superflua, & diz Quintiliano chegou até 
    o tempo de Accio, & pouco mays, só para mostrar ser 


    pág. 187
    a vogal longa, ou breve, o que oje se faz per meyo 
    dos ac?tos: & Duarte Nunes escreve omeem cõ dous 
    ee, sendo que t? a ultima breve, & assi outros. Poli-
    ciano ? suas Miscelaneas diz, que assi se acha ? uma 
    moeda de ouro feelix, cõ dous ee, & noutra de cobre 
    vijrtu; cõ dous ij, & conta isso por grande maravilha.
    ________________________________________________________________
    CAP. XLVI.
    Se devem aspirarse as consoantes, 
    ou vogaes?
    DE aspirar as letras o uso manou dos Gregos 
    aos Latinos, para os nomes, que elles toma-
    ram dos mesmos Gregos, màs como Sanches diz ? a 
    gramatica Grega, ? muytos mudaram o estilo: & o 
    ph, que os Gregos notam cõ esta figura ?. mudaram 
    os Latinos ? f, pola qual razã, nós, que menos sinti- 
    mos a pronunciaçã Grega, tamb? poderemos escre-
    ver cõ f, simplez, os nomes que os Latinos escrevem 
    por ph, como Phalange, Phantasia, Phantasma, Phili-
    pe, Philosophia, & outros taes; & assi escreveremos 
    falange, fantasia, fantasma, Filipe, filosofia, &c. n? es-
    creveremos, charidade, Archanjo, Monarchia, &c. 
    màs caridade, Arcanjo, Monarquia, & todos os mays 
    desta calidade: nã ha mister que escrevamos hom?, 


    pág. 188
    màs omem, humano, màs umano, porque nã falla-
    mos de garganta como Tudesco, ou Turco: & do 
    mesmo módo nos soa Thomás q? Tomás: demaneyra 
    q? nã temos necessidade de aspirar letra alg?a, vogal, 
    ou consoãte, senã quando necessario for, para melhor 
    intelligencia do mesmo vocabulo, como fallando 
    do h, dicemos de Chiron, que s? h, ficará Ciron, & cõ 
    Q. Quiron, & nã se entenderá b?, que nome he, & 
    assi de todos os mays.
    ________________________________________________________________
    CAP. XLVII.
    Das letras, ? que as dições da lingua Por- 
    tuguesa pódem acabar. 
    OS vocabulos Portuguezes pódem primeyra-
    mente acabar ? todas as vogaes; como caza, 
    sinete, rubi, servo, nu, boy; & pelo consiguinte ? todos 
    os ditongos, & assi ? as consoantes siguintes, l. m. n. 
    r. f. t. Em l. como Cardeal, annel, buril, Sol, azul; ? m. 
    como amam, virgem, & os que nã tiverem acento 
    ? a vogal final, sejam nomes, ou verbos, porque en-
    tam os verbos nã acabam ? m, màs ? aõ, & os nomes 
    ? ã, para diferença; porque ? esta pronunciaçã, quer o 
    m. seu inteyro soido, que he fechando os beyços: o 
    que nã he entre nós usado; & quando os verbos, ou 


    pág. 189
    nomes t? acento na penultima, pronunciamos como 
    os Latinos musam, amaveram, sermonem, &c. & 
    assi diremos, amam, amáram, virgem, &c. ? r. como 
    singular, prazer, ouvir, senhor, tafur, ? s. os pluraes, 
    que ? singular nenh? nome acaba ? s. salvo proprio, 
    como Tomás, París, & outros semelhantes, & o de 
    Deos, ? z. como capaz, axadrez, chafariz, arroz, cus-
    cuz, tamb? acabam ? ã, ?, ?, õ, ?, como capitã, ningu?, 
    jasm?, bõ, debr?, os quaes todos devem pronunciar-
    se cõ acento ? a ultima vogal. Em c. d. f. g k. t. nenh? 
    nome nosso acaba, màs alg?s peregrinos, como fal-
    lando das mesmas letras dicemos.
    ________________________________________________________________
    CAP. XLIIX.
    Como se pronunciam os pluraes.
    TOdos os nomes acabados ? vogal, ou sejam sus-
    tantivos, ou adjectivos, de qual quer genero, 
    ou condiçã que sejam, formam o plural cõ ? s, mays só-
    mente, assi como caza, cazas, Almotacé, Almotacés, 
    rubi, rubis, templo, templos, nu, nus. E por essa razã 
    nenh? nome Portuguez apelativo se ha de escrever 
    cõ s. final (como ja dicemos) que he nota de pluri-
    dade ? os vocabulos Portuguezes.
    Os nomes acabados ? al, mudam para o plural os, 
       

    pág. 190
    ? es, como de mortal, mortaes, & nã mortays, segun-
    do certo ortografo moderno ensina: porque assi o 
    pede a boa analogia da lingua Latina, & corespon-
    dencia, que cõ a Castelhana temos. Dizem elles Mor-
    tales, animales, finales, iguales, cabales, &c. diremos, 
    mortaes, animaes, finaes, iguaes, cabaes, per aes, & nã 
    per ays; & assi todos os mays, de maneyra que nenh? 
    nome acabado ? al, no plural escreveremos ? ays, màs 
    ? aes, exceptos; ays pays, & os adverbios mays, ja-
    mays, como tamb? nã escreveremos pessoa alguma 
    de verbo ? aes, màs ? ays, como amays, fallays, &c.
       El. Os nomes acabados ? l. mudam no plural o l. 
    ? eys; Manoel. Manoeys, batel, bateys, cruel, crueys, &c.
       Il. Os que acabam ? il, mudam o l, ? is somente; 
    como gentil, gentis, sutil, sutis, gumil, gumis. E nã ha 
    para que imaginar ? os taes o ditongo ii, ou iy, como 
    ? autor doutissimo, & amicissimo meu faz; N? dire-
    mos robijs, màs rubis, & escreveremos como aqui 
    rubi, per u ? a primeyra silaba, & nã robi per o, co-
    mo elle escreve, porque v? de ruber; & os Castelha-
    nos, & Francezes, o escrévem assi rubi, & os Italianos 
    rubino; & os Latinos modernos dizem rubinus, co-
    mo eu bocalmente dice ao mesmo Ortografo.
    Ol Os nomes acabados ? ol, mudam o 1, ? es, si-
    guindo a analogia, que cõ os Castelhanos temos; 
    polo que diremos Espanhoes, caracoes, soes, como el-
    les Españoles, caracoles, soles.   


    pág. 191
       Vl. Em ul, temos poucos vocabulos, como paul, 
    azul, baul; os quaes variam no plural, porque paul t? 
    no plural paües, azul, azües, mudando o l, ? es: & bá- 
    ul, muda o l, ? s, & faz báus. Consul, ? o plural quer 
    a silaba es, & faz Consules.
    Am. Os pluraes mays dificultozos de nossa lin-
    gua saõ os que v? de singulares, que soam ? am; nos 
    quaes se embaraçã muytos, q? cuydam sabem de or-
    tografia, porque t? diversas terminações; & para a-
    certar nellas he muyto proveytoso, & necessario ter 
    bastante conhecimento da lingua Castelhana, pola 
    grande correspondencia, que a nossa t? cõ ella. E as-
    si os pluraes, que elles acabam ? anes, nós os acaba-
    remos ? ães; como de Capitanes Capitães, de Alema-
    nes, Alemães, canes, cães, gavilanes, gaviães, panes, 
    pães, &c. Os pluraes que elles acabam ? ones, 
    acabaremos nós ? ões; como de sermones, ser-
    mões, opiniones, opiniões, corazones, corações, 
    tostones, tostões, esquadrones, esquadrões, &c. 
    E assi acabaremos os nomes, que soando ? am, for? 
    meramente Portuguezes, como tecelões, foliões, tra-
    vões, de tecelã, foliã, travã; só tiraremos tabaliães de ta-
    baliã Os nomes que elles acabam ? ano, nós acabare-
    mos ? ãos, como de cortezanos, cortezãos, ciudada-
    nos, cidadãos, aldeanos, aldeãos, Cristianos, Cristãos, 
    hermanos, irmãos, sanos, sãos, vanos, vãos, manos, 
    mãos, paganos, pagãos, zanganos, zangãos; màs de 
       

    pág. 192
    villanos diremos villões, de escrivanos, escrivães, ou 
    escrivões, & de franganos, frangãos.
       Em. Os nomes acabados ? em, mudam o m, ? 
    s, & quer? ? til encima do e, como virgem, viagem, 
    omem, origem, & todos os mays desta terminaçã, fa-
    zem os pluraes, mudando o em, ? ?s, ou ens, como 
    virg?s, viag?s, om?s, orig?s, & os mays desta caden-
    cia, que tãb? poderão escreverse, virgens, viagens, o-
    mens, origens.E os que no singular acabam ? ?, que 
    saõ os nomes, que se pronunciam cõ acento ? a ulti-
    ma, como, vint?, almaz?, ningu?, algu?, ref?, cõ ? s, 
    mays sómente fazem seus pluraes, como vint?s, al-
    mas?s, ningu?s, algu?s nã se usa, ref?s, &c.
       Im. Os que na ultima t? este soido, que se de-
    ve escrever per i, & til, como marf?, seraf?, chap?, 
    fraldel?, &c. se lhes acrecentará ? s, ou ns, para os plu-
    raes, tirãdo o til como marf?s, ou marfins, seraf?s, ou 
    serafins, chap?s, ou chapins, fraldel?s, ou fraldelins, &c.
       Om. Os desta toada, que tãb? se escreverão cõ o 
    til, querem para o plural o mesmo, & assi de bõ, sõ, 
    tõ, bõs, tõs, sõs, ou bons, tons, sons, &c.
       Vm. Estes saõ da mesma calidade, & se escreve-
    raõ como, per?, debr?, nenh?, & no plural diremos 
    per?s, debr?s, nenh?s, ou peruns, debruns, ne-
    nhuns, &c.
    An. Os nomes acabados ? an, contentãose para 
    os pluraes cõ ? s, & assi de can, irman, lan, san, van, 
       

    pág. 193
    diremos cãs, irmãs, lãs, sãs, vãs, ou tãb?, cans, irmans, 
    lans, sans, vans, &c.
    Ar, er, yr, or, ur.   
    Os nomes que despoys das vogaes a. e y. o. u. ti-
    verem r. formam seus pluraes, acrecentando ?a silaba 
    es. como pomar, mulher, martyr, favor, tafur, que fa-
    zem, pomares, mulheres, martyres, favores, tafures.   
    Az, ez, iz, oz, uz.   
       Os nomes, que t? estas terminações, cõ mays a si-
    laba es, faz? seus pluraes; ou sejam sustantivos, ou 
    adjectivos; como paz, rez, giz, voz, luz, que fazem, 
    pazes, rezes, gizes, vozes, luzes; sagaz, veloz; que fazem 
    sagazes, velozes, &c, & todos os mays.
    ________________________________________________________________
    CAP. XLIX.
    Das silabas, & dicções.
    TEmos atégora tratado da calidade & natureza 
    das letras, he b? que digamos agora que cou-
    sa he silaba, & de quantas letras consta, porque das 
    silabas se formam as palavras; & as letras saõ ás sila-
    bas o mesmo que as folhas, aos ramos, ou ás raizes as 
    plantas: porque assi como estas umas se acham cõ 
    mays, outras cõ menos folhas, ramos, ou raizes, assi 

    pág. 194
    as silabas, umas consistem ? mays, outras ? menos le-
    tras. Donde podemos dizer, que se ?a planta de ?a 
    só folha, ou de ? só ramo, ou de ?a só raiz, nã he es-
    sencialmente diversa de ?a de mays folhas, de mays 
    ramos, ou de mays raizes, assi a silaba de ?a letra só, 
    nã será diferente (formalmente) de ?a de duas, ou de 
    mays, porque a parte material, que concorre a formar 
    a silaba, nã he mays, que per accidente diversa da par-
    te integral.
       Quatro cousas poys occorrem a cada silaba, a saber 
    tenor, espirito, t?po, numero. Os tenores das silabas 
    saõ tres; acento agudo, grave, & circunflexo, dos 
    quaes fallaremos adiante. O espirito da silaba he ? 
    dous módos, aspero, & doce; aspero he quando a si-
    laba se cõpo? de muytos consoantes como constã-
    te; ou de r, & x; como terror, xarife; doce he o espirito 
    quando a silaba cont? muytas vogaes, como Eoo; 
    tempo he aquella pouca detença, que se faz ? pron?-
    ciar a silaba; porque ?a he mays expedita, que outra, 
    como amo, onde a primeyra silaba he de menor t?-
    po, & mays expedita, que a segunda. O numero he 
    manifesto porque ?a vogal per si faz ?a silaba, quã-
    do está só, como A. que he preposiçã & articulo, & 
    que se poem por conjunçã; o, que he sinal de chamar, 
    & articulo; I, per apocope, ? lugar de ide.
    Fazse poys silaba de ?a vogal, & de duas, quando 
    formam ditongo; de uma vogal, ou de ? ditongo, & 
       

    pág. 195
    ?a consoante; como tu; ou de duas consoantes & ?a 
    vogal, como trazes: de uma vogal & tres consoã-
    tes, como sobs-tabelecer, de ?a vogal, & quatro con-
    soantes, como Trãs-tagano; & ? nosso vulgar nã me 
    parece que passã daqui; ? Latim ha de ?a vogal, & 
    cinco consoantes, como ? scrobs; ? Ingrez de seys, & 
    sete consoantes, & ?a só vogal, & o Polaco t? ás vezes 
    de dez consoantes, de sorte que se diz que quando o 
    Polaco falla arroja as palavras como pedras ? a cara: 
    porque as consoantes saõ ás silabas, o que os dedos 
    ao pe; os quaes, cousa certa he, que o distinguem de 
    umano a bruto; màs nã fazem mays que o do omem 
    seja pe que o do cavallo, ou do boy, porque tanto he 
    ? pe, como outro, & assi tanto he ?a vogal silaba cõ 
    ?a consoante como cõ muytas, & se dam tres silabas 
    juntas, cõ nenhuma consoante, como nesta palavra 
    Eoo, que he de tres silabas, como consta deste verso 
    de Lucano.
    Hesperio tantum, quantum se motus Eoo.

     

     

    pág. 196
    ________________________________________________________________
    CAP. L.
    Que letras se pódem ajuntar a outras 
    na composiçã das silabas.
    QValquer consoante do abece póde estar sobre 
    si, antes de ?a das vogaes, como ba, be, bi, &c. 
    ca; ce, ci, &c. do que nã saõ necessarios exemplos.
       Màs se antes da vogal se puzerem duas consoan-
    tes, nã pódem ambas ser mudas, n? semivogaes se-
    nã he o s, & o f, porque o flato das mudas he muy-
    to prestes: & assi nã se achará ? ?a silaba juntas bda, 
    cpe, nto, & semelhantes. E as semivogaes, porque saõ 
    muyto semelhantes ás vogaes ? o espirito, & sairá a 
    voz muyto fraca, saindo cõ duas perverções tã seme-
    lhantes a abertura; pola qual razã se nã acha, fma, nle, 
    rso, & semelhantes.
       Exceptuase o f, porque se poem antes de l, r, 
    como fla, fle, fli, flo, flu; fra, fre, fri, fro, fru, porque o f, 
    he aspiraçã do p, & por isso na composiçã he m?y 
    semelhante a elle, que tãb? faz pla, ple, pli, plo, plu; 
    pra, pre, pri, pro, pru: & assi antes destas semivogaes 
    faz oficio de muda.
    O s. acerca dos Latinos & Italianos, se poem an
    tes de todas as semivogaes & mudas; & o Lecencia-
       

    pág. 197
    do Duarte Nunez, ? sua ortografia, nã só o usa, màs 
    quer que assi se haja de escrever: o que eu de ne-
    nh?a maneyra aprovo, polas rasões, que já noutro 
    lugar dey: màs he tã necessario este ponto, que ainda 
    torno a advertir que se nã escreva, screver, scritura, 
    sforço, smeralda, specie, spirito, star, stilo, & semelhan-
    tes, mas escreveremos escritura, esforço, esmeralda, 
    especie, espirito, estar, estilo, &c. n? tã pouco nascer, 
    acrescentar, conhescer, senã nacer, acrecentar, conhe-
    cer; màs disto fallaremos ainda adiante.
       Antes de f, m, s, nã se po? já mays muda de sorte 
    alguma; senã for ? nomes estrangeyros.
       Antes de l, se pòde meter b. c. g. p. como Condes-
    table, clemencia gloria, t?plo.
       Antes de n, se póde meter g, & t, como magno, 
    Etna.
       Antes de r, se póde meter toda a muda, salvo q. x. 
    z como braço, crasso, droga, frota, graça, praça, traça, 
    vreador. Mays claramente.
       B. pódese ajuntar a l, r, como Hi-blea, obra: & a ne-
    nhuma outra consoante na lingua Portugueza.
    C. pódese ajuntar a 1, r, como Heraclito, ale-
    crim; nã a, m. n. t. como Duarte Nunez ensina, n? 
    ainda ? os nomes perigrinos, sendo a pronunciaçã 
    nossa, & assi nã escreveremos ? o fim da regra Al-
    mena, Aracne, como elle diz; porque nã temos dicçã 
    alguma que comece per cm, cn. N? tampouco, He-
       

    pág. 198
    ctor, do-ctrina, porque tamb? nã temos diçã, que co-
    mece por ct, n? que no meyo a tenha; & elle he cos-
    tumado escrever Doctor, doctrina; precepto, precep-
    tor, pecto, pectoral, perfecto, contracto, usofructo, 
    & outros taes; devendose antes escrever, douto, dou
    tor, doutrina, preceyto, preceptor póde passar, peyto, 
    peytoral, perfeyto, contrato, usofruyto; porque assi 
    pronunciamos: màs ? a regra segunda de suas geraes, 
    diz tamb?, que qu? assi os escrever lho nã estranha-
    rá, & confeça ser verdade, que a pronunciaçã destes 
    & semelhantes vocabulos; se pódem fazer s? c.
       D. podese ajuntar a r. como pa-dre, a-dro.
       F ajuntase a l. r. como in-flamar, re-frescar.
       G ajuntase a l. r. como E-gloga, a-gro, nã a m. n. 
    porque nós dizemos aumento, dino; nã augmento, 
    digno.
       L. nunca se ajunta a outra, que vá diante delle, 
    màs sempre elle vay despoys destas letras mudas, b. 
    c. f g. p. t. como blasfemo, claro, flama, gloria, Platã, A-
    tlante.
       M. nunca se po? senã antes de outro m.
       N nunca se ajunta a outra consoante.
       P. pódese ajuntar a l. r. como disci-plina, le-pra; 
    a mays nã, salvo ? pronunciaçã alheya.
    Q. nã se po? antes de outra consoante alguma, 
    porque necessariamente despoys de si ha de ter ? u. 
    liquido, ao qual sempre se segue outra vogal.   


    pág. 199
       R. nã se poem antes de consoante alguma, e a mes-
    ma silaba; màs he letra servil, que sempre segue as cõ-
    soantes.
       S. nã se póde ajuntar ? a mesma silaba á consoan-
    te alguma, contra a doutrina de Duarte Nunez; por-
    que, como já dice, nã temos diçã, que comece por 
    sc. sm. sp. sq. & na verdade que o que elle acerca disto 
    ensina parece [considerado b?] cousa de zombaria, 
    & indina de se escrever.
       T. pódese ajuntar a r, como ma-trimonio, qua tro.
       V. consoante pódese ajuntar a r, como lavrador, 
    livro.
       X & Z são letras dobradas de sua natureza & assi 
    nã se ajuntam a outras consoantes.
    ________________________________________________________________
    CAP. LI.
    Como se dividem as dicções, & ? que letras 
    pôdem acabar as silabas, ? a lingua 
    Portuguesa.
    O Que agora se segue he muyto dificultoso? a 
    lingua Latina, & cousa ? que muytos erram, 
    ? a màs Portugueza muyto facil.
    Primeyramente quando ? a dicçã nã ha consoante 
    entre duas vogaes, nã ha mays que acabar ? uma vo-
       

    pág. 200
    gal como Di-ana. E quando entre duas vogaes estive-
    rem duas consoantes, & a palavra se ouver de partir, 
    por nã caber ? a regra, partirse hã irmãmente, fican-
    do uma vogal cõ ?a consoante no fim da regra cõ 
    este sinal -, & virá a outra consoante cõ a outra 
    vogal para o principio da outra regra, como cam-po: 
    & se as consoantes forem iguaes como dous ll, ou 
    dous mm, farão a mesma repartiçã, como el la, im- 
    mortal, &c. & quando cõ alg?as vogaes concorrerem 
    ? uma silaba mays consoantes, cada vogal levará con-
    sigo aquellas consoantes, cõ que se pronuncia, como 
    nos exemplos siguintes se póde ver; cons-ti tu ir, pres-
    cre-ver, res-crito, & se entre as vogaes nã ouver mays 
    que uma consoante, essa ficará cõ a vogal a que ser-
    vir.
    ________________________________________________________________
    CAP. LII.
    Dos acentos, como, & quando se de- 
    vem usar.
    A Materia prezente he das mays dificeys da or-
    tografia, como sentem todos os que della es-
    crevem, & assi poucos a t? acertado: màs he tã impor-
    tante, que uma das principaes causas, porque a pro-
    nunciaçã da lingua se faça eterna, & mays facilmen-


    pág. 201
    te se conserve inviolada entre as barbaras nações: 
    saõ os acentos como testimunham as linguas Hebrea, 
    & Grega; adonde seus acentos, cõ que se asinalam 
    suas dições nã foram; aindaque soubessemos pro-
    nunciar suas letras, contudo nã souberamos profi-
    rir suas palavras;  & seu valor se ve b? acerca dos Ch?s, 
    que cõ a variedade dos acentos pronunciam esta pa-
    lavra ko. mono silaba (como saõ todas as suas) per 
    onze módos diferentes, segundo Iacobo Golio, ? as 
    dicções do Catay ao Atlas Sinense; & os Hebreos t? 
    trinta, & dous; vinte, a que chamam Reys, & doze a 
    que chamam ministros; todos diferentes ?s dos ou-
    tros, ou pola figura, ou polo lugar, ? que se poem. 
    Porem deyxando isto, que por agora nòs nã impor-
    ta, he de saber que acento he aquelle sõ, ou tõ, que 
    nas palavras se sente ? a pronunciaçã de cada silaba: 
    & nã he necessario que eu cõ mays palavras mostre 
    que cada silaba t? o seu sõ, quando se pronuncia, 
    porque todos sabem muyto b?, que s? sõ nã se pó-
    de pronunciar; donde fica claro que cada silaba t? seu 
    sõ. Màs, porque as silabas nã se pronunciam todas de 
    ? módo, porque umas saõ longas, & outras breves, 
    segundo a detença de tempo, ? que saõ pronuncia-
    das da propriedade do idioma particular ? que se fal-
    la, que tãb? nã he o mesmo ? todas as linguas, assi os 
    acentos t? sua variedade: porque ? se diz agudo, ou-
    tro grave, outro circunflexo. O agudo se chama assi; 


    pág. 202
    porque levanta mays o tõ da silaba onde está; o grave 
    t? este nome, porque abayxa a silaba ? que se situa; 
    & o circunflexo, assi como na figura participa do gra-
    ve, & do agudo, assi no efeyto participa de ambos, ? 
    o mesmo tempo: ainda que esta pronunciaçã dizem 
    se nã sabe ? nossos tempos, como ella fosse, n? disso 
    se t? noticia alguma; n? ha orelha tã dilicada, que a 
    possa comprender ? a ultima silaba, como se póde 
    considerar ? este nome terra, que ? nominativo dizem 
    t? acento grave, & ? ablativo circunflexo; porque se 
    perdeo isto, como se perdeo a pronunciaçã de muy-
    tas letras, & como se perdeo o processo da musica 
    antiga, & de outras muytas artes. Faremos cõ tudo por 
    dar a cada qual delles o seu valor, cõ alguns exemplos, 
    & será a concideraçã disso muyto util á arte versifi-
    catoria, para compor rectamente o ritmo, & o verso; 
    ? dos quaes resulta da cõposiçã das silabas, longas, & 
    breves, & o outro do numero dos pes, compostos de 
    taes, & tantas silabas.
       São poys, como dice, os acentos tres, agudo, grave, 
    & circunflexo: o sinal do acento agudo he uma ris-
    quinha lansada a travez de alto a bayxo da mã di-
    reyta para a esquerda, nesta forma á, o sinal do acen-
    to grave outra risquinha ao contrario desta, como à, 
    & o sinal do acento circunflexo, composto destas ris-
    quinhas forma a figura â.
    Cada palavra, seja de quantas silabas for, nã póde 
       

    pág. 203
    ter, mays que ? acento agudo, & este será na silaba, 
    que no profirir se mays levantar, como nesta palavra 
    tempo, adonde a voz parece se levanta mays ? tem-
    po, que ? po: pola qual razã chamam alguns a esta 
    tal silaba predominante, como se disseramos, princi-
    pal entre todas as outras; porque descansando a vóz 
    sobre aquella silaba, faz uma certa cantilena, sobre 
    cada palavra, que na verdade lhe dá nã sey que de so-
    noro. E como cada ? sabe, aquellas escreturas se cha-
    mam sonoras, que saõ compostas cõ oportuna coloca-
    çã de acentos, isto he de pausas, como neste verso.
    As armas, & os varões assinalados.
    E he a razã, porque os versos, maximamente he-
    roycos, nã aceytam de vontade palavras de muytas 
    silabas; porque sendo as palavras de desproporciona-
    da grandeza, o acento se ouve raramente, & o verso 
    fica assi menos sonoro: como aquelle que Dante traz 
    ? o livro da vulgar eloquencia, que consta de uma 
    só palavra;   
    Soara manificentissimamente.
       Donde cõ rasã disseram alguns, que o acento he 
    medida da silaba, outros, que era a alma, & outros 
    reytor, & governador da pronunciaçã.
    Entre os Latinos, nenhuma palavra (segundo Quin-
    tiliano) t? na ultima acento agudo, ou circunflexo; 
       
    pág. 204
    que o que dicemos do nome terra ja entã se nã sabia. 
    E assi alguns que dos acentos pouco entendem, ven-
    do escrito, aliàs cõ acento ? a ultima (seb? dizem 
    alguns o deve ter antes ? a primeyra) imaginam 
    que nelle hão de levantar a voz, sendo que he acen-
    to grave, que antes a abayxa, & abate, & se poem só-
    mente para mostrar, que he adverbio, que todos ? a 
    lingua Latina (avendo alguma ambiguidade) se ha 
    de assinalar cõ elles; por distinçã de alias, nome diri-
    vado de alius; & assi he dos preceytos dos filosofos 
    excellente aquelle dito, Decipimur specie recti.
       Demaneyra que do acento grave usam os Lati-
    nos, para distinçã das palavras sómente, & do agudo, 
    & circunflexo, na silaba, onde mays se levanta a voz.
    Destes acentos poys usaremos na maneyra siguin-
    te. Se as palavras forem diversas, & se escreverem cõ 
    as mesmas letras, como se ve na primeyra & terceyra 
    pessoa do preterito plusquam perfeyto, & na tercey-
    ra do futuro dos verbos amar, ouvir, &c. para mos-
    trarmos essa diversidade, escreveremos as pessoas do 
    preterito cõ acento agudo na penultima, como amá-
    ra, ouvíra, & a pessoa do futuro cõ o mesmo acento 
    ? a ultima, como amará ouvirá: màs se a palavra fôr 
    de duas silabas sómente, como lêra, fôra, se escreverá 
    cõ acento circunflexo, & se conhecerá b? esta diferen-
    ça na segunda palavra destas duas, porque fôra he 
    primeyra & terceyra pessoa do preterito plusquan-
       

    pág. 205
    perfeyto de verbo sou, & fóra cõ acento agudo, ? o 
    o, he adverbio. O que se entende para todos os ver-
    bos.
    Tamb? distinguiremos os nomes, que tiverem al-
    guma ambiguidade per estes acentos, como nesta pa-
    lavra cor, por vontade, que nã ha mister acento, por-
    que a mesma pronunciaçã aguda t? a lingua Latina 
    polo coraçã, que nã difere muyto da sinificaçã do 
    nosso vocabulo; mas quando se tomar por color, lhe 
    poremos acento circunflexo, como côr, porque b? se 
    ve, que naquelle levantamos mays a voz, que neste. 
    Ainda que tudo he ao contrario do que certo orto-
    grafo nosso moderno, & muyto douto ensina; màs 
    antes de me condenarem peço se considere o valor 
    de cada ? destes acentos; & o que cada qual de nós 
    diz. O mesmo digo ? esta palavra fez, que quando 
    he pessoa do verbo faço t? acento circunflexo, ? di-
    ferença de féz, por borra, que o t? agudo. Esta diçã Se, 
    t? tres sinificações, & assi para as distinguirmos es-
    creveremos quando sinificar Igreja cõ letra grande, 
    & acento agudo ? o e, como Sé; quando fór conjun-
    çã cõ acento grave, sè, & quando for pronome s? 
    acento. A conjunçã e nã ha mister acento, porque a 
    terceyra pessoa do verbo sustantivo se escreve cõ h, 
    he Fé terá acento agudo, porque s? elle soará, como 
    a primeyra silaba deste nome feo. Vês, segunda pes-
    soa do verbo vejo, terá acento circunflexo, porque 
       

    pág. 206
    s? elle soará como a ultima de garoupez; & vez nome 
    basta escreverse cõ z, assi se diferencea pes, plural de 
    pe, de pez, certo material entre rasina, & breu; crus 
    plural de cru, de Cruz, instrumento de nossa reden-
    çã; vós, pronome, de voz, falla. Nôs, pronome t? acen-
    to circunflexo, ? distinçã de nós plural de nó, que o 
    t? agudo; fruyto escrevese cõ z, noz, màs adverbio 
    t? acento grave, & más plural de má agudo, póde, 
    tempo prezente agudo, preterito circunflexo, pôde.
       Temos tambem alguns nomes, que no singular t? 
    acento circunflexo, & no plural agudo, como saõ; 
    avô, côrvo, dôno, fôrno, nôvo, ôlho, ôsso, ôvo, pôço, 
    pôvo, tôjo; cujos pluraes saõ avós, córvos, dónos, 
    fórnos, nóvos, ólhos, óssos óvos, póços, tójos.
       Outros no mesmo numero, mudando o genero, 
    mudam tamb? o acento; como se ve nestes nomes; 
    côrvo, córva, pôrco, pórca, tôrto, tórta; & todos os ad-
    jectivos ? oso, osa; como fermôso, fermósa, &c. E per-
    aqui se poder conhecer, quando avemos usar de 
    ?, ou de outro acento, que nã he possivel assinar?se 
    todos os nomes: & que nã he necessario dobrar as 
    vogaes, como o Licenciado Duarte Nunez ensina.
    He tã importante a observancia destes acentos, 
    que por falta della, foy mal entendido ? lugar de 
    nosso Camões, Canto 4. est. 67. que he.   

     

    pág. 207
         _______ No tempo que a luz clara 
         Foge, & as estrelas nitidas que saem
    A repouso convidam, quando caem.     
    Adonde disserã alguns criticos, & ? particular o 
    Licenciado Manoel Pires de Almeyda, que o Poeta 
    nã fizera consideraçã do tempo como devia: porque 
    os sonhos dos Poemas Heroycos v? ? ? de tres t?pos; 
    ou á prima noyte, ou á meya noyte, ou ante manhan. 
    Que os sonhos da prima noyte saõ desestrados, & in-
    felices; os da meya noyte nã saõ penosos, n? trazem 
    consigo calamidades totaes, & ?s, & outros carecem 
    de certeza, como nota o Padre Cerda, sobre o 8. da 
    Eneida: os d‘ante manhan saõ b? asombrados, & 
    verdadeyros, como adverte o mesmo no livro 2. da 
    Eneida. Propter imagines minus perturbatas, cum primo 
    somno perturbatur, confundanturque simulachra vaporum 
    copia Até qui saõ palavras do critico, & logo mays a-
    bayxo declarando o lugar apontado do Poeta, diz, 
    que o sentido delle he quando anoytece, & saem as 
    estrellas a alumiar o mundo, & torna a afirmar, que 
    aqui se entende o principio da noyte. Respondeolhe 
    doutissimamente o Doutor Ioã Soares de Brito cõ 
    ?a apologia que tirou a luz; por? n? elle, n? Manoel 
    de Faria & Sousa, ? o seu commento ao mesmo Poe-
    ta advertiram, que pondo ? acento agudo ? o articu-
    lo á, á luz clara, fica conhecido ser o tempo do so-
       

    pág. 208
    nho á madrugada, como ? Critico queria, que dissesse 
    Camões, sem gastar tantas palavras ? defender, o que 
    per si nã avia mister defença, & he o sentido do 
    Poeta; porque o tempo, que foge á luz clara, he o da 
    manhan, & entã se diz, ue caem as estrellas; & nes-
    se mesmo sentido disse Virgilio.
         ________ Et jam nox humida coelo
    Præcipitat, suadentque cadentia sydera somnos.     
    Porque o verbo cado, como diz Calepino; pro-
    priamente sinifica, corruere, vel præcipitar i, vel labi: O 
    que mays largamente provey ? ? discurso, que mã-
    dey ao dito Manoel Pirez de Almeyda, mandando-
    me elle as suas censuras, & qu? tiver os seus papeys 
    o achará entre elles. Assi que uma plica só, que he o a-
    cento, que nas impressões de Camões faltava ao ar-
    ticulo á, mudava tanto o verdadeyro sentido; de en-
    tã para ca, o fiz assinalar ? as impressões, que delle se 
    fizeram, & emmendar outros muytos lugares, 
    que andavão depravados; como ? os mesmos Lusia-
    das Canto 9. estancia 21. ? a qual andava nas primey-
    ras impressões este verso.   
    Da primeyra co terreno seyo.    
    Adonde diz Manoel Correa, que primeyro o co-
    mentou, que (por lhe parecer o verso errado, como 
    assi he) preguntara ao mesmo Camões, cujo amigo 
       
    pág. 209
    foy, como avia de ser este verso, & que Camões lhe 
    dissera, que assi mesmo pola figura dieresis, sendo 
    que avia de ser syneresis, muyto usado ?tre os poetas 
    Latinos, & nã foy o erro de Camões, màs de Manoel 
    Correa, considerando eu que aindaque assi fosse pa-
    ra o numero das silabas, nã corria cõtudo o sentido; 
    emmendey;
    Com a primeyra do terreno seyo.      
       Como ? muytas impressões se veja; porque o 
    que o poeta quiz dizer he, que Venus tinha muy-
    tas ilhas ? o mar Oceano, que confina cõ a primeyra 
    do mar Mediterrano (que entende por terreno seyo) 
    aqual he a Ilha de Cadiz, que assi lhe chamavã & aos 
    que do Oceano navegam para o Mediterreneo, nã 
    ha duvida que ella he a primeyra que se oferece: & o 
    diz Pomponio Mella lib. 2. c. 7. Gades Insula, quæ egres-
    sis fretum obvia est.
    Outro lugar andou nã menos corruto, ? a primey-
    ra Ode á L?a, est. 7. onde dizia;   
        Para ti guarda o sitio fresco de Illio.
        Suas sombras fermosas,
    Para ti no Erymantho o lindo Epilio.    
    Adonde emmendey Opilio, que he o pastor de 
    ovelhas, como fingem a Endymiam & ? outros muy-
    tos lugares, que por brevidade deyxo; & ultimamen-
       
    pág. 210
    te na impressam proxima passada, no anno de 1669. 
    todos os cantos da criaçã do omem; suposto foy 
    meu trabalho todo baldado, porque na emprenta 
    lhe trastornáram as outavas, desencayxandoas qua-
    si todas de seus lugares, & pondo uma, onde deviam 
    de estar outras, o que tudo sucede por falta de correc-
    tores, que asistam ás emmendas das erratas, que nos-
    sos impressores cometem exorbitantemente, como se 
    verá na da minha Eneida Portugueza, de que nenhu-
    ma folha pude emmendar, por viver fóra de Lisboa, 
    & teve de mays a mays outra desgraça; & foy, que 
    quando lhe fiz as erratas, intentey por sobre algumas 
    mays notaveys ?s remendinhos, cõ as emmendas, & 
    por essa razã nã as notey cõ as outras, & despoys assi 
    porque nã pude consiguir fazeremmas, como por ser 
    cousa trabalhosissima, ficaràm os erros como esta-
    vaõ, sendo tã deformes, que me pareceo b? advertillos 
    aqui, para que cada qual os possa persi emmendar, ou 
    conhecer. E assi no livro 7. est. 3. v. 6. coroa, diga atroa, 
    est. 186. v. 3. Arituro, diga Anxuro; livro 8. est. 169. ver-
    so 1. An debis, diga Anubis. livro 9. est. 7 verso 8. Tejo, 
    diga leyto; est. 64. v. 8. Arissa, Arisba; livro 10. est. 179. 
    v. 3. Acton, diga Acron. est. 211. v. 4. Rhebo, diga Phe-
    bo. livro 11. est. 98. v. 1. Adriatisas, diga Adriaticas; est. 
    178. verso 5. Vericos, diga Venus; livro 12. est. 82. v. 8. 
    Telides, diga Tydides; est. 86. v. 5. Timeste, diga Time-
    tes. Sobre tudo ? a dedicatoria por Rey da Persia, me 


    pág. 211
    puzeram Rey da poesia. Dos acentos escreveo parti-
    cularmente Mænetius Monachus.
    ________________________________________________________________
    CAP. LIII.
    Dos apostrofos.
    AInda que cada vogal de sua natureza tenha 
    sua figura cõ seu sõ formalmente distincto da 
    figura, & sõ das outras; de maneyra que já mays o a, 
    se torna i, n? o i, u, n? a, emquanto á figura, n? em-
    quanto ao sõ, cõ tudo uma vogal tira, & impede a 
    figura, & o sõ da outra vogal ? nosso vulgar, & tam-
    b? ? outras linguas, nã só quãdo se encontram duas 
    da mesma especie, como dous aa, ou dous ee, &c. màs 
    diferentes: & se usa entã uma figura, a que os Gregos 
    chamam Apostrofo, que denota a vogal, que se tira 
    do fim da dicçã, quando se encontra cõ outra, & co-
    meça per vogal, a que os Latinos chamam Synale-
    pha & se faz, por se evitar o hiato, ou abertura da 
    boca, que se causa polo concurso das vogaes, isto he 
    acabando uma dicçã ? vogal, & começando outra tã-
    b? ? vogal, & se poem no lugar donde a tal vogal 
    se tira, màs ? a parte onde esta tinha seu mays alto 
    membro: cuja figura he uma virgula ás avessas, nesta 
    forma, & he muyto frequente cõ a preposiçã de, 


    pág. 212
    quando se lhe segue vogal: porque he erro escrever 
    Devora, Delvas, tudo ligado; màs separaremos a pre-
    posiçã cõ o apostrofo, como d‘Evora, d‘Elvas, o que 
    he muyto necessario observarse ? os nomes proprios, 
    & cognomes, que ordinariamente se confundem, 
    por nã estar ? uso o apostrofo, escrevendo Fernan- 
    dalvarez, Pedrafonso, Francisco Dalmeyda, Dalbu-
    querque, Doliveyra; devendose escrever, Fernando 
    Alvarez, Pedro Afonso, Francisco d’Almeyda, d’Al-
    buquerque, d’Oliveyra, &c.
       E muytas vezes de nã se uzar o apostrofo nace 
    outra confuzã mayor, que póde mudar o sentido, ao 
    que se quer dizer, como nã ma mays, nã tacho, nã sa-
    cha, damagoa; por nã m’amays, nã t’acho, nã s’acha, 
    da m‘agoa, & outros muytos desta sorte.
    Màs se a preposiçã de, se puzer antes dos prono-
    mes, elle, este, esse, aquelle, nã t? necessidade de apos-
    trofo, porque ? uso está dizerse, delle, deste, desse, da-
    quelle: seb? escrevendose cõ elle, nã ficará pior. O 
    mesmo digo da preposiçã no, na, ? lugar de em; que 
    poderemos escrever cõ os mesmos, nelle, neste, nesse, 
    naquelle; ou n’elle, n’este, n’esse, n’aquelle, aindaque 
    nã fica tamb? como ? a preposiçã de; contra a doutri-
    na de Duarte Nunez, fundado ? que nunca dizemos 
    de elle, de este, &c. màs se nã escrevermos no elle, 
    no este, &c. escreveremos ? elle, ? este, ? esse, ? aquel-
    le, & cõ o apostrofo, dizemos per sincopa muyto me-
       

    pág. 213
    lhor d‘elle, d‘este, n‘elle, n‘este, &c. porquanto o apos-
    trofo foy inventado paraque as palavras do periodo 
    corram mays doces, expeditas, suaves, & deleytosas, 
    & a lingua solte s? aspereza as palavras inteyras, & 
    segundo os preceytos dos oradores sempre se deve de 
    atender muyto á continuaçã das palavras, que consis-
    te ? as compor, & ordenar de maneyra, que o seu 
    concurso nã seja aspero, n? vagaroso, como acõtece-
    rá, se a cada vogal se quizer dar o seu sõ, porque a 
    presteza da palavra a faz deleytosa. Para este efeyto 
    poys serve o apostrofo; & sendo necessario ? a prosa, 
    muyto mays he ? o verso, no qual os Italianos o 
    usam frequentemente; Os Latinos t? tamb? este mó-
    do de escrever, donde nacem nã se conhecerem cer-
    tas dicções, que se t? por adverbios, sendo nomes ver-
    dadeyros, postos ? ablativo de módo; os quaes são, 
    magnopere, maximopere, summopere, tantopere; & saõ o 
    mesmo que opere magno, opere maximo, opere summo, o-
    pere tanto; & o declarou Ter?cio, desfazendo o cõcurso 
    das vogaes, polo Hiperbaton, interpondo ? verbo, 
    quando disse; Maximo te orabat opere; Mas ? os no-
    mes compostos, que já per uso estiverem corrutos, 
    nã temos necessidade do apostrofo, como ? Monta-
    graço, Montargil, Portalegre; porque nã dizemos, 
    Monte agraço, Monte argil, Porto alegre, & assi de 
    outros semelhantes.


    pág. 214
    ________________________________________________________________
    CAP. LIV.
    De outros sinaes importantes ao bõ 
    escrever. 
    NEcessario he para a boa pronunciaçã, & dar-
    mos a entender o que dizemos, como tam-
    b? para tomar folego, espirito, & vigor, fazer ? o pro-
    cesso da oraçã, ou pratica, assi fallando, como escre-
    vendo, algumas pausa, as quaes ? a escritura assina-
    lamos cõ diferentes figuras, porque cada uma dellas 
    t? tambem diferente oficio: & he tã importante; que 
    por falta dellas, se ignora muytas vezes o verdadey-
    ro sentido: como acerca da pontuaçã, se conhece des-
    te verso Latino, que certo Letrado deyxou, como 
    por testamento, ? a porta de sua livraria.
    Porta patens esto nulli clauderis honesto.    
       O qual cõ dous pontos antes, ou despoys de nul-
    li, faz tã contraria sentença, como qualquer que sou-
    ber pouco Latim, poderã entender, esperimentandoo.
    Servem tamb? estas clausulas, balisas, ou marcos, 
    para melhor se conseber o que se le; & servem como 
    de imagens, & figuras para a memoria, segundo as 
    regras, que para a artificial se dão. São poys tres as 
    principaes, virgula, colon, periodo.   

    pág. 215
       A virgula, que tambem se chama coma, inciso, & 
    meyo ponto, he uma varinha, ou risquinha torta 
    nesta forma, Colon he de dous módos, imper-
    feyto, & perfeyto; o imperfeyto he ? ponto, redon-
    do, encima de ?a virgula, assi; colon perfeyto saõ 
    dous pontos, ? encima de outro, como: Periodo he 
    ? ponto redondo.
    A diferença entre estes sinaes he agora a dificul-
    dade: siguindo aos que desta maneyra escreveram, 
    digo; que a virgula, ou coma se poem, para distinçã, 
    quando ainda nã está dito tanto, que baste para o s?-
    tido, màs descança, para dizer mays. O mays com?, 
    & ordinario he porse despoys do verbo cõ seus casos, 
    exemplo; Quem ama a Deos, ama ao proximo. Tamb? 
    despoys de conjunçã, antes de relativo, como; A 
    ruim arvore se chega, & arrima, o que se estriba na Fortuna. 
    Poemse tamb? despoys de nomes adjetivos, quando 
    concorrem muytos ? ? caso; como.   
             Deo sinal a trombeta Castelhana
    Horrendo, fero, ingente, & temeroso.         
       O mesmo lugar t? entre nomes sustantivos, co-
    mo. Tres males ha, o mar, o fogo, a mulher.
    O ponto & virgula, que chamamos colon im-
    perfeyto, usamos, quando a virgula nã basta, & os 
    dous pontos sobejam; quero dizer; quando nã está 
       

    pág. 216
    dito tanto, que se haja de por dous pontos, n? tã 
    pouco, que se haja de por virgula; màs he cousa 
    muyto dificil de conhecer; aindaque Duarte Nunez, 
    a chama invençã de pouca utilidade, & desnecessaria, 
    o que elle diz, nã imitaria, sendo tã nimio, ? outras 
    cousas menos importantes. T? lugar entre palavras 
    & sentenças contrarias, como nos siguintes exem-
    plos se póde notar. Nenhuma cousa he para o omem mays 
    util, que o nacer; & nenh?a melhor, que depressa morrer. 
    A fortuna he de vidro; & por isso quebra. Vejo muytos ri-
    cos tesoureyros de suas riquesas; por? nã senhores de seu di-
    nheyro. Felicidade se divide ? cinco partes; a primeyra he a-
    conselhar b?: a segunda ter vigor, & força ? os sentidos, & 
    ser b? compreycionado ? o corpo; a terceyra ser ditoso, ? o que 
    pomos mã, a quarta, estar perto de omens excellentes, assi ? 
    gloria, como ? fama; a quinta ter muyto dinheyro, & abun-
    dancia de todas as cousas necessarias para a vida.
       Colon perfeyto, usaremos quando temos cheya a 
    sentença, màs nã acabado o periodo; & parece que o 
    animo do que ouve fica suspenso, esperando outra 
    cousa mays, que depende do que está dito, como; O 
    medo da ley nã encobre a maldade, màs tira o atrevimento a 
    licença. As cousas Christans, desde o principio ? as leys 
    & os Profetas: & nas cousas novas t? os Evangelhos, & 
    as Epistolas Apostolicas. O claro sangue de outrem nã te faz 
    nobre, se tu o nã tens.
    Tamb? usamos de dous pontos, quando na pra-
       

    pág. 217
    tica que fizemos referimos palavras de outrem, co-
    mo; Diz S Agostinho; Ignorancia he blasfemar das cou-
    sas nã entendidas. Aristoteles diz: Melhor he ser pobre 
    que ignorante. As quaes palavras começam sempre por 
    letra grande.
       Ponto final se poem na conclusã de alguma sen-
    tença, ou oraçã quando o que dizemos, & a razã, 
    que damos, está de todo cõcluida & acabada: no que 
    nã ha que errar & assi são, usados os exemplos: màs 
    he de saber, que sempre despoys de ponto, se hade es-
    crever letra grande.
    He tamb? de considerar, que ? colon perfeyto, ou 
    imperfeyto, póde comprender muytas virgulas, & o 
    ponto final muytos comas, & colõs, como; Conhe-
    cendo Socrates filosofo, que Alcibiades, mancebo fermosissi-
    mo, se começava a ensoberbecer, por rasã da riqueza, & 
    muytas propriedades, que tinha: levouo a uma parte da ci-
    dade, muy apartada da cidáde, & mostralhe ? mapa mundi: 
    & mandou que buscasse por elle a Regiã Attica sua patria. 
    disse Alcibiades: Ia a hey achado: Respondeo Socrates: poem 
    depressa os olhos ? tuas propriedades, riquezas, & erdades: 
    disse Alcibiades: ? nenhuma parte desta carta as vejo pinta-
    das: respondeo lógo Socrates: Es tu lògo o que te ensoberbe-
    ces polas propriedades & erdades, que em nenhuma parte 
    da terra se deyxam ver. E isto he o que se chama pe-
    riodo onde vay a clausula, & materia toda acabada, 
    incluindo seys membros, ou sentenças distintas per 
       

    pág. 218
    suas virgulas, colõs, & rematadas cõ o ponto final.
       Antigamente [como Ximenes advertio, ? o seu 
    Epitome] segundo consta de impressões muyto anti-
    gas, nã havia outra ordem na pontuaçã mays de que 
    cada oraçã se assinalava cõ dous pontos, que he o co-
    lon perfeyto, & serviam do que oje servem, & ser-
    vem tamb? as virgulas, & no fim da clausula o pon-
    to redondo. O que me parece b? advertir, porque 
    quando o leytor de ? semelhantes impressoens, se nã 
    embarasse.
    ________________________________________________________________
    CAP. LV.
    De outros sinaes tamb? importantes ao
    bõ escrever. 
    AL? destes sinaes ha tamb? outros para diver-
    sos efeytos, quatro dos quaes são muyto fre-
    quentes ? a escritura, & muy importantes para a boa 
    intelligencia della. Seja o primeyro, o que chama-
    mos interrogaçã, o segundo admiraçã, o terceyro pa-
    ragrafo, o quarto parentesis. E suas figuras saõ estas.
                       Interrogaçã    ?
                      Admiraçã      !
                      Parentesis   (  ).
     Paragrafo    §                  

    pág. 219
       A interogaçã, ou sinal interrogativo, que como ve-
    mos he ? s, ás avessas encima de ? ponto, assi? serve 
    para quando perguntamos alguma cousa, & se poem 
    no fim da clausula, ou sentença, ? que fazemos a per-
    gunta, como; Se vos eu digo a verdade, porque me nã cre-
    des? Qual de vos me arguira de peccado? Despoys do qual 
    sinal sempre escreveremos letra grande.
    O sinal admirativo, que quasi se parece cõ o in-
    terrogativo, senã que aquelle he enroscado como 
    cobra, & este direyto, sobre o ponto, usamos pôr tã-
    b? no fim da clausula, que pronunciamos cõ alg? 
    espanto, & admiraçã, como;   
         O grandes, & gravissimos perigos!
    O caminho da vida nunca certo!     
    Ou quando pronunciamos cõ indinaçã, assi;   
          Como, da gente illustre Portugueza
    Ha de aver, quem refute o patrio Marte!      
    O terceyro se diz parentesis, que são dous meyos 
    circulos, abertos ? para o outro, entre os quaes se in-
    clue alguma sentença, ou palavras, que se intrepoem 
    na clausula, & se pódem tirar, s? imperfeyçã do senti-
    do: & se poem assi, para denotar, que saõ alheyas, & 
    diversas daquella clausula, & que ainda que se tirem, 
    sempre a oraçã fica inteyra, como ? o seguinte ex-
    emplo se ve;   

    pág. 220
             Eu so cõ meos vasallos, & cõ esta
             (E dizendo isto arranca meya espada) 
    Defenderey &c.         
       Aonde, posto que se tire o segundo verso, sem-
    pre a oraçã fica corrente.
       Escrevemse ás vezes estes dous meyos circulos, s? 
    força de parentesis, quando queremos apontar algu-
    ma adiçã, ou declaraçã nossa, sobre a materia, que tra-
    ta alg? autor, que interpretamos.
       O quarto sinal he o paragrafo, que apontamos 
    cõ este sinal ?. & teve este T. & os juristas lhe dam 
    estoutro § He ponto de distinçã, nã de ?a clausula a 
    outra, mas de ? tratado à outro, ou de ?a materia à 
    outra, & sempre se poem no principio da cousa divi-
    dida, como ordinariamente se ve.
    ________________________________________________________________
    CAP. LIV.  
    De outros sinaes.  
    TEmos mays outros sinaes para outros diver-
    sos oficios; os quaes cõ os seus nomes saõ os 
    siguintes.
               Divisã           –             Antigrafo     ?
    Angulo         ?             Asterisco         *           

    pág. 221
               Apices          ..        Obelisco         (
               Hypheu          ?         Bracchia.         ?
    Antyphen, ou Hypodiastole         ?.           
       Este sinal – que chamamos divisã, se poem no fim 
    da regra, quando acerca de algum vocabulo nã ca-
    ber ali inteyro, & se hade partir, para nota de que a si-
    laba ou silabas, que cõ o tal sinal se apartam, perten-
    c? á silaba, ou silabas da regra seguinte, & alguns o 
    costumam dobrar assi – & o como se hão de apartar 
    estas silabas, dizemos ? seu lugar.
       Angulo he ? sinal, ou meta, que os escritores de 
    mã usam, para denotar algumas palavras, que vão per 
    entre linha, & se poem ? na ecritura, & outro ? a 
    margem: para mostrar que naquelle lugar, onde elle 
    está, se hão de meter as palavras, que tamb? na mar-
    gem a ponta, como; A ninguem ? pequenas as 
    proprias injurias.
    Apices são dous pontos, que usamos nesta forma..
    ? antes do outro. Poemse sobre a vogal, que quere-
    mos dividir de outra immediata, & pronuncialla di-
    vidida, principalmentc ? os nomes que se equivocam 
    cõ os ditongo, como nestas palavaas, saüde, alaüde, 
    poëta, païnço, tabü, & outros muytos; por? nã ? ca-
    yado, que já dicemos como se hade escrever, & assi 
    ayo, boya, boyada, cõtra o parecer de Duarte Nu-
    nez.   


    pág. 222
       Hyphen, quer dizer uniam, ou ajuntamento, & 
    he ? sinal desta figura ?, como vimos: usase delle 
    de duas maneyras, ou ? dous casos; a saber quando ? 
    ? corpo se ajuntã duas dicções difer?tes, ficando fey-
    tas uma só, como passa ? tempo, guarda ? porta, 
    val ? verde; porto ? salvo; o que alguns usam per 
    esta risquinha ou tamb? usamos de Hyphen, quando 
    per erro escrevemos uma palavra cõ as silabas sepa-
    radas, & queremos (emmendando o erro) denotar, 
    que se hãode ajuntar ? ? corpo, para formar uma só 
    dicçã, como das referidas, por exemplo. De maneyra, 
    que he sinal de uniã, & ajuntamento, & como uma 
    consolidã de silabas.
       Contraria desta ha outra figura, que nossos orto-
    grafos chamam desuniam (eu se assi me he licito, si-
    guindo os preceytos de Horacio, & de Cicero) lhe 
    chamarey Antiphen: outros lhe chamam (se me nã 
    engano) Hypodiastole; porque he o Hyphen ás aves-
    sas, como ?, & serve de apartar letras, ou dicçoens 
    juntas, que deviam escreverse separadas: & uma, & ou-
    tra he comm? aos correctores das impressões.
    Antigrafo he outro sinal, a que nossos ortogra-
    fos chamam meyo circulo, porque assi he ?: & serve 
    para quando glosamos a sentença de alg? autor, pa-
    ra cõ elle dividirmos as palavras glosadas, das que 
    explicamos: ou quando declaramos alg? dito, incluin-
    do nelle as pallavras, ou dito: & despoys delle escreve-
    remos letra grande.   


    pág. 223
       Asterico, quer dizer estrella, & cõ ella se afigura 
    nesta forma *; da qual usaram os antigos, & se usa 
    tamb? agora, para denotar falta de palavras ? alg? 
    autor, ou mostrar as que saõ dinas de considera-
    çã; que quando saõ muytas, de ordinario se apon-
    tam pella margem, junto á propria escritura cõ ?as 
    meyas l?as, ou circulos, nesta forma ??.
       Obelisco se chama outro sinal, de obelo, que 
    quer dizer espeto, ou, como outros dizem, pequena 
    ponta de espeto, porque t? esta figura ( seb? ou-
    tros lhe dam esta | > & outros esta (–, usase para 
    sinificar palavras, ou versos adulterinos & he con-
    trario ao Asterico; porque este disigna os bõs, & o obe-
    lo, ou obelisco, os maos. E dizem, que o primeyro, que 
    usou destes sinaes foy Aristarco, ? as censuras, que 
    fez aos versos de Homero; notando os bõs, & genui-
    nos cõ o Asterico; & os maos, & adulterinos cõ o 
    obelo; & delles usaram despoys os interpretes da Sa-
    grada Escritura, para denotar alguma cousa acrecen-
    tada ? a traduçã, & q? nã estava nos originaes, como S. 
    Ieronimo, diz a Paulino; Origenis studium me provo-
    cavit, qui dictioni antiquæ translationem Theodotionis ad-
    miscui, asterisco, & obelo opus omne distinguens.
    Bracchia chamam os Gregos a uma nota, feyta 
    nesta forma ?, cõ a qual se mostra ser breve a vo-
    gal, sobreque se poem, porque sendo longa, póde ter 
    outra sinificaçã.   


    pág. 224
       De outros muytos sinaes faz mençã S. Isidro, ? 
    suas Etimologias, & tamb? Probo Goltrez, Manucio, 
    & Bern. Brisson, algumas das quaes tras Ioã Bautista 
    Porta, ? o livro de occultis literarum notis, que deyxo, 
    porque nã sey se os teraõ nossas emprentas.
    ________________________________________________________________
    CAP. LVII.
    Das abreviaturas.
    AS abreviaturas necessario he que sejam de ma-
    neyra, que polas letra, que se puzerem, fique 
    manifesto, que palavras saõ. Os Latinos punham le-
    tra por parte, de que trazem os exemplos siguintes; 
    d, de; e, ea; r, re; i, ita: c, censuerant, & semelhantes; assi 
    por Marco Tullio Cicero, M. T. C. por Aulo Gelio, A. 
    G. acerca do que diz o Ximenes ? seu Epitome, cap. 
    7. que ainda que os Romanos, & todas suas cousas 
    foram prudentes & sabios, nesta pareceram barbaros 
    ou enimaticos. Porque uma das propriedades (diz) 
    que hade ter, o que se falla, ou escreve, ha de ser a cla-
    ridade, & facilidade ? deyxarse entender, como seu 
    Cicero o deyxou por preceyto ? seu orador, & Aris-
    toteles. E he cousa chan, que de nã se entender uma 
    cousa cõ facilidade, se causa enfado, & se deyxa assi: 
    como diz? de ? santo, que chegando a ? lugar escuro 


    pág. 225
    de ? poeta antigo, disse. Nã quis deyxarte entender, 
    n? eu quero entenderte. Atéqui Ximenez: màs que 
    dissera se vira a poesia de nossos tempos? contra a 
    qual, fez ó Cevola Sammarthano este epigrama, que 
    para os curiosos me pareceo aqui por;
         Quid juvat obscuris involvere scripta latebris?
    Ne pateant animi sensa tacere potes.       
       Entre nós está ?  uso S. por Senhor; V. S. Vossa Se-
    nhoria. V. A. Vossa Alteza; V. E. Vossa Excellencia, 
    V. M. Vossa Merce; V. P. Vossa Paternidade; V. R. 
    Vossa Reverencia; & por ElRey Nosso Senhor El-
    R. N. S. A. por autor R. reo. P. pede; R. M. receberá 
    merce, & justiça cõ mays u I.
       Outras vezes se costumam por mays letras, como 
    C. Iul. Cæs. por Caio Iulio Cæsar. Por Quinto Fabio 
    Maximo; Q Fab. Max Por suplicante, supe. Por Vir-
    gilio, Virg. Horacio, Hor. Ovidio, Ov.
       Algumas abreviaduras se fazem ? regra direyta 
    cõ ? til, como M?a, ph?a, snçã, por misericordia, filo-
    sofia, sentença, & outras taes.
       Outras tamb? se costumam por per entre linha, 
    contra o parecer de Duarte Nunez, como. Anto. Frco. 
    Mel. Po. &c. por Antonio, Francisco, Manoel, Pedro. 
    Dos Patronimicos, ou sobre nomes, dicemos já ? ou-
    tro lugar.
    Tamb? por evitar prolixidade de escritura se cos-
       

    pág. 226
    tuma escrever os numeros per notas, & cifras Roma-
    nas, como I. II. III. IIII. V. & de aqui até nove vã põ-
    do este V, cõ um, ou mays I. como he necessario; & 
    se antes de V. poem I. ou mays, ainda que se nã usa 
    passar de ?, sinifica quatro; porque aonde se po? an-
    tes da letra capital de tal, ou tal numero, tal ou tal ci-
    fra, fica essa letra capital valendo menos, o que essa 
    cifra val: como agora X. val dez; se antes se puzer I. ou 
    II. &c. tanto valerá menos o X. L. val cincoenta, a le-
    tra que se puzer antes, terá menos de valor; se puzer 
    X. assi XL. valerá o L. quarenta; se VL. valerá quar?-
    ta & cinco. C. val cento, se tiver X. ou V. ou L. ou qual-
    quer das outras cifras ãtes, tanto valerá menos; assi ? 
    D. que val quinhentos, M. que val mil, como ja dice-
    mos, & assi nã ha paraque ? al nos detenhamos. O 
    que advertimos he, que querendo fazer as ditas abre-
    viaturas, pellas cifras do algarismo comm?, que di-
    zem foy invençã de Alguer [donde se deduzio o no-
    me] que as fabulas fingem nacido do sangue do dra-
    gã, que guardava os jard?s das Hesperides, o poderão 
    fazer, cõ tanto que nã misturem umas figuras cõ ou-
    tras; a saber, querendo por doze, escrever X2. n? tã 
    pouco diremos a XX. de Ianeyro de 1670. senã de 
    M. DC. LXX. ou a 20. de Ianeyro de 1670.
    N? tãpouco por abreviarmos, escreveremos as le-
    tras numeraes, quãdo nã denotam numero, como por 
    primeyro 1º. por seg?do Platã, 2º. Platã. 3º. por tercey-
       

    pág. 227
    ro, &c. porque no primeyro o numero he adverbio, 
    que sinifica antes, no segundo preposiçã, que quer di-
    zer acerca; & o terceyro sinifica intercessor, & media-
    neyro, & assi os de mays, porque ja vi ? uma carta; 
    Mandayme ? 4º. de vº. De modo que nã devemos 
    escrever per cifra, senã quando denotarmos numero.
    ________________________________________________________________
    CAP. LVIII.
    Breve recopilaçã de nossa ortografia.
    ORtografia he arte de b? escrever. Devemos es-
    crever, como pronunciamos, & pronunciar 
    como escrevemos. Nã poremos letra de mays n? de 
    menos. São ao todo vinte & tres; tantas mayusculas, 
    como minusculas. Das maysculas usaremos no prin-
    cipio da escritura, dos nomes proprios, das clausulas, 
    & despoys de ponto final; de interrogaçã, & interjey-
    çã. As vogaes saõ seys, as consoantes dezasete; das vo-
    gaes se fazem desanove ditongos: nã se deve dobrar 
    vogal alguma; das consoantes l. m. n. r. s. t. onde a ore-
    lha o pedir. Antes de B. P. M. sempre escreveremos 
    M. N? vogal, n? consoante se aspira, salvo para me-
    lhor intelligencia da dicçã ? os nomes peregrinos, 
    que s? aspiraçã ficarem desconhecidos. Nenh? nome 
    ? ã no plural acabaremos ? ays, màs ? aes, & pelo con-


    pág. 228
    trario, nenhuma pessoa de verbo alg? ? aes, màs ? ays. 
    Cada vogal faz per si só silaba, se n? he ditongo, & 
    as consoantes, per si, por muytas que sejam, nã fazem 
    ?a silaba; màs podemse ajuntar á vogal até quatro ? 
    nossa lingoagem. Dividiremos as silabas cõ as letras, 
    cõ que as pronunciamos. No principio da dicçã nã se 
    dobra consoante; n? no meyo se poem dobrada, des-
    poys de outra: n? tãpouco se po? dobrada ? o fim. 
    Temos tres acentos, agudo, grave, & circunflexo, & 
    outros sinaes para boa intelligencia da oraçã, & são 
    ao todo dezasete, a saber; Apostrofo, coma, colon 
    imperfeyto, colon perfeyto, periodo, interrogaçã, ad-
    miraçã, paragrafo, parentesis, divisã, Apices, Hyphen, 
    Hypediastole, antigrafo, Asterisco, obelisco, bracchia.

     

     

     


    pág. 229
    REGRAS GERAES
    DA
    ORTOGRAFIA PORTVGVEZA,
    per o Licenciado Duarte Nunez, cõ a 
    reposta do Autor á margem.
       
    DUARTE NUNEZ.
    Regra I.

    O AUTOR DESTA OBRA
    DO que tratey ? 
    particular da for-
    ça, & natureza de cada le-
    tra, podemos infirir a pri-
    meyra regra da Ortogra-
    fia da lingoa Portugueza; 
    que assi hemos de escre-
    ver, como pronunciar: & 
    assi hemos de pronun-
    ciar, como escrevemos.
    1. DOutrina he do
    grãde Ioã de Bar-
    ros ? sua ortografia, & de 
    todos os que della escreve-
    ram, como cousa posta ? a ra-
    zã. E porque o Licenciado 
    Duarte Nunez, escreveo ao
    contrario do que diz, me pa-
    receo acertado por aqui as
    suas mesmas regras, & mos-
    trar a qu? as ler, aonde se 

     

    pág. 230


    desviou do que diz, & confir-
    mam os mays doutos; para
    advertir aos que por este lite-
    rario mar navegam, os bay-
    xos, onde podem perigar, por-
    que se desviem delles.
    Regra II.


       Desta primeyra regra 
    se infere, que nunca na 
    scritura accrecentemos, 
    nem mudemos letras a 
    diçaõ alguma 1. Queren-
    donos accommodar a 
    origem, & scritura Lati-
    na. Porque isso he fazer 
    nova lingoagem, & mu-
    dar a commum, & usada, 
    que fallamos. Porque 
    não conciste a policia da 
    lingua Portugueza, em 
    as palavras ser? m?y cõ-
    junctas, & parecidas com 
    as latinas. 2. Mas antes 
    quanto nos desviamos da 
    Latina, tanto fica teendo 
    mais graça, & sendo mais 

       
       
       Poys se isso he assi, como
    ? efeyto deve ser, paraque es-
    creve todo este mesmo verbo 
    alatinadamente, como ? todas 
    suas obras se ve? dizendo s?-
    pre scritura, screver, ? todos
    os mays tempos & pessoas,
    devendo de dizer, Escritura
    cõ E, no principio, & sem p.
    antes do t, escrevo, escreves,
    escreve. &c.
       2. Contra isto he o com-
    m? dos doutores ? a nossa
    lingua; cujo parecer he, que
    tanto t? ella mays de excel-


    pág. 231

    nossa, como tambem di-
    zem os Italianos da sua. 
    Os quaes achegada aa 
    Latina chamaõ pedantes-
    ca, que quer dizer lingoa 
    de pascasios. Polo que 
    nojenta scritura, & fóra 
    de razão a dos que diz?. 
    3. Princepsa, por princesa; 
    & epse, por esse; & oolho, 
    por olho; & cõptar, por 
    contar, por ser mays con-
    forme ao Latim. Porque 
    sendo a nossa lingoa cor-

    lencia sobre as outras, quan-
    do mays se chega ao Latim; 
    donde o nosso poeta fallan-
    do de Venus acerca da lin-
    gua Portuguesa diz; na
    qual quando imagina cõ 
    pouca corrupçã cre que he 
    Latina.
       3. Nã encontrey atégora 
    tal escritura, màs he pouco 
    diferente da que elle usa, co-
    mo logo veremos.
    rupta da Latina, & fazendonos desta corrução nova 
    lingoa propria, & peculiar nossa, que pelo uso se foi 

    derivando, & introdu-
    zindo. 4. não hemos de 
    mudar, nem trocer os 


    4. Advirtase este periodo.
    vocabulos, do soido, & uso cõmum. Que as palavras 
    saõ como as moedas, que não valem senão as corren-
    tes, & as que estão em uso. E de outra maneira se fosse 
    melhor reduzirmos as palavras todas ao Latim, & por 
    este podessemos dizer epse, tamb? diriamos por elle, 
    ille, & por agua, aqua, & assi ficariamos fallando tu-
    do Latinam?te. Qua menos mudãça he, cõverter h?a 

     

    pág. 232
        

    letra ã outra sua 5. assim, 
    que accrescentarlhe ou-
    tra diferente. Poloque 
    fique por regra, que aa 

       5. Que palavra mays fò-
    ra do uso comm?, poys he me-ramente Latina, de affinis.
    commum prononciação, não acrescentemos, nem 
    deminuamos nem mudemos letra alguma. Mas que 
    na scriptura sigamos a corrupção dos vocabulos cor-

    ruptos, & não a origem, 
    & digamos p?tem, & não 
    pectem; 6. feito, & não 
    fecto, contar, & não cõp-
    tar; pois ja estão corrup-


       6. Notese para o que adiã-
    te diz.
       
    tos. No que se deve advertir, que alguns vocabulos 
    ha, que descendendo todos de hum primitivo, em 
    huns siguimos a scriptura Latina, & em outros a cor-
    rupta: porque na verdade os pronunciamos assi dif-
    ferentemente. Porque huns vocabulos corrompemos. 
    & outros deixamos incorruptos, que pola maior par-

    te saõ os de que a gente 
    vulgar não usa tanto. 
    Porque screvemos 7. in-
    signe, significar, & signi-
    ficação, com g. porque 
    estão incorruptos, mas 
    sinal, sinete, assinar, sem 
    g, por estarem corruptos, 
    sendo certo, que todos 


       7. Todos estes, & outros 
    taes, se dev? de escrever s? g 
    & nã ha porque reparar 
    ? insine, que nã se equivo-
    ca cõ a terceyra pessoa do im-perativo do verbo ensino, 
    porque se escreve per e. 

     

    pág. 233

    descendem de signum. E 
    escrevemos unidade sem 
    aspiraçã, por estar quasi 
    incorrupto, & o primei-
    ro ser unus. Mas 9 h?, & 
    h?a, escreveremos cõ ella 
    pello costume, que não 
    carece de razão. Porque 
    se 10. dixeramos, um, & 
    ?as, ?a, & ?as aa duvida, 
    por se encontrarem com 
    outras diçoens de diffe-
    rente sinificado. O que 

    8. Este escreveremos cõ 
    g por se nã equivocar cõ si-
    no de tanger nas Igrejas.   
    9. Tamb? estes escreve-
    remos s? aspiraçã, porque se 
    nã equivocam com outros.    
       10. Diceramos, com c, 
    & nã com x como sempre 
    faz neste verbo ? as pessoas, 
    que se dirivam do preterito.
    tambem fazemos em o verbo sustantivo, he, per se 
    desencontrar do e, conjunção.
       Item se deve advertir, que aquelles vocabulos 
    poderemos escrever cõ ortographia Latina, que a har-
    mos incorruptos. E incorruptos chamo a quelles, em 
    q? não está mudado mais, que a terminação final, que 

    he geral em todas as lin-
    goas corruptas. Polo que 
    se hade screver 11. officio 
    com dous ff porque of-
    ficium se screve assi. E 
    se screvermos 12. docto, 
    doctor, doctrina, precep-
    to, preceptor, pecto, pe-

       11. Do mesmo modo nos 
    soa ? a orelha officio com 
    dous ff, & oficio com ? f. 
    & assi nã ha para que o do-
    bremos.
       12. Dizem que ? Rey 
    de Escocia fizera ?a junta 
    de Theologos Catholicos Ro-


    pág. 234

    ctoral, prefecto, contra-
    cto, usufructo, & outros 
    taes. E se alguns de ore-
    lhas mays mimosas dixe-
    rem, que lhes soa melhor, 
    pronunciarse estes como 
    corruptos & dizer douto, 
    doutor, doutrina, noute, 
    ou noite, peito, prefeito, 
    não lho estranharia. Por-
    que na verdade, a pron?-
    ciação daquelles voca-
    bulos, & de outros seme-
    lhantes, alguns o fazem 
    sem c. Mas por estarem 
    tam inteiros na forma 
    Latina, eu os não escreve-
    ria senão per c, que o u-
    so tudo vem a violentar, 
    & fazer corrente. Polo-
    que a cada hum fique, 
    escrevelos como os pro-
    nuncia. Mas os versifica-
    dores, cujo trabalho he 
    buscar cõsoantes, pode-
    rão escrever de h?a ma-
    neira, ou d‘outra.
    manos, & de outros Here-
    ges; & lhes mando que dis-
    putassem todos sobre qual 
    ley era melhor, se a dos Ro-
    manos, se a outra: para o que 
    lhe asinou certo tempo, & 
    que no cabo delle os chama-
    ra, & lhes preguntara seus 
    pareceres. Disseram os He-reges, que tamb? ? a fé dos Catholicos Romanos se po-
    diam salvar, & os Roma-
    nos afirmaram, que na Ca-
    tholica Romana, & ? ne-
    nhuma outra podia aver 
    salvaçã, & que o Rey Es-
    cocez dicera entã, que poys 
    esta tinha persi todos os vo-
    tos, esta só queria siguir, & 
    fez b?, assi digo tamb?, que o 
    Licenciado Duarte Nunez 
    diz ? o lugar citado numero 
    12. que se ha de escrever do-
    cto, doctor, doctrina, precep-
    to preceptor, pecto, &c. màs 
    que tamb? se podem escrever 
    douto, doutor, doutrina, &c.


    pág. 235

    Sigamos poys esta regra, poys t? persi todos os votos, o seu, 
    & meu, & na verdade o de todos; porque que cousa podia 
    ser agora mays redicula, que fallarmos da maneyra, que elle 
    aqui escreve, docto, doctor doctrina pecto, &c. E zombando 
    elle tanto nesta regra, onde apontamos o numero 6. de qu? 
    escreve fecto por feyto, elle escreve pecto, por peyto: ? os 
    quaes eu acho pouca diferença, & ninguem, cuydo lhes acha-
    rá muyta.

    Regra III.


       Item se infere da so-
    bredita regra, que na scri-
    tura não ponhamos le-
    tras, que não se hajaõ de 
    pronunciar, & de que as 
    mesmas palavras não cõ-
    stão, como os vulgares 
    fazem no nome de Chri-
    sto, que escrevem com X. 
    & P. dizendo Xpó, Xpó-
    vão não sendo estas di-
    ções compostas d‘aquel-
    las letras. No qual erro 
    tiveraõ esta occasiaõ de 
    cair, que os Gregos scre-
    viaõ o nome de Christo 

       1. O mesmo foy ocasiã 
    de o Autor cair ? o que caio; 
    porque a razã que ouve pa-
    ra o nome de Christo se 
    escrever abreviadamente 
    Xpõ foy polo Labaro, que 
    o grande Constantino, man-
    dou efigiar ? suas band y as 
    & estendartes, despoys da-
    quella gloriosa vitoria, que 
    teve contra o tirano Max?-
    cio por haver antes visto ? 
    o Ceo ao meyodia uma cruz 
    cõ umas letras ao redor del-
    las, que diziam, in hoc sig-
    no vince, vence neste sinal,

     

    pág. 236

    cõ suas letras capitaes as-
    si ???, como se em le-
    tras Latinas dixessem 
    CHRS E como este san-
    tissimo nome por a cele-
    bridade, & frequencia 
    delle, servia de figura tã-
    to como de letras, como 
    agora
    IH?S.
    Que escrito em letras ca-
    bidolas, o entendem os 
    que naõ sabem leer, os 
    mesmos Latinos o scre-
    viaõ com as mesmas le-
    tras Gregas. Mas os scrip-
    tores indoctos despoys 
    não entendendo os cha-
    racteres Gregos, cuida-
    rão, que erão as letras 
    Latinas, & que o X. era 
    x. & que o P. era o p. nos-
    so, não sendo assi. Por-
    que esta figura X. he o c. 
    aspirado dos Gregos S. 
    ch, & P he o seu R. por-
    que saõ duas letras assi na 

    A qual Labaro se assina-
    va assi;
    ? ? ?
    Da qual o poeta Prud?-
    cio, fallando com Roma diz  
    assi, contra Symachum.   
    Agnoscas Regina Iub?s 
    mea signa necesse est,
    In quibus effigies crucis, 
    aut g?mata refulget, 
    Aut longis solido ex au-
    ro praefertur in hastis.
    E logo mays abayxo;   
    Christus purpureum g?-
    manti textus in auro
    Signabat Labarum.
       Acerca do que se póde 
    ver a Zonaras, ? Constanti-
    no, & Eusebio lib. 1. cap. 25. 
    da vida de Constantino, &

     

    pág. 237

    figura differentes das cor-
    respond?tes Latinas, Po-
    loque enganados com 
    os ditos characteres, scre-
    vião despoys Xpó, & 
    Xpóvaõ, não entrando 
    em taes nomes x nem 
    p, & da mesma maneira 
    se ouverão com o nome 
    de Iesu, porque screven-
    doo os Gregos abreviado 
    desta maneyra, I??, 
    cuidaraõ que a letra do 
    meo era h, nota de aspi-
    piração, não sendo assi 
    senaõ E. letra vogal dos 
    Gregos, que pronuncia-
    mos como e, longo, co-
    mo se dixerão
    IES.
       D‘onde veo, screverem 
    este divino nome cõ h. 
    não o tendo, assi IHESV, 
    notãdo com cinquo figu-
    ras de letras o nome tetra 
    grãmatõ, que he de qua-
    tro, por secreto mysterio.
    tamb? a Iusto Lipsio lib. 3. 
    de Cruce, cap. 25. & 26. E 
    assi vendo o vulgo a Cruz, entenderam, que era X, por-
    que assi se assinalla; cõ o p. & 
    o Omega, que adiànte t?, for-
    ma cõ o nome Xpõ, por 
    Christo: aquella A, & ? 
    era uma sinificaçã do mesmo 
    Deos, como consta do A-
    pocalypse adõde para o mes-
    mo Deos dizer que he prin-
    cipio, s? principio, & fim s? 
    fim de todas as cousas, diz, 
    Ego s? Alpha, & Ome-
    ga: porque Alpha he a pri-
    meyra letra, & Omega a 
    ultima do Alfabeto Grego, 
    como dicemos ? o cap. 15 As-
    si que o enganado ? a dita a-breviatura Xpó foy o Lic?-
    ciado Duarte Nunez, que 
    nã advertio na historia, que 
    deo fundamento ao uso vul-
    gar de semelhante escritura. 
    Màs o nome de Christo ? 
    Grego se escreve, XPEI?-
    ??. O de Jesus, segundo os 


    pág. 238

    versos que a Sylalba Cumea fez do fim do mundo, IH?-
    OT?: aindaque na Cruz do mesmo Senhor se poz desta 
    maneyra, ?????? ???????Ù ????????? ?? ??????? 
    E jà que puzemos o letreyro ? Grego, ponhamolo tamb? ? 
    Hebreo, màs cõ letras Latinas, porque ainda que na Oficina 
    aonde se ha de imprimir esta obra ha todos os caracteres, 
    nã so Latinos, & Gregos, màs tamb? os Hebraicos, cõ tã-
    ta perfeyçã, como ? as mays ricas Oficinas de Flandes, & 
    França, eu me nã atrevo a escrevellas cõ perfeyçã; & assi 
    ? as Latinas diz assi; Iesuah, Nosei, Milech, Iehudim, 
    ? Latim seb? sabidas até do vulgo que o nã entende, 
    Iesus Nazarenus, Rex Iudæorum: que tudo ? Portuguez 
    soa, Iesus Nazareno, Rey dos Iudeos. E foy escrito ? es-
    tas tres linguas, paraque fosse conhecido ? todo o mundo, & 
    nã ouvesse pessoa, que o nã entendesse. O Tetagrammaton, 
    de que o Autor faz mençã he ? dos dez nomes, cõ que os 
    Hebreos chamaram a Deos, & sinifica segundo S. Ieronimo 
    inefavel, & se forma destas quatro letras, Iod, he, vau, la, 
    que v? a ser I. h. v. h. o misterio dos quaes, nã he para se 
    explicar ? este lugar.

    Regra IV.

       
       1. Item se infere, que 
    devemos fugir ao abuso, 
    que alguns tem por se cõ-
    formarem com o Latim 

       1. Nã cessa nosso Autor 
    de reprender aos que se cõ-
    formam tanto ? o Latim na 
    escritura, como elle diz; sen-

     


    pág. 239

    na scriptura, os quaes screvem crux, por cruz, & 
    vox, por voz, pax, por paz 
    perdix por perdiz. No 
    que erraõ de duas ma-
    neyras, a huma porque 
    screvem differente do-

    do elle que mays o usa como 
    por estas suas regras se pòde 
    ver; que refiro, nã para se 
    imitarem, màs para dellas 
    fugirem.
    que pronunciaõ (o que não deve, nem póde ser) 
    a outra porque quando viessem formar os pluraes 
    dos taes nomes, era necessario, que dixessem de vox, 
    voxes, & de crux, cruxes, & de pax, paxes, & de per-
    dix, perdixes, porque a formação dos Hespanhoes 
    nos pluraes he acrescentar aos dictos nomes, & aos 

    mais dos acabados em 
    consoantes, h? es, 2. so-
    bre a terminação do sin-
    gular. Poloque acrecen-
    tando a pax, as ditas le-
    tras, dirá paxes, & de vox, 
    se dirá voxes, & de crux, 
    cruxes. Assi que fique por 
    regra, que todo o nome 


       2. Nã he regra geral, 
    porque se a feliz, se acrecen-
    tar ? es, dirà felices; mudan-
    do tamb?, felices, o z ? c, assi 
    de atroz, atroces, de tenaz, 
    tenaces, & de feroz, fero-
    ces, &c.

    Latino em x, de que os Portuguezes usam, converte 
    o x, em z, como cruz, luz, paz, perdiz, verniz, fez atroz, 
    o que como digo se entende dos nomes Latinos, 
    que a lingoagem toma, sem outra corrupsão. Porque 
    muytos se acabão em x, acerca dos Latinos que não 

     

    pág. 240

    screvemos cõ z; em Portuguez, porque estão corrup-
    tos, & mudados. Qua de Rex, dizemos Rey, & de 

    grex, grey, & de lex, ley, &
    de sex seys, & de dux, du-
    que, & de nox, 3. nocte, 
    & outros que de outra 
    maneira stão corruptos.

       3. Eysaqui como o Au-
    tor se chega ao Latim mays 
    que todos, porque a ningu?, 
    senão a elle, ouvi dizer, n? 
    escrever nocte.
    Regra V.


    1. Ainda que diga-
    mos que os nomes Por.
    tuguezes haviam em tu-
    do de seguir a ortogra-
    phia Latina, naõ sejamos 
    tão supersticiosos, que al-
    guma diçaõ, que ja he 
    feita Portugueza, ainda-
    que stee inteira Latina, 
    screvamos com diphtõ-
    go de æ, nem de œ, dizen-
    do, ædificio, hærdeiro, 
    æstio, Ætiopia, pæna, fæ-
    no, porque nem nossa 
    lingua os recebe, nem a 
    nossas orelhas soaõ mais 
    que c. Mas diremos, edi- 

    1. Cada lingua t? sua 
    ortografia diversa, & assi 
    nã samos obrigados siguir a 
    Latina, seb? iremos arrima-
    dos a ella, pola analogia, que 
    a nossa lhe reconhece . Por? 
    nã cõ tanta superstiçã (por u-
    sar de suas palavras) como 
    o Licenciado Duarte Nu-
    nez o faz; n? he necessario ? 
    nenh? nome ja mays, Grego, 
    ou Latino, usarmos de diton-
    go ae, n? oe, porque mayor 
    confuzã farã os taes diton-
    gos, aqu? delles nã tiver co-nhecimento, que os taes no-
    mes, que elle aponta, & ou-

     

    pág. 241

    ficio, herdeyro, estio, 
    Ethiopia, pena, feno. E só-
    mente poderemos scre-
    ver com diphtongo; os 
    nomes proprios Latinos, 
    ou Gregos, que o tiver?, 
    que não forem mui usa-
    dos, paraque nos não fa-
    ção duvida, & entenda-
    mos de que se falla, como 
    Oenone, Oedipo, Ælio, 
    polla razão, que demos, 
    no capitulo da letra I.

    tros semelhantes, escrevendo-
    se cõ E, como se devem escre-
    ver, assi como, Enone, Edipo, 
    Elio: & assi os acharã ? to-
    dos os Autores romanistas.
    Regra VI.

    Resposta.
       Que não sigamos o a-
    buso, de acrescentar a to-
    das as dições Latinas, que 
    começão em s. h? e, faz?-
    doos sempre demais h?a 
    sillaba, do que te? de sua 
    colheita. Porque dizem 
    vulgarmente escrivaõ, 
    esperança, espirito, Este-
    vão, & outros infinitos. 
    O que he grande erro, &
       Em nenhuma cousa ver- dadeyramente achey a este 
    Autor mays despropositado, 
    que nesta regra, & assi ad-
    virto que tudo o que se nella comprende, se deve fazer ao 
    revez. Porque de outro mo-
    do toda nossa poesia (como ja noutro lugar dice) & a Ca-
    stelhana fôra errada. E nã 
    obsta, que os Italianos es-

     

    pág. 242

    maa maneyra de screver. 
    E o que enganou aos vul-
    gares foy, que o s. como 
    he mays asovio, que letra, 
    da huma aparencia de 
    lhe preceder hum e. Mas 
    os doctos, que saõ os que 
    fazem o costume não saõ 
    os que screvem assi. E 
    assi vemos que os Italia-
    nos, & Francezes, que da 
    mesma maneira tomaraõ 
    dos Latinos as dictas di-
    ções, não as screvem, nem 
    pronunciam per e. No 
    qual erro a gente Caste-
    lhana tambem cae. Assi 
    que hemos de dizer, sta-
    do, studo, star, statua, Ste-
    vão, Spirito, sperar, scrip-
    tura, scrivão, &c.
    crevam as ditas diçoens co-
    mo os Latinos, porque como 
    dice cada lingua t? sua orto-
    grafia propria; màs quanto 
    os Francezes, enganouse o 
    Autor, & b? mostrou ser 
    pouco versado ? a lingua 
    Francesa, porque elles escre-
    vem per e, como nos; & assi 
    dizem Eschele, escole, escri-
    re, escrit, escume, esperance, espece, espouse, estat, estoyle, 
    por escada, escola, escrever, escrito,escuma,esperança,es-
    pecie, esposa, estado, estrella, 
    & semelhantes, & nos nã 
    hemos de dizer stado, studo, 
    star, statua, Stevam, spirito, 
    sperar, scriptura, scrivã, co-
    mo o Autor diz, màs estado, 
    estudo, estar, estatua, Estevã, espirito, esperar, escritura, 
    escrivã, & he erro afirmar 
    o contrario.

     


    pág. 243

    Regra VII.

    Resposta.
       Que não soomente 
    os vocabulos Portugue-
    zes, que staõ inteiros, co-
    mo no Latim, mas os cor-
    ruptos, no que não sti-
    verem mudados, devem 
    guardar a mesma orto-
    grafia. Demaneira que 
    assi como stela dobra o l. 
    em Latim, assi o dobrará 
    stella em Porruguez. E 
    assi como dizem gut-
    ta, dizemos gotta, & co-
    mo dizem spissus, dize-
    mos spesso.
       Acerca do dobrar das le-
    tras, se deve advertir (como 
    jà temos dito) o que na o-
    relha soa. E se soar como do-
    brada se dobrara; màs se tan-
    to soar dobrada, como sin-
    gella, nã he necessario que se 
    dobre, Stella ? a lingua La-
    tina, soa como ? a Portugue-
    za ella, màs estrela ? Por-
    tuguez, cõ ? l. soa como que-
    rela, & assi nã ha paraque 
    se lhe dobre o l. Em gotta ha 
    outra razã; & nã dobrarà 
    o t, porque o Latino o dobra 
    ? gutta, màs porque cõ ? t.

    soarà o o. cõ mays força. como ? bota,cota. E assi bota calçado 
    se escreverà cõ ? t & bota, cousa que t? perdido seu vigor, 
    cõ dous tt, porque senã faz ? o o tanta impressã como ? bota, 
    calçado, cota, nota, devota &c. & espesso, que escreveremos 
    cõ e, ? o principio, & cõ dous ss, he porque ? s, entre duas vo-
    gaes val por z como ? seu lugar dicemos.

     


    pág. 244

    Regra VIII.


       Que esta particula se, 
    junta aos verbos da ter-
    ceira pessoa do singular 
    de qualquer tempo, faz 
    que signifiquem pasiva-
    mente, ou impersoalmen-
    te, por arrodeo, por falta 
    de palavras, de que a lin-
    goa Hespanhola carece. 
    Porque em lugar de a-
    matur, & amabatur im-
    persoal, dizemos amase, 
    amavase; & em lugar de 
    amatur da voz passiva, 
    dizemos tambem amase 
    ? lugar de he amado, co-
    mo dizemos, a virtude a-
    mase dos bons. A qual 
    particula se, devemos 
    screver separada, & por 
    ? s, no que vulgarmente 
    os mais erraõ, & dizem, 
    digasse, façasse, passasse, 
    naõ attentando, que al-

       O mesmo he às tercey-
    pessoas do plural, porque ? 
    lugar de amãtur, amabãtur, impessoaes, tamb? dizemos 
    amãose, amavãose, & que 
    se hajam estes, & outros taes
    escrever cõ ? s, he cousa cla-ra, porque cõ dous ss, t? diver-
    sa sinificaçã.
       Nã posso deyxar de ac-
    cusar este Autor ? as regras 
    de sua ortografia: porque re-prendendo tanto aos que se 
    querem mostrar Latinos, el-
    le o faz cõ excesso, & tanto, 
    que vem a fallar barbaris-
    mamente. Dizem os Lati-
    nos personalis, personaliter, 
    elle tamb? personal, personal
    mente, como se nós dicesse-
    mos persona, & nã pessoa, 
    donde devemos dizer pessoal, 
    & pessoalmente. Dizem os 
    Latinos, postponimus, elle a 

     

    pág. 245

    terão assi as silalbas na 
    quantidade, & mudaõ o 
    accento, & de duas di-
    ções faz? huma, & cau-
    são confusão no signifi-
    cado: Poloque assi como 
    dizemos aquilo se ama 
    prepoendo o, se, assi he-
    mos de dizer separada-
    mente amase, quando o 
    postpoemos, & com h? 
    s, somente, como faz se, 
    diz se, navega se, ajunta 
    se, pode se, passe se.
    sua imitaçã, postpoemos, for-
    mando de mays a mays ? o ditongado cõ ? e, s? tõ, n? sõ 
    contra toda a boa pronuncia-
    çã. & assi diz propoendo, ? 
    lugar de propondo, poemos, 
    ? lugar de pomos, & cousas semelhantes Diz tamb? lin-
    gua Espanhol, fazendo o ad-
    jetivo Espanhol de uma sò 
    forma, & comm? de dous, 
    como se nã tivera a feminina Espanhola. O tocante aos 
    verbos passivos fica tratado 
    ? seu lugar.

    Regra IX.
    Resposta.

       Que não confunda-
    mos esta particula, ou 
    preposição, de, cõ as di-
    ções, a que se ajunta, que 
    começão em vogal. E 
    que aindaque o e, da 
    dicta particula, se haja de 
    elidir, & comer na pro-
    nunciação, que se não 

       Acerca disto temos jà 
    dito o que nos pareceo nece-
    sario: màs torno advertir, 
    que a particula, ou preposi-
    çã de, & as particulas no, 
    na, que são os articulos, o, a, 
    cõ a preposiçã em, & nã en, 
    como o Autor diz, por se cõ-
    formar cõ o Latim, de que 

     

    pág. 246

    coma na scriptura, que he 
    cousa fea, &. barbara. Por-
    que screvem vulgarm?-
    te a cidade devora, an-
    nel douro, homem dar-
    mas, delle, della, tudo li-
    gado, como se fosse h?a 
    diçã, havendo de dizer 
    a cidade de Evora, assi 
    como dizem de Roma, 
    anel de ouro, homem de 
    armas, de clle, de ella. E 
    ja que quizessem lógo 
    na scritura tirar o e, como 
    se tira na pronunciação, 
    façã como os Italianos, 
    & Francezes, que deno-
    tão a detracção d‘aquella 
    vogal com hum apostro-
    pho, como os Gregos 
    desta maneira, cidade d‘
    Evora, anel d‘ouro, ho-
    mem d‘armas, d‘elle, d‘el-
    la, o que parece mui bem 
    & usaõ ja alguns Hespa-
    nhoes curiosos das lin-
    goas. O que tambem fa-

    nos manda desviar, se pode-
    rã ajuntar cõ os pronomes 
    elle, esse, aquelle, &c. màs se 
    o de, nã demostrar o caso de genitivo, sempre se escreverà separado dos taes pronomes, 
    & inteyro, como se dicera-
    mos; Francisco está cego 
    dos olhos de elle estar s?-
    pre sobre os livros: & 
    semelhantes E tamb? no, na, 
    se se ouverem de refirir ao 
    articulo, como; No outro 
    tempo os omens preza-
    vãose de fallar verdade. 
    Na ora, ? que naci, &c. 
    Sempre se porão separadas, 
    porque ali se entende a pre-
    posiçã em, & o articulo o, ou 
    a; màs quãdo, no, na, servem 
    de proposiçãsomente, b? se po-
    dem ajuntar sem o apostro-
    fo, como, noutra ora, noutro tempo. E advirtase, que o 
    Autor em sua escritura ne-
    nh?a destas regras guarda.


    pág. 247

    zem nestas palavras, no, na, (que saõ a preposição 
    en, junta a articulo) quando as ajuntaõ a pronomes, 
    ou nomes começados em vogal, como n‘ste, n‘quelle 
    n‘quella, n‘ quelloutro, n‘utro, n‘algum, n‘um. Dos 
    quaes, direi no capitulo dos apostrophos.

    Regra X.
    Resposta.
       Que não usemos fal-
    lando, ou screvendo in-
    distinctamente destas 
    preposições, per, & por, 

       A doutrina de toda esta 
    regra he boa, & a que sigui-
    mos.
    nem as confundamos, como fazem vulgarmente, 
    não fazendo differença de h?a a outra, sendo entresi 
    taõ diferentes, como no Latim saõ; per & pro, que 
    t? diferente significação, & pedem diverso caso. Assi 
    que quando quisermos dizer o meo, porque se faz 
    alg?a cousa, o hemos de significar, & screver, por e-
    sta preposição per, & não por esta, por, como he 
    quando dizemos, eu vos mostrarei isto per rasões evi-
    dentes; Este livro he composto per tal author: & tudo 
    o mais que os Latinos dizem per a dita preposição.
       Màs o nosso por, poemos em lugar do pro, dos 
    Latinos, como quando dizemos; Eu vos tenho 
    por amigo; este lugar está por ElRey; trocaime este 
    livro por outro. O que não se sofria dizer assi; te-
    nhovos per amigo; este lugar está per ElRey; trocai-

     


    pág. 248

    me este livro per outro. E aas vezes se poem a mes-
    ma preposição em lugar de propter; como nestes 
    exemplos; Por a tempestade que vai, não navego: 
    fazei isto por hum vosso amigo. Postoque quando se 
    poem na dita significação polla maior parte se lhe 
    ajunta esta palavra amor, ou causa. Porque dizemos; 
    Poramor das neves nã passo os Alpes: & poramor 
    dos Turcos não passo o mar. As quaes palavras amor, 
    ou causa, nã servem de mays que de esplicar a signi-
    ficaçã da dicta preposição. Porque não te? a lingoa 
    Portugueza voz que responda a propter, & por isso 
    usão d‘aquelle rodeo E a mesma ordem se deve guar-
    dar no uso das mesmas preposições juntas aos arti-
    culos o, a, quando por bom soido mudamos o r, em 
    1, dizendo, polo amor de Deos, pola honra, pelo ca-
    minho, pela terra; porque do per, vem pelo, pela, & do 
    por, polo, pola, & a conjunção poloque, que dizemos 
    por a Latina, quapropter. De que se colige tambem, 
    que se devem de screver per hum soo l, que sucede 
    em lugar do r.

    Regra XI.

    Resposta.
       Que tiremos outro a-
    buso, de poer a letra p. 
    entre m, & n como alg?s 
    maos Hespanhoes, & pio-

       Nã poem o nosso Autor 
    o p, entre m, & n, màs poem 
    m, antes de n, que he tamb? 
    muyto grande erro; porque 

     

    pág. 249

    res Latinos fazião, que 
    screviaõ sompno, dap-
    no, solempnidade, & 
    aas vezes antes de v, con-
    soante, como scripvão, 
    screpver, & peor ainda 
    que isto dizião, sprivão, 
    sprever.
    devemos escrever sono, dano, 
    & nã somno, dãno, como fa-
    zem os Latinos. E soleni-
    dade, os Latinos o escrevem 
    cõ dous nn, & nã cõ m, antes 
    do n, como elle faz; màs 
    scripvã, screpver, nã sey quem 
    seja tã barbaro, que o faça, 
    & menos sprivã, sprever, 
    que he mayor disparate.

    Regra XII.

    Resposta.
       Que dedusamos a me-
    lhor scriptura muitas di-
    ções, que sendo Latinas, 
    & stando incorruptas em 
    muitas syllabas, & algu-
    mas em todas, tirada a da 
    terminação, lhe tiramos 
    suas letras, como saõ e-
    stas; calidade, cantidade, 
    contia, nunca, cinco, ca, 
    acolá, como adverbio 
    interrogativo, havendo 

       Em o capitulo 26. digo 
    a semelhança, que o c, t? cõ o 
    que, & como os antigos es-
    creviam ? por outro: pola 
    qual rasã S. Isidro lib. 1. cap. 
    27. diz. c. & q. similiter 
    cognatio est: &  assi dire-
    mos calidade, cantidade, con-
    tia, nunca, cinco, ca, aco-
    la, como.
    de dizer qualidade, quãtidade, quantia, nunqua, cin-
    quo, qua, aquolá, quomo.

     

    pág. 250

    Regra XIII.
    Resposta.
       Que nunca dobremos 
    a primeira letra de algu-
    ma diçã, porque a nenhu-
    ma vogal, n? consoante, 
    podem perceber duas le-
    tras semelhantes, porque 
    a primeira não teeria vo-
    gal, que ferir, nem letra, a 
    que se ajuntar, o que naõ 
    póde ser, & pela mesma 
    rasão, não dobraremos a 
    letra final de alguma pa-
    lavra: porque a ultima 
    naõ teria vogal, a que fos-
    se atada, assi que errão 
    os que screvem, llouren-
    ço, rrei, & Elrrey, quall, 
    nill, & outros assi.
       
       Mays facilmente; nunca 
    dobraremos a primeyra le-
    tra, n? a final, o que se deve 
    guardar não so ? as consoan-
    tes, màs tamb? ? as vogaes, 
    assi nã escreveremos arr, maa 
    paa, vee, see, fee, lij, vij, corrij 
    noo, loo, poo, nuu, cruu, muu, 
    màs ar, ma, pa, ve, se, fe, li, vi, 
    li, corri, no, so, po, nu, cru, mu, 
    &c.
    Regra XIV.

    Resposta.
       Que por abreviar a 
    scriptura, não screvere-
    mos per notas numeraes, 

       A doutrina desta regra he 
    verdadeyra, & nã se me o-
    ferece, que advertir acerca 
    della.

     

    pág. 251

    ou de algarismo as palavras, que não denotam nu-
    mero, como fazem alguns por ignorancia da lingoa 
    Latina, & da propriedade, & natureza das palavras, 
    guiadas do som dellas, & não da significação. Por-
    que dizem; Não vos vades, sem 1º. fallar comigo. E 
    por dizerem, segundo Platam, dizem 2º. Platam. E 
    por dizerem; eu serei neste negocio bom terceiro, 
    screvem 3º. o que he grande erro, & fealdade da scrip-
    tura. Porque ali a palavra primeiro, he adverbio, 
    que signfica antes; & a palavra segundo he preposi-
    çã, que quer dizer acerca; & a palavra terceiro he no-
    me que quer dizer intrecessor, & medianeiro. Polo-
    que fica claro, que naõ denotando numero não se 
    pódem screver com cifras, ou notas numeraes.

    Regra XV.

    Resposta.
       Que guardemos a a-
    nalogia, & ordem nos vo-
    cabulos dirivados, & que 
    não variemos nelles. Por-
    que dizem muitos, rin-
    deiro, vindeiro, vistido, 
    naõ respeitando os pri-
    mitivos, porque se renda 
    se screve cõ e, necessaria-
    mente, se ha de screver 
       Esta regra da analogia, 
    n? sempre he certa; porque 
    de prender (ainda que tam-
    b? dizemos prendado) nã 
    dizemos prendido, màs 
    prezo, presa, n? presã, mas 
    prizã: nem de fazer, dire-
    mos fazedor, màs feytor 
    feytura, feyto. Do verbo di-
    go, não, dizemos diges, diga-

     

    pág. 252


    assi rendeiro, que he seu 
    dirivado. E se dizemos 
    veste, & vestimenta, assi 
    vestir, & vestido, & assi 
    de venda, vendeiro. E co-
    mo dizemos pelle, tamb? 
    diremos pelliteiro, & pel-
    lica, & não pillica, nem 
    pilliteiro. E assi como di-
    zemos pomo, diremos 
    pomar, & não pumar, co-
    mo muitos dizem. E de 
    gemer, diremos gemido, 
    & não gimido. E como 
    dizemos pedir de peço, 
    diremos petição, & não 
    pitiçã, pedinte, & não pi-
    dinte. E de ferir, diremos, 
    ferimento & ferida, naõ 
    firimento, & firida. E de 
    mealha, diremos mea-
    lheiro, & não mialheiro. 
    E de meço, medes, medi-
    da, & não midida. E de 
    mento, mentes, mentira, 
    & não mintira: postoque 
    tambem digamos min-
    to, men tes.
    dura, màs dizer, dito: alguns barbaramente ? o futuro di-
    dizem digarey. Do verbo 
    pedir, se muda ? ? antigo 
    quando verdadeyro proverbio 
    o pe, ? pi; & he, se queres ter 
    imigo, empresta o teu, & pi-
    deo. Mealha, donde o Au-
    tor diriva mealheyro nã sey 
    que seja ? Portuguez Tam-
    bem de pilas nã dizemos pi-
    lo, màs pelo: Mento he vo-
    cabulo antigo, & agora u-
    sado so dos rusticos: màs di-
    zemos minto, & na segun-
    da pessoa, mentes, donde m?-
    tira; & nã he elle so o verbo 
    que tem esta variedade, por-
    que dizemos digo, dizes, fa-
    ço, fazes, posso, podes, peço, pedes, &c.


    pág. 253
        
    Regra XVI.

    Resposta.
       Que tenhamos gran-
    de tento nos vocabulos, 
    em que entra ç. s. & z. 
    Porque a mais da gente 

       Tem muyta razã, por-
    que he esta uma cousa, ? que poucos acertam.
    & não soo a vulgar, se engana na scriptura, conf?dindo 
    estas letras, & poendo humas por outras, sem distin-
    çã, sendo ellas differentes, & distantes na pronuncia-

    çã, & natureza, assi como 
    o saõ na figura. Das quaes 
    letras que se póde reduzir 
    a regra he isto: que cõ ç. 
    se screvem todos os no-

       
       Nem ha outro meyo para 
    se saber a escritura dos 
    taes nomes.
    mes verbaes corruptos dos Latinos em itio, de qual-
    quer conjunçaõ que sejaõ dirivados, como oraçaõ 
    de oratio, geraçaõ de generatio, lição, de lectio: tiran-
    do razão de ratio, que dizemos aa differ?ça de ra-
    çã, por porção.
       Item todos nomes cujos Latinos se acabam em 
    tium, como, serviço, de servitium, negocio, negotium, 
    exercicio, de exercitium. Poroque naõ diraõ negotio, 
    nem exercitio. Porque como dixe da letra c. he pro-
    nunciaçaõ m?i alhea. Nem menos diremos, offitio, 
    como alguns querendo ser mais Latinos do que he 
    necessario, dizem. Porque os Latinos não dizem of-

     

    pág. 254
        
    fitium, senaõ officium, por vir de facio, assi como tã-
    bem dizem judicium de judico, que corrompemos, 
    & mudamos em juizo.
       Item screveremos per c. os vocabulos acabados a-
    cerca dos Latinos em tia, que saõ os nomes, que a-
    charaõ denominados, como prudencia, de prudentia, 
    paciencia, de patientia; ciencia de scientia. Porque a 
    nossa lingua naõ admite nelles a pronuciaçaõ Lati-
    na, que n? o he, a que lhe nós damos vulgarmente. 
    Poloque os hemos de screver, como os pronuncia-
    mos. O que se vee em alguns, a que tiramos o i, per 
    syncopa, que necessariamente ficão ? c. como, justiça, 
    de justitia, sentença, de sententia. E pela mesma ana-
    logia, couvença, differença, nacença.
       Item os verbos dirivados dos ditos nomes deno-
    minados acabados em ça, como de sentença, senten-

    ciar, de justiça, justiçar, 
    de preguiça espreguiçar, 
    de cobiça, cobiçar.
       
       Diremos cubiça, & nã, 
    cobiça, porque vem de cu-
    pido, & assi cubiçar de cu-
    pere.
       Item todos nomes di-
    rivados de outros ainda 
    que meros Portuguezes 
    desta figura, confiança, 
    mudança, possança, bo-
    nança, abastança, &c.
       Da mesma classe saõ a-
    bastança, abonança, aliança, 
    balança, criança, dança, fian-
    ça, folgança, matança, pri-
    vança, &c.


    pág. 255
        
       Item todos os verbos com toda sua inflexão de t?-
    pos módos, & pessoas, cujas primeiras pessoas do 
    prezente do indicativo se acabaõ em iço, como es-
    preguiço, espriguiçar, esperdiço, esperdiçar, enfeiti-
    ço, enfeitiçar.
       Item todos nomes acabados da mesma maneira, 
    que por a maior parte significão abundancia, ou fre-
    quencia, como chovediço, fregidiço, feitiço, castiço, 
    metidiço, mociço, dobradiço, agastadiço, novi-
    ço, &c.
       Item todos verbos desta figura, prevaleço, preva-
    lecer, basteço, basteçer, appareço apparecer, & assi cõ-
    feço, stabeleço, emmagreço, E assi mesmo os nomes, 
    que delles descendem, como conhecimento, sobsta-
    belicimento.
       Item se screvem per c. todos nomes que acerca dos 
    Castelhanos se acabaõ ? zo, ou za, que sinificão grã-
    dura, ou abundancia, que saõ contrarios na significa-
    çaõ aos diminuitivos, como bragantaço, cavalhaço, 
    porcaço, negraço, gordaço, gordaça, &c.
       E todos nomes, que os Castelhanos acabão na 
    dita terminação zo, ou za, ainda que não tenhão a-
    quella significação augmentativa; como laço, agra-

    ço, inchaço, chumaço, 
    aço, couraça, &c.
       
       Os Castelhanos nã di-
    zem agrazo, màs agraz, n? 
    azo, màs acero, &c.

     

    pág. 256
        
       Item os nomes desta 
    figura, ladroice, truanice, 
    bebedice, sandice, velhice 
    meminice, parvoice, gar-
    ridice, &c.
       Diremos miminice, & nã 
    meninice, porque vem de mi-
    nimus.
       Per s, se screveraõ aquelles, cujos Latinos tem s. 
    poloque de mensa diremos mensa, & não meza. E de 
    casa, não diremos caza. E assi screveremos os diriva-
    dos delles, como casal, caseiro, casamento; & não ca-
    zal, n? cazamento. E se dizemos divisio, não dire-
    mos divizao, & de defensio, não diremos defeza, nem 
    prezente, por presente. Poloque nos fique por regra, 
    que todo nome verbal, que acerca dos Latinos se 
    acaba em sio, mudemos ? saõ, & digamos de divisio 
    divisaõ, de conclusio conclusam, de pensio, pensaõ; 
    & todos os mais pola mesma maneira, tirando pai-
    xaõ, que dizemos de passio.
       Per z se screverão aquelles, de que atraz fizemos 
    menção no titulo da letra Z.
    Regra XVII.
    Resposta.
       Que todo nome pro-
    prio de homem ou mu-
    lher, se screva cõ a pri-
    meira letra grande, & ca-
    pital, como Lourenço, 

       Assi he na verdade, & 
    contra esta doutrina, nenhu-
    ma cousa se podera dizer cõ 
    justiça, & rasã.

     

    pág. 257
        
    Antonio, Duarte, Maria, Ambrozia. E assi os cogno-
    mes, ou appellidos, ainda que em outra maneira se-
    jão appellativos, ou cõmuns; como Sylva, Pereira, 
    Carvalho, Lobo, Raposo, Gama; para cõ a dicta ma-
    neira d‘screver se tirar duvida, que aas vezes incide 
    de quando saõ appellativos, ou proprios.
       Item todos nomes de Provincias, como Portu-
    gal, Algarve, França, Alemanha, India. E de cidades; 
    Evora, Lisboa, Coimbra E os nomes das gentes, que 
    das provincias, ou cidades se dirivão; como Portu-
    guez, Arabio, Lisbonez, Coimbraõ.
       Item os nomes de montes, como Sion, Olympo, 
    Tauro, Etna.
       E de rios; como: Tejo, Guadiana, Danubio, Euphra-
    tes.
       E de fontes; como: Arethusa, Castallia.
       E de mezes, como; Ianeiro, Março, Maio, No-
    vembro.
       E de Deoses da gentilidade; como Iupiter, Nep-
    tuno, Venus Diana.
       Finalmente todo o no-
    me, que não póde com-
    petir senão a h?a só pes-
    soa, ou cousa.
       Item se screve cõ letra 
    capital & grande todo 
    principio de leitura, & 

       Assi os nomes de Anjos, 
    como Miguel, Gabriel, Ra-
    fael. E de Demonios, como Belsebu, Asmodeu.
       E os nomes de Furias, co-
    mo Alecto, Tesifone, & 
    Megera: de sirenas emfim,   
    & de naos.


    pág. 258
        
    qualquer clausula, que se siga despois de acabar 
    outra clausula precedente em ponto final, ou inter-
    rogativo, ou admirativo, como se veraa nos exem-
    plos, que poremos, quando tractarmos dos pontos 
    das clausulas.
       Item se screve cõ letra Capital, o que vai despois 
    do coma, quando se muda de h?a sentença a outra, 
    como, Dicam Deo; Noli me condemnare. Direi a Deos; 
    nao me queirais condenar. Ou quando se passa de 
    h?a pessoa a ou ra, como; Dixit autem quidam; Ecce 
    mater tua; dixe então h? certo homem: Eisaqui vossa 
    mãi.
       E em meo de alg?a dição, se nã poeraa letra ma-

    uscula, que seria feo dizer, 
    IoAm, LouRenço, AnRi-
    que.


    Cousa he, que muitos bar-baramente fazem.
    Regra XIIX.

    Resposta.
       Que em a scriptura 
    não liguemos h?as letras 
    a outras, & muito menos 

       Tem muyta raçã ? tudo 
    quanto nesta regra diz.
    h?a dição a outra, como faz? geralmente scrivães, 
    por razão de cõ huma penada fazer? muitas letras, 
    & em pouco spaço mais scriptura, respectando mais 
    ao seu proveito, que ao dos leitores. Porque da tal 
    ligatura nasce confuzão, & obscuridade ainda em le-

     

    pág. 259
        
    tra de boa mão o que se tira per descrição. Porque 
    por causa das ligaturas, não se pódem formar as le-
    tras perfectamente. De que v? que per discurso de t?-
    po, ou de se costumarem outras ligaturas, ou se não 
    costumar?, se não leerão muitas scripturas. No que 
    devemos imitar nossos passados, cujas scripturas an-
    tiquissimas, por não screverem ligado, leemos sem 
    nenh?a difficuldade, o que nossos posteros não farão 
    das nossas. Outro inconueniente se segue das ligatu-
    ras, que por causa dellas nenh? estrangeiro pode 
    leer, n? entendeer nossas cousas. O que não fora se as 
    letras forão soltas, porque os characteres, & figuras, 
    de nossas letras puros em si, saõ cõmuns a todas na-
    ções, que usão do alphabeto Latino. Achegase a isto 
    que toda letra solta & desapegada por maa que seja 
    representa o sentido de qu? a vee, & faz conceber o 
    que nella se contem, & por maa que seja se lee s? di-
    ficuldade E pelo contrario sendo ligada, ainda que 
    boa letra seja, se lee cõ trabalho, & muitas vezes se não 
    entende.
       Do que quiz fazer regra de ortografia não o sen-
    do, por o trabalho, que scrivães dão, a quem lee seus 
    processos, que por cobiça de pouco ganho, muitas 
    vezes offuscão a justiça das partes; & porque meu 
    intento he ser este tractado hum preludio da arte, & 
    instrução dos notarios, que despois delle espero logo 
    divulgar.

     

    pág. 260
        
    Regra XIX.

    Resposta.
       Que não confunda-
    mos, n? misturemos as 

       Diz muytas vezes bem.
    figuras numeraes da conta Romana, cõ a Arabia, 
    como faz? alguns, que por dizer? XXV. XXVI. 
    XXVII. XXVIII. screv? XX5. XX6. XX7. XX8. que 
    he cousa fea, & nojenta, para qu? entende; n? co-
    mecemos a conta em figura, & acabemos em letra, 
    màs toda a conta screvamos junta, ou por palavras, 
    ou per notas numeraes, & digamos: Anno de mil & 
    quinhentos, & setenta & seis; ou anno de 1576. & naõ 
    anno de mil & quinhentos & 76. n? anno de 1500; & 
    setenta & seis, que outro si he cousa fea, & despropo-
    sitada.

    Regra XX.

    Resposta.
       A ultima regra, que na 
    l?brãça deve ser a primei-
    ra, seja, que trabalhemos 
    sempre por investigar a 
    origem dos vocabulos, 
    porque pela etymologia 
    delles se sabe a ortogra-
    phia, & pela boa orto-

       Tamb? acerca desta regra 
    nã tenho, que advertir, & as-
    si concluo cõ dizer, que se nã 
    imite de nenh?a meneyra a ortografia deste Autor ? es-
    crever c. antes do t como tra-
    cto, docto, doctor, doctrina, pe-
    cto, pectoral prefecto, contra-

     

    pág. 261
        
    graphia a etymologia. E 
    esta he a fonte, & a rayz 
    de fallarmos, & screver-
    mos bem, & propriam?-
    te, ou mal. Porque de as 
    palavras andarem tiradas 
    de seu curso, & scriptura, 
    he não se saber a origem 
    & propriedade dellas: & 
    de não sabermos a ori-
    gem, vem andarem mui-
    tas taõ mal scriptas, que 
    por starem tão mal rece-
    bidas do vulgo, não pod? 
    ter emmenda.
       Esta palavra mempo-
    steyro, facilmente caireis 
    no que quer dizer, & 

    cto & outros. N? p. antes 
    do mesmo t como precepto, preceptor, n? começar nome, 
    ou verbo algum per sc sp. st. 
    como, scripto, spirito, stado; n? 
    tampouco dobremos como el-
    le faz as vogaes ? teer, veer, 
    leer, geeral, soo, soom?te, fee, 
    & outros taes; n? digamos; 
    dixe dixera, &c. màs dice, 
    dicera; n? digamos poemos, postpoemos; màs pomos, pos-
    pomos, n? escrevamos Oeno-
    ne, Oedipo, Ælio, màs E-
    none, Edipo, Elio, como ? ou-
    tros lugares deyxamos ad-
    vertido.

    donde se diriva, que he hom? posto da mão de algu?, 
    para algum negocio, na forma, que dizemos manteu-
    do, o que sta teudo, & alimentado da mão d‘alguem. 
    E assi sabendo que ferropea v? de ferro, & de pea, 
    direis ferropea cõ e, & não cõ a. como quem sabe 
    donde se diriva E qu? soubera que manto bernio; 
    queria dizer, manto de Hybernia, Ilha, aqu? per ou-
    tro nome chamão Irlanda, onde se fazem; como Pa-
    ris, Ruão, Holanda, por outros panos, dixera, hyber-

     

    pág. 262
                                            
    & não Bernio, que não he menos groceira, que se 
    dixessemos; Taliano por Italiano; Elemão por Ale-
    mão, o que não se sofre. Porque ? nomes proprios, 
    ou dirivados delles, não póde haver mais corrupção 
    que na terminação final. Ao que não obsta dizer 
    que isso he o efecto da corrupção das lingoas, & que 
    assi he ? todos os mays vocabulos, em que se mudaõ 
    humas letras em outras, & se accrecentão & diminu?. 
    Porque huma cousa he a corrupção, que se faz por a 
    propriedade da lingua, a que traspassamos os vocabu-
    los & porque corrõpemos humas letras ? outras suas 
    af?s, outra he, a que se faz por a ignorancia da orig? 
    dellas, que he corrupção, que as orelhas de hom?s 
    polidos, & de bom entendimento não admit?, como 
    he dizer enxucução; por execução, socresto, por se-
    questro; rendição de cativos, por redenção, alicornio 
    por unicornio, sorodio, por serodio, & outros infindos 
    vocabulos, que muita gente pronuncia, & screve mal, 
    põr naõ saber a origem delles, s? a qual he imposivel 
    screver certo, n? fallar proprio. Assi que ainda que 
    da vulgar gente vejamos, que stá recebido screverem 
    se d‘outra maneira, como não devem sem medo; & 
    por m?posteiro, digamos mamposteiro, por sorodio, 
    serodio, & por bernio, Hybernio, que o uso tudo v? 
    abrandar, & fazer corrente, & natural. E revendique-
    mos, & restituamos a seu lugar os vocabulos; & fa-
    çamos costume do que cõsiste em rasão, & analogia.


    pág. 263
        
    Porque em nenhuma cousa pode mais o costume, 
    que na ortographia, & nas palavras, que se mudaõ, & 
    variaõ como as moedas. Sipiaõ Africano (segundo 
    Quintiliano screve) de vorto, vortex, & vorsus, come-
    çou a screver verto, vertex, & versus, & assi fficou em 
    uso. Caio Cesar de optumus, & maxumus, que então 
    diziaõ, screveo optimus & maximus, que nos durão 
    até gora. Por magister dizião os antigos magester, por 
    liber, leber; por nutrix, notrex; por Hecuba, Hecoba; 
    & por sibi diziam sibe. & por quasi, quase, & outros 
    infindos, que se mudarão cõ o tempo em outra ma-
    neira de screver. E de des diphtongos, que os Latinos 
    tinhão se foraõ esquecendo os quatro. E assi vemos 
    na lingoa Portugueza, per quam diferente maneira 
    se screve agora do que se escrevia & pronunciava no 
    t?po antigo até ElRey Dom Ioaõ o Primeiro, que 
    parece outra differente lingoagem. E mui facilmen-
    te (para tornarmos ao proposito, que comecei) se al-
    cançaraa a origem dos vocabulos (mormente por os 
    que a lingoa Latina souberem) se considerarmos as 
    letras, que se convertem em outras, como acima vos 
    mostrei.

     

     

    pág. 264

    ADVERTENCIAS,

    EM ORDEM A EMMENDAR, 

    & melhorar as palavras, que a inorancia 
    do vulgo t? corrutas.
                                            
        Erradas.

        Emmendadas.
    ABayxar.
    Acipreste dinidade
    Acipreste, arvore.
    Acupar.
    Adaiam.
    Agabar.
    Agardecer.
    Agoa.
    Aguudo.
    Aguulha.
    Alinterna.
    Alcorcovado.
    Alheo.
    Alicornio.
    Alifante.
    Abaxar.
    Arcipreste.
    Cipreste.
    Ocupar.
    Deã ou Dayã.
    Gabar.
    Agradecer.
    Agua.
    Agudo.
    Agulha.
    Lanterna.
    Corcovado.
    Alheyo.
    Vnicornio.
    Elefante.


    pág. 265

    Almario.
    Almoço.
    Almazona.
    Alvidrar.
    Alvidro.
    Amparar.
    Amparo.
    Antre.
    Apoupar.
    Arrebentar.
    Arrecadar.
    Arrecear.
    Arrecuar.
    Arredar.
    Arrefecer.
    Arremangar.
    Arrematar.
    Arrepender.
    Arresoar.
    Astrolomia.
    Atromentar.
    Avaluar.
    Avaluaçã.
    Avangelho.
    Avoar.
    Auto, por conveniente.
    Bayxo.
    Armario.
    Almorço.
    Amasona.
    Arbitrar.
    Arbitrio.
    Emparar.
    Emparo.
    Entre.
    Poupar.
    Rebentar.
    Recadar.
    Recear.
    Recuar.
    Redar.
    Refecer.
    Remangar.
    Rematar
    Repender.
    Rasoar.
    Astronomia.
    Atormentar.
    Avaliar.
    Avaliaçã.
    Evangelho.
    Voar.
    Apto.
    Baxo.

     

    pág. 266

    Barrer.
    Bernio.
    Bisconde.
    Bitalha, bitualha.
    Boutiçar.
    Boutiço.
    Cançar.
    Cançaço.
    Caronica.
    Caronista, ou coronista.
    Chançarel.
    Cheo.
    Chusma da galé.
    Cileyro.
    Cinquo.
    Coadrar.
    Collector.
    Compeçar.
    Compeço.
    Comiçou.
    Coella.
    Concrudir.
    Conselho, por pôvo.
    Conselho, que se da.
    Consirar.
    Consiraçã.
    Coresma.
    Varrer.
    Hybernio.
    Visconde.
    Vitualha.
    Bautizar.
    Bautismo.
    Cansar.
    Cansaço.
    Cronica.
    Cronista.
    Chãceler.
    Cheyo
    Churma.
    Celleiro.
    Cinco.
    Quadrar.
    Coleytor.
    Começar.
    Começo.
    Começou.
    Com ella.
    Concluir.
    Concelho.
    Conselho.
    Considerar.
    Consideraçã.
    Quaresma.

     

    pág. 267

    Couza.
    Crerigo.
    Crelesia.
    Cunho de moeda.
    Custume.
    Dedo meminho.
    Des?vergonhado.
    Desdeque.
    Des.
    Dezcansar.
    Devino.
    Deus.
    Digarey.
    Dinoite.
    Diques.
    Disforme.
    Dispor o senhor.
    Disposto.
    Docto.
    Doctor.
    Doctrina.
    Effecto.
    Ensima.
    Emprovecer.
    Enfatiosi.
    Enfatiota.
    Enlhear.
    Cousa.
    Clerigo.
    Clerisia.
    Crunho.
    Costume.
    Dedo minimo.
    Desavergonhado.
    Desque.
    Dez.
    Descançar.
    Divino.
    Deos.
    Direy.
    Denoute.
    Adiques.
    Deforme.
    Expor.
    Exposto.
    Douto.
    Doutor.
    Doutrina.
    Efeyto.
    Encima.
    Empobrecer.
    Enfiteusi.
    Enfiteuta.
    Alhear.


    pág. 268

    Enteado.
    Entonces.
    Entupir.
    Enxemplo.
    Enxerca.
    Enxecuçam.
    Enxecutar.
    Era, erva.
    Elrey.
    Escadea, de subir.
    Esprimentar.
    Esprital.
    Estiba.
    Estibar.
    Estranjeiro.
    Estromento.
    Estrever.
    Estribuidor.
    Estribuiçam.
    Farnasia.
    Farnetego.
    Farropea.
    Filosonomia.
    Fogir.
    Freima.
    Frol.
    Frolido.
    Enteado.
    Entã.
    Atupir.
    Exemplo.
    Enxerga.
    Execuçã.
    Executar.
    Hera.
    ElRey.
    Escada.
    Experimentar.
    Ospital.
    Estima.
    Estimar.
    Estrangeyro.
    Instrumento.
    Atrever.
    Destribuidor.
    Destribuiçã.
    Frenesia.
    Frenetico.
    Ferropea.
    Fisionomia.
    Fugir.
    Fleyma.
    Flor.
    Florido.

     

    pág. 269

    Fugareyro.
    Garça.
    Gimer.
    Gimido.
    Gusano.
    Hirege.
    Ho, articulo.
    Iezmim.
    Ihesu.
    Increo.
    Ingenho.
    Isgreja.
    Intrelocutoria.
    Ioiz, ou Iois.
    Magestade.
    Mancipado.
    Mancipar.
    Manicordio.
    Maninconizado.
    Mãi.
    Memposteiro.
    Menagem.
    Menhan.
    Mercadoria.
    Meo.
    Meudesa.
    M?za.
    Fogareyro.
    Graça.
    Gemer.
    Gemido.
    Busano.
    Herege.
    O.
    Iasm?.
    Iesu.
    Incredulo.
    Engenho.
    Igreja.
    Interlocutoria.
    Iuiz.
     Majestade.
    Emancipado.
    Emancipar.
    Monocordio.
    Melanconizado.
    Mãy.
    Mamposteyro.
    Omenagem.
    Manhan.
    Mercadoria.
    Meyo.
    Miudeza.
    Mesa.

     

    pág. 270


    Milam.
    Mialheiro.
    Milhor.
    Milhoria.
    Monipodio.
    Molher.
    Negrigente.
    Negrigencia.
    Nunqua.
    Obscuro.
    Obscurecer.
    Obscuridam.
    Obsequias.
    Oucioso.
    Ouficio.
    Onjem.
    Paviola.
    Piciçã, ou percissã.
    Pinsamento.
    Pidir.
    Pitiçã.
    Pidinte.
    Picado.
    Pera, preposiçã.
    Perluxidade.
    Pessuir.
    Pirolas.
    Melã.
    Mealheyro.
    Melhor.
    Melhoria.
    Monopolio.
    Mulher.
    Negligente.
    Negligencia.
    Nunca.
    Escuro.
    Escurecer.
    Escuridã.
    Exequias.
    Ocioso.
    Oficio.
    Origem.
    Padiola.
    Procissã.
    Pensamento.
    Pedir.
    Petiçã.
    Pedinte.
    Pecado.
    Para.
    Proluxidade.
    Possuir.
    Piloras, ou pilulas.


    pág. 271

    Praceiro.
    Precurador.
    Precuraçã.
    Pregunta.
    Preguntar.
    Primatica.
    Priol.
    Prifeito.
    Proluxo.
    Prometor.
    Prove.
    Proveza.
    Pruvico.
    Pruvicar.
    Pumar.
    Qua.
    Qualidade.
    Quantidade.
    Quomo.
    Rabiscar.
    Rector.
    Reima.
    Rendiçã.
    Resido.
    Reveria.
    Resam.
    Rindeiro.
    Parceyro.
    Procurador.
    Procuraçã.
    Pergunta.
    Perguntar.
    Prematica.
    Prior.
    Perfeyto
    Prolixo
    Promotor.
    Pobre.
    Pobreza.
    Publico.
    Publicar.
    Pomar.
    Ca.
    Calidade.
    Cantidade
    Como.
    Rabuscar.
    Reytor.
    Reuma.
    Redençã.
    Residuo.
    Revelia.
    Rasã.
    Rendeyro.

     

    pág. 272

    Rodeo.
    Rolaçam.
    Rossio.
    Sambixuga.
    Samos.
    Socresto.
    Sohido.
    Solemne.
    Solorgiam.
    Solergia.
    Somana.
    Sorodio.
    Soprir.
    Sospeyçam.
    Sospeyto.
    Spuma.
    Star.
    Stado.
    Taballiam.
    Teyma do pregador.
    Theor.
    Testemunho.
    Theudo, mãteudo
    Tirceiro.
    Tisouro.
    Totor.
    Totoria.
    Rodeyo, 
    Relaçã.
    Ressio.
    Sanguixuga.
    Somos.
    Sequestro.
    Soido.
    Solene.
    Cirurgiã.
    Cirurgia.
    Semana.
    Serodio.
    Suprir.
    Suspeyçã.
    Suspeyto.
    Escuma.
    Estar.
    Estado.
    Tabelliã.
    Tema.
    Teor.
    Testimunho.
    Teudo.
    Terceyro.
    Tesouro.
    Tutor.
    Tutoria.

     

    pág. 273

    Trelado.
    Tribulo.
    Trez.
    Tromento.
    Veador.
    Videas.
    Veya.
    Vindeira.
    Vinder.
    Viram.
    Vistir.
    Visorei.
    Traslado.
    Turibulo.
    Tres.
    Tormento.
    Vedor, & vereador.
    Vides.
    Vea.
    Vendeyra.
    Vender.
    Verã.
    Vestir.
    Vicerey.

    Vocabulos que escrevendose cõ diferentes 
    letras, t? diferente sinificaçã.

    ABraço, cõ os braços
    Acamar, o pã.
    Aço ferro fino.
    Acoutar, ir ao couto.
    Acude, verbo.
    Amegoas, marisco.
    Assas a carne, verbo.
    Barca, que navega.
    Braça, medida.
    Caçar, aves.
    Caça, de aves.
    Cayado, branqueado.
    Abraso, ? fogo.
    Açamar os porcos, &c.
    Asso a carne, &c.
    Açoutar.
    Açude de moinho.
    Ameixas, fruyto.
    Assaz, adverbio.
    Barça, vaso de palha.
    Brasa, carvã aceso.
    Casar tomar mulher.
    Casa ? que abitamos.
    Cajado de pastor


    pág. 274

    Cal, branca.
    Canto, cantiga, canto, 
    esquina.
    Ce, adverbio de chamar.
    Ceda, de cavalo, ou porco
    Cegar, perder a vista.
    Cella, de Religioso.
    Celeyro de trigo.
    Ceo, como.
    Cerrar cõ fecho.
    Cerra, idest fecha.
    Cervo, veado.
    Cesta, vaso de vimes.
    Cevo, dou de comer.
    Cinto, que finge.
    Concelho ajuntamento 
    do povo.
    Coço o pano cõ agulha.
    Empoçar, meter no poço
    Era, verbo sustantivo, ou 
    era dos annos.
    Força, fortaleza,
    Forçado, q? padece força.
    Franca, liberal.
    Incerto, duvidoso.
    Laço, armadilha, ou prisã
    Liço, do tear.
    Qual omem?
    Quanto, nome relativo.
    Se, particula cõdicional.
    Seda, que vestimos
    Segar o pam
    Sella de cavallo
    Selleiro que faz sellas
    Seo de Abrahã
    Serrar cõ serra
    Serra, instrum?to cõ que

    Servo escravo              [serrã
    Sesta, tempo meridiano
    Sevo, grossura
    Sinto, tenho sentimento
    Conselho aviso de sa-
    bios
    Coso a carne ao fogo
    Empossar, tomar posse
    Hera erva
    Forca de ladroens
    Forcado pao de duas põ-

    França, Provincia                (tas
    Inserto, inxirido
    Lasso, froxo
    Liso, s? aspereza


    pág. 275

    Louça, de barro
    Maça de ferro, ou pao
    Meça, por medir
    Moça que serve
    Ouço, o que falla
    Paço, caza real
    Parceyro, companheyro
    Passo, ando
    Peço, rogo
    Poço de agua
    Preço, valor da cousa
    Queyjada, de queyjo
    Queyjo, de leyte
    Queyjar, fazer queyjos
    Raça, casta
    Raçã, quinha, porçã
    Recio, campo largo
    Roça, de mato
    Roido, de ratos, ou traça
    Vaso, de prata
    Xabregas
    Louça, armadilha
    Massa de farinha
    Mesa aonde comemos
    Mosa da espada
    Ouso, atrevome
    Passo, medida de cinco 

    Praceyro, de praça           [pes
    Passo, o gado
    Pezo cõ balanças
    Posso, tenho poder
    Preso, na cadea
    Queyxada, parte do rosto
    Queyxo, da cabeça
    Queyxar, fazer queyxa
    Rasa, chan
    Rasã, causa
    Rossio, orvalho
    Rosa, flor
    Roido, de agua
    Vaso, ou torno
    Assi introduzio este no-
    me certo autor moder-

    no, mas Ioã de Barros, Diogo do Couto, Pedro de 
    Maris, & finalmente todos nossos escritores, que del-
    le faam, dizem Enxobregas.

     

    pág. 276
    Vocabulos, que escritos cõ letra singella 
    sinificam de huma maneyra, & cõ 
    dobrada de outra.

    BOta, de calçar
    Botar, lançar
    Capa, os boys
    Caro, que custa muyto
    Caso, acontecimento, ou 
    caso cõ minha mulher
    Cera, de mel
    Cometa, estrella
    Coro, de Igreja
    Encerar, untar cõ cera
    Fero, cruel
    Fóra, ou fôra adverbio 
    & verbo
    Foro, tributo
    Mascara, figura
    Meses, do anno
    Moleyra, do muinho
    Molinhar, moer
    Peco, nescio
    Pena, castigo
    Pero, pomo
    Presa, que está ? prisã
    Botta, de vinho
    Bottar, perder cor, ou agu-

    Cappa, vestido            (deza
    Carro de Boys
    Casto, vã, baldado
    Cerra, fecha, verbo
    Cometta, verbo
    Corro, de touros
    Encerrar, fechar
    Ferro, metal
    Forra, livre
    Forro, livre
    Mascarra
    Messes do campo
    Molleyra da cabeça
    Molinhar chover miudo
    Pecco, faço peccados
    Penna de aves
    Perro, cã                    (lho
    Pressa, presteza, ou traba-

     

    pág. 277

    Saca, tirada para fóra
    Serã, tempo da tarde
    Velo, tu o ves
    Velar de noute
    Vso, costume

    Sacca, saco grande
    Serrã, cousa de cerra
    Vello de lan
    Vellar a fruyta, &c.
    Vsso, animal


    Vocabulos, que cõ diversos acentos sinificam 
    de diversa maneyra.
       
    ACérto, dou ao fito
    Amára, preterito    
    Avó, mãy de meu pay,
    ou mãy
    Bèsta. animal
    Ceo, impireo
    Cór, vontade
    Corte, quintal
    Gósto, verbo
    Mólho de chaves
    Pégada
    Pégo, do rio, ou mar
    Pézo, cõ a balãça
    Pézame, carga
    Póde, de presente
    Soldo, concerto

    Acerto, caso
    Amará futuro
    Avô, pay de meu pay 
    ou mãy
    Besta arma
    Ceo, como á noute
    Côr, por color
    Côrte del Rey
    Gôsto nome
    Môlho de coelho
    Pêgada
    Pêgo, ave
    Pêso cõ que pesam
    Pêsame, tenho pesar
    Pôde, de preterito
    Soldo, estipendio

     


    pág. 278
    Ha outros muytos nomes, ? que nã ha ra-
    sã de se dobrar letra, nem por este, 
    ou aquelle acento, como são.
       
    BArata, de pouco preço
    Copo de beber.
    Pega, ave
    Quinta nome numeral
    Revellar, descobrir
    Sayo de vestir
    Soldo moeda
    Barata, bicho
    Copo, de lan
    Pega, de boy
    Quinta, casal
    Revellar, resistir
    Sayo, verbo
    Soldo, estipendio
       
    Os quaes, & outros semelhantes, que nã pódem 
    ocorrer todos, se conheceraõ pello sentido da oraçã, 
    que de outro módo he cousa impossivel.   

     

     

     


    pág. 279