Orthographia, ov modo para escrever certo na lingua Portuguesa: Com hvm trattado de memoria artificial, outro da muita semelhança, que tem a lingua Portuguesa com a Latina

    • Título
    • Orthographia, ov modo para escrever certo na lingua Portuguesa: Com hvm trattado de memoria artificial, outro da muita semelhança, que tem a lingua Portuguesa com a Latina
    • Subprojeto

    • Corpus Ortográfico do Português

    • Tecnologia

    • Tratado Metalinguístico

    • Língua Objeto
    • Português
    • Metalinguagem
    • Português
    • Autor
    • Vera, Álvaro Ferreira de (fl.1631-1646)
    • Biografia sucinta do autor
    • Desconhece-se a data de nascimento, natural de Lisboa, estudou no Colégio de Santo Antão. Dedicou-se ao estudo da genealogia. Passou grande parte da vida em Madrid, onde permaneceu após a Restauração da Independência em 1640, por não reconhecer a legitimidade da subida ao trono do Duque de Bragança, permanecendo fiel à causa filipina. As suas obras metalinguísticas e didáticas são Orthographia ov modo para escrever certo na lingua portuguesa; Memoria artificial ou modo para acquirir memoria per Arte; Modo para saber contar per Calendas, Nonas e Idus: & pelas notas, & abbreviaturas dos Romanos, & Gregos; Breves louvores da lingua Portuguesa com notáveis exemplos da muita semelhança, que tem com a lingua Latina (1631, Lisboa, Matias Rodrigues), tendo sido publicadas em conjunto e por vezes encontram-se também associadas à seguinte publicação de cariz genealógico: Origens da Nobreza politica blasões d’armas e appelidos, cargos e titulos nobres. Dirigido a Luis de Albuquerque e Mello, etc. (1631, Lisboa, Matias Rodrigues). Terá falecido por volta de 1647.
    • Editor
    • -
    • Biografia sucinta do editor
    • -
    • Tipo de documento
    • Impresso
    • Local de impressão
    • Lisboa
    • Impressor/Editora
    • Matias Rodrigues (fl.1629-1649)
    • Ordem Religiosa
    • -
    • Edição
    • -
    • Ano
    • 1631
    • Volume de páginas/fólios
    • fóls 1r-47v
    • Outras edições conhecidas
    • 2.ª ed.  Orthographia ov modo para escrever certo na lingua Portugue?a, Apresentação, transcrição e notas de Waldemar Ferreira Netto, São Paulo: Paulistana Editora (Coleção Documentos da Língua Portuguesa), DOI doi.editoracubo.com.br/10.4322/85-99829-04-1.

      3.a ed.   To¯ru Maruyama: Keyword in Context Index of the Orthographia ou modo para escrever certo na Lingua Portuguesa (1631) by Alvaro Ferreira de Vera, Nagoya: Department of Japanese Studies, Nanzan University.

      4.ª ed.     Carlos Assunção, Rolf Kemmler, Gonçalo Fernandes, Sónia Coelho, Susana Fontes & Teresa Moura (2020): A Orthographia, ov modo para escrever certo na lingua Portuguesa: Com hvm trattado de memoria artificial, outro da muita semelhança, que tem a lingua Portuguesa com a Latina (1631) de Álvaro Ferreira de Vera: Estudo introdutório e edições. Vila Real: Centro de Estudos em Letras; Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (= Ortógrafos Portugueses, 3). ISBN: 978-989-704-418-2 / e-ISBN: 978-989-704-419-9. https://www.utad.pt/cel/wp-content/uploads/sites/7/2021/03/CEL_Portuguese-Orthographers_3.pdf.

       

       

    • Mencionado em
    • -
    • Descrição sumária
    • -
    • Interesse linguístico
    • Esta obra contribuiu para a sedimentação de um sistema ortográfico menos conservador do que o que fora defendido por Duarte Nunes de Leão (1576).
    • Inovações metalinguísticas
    • -
    • Influência recebida de
    • Grammatica da Lingoagem Portuguesa (1536) de Fernão de Oliveira.

      Regras que ensinam a maneira de escrever e Orthographia da Lingua Portuguesa (1574) de Pero de Magalhães Gandavo.

      Orthographia da Lingoa Portvgvesa (1576) de Duarte Nunes de Leão.

    • Influência exercida sobre
    • Orthographia da lingva portvgveza (1671) de João Franco Barreto

      Orthographia da lingua portugueza (1736) de Luís Caetano de Lima

    • Índice da obra
    • CAPITVLO I. Que cousa seja orthographia, & quanto importa escrever com certeza. [fóls. 1r-2v]

      CAPITVLO II. Da divisão das letras: & seu principio. [fóls. 2v-5r]

      CAPITVLO III. [CAPITVLO XXV.] Das letras do alphabeto começando da primeira letra A. [-Da letra Z.] [fóls. 5r-24r]

      CAPITVLO XXVI. Sobre a Abbreviação a que chamamos Til. [fóls. 24r-24v]

      TRATTADO DAS vogaes que ivntas na linguajem Portuguesa se fazem dittongos. [fóls. 25r-26v[fóls.

      Divisaõ da dicço?s, & syllabas no fim da regra. [fóls. 27r-27v]

      Das letras em que se podem acabar as dicço?s da lingua Portuguesa. [fóls. 27v-28r]

      Trattado da composição das palavras: & das letras, que nellas dobrão. [fóls. 28r-36v]

      Cap. I. Das razo?s que ha para se dobrarem as letras. [fóls. 28r-29v]

      Cap. II. Da composição das palavras. [fóls. 29v-30r]

      Cap. III. Das letras, que se podem dobrar. [fóls. 30r-36v]

      TRATTADO DA PONTVAção das clausulas, notas, & accentos da orthographia. [fóls. 37r-41r]

      Dos accentos, & viraccentos, que usão os Gregos, & Latinos: & quando os devemos usar na escrittura. [fóls. 41v-42v]

      Regras geeraes da Orthographia da lingua Portuguesa. [fóls. 43r-47v]

    • Localização na biblioteca/proprietário
    • Biblioteca Nacional de Portugal
    • Referências
    • -
    • Autor(es) deste ficha
    • Mónica Sofia Botelho Lima Augusto, Rolf Kemmler & Carlos Assunção
    • Como citar esta ficha
    • Augusto, Mónica Sofia Botelho Lima, Rolf Kemmler & Carlos Assunção. 2023. Vera, Álvaro Ferreira de (fl. 1631-1646): Orthographia, ov modo para escrever certo na lingua Portuguesa: Com hvm trattado de memoria artificial, outro da muita semelhança, que tem a lingua Portuguesa com a Latina. https://pml.cel.utad.pt/ViewEntry.aspx?id_entry=10.

    Edição semidiplomática

    ORTHOGRAPHIA 
    OV 
    MODO PARA ESCREVER 
    certo na lingua Portuguesa.
    COM HVM TRATTADO DE MEMO- 
    ria artificial: outro da muita semelhança, que
    tem a lingua Portuguesa com a Latina.
    AVTHOR ALVARO FERREIRA 
    de Véra, natural da inclyta cidade de Lisboa.
    DIRIGIDO A DOM MANOEL 
    d’ Eça, &c.

     


    Com todas as licenças necessarias.
    Em Lisboa. Per Mathias Rodriguez. Anno de 1631.


    fol. [1r]

    fol. [1v]
    LICENC,AS.   
    VI este livro intitulado: Orthographia 
    Portuguesa, com o trattado de Memo- 
    ria artificial: & outro da muita semelhança, 
    que tem a lingua Portuguesa com a Latina, cõ- 
    postos per Alvaro Ferreira de Vera, natural de- 
    sta cidade de Lisboa. Não tem cousa, que en- 
    contre nossa santa Fee, ou bõos costumes; an- 
    tes em tudo resplandece a erudição, habilida- 
    de, & curiosidade do author. O qual em seu pro- 
    logo declara, que o Padre Christovão Bruno 
    da Companhia de IESV, eminentissimo nas 
    disciplinas mathematicas, mestre seu â sua in- 
    stancia fez o ditto trattado de Memoria artifi- 
    cial, do qual como testemunha de vista me cõ- 
    sta, que o compos sem ajuda alg?a doutra, què 
    em Madrid, nem outra parte algu? fizesse ne- 
    stes nossos tempos. Polo que todos estes tratta- 
    dos (com as poesias adjuntas) me parecem 
    mui dignos de se estampar. Em Lisboa nesta 
    casa de S. Roque da Companhia de IESV. 10. 
    de Fevereiro de 1631.   
    O Doutor Iorge Cabral.   

     

    fol. [2r]
    VIstas as informações, podese imprimir 
    este livro intitulado: Orthographia: & 
    despois de impreso torne conferido com seu 
    original para se dar licença para correr, & sem 
    ella não correrâ. Lisboa a 2 de Fevereiro de 
    1631.
               G. Pereira.             Dom Miguel de Castro.
         Francisco Barreto.             Fr. Antonio de Sousa.   
    QVe se possa imprimir este livro, vistas as 
    licenças do santo Officio, & Ordinario. 
    E não correrâ sem tornar â mesa para ser taixa- 
    do. Em Lisboa a 18 de Fevereiro de 631.
    Cabral.          Salazar.          Barreto.   
    DOu licença para se poder imprimir este 
    livro intitulado: Orthographia, ou mo- 
    do para escrever certo na lingua Portuguesa, 
    &c. composto per Alvaro Ferreira de Vera. 
    Lisboa a 17 de Fevereiro de 1631
    Ioão Bezerra Iacome, 
    Chantre de Lisboa.


    fol. [2v]
    EStá conforme com o seu original. Lisboa 
    nesta casa de S. Roque da Companhia de 
    IESV. 15. de Iulho de 1631.
    O Doutor Iorge Cabral.   
    TAixão este livro em          reis em papel.
    Lisboa 15. de Iulho de 1631.

     

     

     

     

     

     

     

    fol. [3r]
    AD LECTOREM.


    Hùc converte libens oculos: hunc perlege librum, 
    Qui tot librorum munera mira dabit.
    Est opus hoc variis: est magnis undiq; rebus 
    Plenum: quod poterit grata docêre simul.
    Est liber: est auctor nimium laudandus: & ipse: 
    Ad quem nunc properat: quo duce doctus erit.

     

     

     

     


    fol. [3v]
    A DOM MANOEL 
    D’ EC,A.
    ABraçando o estylo antigo dos Es- 
    crittores, que quando pretendem 
    tirar de novo algum parto de seu 
    ingenho ao theatro do mundo, bus- 
    caõ primeiro alg? magnate, ou heroe abali- 
    sado, para que saindo debaixo do escudo de 
    seu favor, não possa ser censurado dos emu- 
    los invejosos; antes fique de todos gêralmen- 
    te respeitado. Dediquei este a V. M. (se- 
    não parto em todo de meu ingenho) traba- 
    lho (ao menos) fruttuoso de meu estudo. A 
    h?a para que V. M. o honrasse com sua 
    illustre qualidade: pois tras origem da casa 
    real pelo Infante Dom Ioão, a quem per- 
    tencia o reino de Portugal, que deixou d’ al- 
    cançar, por estar ausente: & lhe impedir a 
    vinda elRei Dõ Ioão de Castella, que pre- 
    tendia a successão. Este Infante foi filho le- 
    gitimo d’ elRei Dõ Pedro, & de Dõna Inês 

     

     

    fol. [4r]
    de Castro; & pae de Dõ Fernando d’ Eça: 
    do qual descende esta illustre familia. A ou- 
    tra para que V. M. o aperfeiçoasse com a 
    primurosa lima das muitas artes, & scien- 
    cias, de q? està tàm enriquecido. Pois he certo 
    alem de V. M. ser insigne orthographo, mui 
    dado â licção dos Poëtas, & perfeito huma- 
    manista, he singular philosopho, grãde ma- 
    thematico, & grave theologo, professando 
    armas, & letras, que poucas vezes se v?e 
    juntas em hum mesmo sujeito. Polo que com 
    muita razão posso accommodar a V. M. 
    aquelle verso Latino: Et Mars, & Pallas 
    sunt in amore pares. Fico mui confiado 
    por têr tal protector. Cuja pessoa guarde 
    Deus per felices annos. De Lisboa, & de 
    Ianeiro 8. de 1631.
       
    Alvaro Ferreira de Vera.   

     

     

     

    fol. [4v]
    PROLOGO.
    MVitos, & mui graves authores puse- 
    rão este argumento: Qual he de môr 
    excellencia, o fallar bem com a pen- 
    na, ou com a lingua? E dão (com 
    justa razão) a ventajem ao bem arrazoado per 
    escritto. Porque o fallar elegante fica sepultado 
    no esquecimento; & o q? se escreve fica em per- 
    petua memoria. Que fora da eloquencia de Ci- 
    cero, se a não deixàra escritta? Nem delle nos 
    lembramos os presentes, nem delle tiverão no- 
    ticia os futuros. Quem soubera agora de Aga- 
    memnon, de Achilles, de Vlysses, & de quan- 
    to elles fizerão no celebrado cerco de Troia, se- 
    não fora Homero Escrittor daquella guerra? As 
    mesmas sepulturas, que cubrîrão seus corpos, 
    houverão de cubrir a gloria, & excellencia de 
    seus feitos. E vemos que sua fama ainda hoje 
    voa pelo mundo por meïo da penna daquelle 
    Escrittor, que floresceo, ha perto de tres mil an- 
    nos. Esta verdade se vê expressa com injenho, 
    & elegancia nestes versos d’ Ouidio.
    Tabida consumit ferrum, lapidemq; vetustas, 
    Nullaq; res maius tempore robur habet.


    fol. [5r]
    Prologo.
    Scripta ferunt annos: scriptis Agamemnona nosti, 
    Et quisquis contrà, vel simul arma tulit.
    Per beneficio da escrittura (diz o mesmo 
    Poeta) vivirão gloriosamente todos os antigos, 
    em quanto o mundo durar:   
    Tityrus, & Segetes, Æneiaq; arma legentur, 
    Roma triumphati dum caput orbis erit. 
    Vivet Mæonides Tenedos dùm stabit, & Ida, 
    Dùm rapidas Simois in mare volvet aquas. 
    Dùmq; suis victrix septem de mentibus orbem 
    Prospiciet domitum Martia Roma, legar.
       Os Gregos chamârão aos doutos Sophos, q? 
    quer dizer sabios; nome que por arrogante mu- 
    dou Pithagoras em o de Philosophos, que tan- 
    to monta como Namorados da sabiduria: os 
    Franceses Druidas: os Egypcios Sacerdotes: 
    os Hebreos Scribas: os Persas Magos: os Indios 
    Gymnosophistas: & nenhum destes (n? d’ ou- 
    tras naço?s) chamârão aos doutos Falladores.
    Mecenas, aquelle que tanto estimou as artes, 
    & sciencias, costumava dizer, que não estimava 
    a eloquencia por ser cousa falladora; mas que a 
    estimava por escritto, porque nelle se dizia tu- 
    do com silencio.   


    fol. [5v]
    Prologo.
       Os Paduanos querendo honrar a seu Tito 
    Livio puserãolhe estatua nos lugares mais hon- 
    rosos, assentado com h?a penna na mão, & 
    dous dedos na bocca. Dando a entender, que 
    aquelle que o quizesse imitar, escrevesse, & não 
    fallasse. Porque (como a experiencia mostra) 
    o hom?, que muito falla, danna a sua propria 
    pessoa, & o que escreve honra, & aproveita a 
    h?a republica. O fallar he cousa de muitos; & 
    o escrever de poucos: os que escrevem sabem; 
    & os que muito fallão errão, & obrão pouco, 
    & sabem menos.
    Assi que he tàm differente a eloquencia da 
    orthographia, & tàm fora de se comparar cõ 
    ella, que para o hom? ser sabio, ha de ser des- 
    tro no escrever; breve, & cauto no fallar. Com 
    tudo não nego, que o fallar bem, he ventajem, 
    que os hom?s estimão, como cousa tàm supe- 
    rior aos animaes: & que procurão os doutos 
    ser tàm aventejados nesta parte aos mais ho- 
    m?s, como o saõ em muitas artes, & sciencias. 
    Porque as palavras saõ o toque, em que se vê o 
    valor das pessoas, & a differença, que ha do no- 
    bre ao plebeio; & do vicioso ao bem instituîdo. 
    Porem digo, que se esta ventajem se conhece 
        

     

    fol. [6r]
    Prologo.
    nas palavras, muito mais se conhecerâ na per- 
    feição das letras, & certeza na orthographia. 
    Porque as letras, & escrittura saõ retratto, & 
    representação do que se falla; & se o hom? he 
    politico nas palavras, passa, & esquece; porem 
    se acerta no que escreve, fica nessas letras com 
    perpetua fama.
       Polo que concluindo com este argumento di- 
    go, que se os nobres doutos, & sabios, querem 
    ser mais aventejados aos mais hom?s, como o 
    saõ aos brutos animais, devem têr mais cuida- 
    do no escrever ao certo, do q? tem de bem fallar.
       Alem do que este he o principio, & assento 
    de todas as sciencias, sem o qual senão poderâ 
    saber com fundamento alg?a dellas: como af- 
    firma Quintiliano lib. I. Inst. orat.
       Por conhecer esta verdade o Philosopho, 
    sendo tam sciente, senão desprezou de ensinar 
    esta arte ao grande Alexandre tàm exactamen- 
    te, como se fora mestre d’ escolla, dando por ra- 
    zão o que se segue: Non sunt contemnenda quasi 
    parva, sine quibus magna constare non possunt.
    Quanta dilijencia puserão os antigos, & 
    sabios Romanos na arte de seu escrever, teste- 
    munhas são as pedras, moedas, & medalhas de 
        

     

    fol. [6v]
    Prologo.
    seus tempos, que hoje em dia leemos: em as 
    quaes senão acha vicio, por serem escrittas cõ 
    grande perfeição. Tanto, que querendo o gram 
    Pompeio escrever seu nome, & titulo no tem- 
    plo da Vittoria, que elle havia edificado, em q? 
    declarasse, como fora tres vezes Consul, toman- 
    do parecer dos mais doutos de Roma, porque 
    h?s dizião Tertium; & outros Tertio, pedio a 
    Cicero o determinasse. O qual (como tam sa- 
    bio, & prudente, que era) porque nenh?, dos 
    q? havião dado seu parecer, ficasse descontente, 
    mandou que se escrevesse o titulo abbreviado 
    com as primeiras letras sômente.
       E assi os Romanos julgavão esta arte per 
    h?a das mais importantes âs respublicas, dizen- 
    do, que ella era lume das sciencias, & a que dif- 
    ferençava as respublicas politicas das barba- 
    ras.
       Marco Varrão com ser tàm douto escreveo 
    muitos livros da Analogia, fundamento de b? 
    escrever.
    Iulio Cesar Monarca do mundo, que se não 
    prezava menos da penna, que da espada, escre- 
    veo outros muitos livros da Etymologia das 
    palavras.   

     

    fol. [7r]
    Prologo.
       O Emperador Augusto, sobrinho do mesmo 
    Cesar para se parecer com elle em tudo, se pre- 
    zou tanto desta arte, que nas cartas, que escre- 
    via de sua mão, por não fazer mâ repartição das 
    letras, acabava as regras com as palavras in- 
    teiras. E por tamanha falta tinha o erro de h?a 
    sô letra, que sendo hum Principe tàm clemen- 
    te, privou do officio a h? legado Consular, por 
    lhe escrever em h?a carta h? icsi, por h? ipsi.
       O grande Orador Marco Messala Corvîno 
    tam illustre per sangue, eloquencia, & digni- 
    dade Consular, escreveo sobre cada letra do al- 
    phabeto particular trattado.
       O Emperador Carlo Magno, Principe dou- 
    tissimo nas letras divinas, & humanas, & em as 
    linguas Hebrea, Grega, & Latina, estando re- 
    colhido em Aquisgrano o tomou a morte es- 
    crevendo, & reduzindo em arte a lingua, & es- 
    crittura dos Alemães.
       Com os quaes exemplos fica cond?nada 
    h?a barbaria novamente usada entre alg?s se- 
    nhores, & fidalgos, que leem mal, & escrevem 
    peior, como se fosse caso de menos valor o sa- 
    belo fazer com alg?a graça.
    E assi nestes nossos tempos, em que os ho- 
        

     

    fol. [7v]
    Prologo.
    m?s, que mais t?e, esses saõ os, que mais valem 
    (segundo aquillo do Poëta: In pretio pretium n?c 
    est: dat census honores) procurão sômente saber 
    arte que lhes dee ganho; & deixão perder mui- 
    tas, cujo principal interesse he virtude, & boa 
    instituição. Entre as quaes hia tambem esta ca- 
    minhando com passos agigantados para o Oc- 
    cidente da imperfeição, sendo arte tam necessa- 
    ria a todo genero de pessoa (morm?te âquelles, 
    que compõe) que me obrigou minha curiosi- 
    dade escrevela diffusam?te, acrescentãdo mais 
    letras ao nosso alphabeto. E não causarâ es- 
    panto teer mais tres tam necessarias; & menos 
    h?a das antigas tam ociosa, & superflua, como 
    todos sabemos, que he a letra K dos Gregos. E 
    se as razo?s, que pera isso dou, não forem bas- 
    tantes, fiquese tudo como d’ antes; & da ma- 
    neira, que o escrevo no principio ao antigo. 
    Porque com ellas não pretendo fazer meu no- 
    me immortal, como pretendia o Emperador 
    Tiberio Cesar, que tambem escreveo sobre a 
    Orthographia acrescentandolhe certas figuras 
    de letras, que servîrão em quanto elle viveo, de 
    que hoje em dia ha letreiros, & memoria. Sô 
    o fizpor curiosidade, que essa me obrigou tam- 

     


    fol. [8r]
    Prologo.
    bem ajuntar a este trattado outro da Memoria 
    artificial, que ensinou â minha instancia o Pa- 
    dre Christovão Bruno meu mestre insigne nas 
    Mathematicas, despois que leu sua nova Astro- 
    nomia de tres ceos sòmente, Aëreo, Sydereo, 
    Empyreo: & a navegação de Leste a Oeste: cou-
    sas dignas de perpetua memoria. O mais, que 
    lhe acrescentei, terà alg?a estima por ir no mes- 
    mo volume. Tudo offereço com a vontade, que 
    tenho de apresentar hum vocabualario Latino, 
    & Português intitulado: Compendio de voca- 
    bularios. O qual vai repartido per frases de Re 
    civica, nautica, rustica, & bellica: partes exte- 
    riores, & interiores do homem: officios, & vi- 
    cios do corpo: proverbios commumente usa- 
    dos em Latim, & Português. O que tudo tenho 
    quasi de todo acabado, porque pretendia es- 
    crever tudo em hum volúme. En tanto aceite 
    o Lector esta vontade.         Vale.

     

     

     

    fol. [8v]
    ORTOGRAPHIA, 
    OV 
    ARTE PARA ESCREVER 
    certo na lingua Portuguesa.
    CAPITVLO I.
    Que cousa seja orthographia, & quan- 
    to importa escrever com certeza.
    ORthographia he arte de escrever as vo- 
    zes com as letras dividas á direita pro- 
    nunciação, & segundo sua orijem: por- 
    que orthos (em Grego) quer dizer, direi- 
    to; & graphos, escrevo: como se dissessemos, escrevo 
    como pronuncio.
    A pronunciação he h?a voz de h?a, ou muitas 
    syllabas, a qual se chama voz articulada, porq? sen- 
    do ouvida, se escreve na forma, que se entende. Esta 
    voz he distinta de outra, que se chama coufusa, por- 
    que não representa mais que hum simplez som; como 
        

     

     

    fol. 1r
    hum jemido, ou balido de animaes, alarído de cães, 
    canto de aves; & a voz articulada he clara, & intel- 
    ligivel, da qual a mais pequena parte, & individua 
    he letra, & dellas constão as syllabas, & das syllabas 
    as dicções, ou palavras. Polo que os antigos chamá- 
    rão ás letras elementos; porque da maneira que del- 
    les estão todas as cousas fabricadas, assi das letras 
    o estão todas as palavras.
       Despois de compostas, & unidas as letras ficão, s?- 
    do syllabas, & as syllabas juntas ficão sendo dicções, 
    inda que ha alg?as palavras de h?a só syllaba, q? fa- 
    zem cabal sentido; as quais ja deixão de ser syllabas, 
    porque se chamão dicções: não trato destas, se não de 
    aquellas, que se compõem de duas, ou mais.
       Derivase syllaba de syllabanos, verbo Grego, q? 
    quer dizer cõpreh?der: h?as saõ lõgas; outras breves; 
    outras comm?as, & neutraes. As breves (como taes) 
    se abrevião na pronunciação; & nas longas se alar- 
    ga: porem as comm?as hora saõ breves; hora longas: 
    conforme a disposição do escritto.
    A syllaba (emquanto he parte de dicção) carece 
    de sentido, & significação: porque se dissessemos, ho- 
    mem (separada h?a syllaba de outra) nesta maneira, 
    ho mem, não fica dizendo nada; mas juntas sim, por 
    que dizem, homem.   

     


    fol. 1v
       Desta maneira se formão as dicções, a que os Dia- 
    leticos chamão termos, quer sejão verbos, quer nomes. 
    Destes termos, ou dicções, tem conhecimento o ouvido 
    pela voz, que se forma com a percussaõ do ár ajuda- 
    do dos instrumentos da bocca, arteria, lingua, & 
    beiços.
       Dividese a voz (como tenho ditto) em duas ma- 
    neiras; articulada, & confusa. Diremos articula- 
    da à do homem: porque desde qualquer de suas letras 
    juntas, ficão fazendo claro, & distinto significado. 
    A confusa (como tambem tenho ditto) he propria de 
    animaes, & de qualquer som, ou estrondo, que care- 
    cendo de letras, não se aclara, supposto que tenhamos 
    conhecim?to natural de sua significação: como o sus- 
    piro, ou jemido do homem.
       Destas mesmas vozes, palavras, ou dicções se faz 
    h?a clausula, ou periodo, que se compõem de varias 
    orações, que estão sinaladas com virgulas, & pontos, 
    sinais admirantes, parenthesis, interrogantes, notas, 
    & accentos, de que usamos para intelligencia do es- 
    critto, sem o qual não se entende bem o q? se lee, corrõ- 
    pendose muitas vezes as palavras.
    De maneira q? não som?te se chamará orthographia 
    a de b? escrever mas ainda a de boa, & cõgruapõtua- 
    ção. Porq? o escrever, como se pron?cia, he com a pen- 
        

     


    fol. 2r
    na imittar a lingua, estampar com letras aquillo, que 
    declaramos com palavras: (não acrescentando, nem 
    diminuindo, pois não he necessario, antes fiqua sendo 
    mais perfeito o modo de aquelle, que cõ esta arte imit- 
    tar a natureza) & quanta mais propriedade tiuer 
    nos pontos & accentos, tãta mais ventajem terà. Por- 
    que as letras se inventáraõ para dar noticia em pre- 
    sença das cousas, que se fizerão em ausencia: o que 
    naõ poderá fazer escrevendose confuso. E com isso 
    naõ seriamos entendidos (ou mudarsehia a pronun- 
    ciação, & com ella a lingoajem) usando o som das 
    vozes com o rigor das letras, que estiuessem á vista, 
    que seria erro manifesto.
    Por onde esta arte mostra ser de muita importan- 
    cia por ser o bom escrever copia de bem fallar, & lu- 
    me das scripturas, que como tal a estimárão sempre 
    os doutos, sendo exquesitamente curiosos della.   
    CAPITVLO II.
    Da divisaõ das letras: & seu principio.
    LEtra he voz simplez, que se nota com h?a soo 
    figura: como A, B, C, &c. Os antigos disse- 
    rão que as letras tiverão denominação de legiteræ, 

     

     

    fol. 2v
    que para cõ os Latinos, he o que qua dizemos, alivio 
    de caminho, para saber leer. Outros dizem que vem 
    de lino, linis; que quer dizer manchar: ou litura, æ, 
    que significa borraõ, polos sinais pretos cõ que se for- 
    mão as letras, que fazemos no papel, ou pergaminho. 
    Mas de qualquer dirivação que venha, seu fim prin- 
    cipal de se averem inventado, foi pera grande mys- 
    terio da religião, & ornamento da vida humana, & 
    para thesouro, & custodia de acontecimentos de cou- 
    sas feitas, & palavras dittas.
    Estas letras saõ mais, ou menos, segundo as lin- 
    guas; porque segundo suas pronunciações h?as tem 
    menos, & outras mais. As Hebreas foraõ as primei- 
    ras de q? se teve noticia: valèraõse de vinte, & duas. 
    Siguirão os Caldeos, & Sirios a mesma ord?: cujas 
    letras foraõ as mesmas, quanto ao numero, & senti- 
    do; porem (nos caracteres) em figura differentes. Os 
    Phenices attribuíaõ a sí a inv?ção das letras, por se- 
    rem os primeiros, que as trouxerãõ a Grecia no tem- 
    po, que Cadmo buscava a sua irmãa Europa. Assi 
    o affirmão muitos authores: dos qeais de hum o Poë- 
    ta Lucano, que diz no lib. 3.   

     

     


    fol. 3r
    Phenices primi (famæ si creditur) ausi, 
    Mensuram rudibus voc? signare figuris.
       De Grecia as trouxe Nicostrata a Italia, onde 
    as ensinou na lingua Latina cõ dezasette letras só- 
    mente: sem embargo que o povo usava de h?a manei- 
    ra de letras; & os Sacerdotes de outras diversas. Os 
    Latinos despois destas dezasette letras forão acres- 
    centãdo em seu alphabeto outras, com que fizerão nu- 
    mero de vinte & tres, em que entra a letra H, de que 
    diremos. Nòs á sua imittação pusemos em nosso al- 
    phàbeto as mesmas letras, que saõ as seguintes.
    A B C D E F G H I K L M N O P Q R S T V X 
    Y Z. Destas saõ seis uogais, a, e, i, o, u, y. Chamãose 
    assi, porque ellas per sí mesmas enchem a voz: como 
    se vé quando as pronunciamos, sendo mais interiores 
    h?as que outras, começando da primeira. Destas vo- 
    gaes tém vigór de consoãtes (ferindo outra vogal) i, u. 
    Esta razão me obriga dizer que saõ differentes por- 
    q? em boa orthographia tém outra forma, que he j, v; 
    & não i, u: como mostrarei a diãte em alphabeto mui 
    declarado, que se deve imittar. Posto q? no principio 
    (em que as cousas sempre saõ asperas) pareça diffi- 
    cultoso, em pouco tempo se acharà per experiencia a 
    muita importancia de assi o irmos introduzindo na 
        

     


    fol. 3v
    nossa escrittura & boa orthographia Portuguesa; 
    por serem estas duas letras j v differentes das outras q? 
    pronunciamos como vogaes. E assi tambem differen- 
    çaremos a letra C (a que respõde a letra K dos Gre- 
    gos) da letra ç que he propria da nossa lingua; como 
    o provaremos a diãte, tratãdo do vigor de cada letra.
       Finalmente (tiradas as vogaes) as de mais se cha- 
    mão consoantes, porq? não se pod? pronunciar, se não 
    ferindo, ou soando com vogal. Destas consoantes ha 
    duas especies: h?as mudas; outras semivogaes. As mu- 
    das saõ estas B, C, D, G, K, P, Q, T. E chamãse mudas 
    porque per sí sòs não se pódem pronunciar, nem sóaõ 
    sem ajuntamento das vogaes. As semivogaes, q? quer 
    dizer meias vogaes, saõ outras oito: F, L, M, N, R, S 
    X, Z. Destas saõ liquidas L, R, quando lhes precede 
    muda: como clamar, gravar. F, ante destas liquidas 
    fica muda; como flãma frutto. H naõ he letra, senaõ fi- 
    gura de aspiração. Alem destas temos outras em pro- 
    nunciação, posto q? em figura as não tenhamos em nos- 
    so alphabeto, & saõ estas ch. lh. nh: como direi des- 
    pois do seguinte alphabeto; 
    Aa,
    Bb,
    Cç,
    Dd,
    Ee,
    Ff,
    Gg,
    j,
    Hh,
    Ii,
    Cc,
    Ll,
    Mm,
    Nn
    à,
    be,
    ce,
    de,
    é,
    efe,
    ga,
    je,
    h,
    íi,
    ca,
    ele,
    eme,
    ene,
    Oo,
    Pp,
    Qq,
    Rr,
    Ss,
    Tt,
    uu,
    Vv,
    Xx,
    Yy,
    Zz,

    ~
    ò,
    pe,
    que,
    re,
    se,
    te,
    ú,
    ve,
    xi,
    ypsilõ,
    ze,

    til.
        
        
        
        
        
    fol. 4r
    As vogaes saõ a, e, i, o, u, y. As mudas saõ, b, ç, d, 
    g, j, c, p, q, t, v; semivogaes, f, l, m, n, r, s, x, z. Des- 
    tas saõ liquidas l, r: & dobradas, x, z: & preced?- 
    do f, ao, l, r, tem força de muda. H não he mais que 
    figura de aspiração com que damos força ás vogais. 
    Alem destas temos tres tenues; mas não aspiradas, 
    ch. lh. nh. Poderemos usar em nomes Gregos, & La- 
    tinos destas suas aspiradas, ph. rh. th. dandolhes a 
    pronunciação de f, r, t. Porem da aspirada ch, por 
    se encontrar com a nossa ch, a não usaremos: soom?- 
    te aconheceremos para quando aleermos darlhe esta 
    pronunciação, qui. Como tambem conheceremos a le- 
    tra K, dos Gregos soomente para leermos duas dic- 
    ções Latinas, Kirios, Kalendas.

    Pontos, & notas, de que frequentem?te usamos:
    Notas menos usadas:


    , Virgula 
    .. Apices 
    ; Colon imperfeito 
    ? Vnião 
    : Colon perfeito 
    ? Desunião 
    . Ponto final 
    F Falta 
    ? Interrogação 
    C Meio circulo 
    ! Admiração 
    * Asterisco 
    ( ) Parenthesis 
    ( Obelisco 
    - Divisaõ 
    ? Brachia 

     


    fol. 4v
       
    ? Angulo 
    ?  Longa syllaba 
    § Paragrapho

       
    Dos tres accentos chamado agudò, grauè, circun- 
    flexò usamos sòmente de dous: & outro si do chamado 
    Apostropho: como se verà neste trattado.   
    CAPITVLO III.
    Das letras do alphabeto come- 
    çando da primeira letra
    A.
    ESta letra A, he vogal simplez, & pura, & na 
    quantidade duvidosa, assi para nòs, como para 
    os Gregos, & Latinos: porque he breve; & pòde ser 
    longa, segundo o lugar onde caír: para o que servem 
    os accentos agudo, & circunflexo, de que avemos de 
    trattar.
    Os Hebrêos, Gregos, & Latinos (a que nós 
    imittamos, por a lingua Portuguesa tér orijem da 
    Latina) começárão seus alphabetos nesta letra A. Os 
    Hebreos lhe chamárão Aleph: os Gregos Alpha: os 
    Latinos A: na forma que a pronunciamos.   
        
        
        
        

    fol. 5r
       Dão varias razões os que escrevérão sobre esta 
    materia. H?s dizem que os Gregos, & Latinos co- 
    meçárão por esta letra, por imittarem o alphabeto He- 
    breo, reconhecendo esta lingua per origem, & inven- 
    tora das letras. Outros dizem, que a razão de se pór 
    no principio de todas as letras, foi por ser a mais pro- 
    xima ao coração; que como elle he principio da vida, 
    assi o he de todas as letras; que parece sae do mais in- 
    terior de nosso peito, quando pronunciamos esta letra 
    A. Finalmente dizem outros, que he posta no princi- 
    cipio de todas as mais por ser a primeira que pronun- 
    ciamos quando nascemos.
    De h?a maneira, ou de outra, quer breve; ou lon- 
    ga, não he mais que h?a sò letra: & em quanto letra 
    elemental, não tem accento, nem medida; se não des- 
    pois que he feita dicção: porque per sí só não he breve 
    nem longa; que a selo, he accidentalmente.   
    CAPITVLO IIII.
    Da letra B.
    HE esta letra B. das que chamamos mudas: 
    a qual se forma com a respiração, que che- 
    gando aos beiços estando cerrados, & juntos, os abre, 

     

     

    fol. 5v
    & sae do meïo delles o som com seu inteiro soído.
       Tem esta letra muita semelhança, & affinidade 
    com a letra consoante v; com que faz errar a muitos 
    Portugueses de entre Douro, & Minho, & os mais 
    dos Castelhanos, que não advertindo o que vai de h?a 
    á outra, as trocão na pronunciação, dizendo: Brabo; 
    & bravo: avano; & abano: aldraba; & aljava: co- 
    mo aldrava; aljaba: barrer; & varrer: & peior, dï- 
    zendo bosso, buestro; por vosso, & vuestro &c.
    Tem mais h?a propriedade esta letra B, que não 
    admitte ante sí N, se não M: como a ditta letra M; 
    & outrosi a letra P: de que daremos razão quando 
    dellas trattarmos.   
    CAPITVLO V.
    Da letra ç.
    ESta letra ç, he mui differente de C, assi no no- 
    me, como na figura: & como taes tem duas pro- 
    nunciações diversas: porque com h?a dizemos, caca, 
    & com outra caça: barca, que navega; & barça, 
    vaso de palha: acude, verbo; açude de moînho: & as- 
    si calco; & calço moca; & moça: cappa; & çappa. 
    E por ter esta clareza me admiro não estar posta em 

     

     

    fol. 6r
    nosso alphabeto na forma, que agora o ordenei. Por- 
    que no trocar h?a letra por outra, não sòmente troca 
    o sohido; mas ainda altéra o sentido nas dicções, que 
    tem differente significação.
       Polo que digo que esta letra ç, he das que chama- 
    mos mudas: & tem por excell?cia não se acabar nel- 
    la dicção alg?a; nem ser ferida de outra alg?a letra: 
    antes fere, & toca todas as vogaes com aquella brã- 
    dura, que esta letra de si tem: como se vè nestes ex?- 
    plos, açucena, cifra, maçãa, poço, buço: sua pro- 
    nuncíação se faz tocando brandamente com a lingua 
    no ceo da bocca, & alto dos dentes; bem differente do 
    que quando pronunciamos a letra C, q? a modo do pro- 
    nunciar do, K, Grego (em cujo lugar ha de ficar) sae 
    do interior da lingua, lançando a respiração com a 
    bocca mais em alto.
    Por onde importa muito aos q? guardão as boas 
    regras de orthographia, escrever nesta conformida- 
    de para ficar introduzido (porq? a obrigação minha 
    não he mais, que de como avemos de escrever, & de- 
    clarar a força, & vigor das letras, com o significado 
    & voz dellas) não sòmente polo proveito, que disso ti- 
    ramos, mas pola reputação, que a lingua Portugue- 
    sa terà entre as mais nações, que carecem della: por 
    tér cada letra seu officio, & não h?a sò letra dous 
        
        
        
        
        
    fol. 6v
    diversos; hum proprío; & outro improprio: como to- 
    dos os Ortographos dizem.
    Advirto que não tem esta letra necessidade do 
    rasgo, ou cifra debaixo, quando tocar as letras e, 
    i, porque junta a qualquer dellas, não tem outro sohi- 
    do, segundo a pron?ciação destes tempos: & assi di- 
    zemos, cinquo, cinto, cisne, cidra, cesto, certo, cento. 
    Masse se puser não será erro, visto ser esta sua forma.   
    CAPITVLO VI.
    Da letra D.
    TEmos pouco que trattar desta letra D, mais q? 
    dizer q? he h?a das consoantes, a que chama- 
    mos mudas: & que tem h?a certa simpatia, ou igual- 
    dade com a letra T. Polo que os antigos usárão h?a 
    por outra, pron?ciãdoas de h?a mesma maneira. Por- 
    que formãose ambas tocando com a lingua nos dentes 
    altos; não obstante que pera a letra T, conv? pronun- 
    cíarse com mais espirito.
    Nenh?a dicção terminamos nella: como fazem os 
    Castelhanos. Donde errão dizerem, q? tem dous dd: h? 
    para o principio da dicção, outro para o fim della: & 
    assi dizem merced, maldad: terminando nella todos 
    os imperativos do plurar: como traed, amad.   
        
        
        
    fol. 7r
    CAPITVLO VII.
    Da letra E.
    MEnos ha q? dizer desta letra vogal E, sòm?te 
    que he letra simplez; & não de duas ma- 
    neiras, como alg?s cuidão, fazendoa h?a vez grande; 
    & outra pequena: sendo assi, que na pronunciação a 
    não differençamos dos Latinos: sòmente no escrever 
    a notamos com accentos, ou com dous, ee: na manei- 
    ra que fica ditto da letra A, & a diante diremos da 
    letra, O. em seu capítulo.
    CAPITVLO VIII.
    Da letra F.
    HE esta letra F, das que chamamos semivo- 
    gaes; inda que alg?s quer? que o não seja; se 
    não sempre muda. O qual lugar sòmente lhe 
    damos quando precede às duas letras liquidas L, R, 
    dizendo Flandes, França. Não se acaba nella dic- 
    ção alg?a: sua pronunciação se faz tocando com o 
    beiço baixo nos dentes altos. Não tem differença es- 

     

     

    fol. 7v
    ta letra F, do Ph .Grego: inda q? tinha muita em al- 
    gum tempo; porque se pronunciava com muita suavi- 
    dade Ph; o que não tinha o F, Latino por valer tan- 
    to como V, consoante, a que os Eolicos chamavão, vau: 
    & delles a tomàrão os Latinos para escreverem os 
    vocabulos de sua lingua, que escrevião per V, consoã- 
    te. Mas despois para fazerem a differença dos nomes 
    Latinos aos dos Gregos (porq? todos os escrevião per 
    Ph. começárão usar a ditta letra F, nos nomes Lati- 
    nos, que não tinhão a origem Grega. E afsi se hade de 
    advertir que as dicções Latinas escreveremos com a 
    ditta letra F: & as dicções, & palavras Gregas, que 
    tem Ph podemos escrever na mesma maneira, ou com 
    F, Latino: como orthographia, & ortografia, Phi- 
    losophia, & filosofia; a propriando esta letra Ph. à 
    Portuguesa. Ainda que muitos, & boõs Orthogra- 
    phos escrevem este nome Filippe, desta maneira, & 
    não Philippe: como muitos do vulgo, & quasi todos, o 
    escrevem. Nisto vai pouco; porque não se impedindo 
    a pronunciação se ha de seguir o uso em alg?as pa- 
    lavras.

     

     

     

    fol. 8r
    CAPITVLO IX.
    Da letra Ga: & je.
    ESta letra G, (a que chamaremos, ga) he muda, 
    de q? usamos em sua propria pronunciação quã- 
    do precede a estas tres vogaes, a, o, u: como garganta, 
    gomo, gume. E esta letra j (a que chamaremos je) he 
    tambem letra muda & tem sempre sua pronunciação 
    com todas as vogaes, dizendo, jazmim, jej?ar, jinja, 
    jogo, jugo. A qual pronunciação fazemos igualm?te 
    sem trocarmos a valia desta letra, n? mudarmos o soí- 
    do della: o q? não fazemos cõ a ditta letra G, q? para tér 
    sempre a pron?ciação, he necessario em chegando ás vo- 
    gaes, e, i; meter de permeïo a letra vogal, u, faz?doa 
    liquida; que muïtas vezes o não fica sendo: como se vé 
    nestas dicções, guela, arguir. E em todas as dicções, 
    que antes do, a, entremetemos a ditta vogal, u; tem es- 
    se, u, liquido, meïa pronunciação de, o; como se vé nes- 
    tas palavras, aguarda, agua, lingua, mingua.
    E assi se ve que he mui differente dizerse, ja, je, 
    ji, jo, ju; do que ga, ge, gi, go, gu; que para tér, a pro- 
    nunciação de ga com as dittas letras, e, i, havemos de 
    dizer, & escrever desta maneira: Ga gue, gui, go, gu: 
    como gaguejar, guisar, gotejar, gurgulho.    
        
        
        
        
    fol. 8v
       Polo que se ha de differençar, j, de G; chamando 
    a primeira je; & a segunda ga, que he sua pronuncia- 
    ção direita; & toda a mais que atè gora lhe davamos 
    (juntas as letras e, i) he alheia de sua valia. E assi no 
    pronunciar desta letra, j, tocamos com a lingua no ceo 
    da bocca branda, & suavemente dizemos, je; mui dif- 
    ferente da pronunciação do Ga, que se forma com a 
    respiração do mais interior da nossa lingua, que pro- 
    pria pron?ciação dos Mouros, dos quaes a recebemos.
    E escrevendose assi, ficase dando a cada letra o 
    que he seu, sem se mudar o sohido, nem alterar o sen- 
    tido: estimando esta letra, por suprir o desconcerto de 
    dizermos guelra; & logo, trocandolhe a valia, dize- 
    mos guela; não ficando o, u, liquido antes do, e; nem 
    menos antes de, i: como se vio no exemplo, arguir.   
    CAPITVLO X.
    Da aspiração H.
    H Naõ he letra mais que na figura: sòmen- 
    te serve aos Latinos para nota de aspira- 
    ção (como logo diremos) que para isso a inventàrão, 
    que he dar força a vogal, a que se ajunta. Mas para 

     

     

    fol. 9r
    a lingua Castelhana he de muita importancia, & tem 
    muita valia, servindolhe de F, nos vocabulos, que com 
    elle pronunciavão antigamente, que onde dezião, fidal- 
    go, fijo, fazienda; dizem hijo, hidalgo, hazienda. E 
    nestes vocabulos, huevo, huérto huevo, huerfano, hues- 
    so, & outras semelhantes lhes serve de G, na pronun- 
    ciação: como, gueco, guesso guevos, &c. Porque fica 
    soando mal, & peïor escrevendose, uevo, uerto, uesso: 
    porque se ha de escrever na forma acima com o ditto 
    H.
       Nós usamos desta letra na escrittura como os La- 
    tinos antes de vogal, & despois de consoante: como, 
    Henrique, homem Mathematico, Rhetorico, Philoso- 
    pho. Porem na pronunciação a não sentimos: porque 
    tanto pronunciamos com aspiração, como sem ella: di- 
    zendo, Enrique Matematico, Filosofo, &c. pronun- 
    ciando erdeiro, como herdeiro: onrado, como hon- 
    rado.
    Sòmente sentimos a ditta aspiração, quando pro- 
    nunciamos ha, ha: (significando riso) como nas duas in- 
    terjeições dos Latinos ah, oh. (dicções em que somen- 
    te precede a vogal) porque com ah escrev?do nesta for- 
    ma significamos temor; ou indinação, a differença de, 
    A, articulo, & preposição: & com oh significamos es- 
    panto a differença de O. Quando chamamos: cujo mo- 
        
        
        
        
        
    fol. 9v
    do entendem os Grãmaticos: & a elles pertence mais 
    este modo do que a outros.
    Porem pronunciaremos, & escreveremos cõ a dit- 
    ta aspíração termos differentes que saõ estes Ch. lha. 
    nh: tres pron?ciações proprias da nossa lingua, que os 
    Latinos não conhecèrão. Donde errão os que escrevem 
    dicções Portuguesas per ch. dirivadas dos Latinos, 
    & Gregos, com que se embaração muitos, que não sa- 
    bendo differençar os nomes Latinos dos vulgares pro- 
    nuncião h?s por outros, errando na pronunciação, co- 
    mo no significado: como coro (per ajuntamento) escre- 
    vem choro, por se mostrarem Latinos: não vendo que 
    dessa maneira significamos pranto: & que de h?a ma- 
    neira pron?ciamos coro; & de outra choro: como ca- 
    co, & cacho: caca, & cacha: marca, & marcha. Po- 
    lo que nestes nomes monarchia, architecto, chimera, & 
    outros desta maneira aspirados, escreveremos per qui, 
    ou co: como Monarquia, maquina, quimera, ancora 
    arquitecto, carissimo: & outros desta maneira, que 
    por brevidade deixo, assi os escreveremos, porque da 
    mesma maneira os pronuncìamos. Porque a boa orto- 
    graphia consiste em escrever, como pronunciamos: & 
    da mesma maneira pronunciar como escrevemos. E 
    assi como os Gregos Latinos, & Arabes não tem, nem 
    conhecèrão esta nossa pronunciação cheminé; chinella, 
        
        
        
        
        
    fol. 10r
    marcha, chora, chupa; assi nòs não temos (na nossa 
    materna) a sua per ch; nem letra com que signifique- 
    mos o x dos Gregos. Assi que quando virmos escrit- 
    tos estes nomes, & outros semelhantes, lhes daremos 
    a pronunciação de qui, & C: & assi o usaremos na es- 
    crittura Portuguesa.
    E do que toca a lh. & nh. trattaremos nos capi- 
    tulos desta letra, L, N: que nelles se verà, como deve- 
    mos usar dellas.   
    CAPITVLO XI.
    Da letra vogal I.
    ESta letra I, andou atégora com dous appellidos, 
    de vogal, & consoante; fazendo igual, I, a je. 
    Sendo assi que todos dizem, que hum he curto, & ou- 
    tro comprido: & que de hum usarìamos per vogal & 
    do outro per consoante. Poís porque não lhe daremos 
    seu lugar apartado, assi como o he na pronunciação, 
    & forma? Porque o proprio sohido de I, vogal he o 
    destas dicções as primeiras syllabas, ira, imajem: & 
    de j, o destas, jazmim, jej?ar, jinja, joga.
    Polo que assi como fica dïtto no capitulo da letra 
        
        
        
        
        
    fol. 10v
    G, & adiante tratto no da letra y, devemos de usar 
    de I, vogal (a que chamamos I, Latïno) na nossa es- 
    crittura, como os Latinos, por atalharmos a tantos em- 
    baraços, quantos cada dia vemos cõ escrevermos h?as 
    dicções hora com j; hora com I: & por termos nisso cõ- 
    fusaõ escrevemos quasi todas per y: & aonde a deve- 
    mos escrever não sabemos; porq? hade ser nas dícções 
    Gregas, a onde he necessario escreverse com ella: como 
    hymno, mysterio, nympha: como se dirá no capitulo 
    desta letra: para o qual fica esta duvida: Como deve- 
    mos escrever a construição deste nome Latino, & seu 
    adjitívo, Baculus de albatus? Porque muitos os escre- 
    vem hora com j hora com y; hora com I, curto: sendo 
    que ha muita differença nestas tres palavras, chama- 
    das je, ypsilon, & iota.
    CAPITVLO XII.
    Da letra K dos Gregos, de que não usa- 
    mos: & da letra C propriamen- 
    te nossa.
    ESta letra K, por imittarmos aos Latinos, a pu- 
    semos em nosso alphabeto sem necessidade: pois 
    temos a letra Ca, q? responde a ella: & assi ambas tem 

     

     

    fol. 11r
    hum sohido, & formão a propria voz. Os Latinos a 
    tomàrão dos Gregos, para escreverem sómente duas 
    dicções com ella, Kirios, Kalendas, que escrevião 
    pelo mesmo C, ficando para todo o mais tam super- 
    flua, como para nòs impertinente, & de todo o ponto 
    inutil. E assi não escrevemos com ella dicção alg?a. 
    Polo que a não teremos em nosso alphabeto; antes em 
    seu lugar poremos a letra C: pois não he conveniente, 
    nem licito gastar o tempo com letra, que não serve: 
    mormente quãdo temos letra propria, que nos serve, 
    como serve o K, aos Gregos: tendo em tudo seu uso, 
    antes das letras vogais, a, o, u; dizendo cama, cami- 
    nho, caco; copa, cofre; cume, cubo.
       E por tér a pronunciação de qo; & não a mesma 
    valia, quando se ajunta ás outras vogaes, e, i, muda- 
    mos o C, em q, com u, liquido, com que ficamos ex- 
    premindo todas as vogaes de h?a mesma pronuncia- 
    ção, dizendo cappa, quedo, quieto, coma, custo. A- 
    inda que os Latinos pronuncíavão o C, com, e, i: co- 
    mo se fosse junto com, a, o, u: segundo se collíge de 
    Quintiliano, que diz o C, tér igualmente sua valia cõ 
    todas as vogaes: & que assi se pronunciava coce; co- 
    mo quo que: & Antioquia; como Antiocia, sem as- 
    piração.
    Porem nòs, por atalharmos acorrucções, escreve- 
        
        
        
        
        
    fol. 11v
    remos na forma acima com C, junto ás letras, a, o, u: 
    & com qu, junto às letras, e, i: conhecendo a letra C, 
    por K: & a letra ç por terceira do nosso alphabeto, 
    com que dizemos, a, b, ç.
    Polo que não admittiremos em nossa escrittura 
    a ditta letra K, dos Gregos, pois pera nòs he ociosa, 
    & sobeja.   
    CAPITVLO XIII.
    Da letra L.
    A Semivogal letra L, he liquida, quando lhe 
    precede muda. Sua pronunciação he suave. 
    De maneira que os pividosos a formão conforme sua 
    natureza, que he tocando com a lingua no alto do pa- 
    adar. E por ser esta os Hebreos, Gregos, Latinos, 
    & Arabes, & todas as mais nações do mundo a usà- 
    rão sempre, porque he mui importante com todas as 
    vogaes. Porem nòs atemos de maneira aspirada, ou 
    tenue nesta maneira per lh, que nenh?s dos acima a 
    tem, nem conhecérão: & alg?as nações ha, que nem 
    com tormento a pronuncião. Assi que esta pronun- 
    ciação mulher, melhor, he propria da nossa lingua 
    Portugueza.

     


    fol. 12r
    Os Castelhanos a querem suprir com dous ll: & 
    dõde nòs dizemos Castelhanos; dizem elles: Castellanos: 
    ou a mudão em j: como nestes vocabulos, semelhança, 
    telha, trabalho, mulher, & dizem semejança, teja, 
    trabajo, mujer. E daqui vem escreverem mal todos os 
    vocabulos Latinos, que tem dous ll. que na sua lingua 
    Castelhana guardão o sohido Latino, por estarem in- 
    corruttos: porque necessariamente lhe tirão hum dos 
    dous ll: como nestas palavras, syllaba, Tullio; escrev? 
    Tulio, sylaba. Porque escrevendoas como devéra ser 
    ficarião dizendo Tulhio, sylhaba. Ao que elles respõ- 
    dem, que a letra l, duplicada, & feita em ll, não fica 
    sendo dous ll; se não hum só. E ja que assi o querem, 
    assi seja, pois pagão com dízerem que o mesmo faze- 
    mos nos com dous rr: como nestas dicções; terra, cor- 
    rutta. E não vem que estas palavras pronunciamos 
    de maneira a que sentimos ficar hum r, com a syllaba 
    precedente; & outro com a seguinte: assi, ter-ra, cor-
    rutta. O que não he, nem poderá ser neste nome Caste- 
    lhano, villa: porque não o pronuncião de maneira que 
    pareça, que fica hum l. com a syllaba precedente, & 
    vai outro com a seguinte: mas assi a pronuncião, como 
    se, l, el, fossem h?a sò letra. Porque não se pode divi- 
    dir assi vil-la; mas assi vi lla, que he divisaõ sua: em 
    que dous ll, ferem h?a mesma vogal, q? he contra toda 
        
        
        
        
        
    fol. 12v
    razão da boa ortographia. Porque nenh?a lingua sof- 
    fre, que duas letras de h?a especie possaõ juntas ferir 
    h?a mesma vogal. E por ser tam urgente esta razão, 
    nos vão imittando alg?s Castelhanos esta nossa orto- 
    graphia.
    CAPITVLO XIIII.
    Da letra M.
    M He letra semivogal: sua pronunciação he 
    branda, por se formar quasi fora da bocca 
    entre os beiços: fere todas as vogaes direitamente; não 
    admitiindo antes, nem despois de si outra consoante, 
    mais que B, & P: & a mesma letra M. Ante as quaes 
    sempre escreveremos M, & não N: & assi dizemos am-
    bos, tempo, immenso; & não tenpo, anbos, inmovel.
    Os Castelhanos dizem que não tem obrigação de 
    guardar esta regra: & tem por mais acertado dizerse 
    em sua liguajem inmortal, enbaraço, inperio; do que 
    immobil, embarcacion, & imperios: que he o que nos 
    fazemos da letra N, quando se segue consoante, diz?- 
    do Antonio ensina; & não Antonio emsina: immittan- 
    do aos Gregos, & Latinos, que guardão esta regra de 
    escrever M. antes de B, & P, M.    
        
        
        
       
    fol. 13r
    Com tudo hasse de advertir, que ha alg?s nomes 
    propriamente Gregos, & verbos Latinos, que admit- 
    tem m, & não n, antes da ditta consoànte n, que he 
    bem se saibão, para sabermos usar delles sendo neces- 
    sario: como hymno, solemne; somno, condemno, cal?- 
    nio: & muitos nomes proprios, que por brevidade dei- 
    xo: como Agamemnon, Polymneia, Clytemnestra, & 
    outros, que os versados na lingua Latina sabem, & 
    usaõ na pronunciação, & escrittura. E só este nome 
    Latino se achará, que se escreve com m antes de s, 
    que he hyems.   
    CAPITVLO XV.
    Da letra N.
    N He semivogal: della se servem as linguas por 
    ser mui necessaria: & nenh?a a põe (salvo 
    a Castellana) antes das tres letras, B, M, P: nem se 
    ajunta com outra consoante, mais que com a letra S: 
    como, transferir, instrumento. Polo que na composi- 
    ção das vocabulos, quando vem as pronunciações, in, 
    con: se o verbo, ou nome, a que se ajunta, começa em al- 
    g?a das dittas letras, B, M, P; o N, se muda em M: 
    como embeber, commutar, implorar.

     


    fol. 13v
       Esta letra N, temos tambem tenue, ou aspirada; 
    della usamos nos vocabulos meros Portuguéses, ou 
    curruttos dos Latinos, q? na corrucção da lingua to- 
    márão essa letra em lugar de outras: como engenho, pi- 
    nheiro, penhor, lenho, grunhir, tamanha. Mas as dic- 
    ções Latinas, que antes de N, tem G, tendoas admit- 
    tidas em nosso vulgar, ja mais as alterarémos, nem es- 
    creveremos, se não como os mesmos Latinos: dizendo 
    magno, insigne, magnifico, digno, ignoto, consignar; & 
    outros desta maneira, que temos incorruttos.
       Porem estes nomes, sino, sinal, sinette, assinar, & 
    os q? destas palavras se derivão, escreveremos nesta ma- 
    neira. Porque a escrittura he retrato do que falamos; 
    & na pron?ciação temos tirado o G, nos dittos nomes: 
    & não he inconveni?te escrevermos estes, & outros s? 
    elle. Porque de alg?as palavras Latinas nos servimos 
    sem as corrompermos; & outras que por estar? corrut- 
    tas assi as pronunciamos, & escrevemos.
    Assi que as dicções Latinas corruttas escrevere- 
    mos da maneira que as temos; & as inteiras pronun- 
    ciaremos, & conservaremos na escrittura sem as cor- 
    rõpermos: como neste nome signum, que corrompemos 
    per detracção do G, diremos sino; & delle sinal, &c. 
    mas significo, & insigne, q? se derivão do ditto nome 
    ficão inteiros: & assi os escreveremos.    
        
        
        
       
    fol. 14r
    CAPITVLO XVI.
    Da letra O.
    A Letra vogal O, assi como não tem mais que 
    h?a figura, assi não tem mais que h?a sô natu- 
    reza: como fica ditto da letra A: que ser breve, ou lon- 
    ga, he accidente, como todas as outras vogaes. Não 
    (como muitos cuidárão) que tenhamos dous, Oo, hum 
    grande, & outro pequeno; como a cerca dos Gregos 
    omega, & omicron. A razão, que alg?s tiverão pa- 
    ra cuidar, que na lingua Portuguesa avia dous, Oo, 
    foi, por verem, que em h?s lugares pronunciamos com 
    grande hiato, & abertura da bocca; & em outras cõ 
    muito menos: como se vê nestas palavras, corvo, cor- 
    vos: cuja differença não consiste na grandeza, ou pou- 
    quidade do O; se não no alevãtar, ou abaixar do tom. 
    E assi não he necessario notar estas palavras com os 
    accentos agudó, & circunflexô; se não nas dicções em 
    que póde aver embaraço, & differença na significa- 
    ção: como na construição da terceira pessoa de possum 
    potest, que no preterito diremos pôde, com accento cir- 
    cunflexo; & no presente com agudò, dizendo pòde; ou 
    sem elle: & assi em outros desta qualidade.

     

     

    fol. 14v
    CAPITVLO XVII.
    Da letra P.
    ESta letra P, he das que chamamos mudas: a- 
    qual tem grande affenidade com o B: & por te- 
    rem este semelhança mudamos muitas dicções Lati- 
    nas, que tem P, em B; ou pelo contrario, as que tem B, 
    em P: como de Aprilis dizemos Abril; & de capra, 
    cabra; & de rabosa dizemos raposa, &c. O que não 
    he de espantar, fazermolo assi, por parecer, que não 
    imittamos os Latinos; sendo assi que para em tudo os 
    imittarmos, lhes fazemos o proprio, que elles mesmos 
    fizerão aos Gregos nas mesmas letras, inda que em dic- 
    ções differentes.
       Arazão he, porque estas letras pronunciaõse, & 
    formãose na mesma parte da bocca, & quasi com a 
    mesma postura dos instrom?tos, dãdo h? som mui seme- 
    lhante. Sô tem esta differença, q? o B, se pron?cia lã- 
    çãdo do meïo dos beiços o som, & o P, pron?ciase aper- 
    tando os beiços, & lançando o folego mais de dentro.
    Esta letra tem os Latinos aspirada, por quan- 
    to escrevião per Ph, as dicções Gregas: como fica trat- 
    tado no capitulo da latra F: mas nòs (nem elles) a 
    não temos no nosso alphabeto, porque não temos 
        
        
        
        
        
    fol. 15r
    figura propria perque se denote, como tem a cerca dos 
    Gregos (a que dizem Phi) que para cõ elles tem o lugar 
    do nosso F. Porem podemos escrever com a ditta letra 
    aspirada, os nomes Gregos: como antiphona. phantas- 
    ma, nympha, triumpho: apropriãdo à Portuguesa es- 
    ta letra Ph: na forma que fica ditto no capitulo da le- 
    tra F, que de h?a ou de outra (nas dittas dicções) nos 
    servimos, sem nisso aver erro.
    E acerca da letra M, que se ha de escrever antes 
    desta letra P, está largam?te ditto no capitulo da mes- 
    ma letra M, onde se poderá vèr, que sempre será M; 
    & não N, tirando esta dicção, inprimis, que inda que 
    Latina, està admittida en nosso vulgar.   
    CAPITVLO XVIII.
    Da letra Q.
    HE letra muda esta letra Q. a q? chamaremos 
    que: della usamos como os Latinos, que só el- 
    les (& os que delles tem origem) a tem em seu alpha- 
    beto. Nòs temos pouco que dizer della por ficar tratta-
    do a que basta no capitulo da letra K.
    Sòmente resta dizer que despois de Q. sempre se 
        
        
        
        
        
    fol. 15v
    escreve u, liquido, para modificar sua pronunciação: 
    como quando, quasi, quedo, quieto, vacqueiro, quero, 
    acquiro, quotidianno, cinquo, quomo, (per interroga- 
    ção) à differença de como. E alg?as vezes se segue ou- 
    tro, u: mas he em dicção Latina; & não Portuguésa. 
    E pondose o til (que he hum risco, que ordinariamen- 
    te se poem sobre vogal, supprindo a letra m, & n) so- 
    bre esta letra Q, suppre estas, ue: como q?.
    CAPITVLO XIX.
    Da letra R.
    R He letra semivogal: & quando lhe precede 
    muda fica liquida; como aggravar, Abril, fres- 
    co. Por ser a pronunciação desta letra aspera, he mui 
    trabalhosa de formar a muitas nações: & comumen- 
    te a todos pevidosos, quando se dobra, ou soa como do- 
    brada. Polo que se enganou com ella hum author mo- 
    derno, dizendo que h?a cousa he, r, dobrado; & ou- 
    tra å. singello: que o primeiro serve no principio, & 
    meïo das dicções; & o segundo só no meïo, & fim del- 
    las. Porque hum se forma com aspereza; & outro cõ 
    mais branda, & singella pronunciação.

     

     

    fol. 16r
    Assi que tem por grande erro escrevermos com dous 
    rr, na maneira que fica ditto no capitulo da letra 
    L. O que não sigo, por não aver razão para isso. Por- 
    q? dessa maneira à todas as letras se podião dar duas 
    figuras: h?a para quando saõ sinjellas; & outra pa- 
    ra quando saõ dobradas. O que enganou a este au- 
    thor foi, que ás vezes, sem se dobrar, se pronuncia 
    quasi como dobrado; sendo na verdade sinjello. O se 
    faz de cinquo, ou seis maneiras. A primeira se se po? 
    em princípio de dicção: como raiz, roda, redonda, ri- 
    co, rubí. Onde está claro que não pode ser dobrado, 
    por ser principio de syllaba; & não poderem duas le- 
    tras de hum jenero ferir a mesma vogal: como fica de- 
    clarado no capitulo da letra L. A segunda se antes 
    do, r, vai n: como honrado, genro. A terceira se pelo 
    contrario antes do, n, vem, r: como sarna, perna, 
    torna, furna. A quarta, se antes do r, vem s: como 
    Israel. A quinta da mesma maneira se antes de, r, 
    vem, l: como bulrar, pilrão. A ultima se adicção, 
    que começava em, r, se compòs com alg?a das prepo- 
    siço?s, pre, ou pro: como prerogativa, prerogar.
    Polo que entenda, & não se admire este author 
    de se escrever as palavras, que elle tras (rebuelta, rue- 
    da) com hum sò, r, no principio; & no meio da dic- 
    ção o dobremos, diz?do, arrastrar, derramar. A ra- 
        
        
        
        
        
    fol. 16v
    zão he porque sô entre vogaes se dobra, pronunciado 
    com aspereza. Donde errão os, que escrevem dous, rr, 
    antes ou despois de consoante, usando de letra super- 
    flua, por se enganarem com a pronunciação aspera, 
    dizem Henrrique elrrei goverrna. Assi que não ha 
    mais que h?a sô letra R, em potestade, simplez, & 
    não dobrada: que quando se dobra em voz, se dobra 
    tambem em numero, & isso entre vogaes.
    CAPITVLO XX.
    Da letra S.
    S. he h?a sô letra, & não duas; como alg?s pu- 
    serão em seus alphabetos, por estas figuras, S, 
    s. Porque essa differença he para graça da escrit- 
    tura; mas não para fazer differença na pronuncia- 
    ção: que ser, s, comprido, ou, s, curto, não he por se- 
    rem de duas especias: nem menos hum sinjello; & ou- 
    tro dobrado. Porque se ha de notar, que todas as ve- 
    zes, que as dicço?s começão em, s, & despois delle se 
    segue vogal, naturalmente se pronuncia como dobra- 
    do; & sômente se dobra entre vogaes pronunciado a 
    modo de ç: como massa, passa, posso: na forma que 
    se dirà no capitulo das letras, que se dobrão em dic- 

     

     

    fol. 17r
    ção. Tambem se ha de advertir, que na mesma ma- 
    neira se pronuncia como dobrado, quando vem des- 
    pois de consoante, como falso, manso, persuadir.
    Assi que esta letra, s, ou ?, comprido, ou curto, 
    he h?a sô letra semivogal: & mais asobîo que letra: 
    (segundo dezia Marco Massala) porque imitta no 
    sohido ao silvo da cobra. E daqui (dizem alg?s) se 
    deu a feitura S ? torcida, & enroscada, â feição, 
    & postura, que a cobra tem.   
    CAPITVLO XXI.
    Da letra T.
    NO capitulo da letra D fica ditto a muita se- 
    melhãça, q? esta letra T tem cõ a mesma letra 
    D, s?do ambas mudas, & de h?a mesma pron?ciação.
    Temos tambem o Th dos Gregos, de que usamos 
    em dicções Gregas, ou peregrinas: como, Thomas, 
    Mattheus, Bartholomeu, Iudith, thema, labyrintho, 
    methodo, catholico: & outros muitos, que os versa- 
    dos nas letras sabem, q? por serem muitos, deixo pola 
    brevidade, q? sigo. A qual letra nòs não acrescenta- 
    mos ao nosso alphabeto, nem os Latinos ao seu, pola 
    mesma razão, q? dei da letra P aspirada. Os Gregos a 
    figurão per h?a sô letra, que nòs não temos: polo que 
    a suprimos com o T, & h: como, Theologo.    
        
        
        
    fol. 17v
       Os Latinos usaõ tambem da letra T em lugar 
    da nossa letra ç, quando despois della se segue I, cõ 
    outra vogal. Cuja maneira de escrever alg?s repro- 
    vão, dando a tal culpa aos modernos, que não alcan- 
    çárão a verdadeira pronunciação Latina. Da qual 
    ficou em seu proprio ser, & com o proprio sohido, d' 
    antes o ç cõ lhe seguir I, & outra vogal, & mais 
    vogaes: como parece nestas dico?s, species, ei; offici?, 
    ii; & seus dirívados, speciarius, ii; objicio; & outros 
    muitos verbos & nomes, que não tratto aqui: pois mi-
    nha obrigação não he descobrir erros antigos; nem 
    menos defendelos sendo alheios: que sômente pretendo 
    emmendar os que tenho: que assaz farei em limalos.
    Sô direi que errão alg?s, que querendo ser mais 
    Latinos do que he necessario, usaõ da ditta letra, t, 
    em dicço?s vulgares; dizendo, gratia, prudentia: & 
    inda peior, escrevendo offitio, juditial. Sendo assi 
    que os mesmos Latinos não escrevem offitium; se não 
    offici?, por vir de facio, como tamb? diz? judici?, de 
    judico; q? corrõpemos, & mudamos em juizo. Polo q? não 
    escreveremos cõ t; senão cõ ç, todos os nomes verbaes 
    corruttos dos Latinos acabados em tio: como de ora- 
    tio, diremos oração: & de generatio, geeração: ti- 
    rando razão de ratio, que escreveremos com z, 
    â differença de ração, por porção. Assi tambem 
        
        
        
        
        
    fol. 18r
    os nomes, & vocabulos acabados em tium, ou tia: co- 
    mo de servitium, diremos serviço; exercitium, exer- 
    cicio; de scientia, diremos, sciencia; & paciencia, de 
    patientia: & assi os mais. Porque a nossa lingua não 
    admitte nelles a pronunciação Latina, que não he a, 
    que lhe nòs damos vulgarmente. Polo que os hemos 
    de escrever, como os pronunciamos:.
    CAPITVLO XXII.
    Da letra u. 
    & da consoante Ve.
    EStas duas letras u, & ve (vogal, & consoan- 
    te) atê hoje forão incertas, & se duvidava quã- 
    do era h?a, ou quãdo era a outra, sem a isso se dar re- 
    medio, por parecer difficultoso tirar raîzes tam an- 
    tigas, que nem os Latinos, nem outras naço?s podérão 
    arrancar. Com tudo a mim me pareceo mui facil 
    mostrar, que estas duas letras, h?a he vogal, & outra 
    consoante, tam differentes (h?a de outra) entre sî 
    na forma, como na pronunciação, & nome.
    Porque quem não dirá, que duas pronunciações 
    diversas pedem duas figuras diversas: & que h?a 
    cousa he. u. vogal; & outra ve consoante? E assi a 
        
        
        
        
        
    fol. 18v
    letra vogal tem sômente esta figura, u; & não faz 
    mais sohido que hum sô a modo de bramido de lobo, 
    dizendo, u; & a letra consoante ve (escrevo assi, por 
    ficar seu nome introduzido) anda variando com to- 
    das as vogaes, dizendo: vas, vees, viste, vou, vulto. E 
    assi em quantas dicções entra, fere sempre a vogal, a 
    que se ajunta; & não he ferida de outra letra alg?a: 
    porque he letra consoante muda; & nenh?a syllaba 
    pode acabar nella; quanto mais dicção, ou palavra, 
    como se acaba na letra vogal u. Polo q? digo, & affir- 
    mo, que he h?a das mais importantes letras do nosso 
    alphabeto; ou, para melhor dizer, a mais ímportante 
    de todas. Porque escrevendose nesta forma não erra- 
    rá o que leer muitas dicço?s, que com ellas se es- 
    crevião erradamente: como, viuo vure, vua, laura, 
    viuo: & assi em outras muitas dicções Latinas (co- 
    mo logo direi) duvidamos se se ha de ferir na pro- 
    nunciação a vogal seguinte; ou se se ha de pronun- 
    ciar o, u, como vogal: como se vee nestes exemplos: 
    solui, solui; calui, calui; parui, parui; voluerim, vo- 
    luerim; deseruit, deseruit: & outros muitos, que se 
    sabem tem esta semelhança. E vai muito a dizer es- 
    crevelos todos na forma, que se deve â boa orthogra- 
    phia Latina, & Portuguesa. Porque vendo escritto 
    vivo, & uivo; diremos do primeiro que he verbo, vi- 

     

     

    fol. 19r
    ver: & do segundo q? he construição do nome Latino 
    ululatus, us; bramido de lobo, ou uivo: & assi escre- 
    veremos uva; & não vua: uvre; & não vure: lavra, 
    verbo; Laura, nome: & assi nos verbos, & nomes La- 
    tinos; como quando virmos escritto, solui, diremos que 
    he preterito de soleo, es; & quãdo, solvi, que he prete- 
    rito de solvo, is: & quando calui, que he do verbo ca- 
    leo, es; & quãdo calvi, de calvo, is: & quando parvi, 
    que he genetivo de parvus, i & quãdo parui, q? he pre- 
    terito do verbo pareo, es: & assi volverim, & volue- 
    rim; deseruit, deservit; dos verbos volvo, is; q? faz 
    no preterito, volvi, per v, consoante: & o outro faz, 
    volui, per u vogal, que he preterito de volo, vis; & 
    h?a cousa he querer, & outra envolver: & assi tam- 
    bem deseruit terceira pessoa do preterito do verbo de- 
    sero, is; & quando deservit, terceira pessoa do pre- 
    sente do verbo, deservio, is: tam differentes, que h? 
    quer dizer, desemparar; & outro servir humilmen- 
    te: & assi os mais, que deixo porque toca sômente aos 
    Grãmaticos. Dirão alg?s q? para tirar esta duvida 
    se usarâ da nota Diëresis: assi como volüi, vòlui. Ao 
    q? respondo, q? aonde ha letra propria, bem se pod? es- 
    cusar notas alheias, que sô vierão em supprimento de 
    faltas. Alem disto fôra da lingua Latina, mui poucos 
    usaõ desta nota Diëresis. Polo q? se se guardar na es- 

     

     

    fol. 19v
    crittura esta differença de, u vogal, & ve consoante, 
    não cahirão alg?s pouco versados na lingua Castella- 
    na em muitos erros na pron?ciação: como, auré, au- 
    rá; avendo de pronunciar, & escrever, avré, avrá.
       Pareceme q? estâ bastantemente provada esta opi- 
    nião: & q? se pode imittar; & não a do q? diz, que nos 
    principios das dicço?s serve este v; & no meio, & fim 
    dellas o outro u, quer seja vogal; quer consoante.
       Assi que se deve daqui pordiante escrever o nosso 
    alphabeto com mais esta letra, que tudo consiste no 
    que nos pusermos: pois não introduzimos differentes 
    formas; senão boa usança, & conhecimento de cada 
    h?a destas letras.
    Finalmente digo, que esta letra consoante ve he 
    muda: cuja pronunciação he branda tocando todas 
    as vogaes: & nos soa como F, por terem muita seme- 
    lhança; como se vee nestas palavras, verdade, varie- 
    dade, &c. Polo q? o Emperador Claudio Cesar em lu- 
    gar de V escrevia hum F âs avessas, â differ?ça de 
    quãdo servia direito por ph: como hoje em dia se vee 
    em letreiros antigos de seu tempo: onde se lee: TER- 
    MINA?IT, AMPLIA?ITQVE: por terminavit, 
    ampliavitque: ?IXIT por vixit. Morto por? este mao 
    Emperador por ser muito aborrecido, & odiado, or- 
    denou o povo Romano, que por senão lembrarem de 
        
        
        
        
    fol. 20r
    seu nome, não usassem das letras, que elle avia inv?- 
    tado: qu’ se usasse, V, consoante pola letra ?, que re- 
    levava tanto, como o vau dos Eolicos (que era ?) 
    que lhes servia do mesmo, que agora a nòs o, ve. de- 
    rivada da etymolojia da palavra vau.
    CAPITVLO XXIII.
    Da letra X.
    X. he semi vogal, & h?a das duas letras, que 
    dizemos dobradas. Por ella usavão os Ro- 
    manos (até o tempo de Augusto Cesar, em que se in- 
    troduzio) destas duas letras cs, dizendo, apecs, por 
    apex: & tambem por gs; como gregs, por grex. E 
    parecendolhes mais a proposito, valerense de h?a sô 
    letra, que com força dobrada tivesse aquelle sohido, 
    recebérão a letra X, dandolhe a ella sô a pronuncia- 
    ção, que antes (em duas maneiras) pronunciavão 
    com quatro: & assi ficàrão escrevendo pax, & lex; 
    & não pacs, legs: dandolhe porem a mesma forma- 
    ção nos casos; como se vê nestes nomes, em que sômen- 
    te se acrecenta i no meio das dittas letras, cs,gs; 
    porque dizemos lex, & logo, legis; pax, pacis; & não 
    lexis, nem paxis: & assi nux, nucis; rex, regis, &c. 

     

     

    fol. 20v
    Nos na lingua Portuguesa pronunciamos o .x. como 
    os Arabes, de cuja vezindade o tomamos pronunciã- 
    doo da mesma maneira q? elles pronuncião o seu xin. 
    Polo q? nas palavras Hespanhoes não nos fica servin- 
    do o. x. dos Latinos em força, & potestade, senão em fi- 
    gura, porq? lhe damos a ditta pron?ciação Arabica: co- 
    mo se vê nestas dicço?s, paixão, caxa, bruxo, enxuto.
       Com tudo usamos do ditto x dos Latinos em alg?as 
    dicço?s compostas, ou derivadas da lingua Latina 
    pronunciandoas da mesma maneira; como de extra, 
    dizemos, extraordinario: exceder, exame, exercito, 
    exercitar, exemplo, excellente.
    E porque ha alg?s, que por se conformarem com o 
    Latim na escrittura, escrevem pax, vox, crux, lux; 
    por paz, luz, cruz, voz; fique por regra geeral, que 
    nunqua em fim de dicção o escreveremos: porque o 
    que o escreve assi, erra de duas maneiras. A primeira, 
    porq? escreve differente, do que pronuncia, o que não 
    deve, nem pode ser, porque não temos esta pronuncia- 
    ção lex. A segunda, porque quando viessemos a for- 
    mar os pluraes dos taes nomes, forçosamente se ha de 
    dizer, cruxes, luxes, voxes, paxes: que he o como se 
    formão na nossa lingua. Por onde todo o nome, que 
    temos no nosso vulgar, se se acabar em x, es- 
    creveremos per z: como luz, cruz, paz, voz; 
        
        
        
        
        
    fol. 21r
    & dahi, luzes, cruzes, pazes vozes, &c. O que 
    (como digo) se entende dos nomes Latinos, que alin- 
    guajem toma sem outra corrucção: porque muitos se 
    acabão em x, acerca dos Latinos, que não escreve- 
    remos com. z. na nossa lingua, por estarem corruttos, 
    & mudados. E assi dizemos de Rex, Rei; de grex, 
    grei; de lex, lei; & de sex, seis; & de dux, duque; & 
    de nox, noite: & outros muitos desta maneira.
    CAPITVLO XXIIII.
    Da letra ypsilon.
    Esta letra Y he propriam?te Grega, & h?a das suas 
    vogaes, donde os Latinos a recebérão em seu 
    alphabeto: & nos â sua imittação a temos no nosso, 
    com que fazemos seis vogaes, tendo sômente dantes 
    cinquo. Aos Castellanos serve de consoante, mas não 
    de vogal: & dão para isso razo?s, que para sua or- 
    thographia ficão bastantes.
    O que se ha de advertir, he, que inda que na nos- 
    sa lingua ha pouca differença na pronunciação de 
    ypsilon, a ua no escrever vai mais. Isto digo, 
    porque ha alg?s, que as fazem iguaes; & muitas ve- 
    zes põem, i, por y; & outras y, por i; que he erro 
        
        
        
        
        
    fol. 21v
    pera os que sabem a lingua Latina. Polo que os que 
    quizerem têr nesta parte h?a regra gêral, sigão aos 
    Latinos, que escrevem com y sòmente as dicço?s Gre- 
    gas, de que usamos na nossa lingua; & não as oriji- 
    nalmente Latinas, ou Espanhoes. No que se ha de 
    advirtir, que todas as vezes, que adicção se começar 
    per y, sempre se ha de escrever com aspíração: como 
    hydropico, hydropesia, hypocrita, hypocrisia. Tam- 
    b? ha alg?s nomes Latinos, a que dão orijem Grega, q? 
    se escrevem com y: como sylva, & seus dirivados, 
    que são muitos: & assi não me detenho com os mais 
    exemplos, porque os mais delles, ou saõ nomes pro- 
    prios, que pelo uso se sabem, ou meramente Latinos, 
    cujo uso sômente pertence aos Grãmaticos. Basta di- 
    zer, que sempre escreveremos per i as dicço?s Por- 
    tuguêsas; & sômente per y, as que temos Gregas; & 
    as Latinas, que dellas tem orijem; & mais não: nem 
    menos as trocaremos por j, que tem outro significa- 
    do: como se verà neste exemplo.
    Esta dicção Caiado, que tem duas significaço?s 
    Portuguêsas, pergunto ao que se presar de bom or- 
    thographo: Como se deve escrever, que signifique bor- 
    dão de pastor, & branqueado com cal? Dirão alg?s, 
    que desta maneira: Caiado, Caïado. Outros (que de- 
    vem cuidar que acertão) dirão, que o bordão assi: 
        
        
        
        
        
    fol. 22r
    Caiado: & para significar branqueado assi, Caya- 
    do. Digo, que nem de h?a maneira, nem de outra: 
    porque se deve escrever assi, quando significa bordão, 
    Cajado; & quando cuberto com cal assi, Caiado. A 
    razão de se não escrever (nem h?, nem outro) per y, 
    he que a ditta letra a cerca de nos he breve vogal; & 
    não consoante: como o he para com os Gregos, & pa- 
    ra com os Latinos juntamente: & o, i, tem valor 
    de dous ii posto entre duas vogaes: & assi escrevião 
    os antigos pron?ciando, Maiior, Peiior: & escreven- 
    dose com, y, confundese a pronunciação com a dos 
    Castelhanos, que assi bem o escrevem.
    CAPITVLO XXV.
    Da letra Z.
    AVemos chegado â letra final do alphabeto, q? 
    he esta letra semivogal z, da qual carecérão 
    os Latimos atê o tempo de Augusto (como fica ditto 
    da letra X) em que a tiverão, para lhes escusar letras 
    dobradas, que erão, s, d. Assi que esta letra z, por 
    ser figura, & abbreviação de duas letras, se chama 
    letra dobrada. Porque assi pronunciavão os Gregos, 

     

     

    fol. 22v
    & Latinos, sdacynthos, como se escrevêrão, zacyn- 
    thos: & a mesma pronunciação davão a Ezras, 
    que a Esdras. A pronunciação destes tempos sôa 
    entre s, & ç: não obstante que ç se pronuncia com 
    mais força, que z, & s; como se vê nos nomes verbaes 
    em ção; licção, deleitação: & outros como, agen- 
    cia, officio, maço, fiança, peça, começo, caça, 
    paço, feitiço, &c. E o .s. se pronuncia com a lin- 
    gua mais remissa: como se notará nos nomes verbaes 
    de Latinos em sio; lesaõ, conclusaõ; & outros co- 
    mo, casa, caso, liso, teso, peso, preso, coser, 
    por coser com agulha; porque com z, significa co- 
    zinhar: & assi os mais, que acerca dos Latinos 
    se escrevem com, s; como mesa; & não meza. E 
    o z, se pronuncia com a ponta da lingua, com mais 
    força que s, & menos que ç: como razão praza a 
    Deus, aprazivel.
       E porque muitos vulgares confundem o, z, es- 
    crevendo s, sem saberem aonde convem o accen- 
    to, farei mais compendioso este ultimo capìtulo, 
    por acabar na letra .z. muitas palavras, que saõ as 
    seguintes.
    Escrevemos com z todos os nomes patronymicos 
    Portuguêses; como de Fernando, fernandez, ou frz?, 
    de Gonçalo, Glz?; de Vasco, Vâz; de Sancho Sanchez; 
        
        
        
        
        
    fol. 23r.
    de Antonio Antunez; de Lopo, Lopez; de Henrique 
    Henriquez: & assi Ruiz?: Pâez, Piz?, Mar- 
    t?z, Bermudez, &c. Os nomes femininos denomi- 
    nados de outros; como avareza, simpleza, nobreza, 
    &c. Os que na ultima syllaba tem, a, com accento 
    nella; como rapaz, cabaz. Os que significão augm?- 
    to; fallaz, vivaz, efficaz, capaz. E alg?s nomes na 
    ultima syllaba tem, e, com accento nelle; garoupêz, 
    axadrêz, treêz, feêz, vêz, pêz. Estes saõ poucos: os 
    mais se escrevem per s, ainda que tenhão o accento 
    na ultima: como Português, Inglês, Olandês, Mar- 
    quês, dignidade; porque quando he patronymico se 
    escreve com z, por vir do nome Marcos, que delle di- 
    zemos Marquez. Os que tem accento no I; juiz raiz. 
    Da mesma maneira os em O; Estremoz, arroz, Ba- 
    dajoz; & os monosyllabos, s, de h?a sô syllaba; noz, 
    voz tirando vós, nós, pronomes, que se escrevem cõ 
    s; & não z.
       Os que tem, u, na ultima com accento nella como 
    Ormuz, cuscuz, arcabuz: & as dicço?s de h?a sylla- 
    ba; cruz, luz; tirando a primeira pessoa do preterito 
    perfeito do verbo, Ponho, que he, pus, que se escreve 
    com, s & não z.
    Tambem se escrevem com z as terceiras pessoas 
    destes verbos, faz, diz, traz: & os que delles descen- 
        
        
        
        
        
    fol. 23v
    dem; fazia, dezia, trazia.
    Os nomes numeraes; como dez, onze, doze, treze, 
    quatorze, quinze, dezaseis, dezasette, dezoito, de- 
    zanoue, dozentos, trezentos. Porem quatrocentos, & 
    os mais atê mil, se escrevem per ç; & não z, com que 
    se dâ fim a este alphabeto. Mas porque não fique de 
    fora hum til, trattaremos tambem delle.   
    CAPITVLO XXVI.
    Sobre a Abbreviação a que chama- 
    mos Til.
    Til não he letra, senão hum risco sobre vogal. 
    O qual se escreve nas dicço?s de muitas letras 
    supprindo com poucas muitas: como se vê nestas pa- 
    lavras, Misericordia, sentença; & nos nomes patro- 
    nymicos; como Gonçalvez, Fernandez, Rodriguez, 
    & outros taes, em que escusamos com o til de escre- 
    ver tantas letras; como Miã; deixamos de escrever, 
    isericord: & assi nos mais escrevendo sômente sñça, 
    Frz?, Glz?, &c.
    O mais frequente uso deste til he quando suppri- 
    mos com elle as letras M, ou N: como t?po, ou t?to, 
    cõstar, cãbar. E muito mais ordinario he sobre 
        
        
        
        
        
    fol. 24r
    q?; porque nos suppre, ue: como q?.
       Tambem he necessario nas dicço?s, em que es- 
    crevendo M, faz outro sentido: como irmãos, irmãa, 
    Bulho?s, b?es, tõos, dõos, & do?s, vacc?us, at?us; 
    ficando o M liquido.
    Finalmente toda a dicção, que acabar em am, es- 
    creveremos per ão, por ser assi necessario, como díre- 
    mos no capitulo dos ditthongos; tirando tám quàm 
    adverbios, que escreveremos assi, como os Latinos, 
    polos não corrompermos, imitando sempre as escrittu- 
    ras dos hom?s doutos, regulandoas: pelo entendimen- 
    to, & ouvido, que he a melhor regra, que se pode têr, 
    & dar nesta materia.    
        
        
        
       

     

     

     


    fol. 24v
    TRATTADO DAS 
    VOGAES, QVE IVNTAS 
    na linguajem Portuguesa se fa- 
    zem dittongos.
    DIttongo he palavra Grega, q? quer dizer, som 
    dobrado, ou ajuntamento de duas vogaes, que 
    guardão sua força em h?a sô syllaba. Estes 
    se formão em cada lingua de dífferentes maneiras, 
    & per diversos ajuntamento de vogaes. Na nossa 
    lingua ha dezasette, que são estes, inluîdos no exem- 
    plo: irmãa, capitães, vogàes, mais, mão, mao, cau- 
    sa, be?s, rei, meu, confi?s, taboa, dões, foi, cousa, 
    muito, alg?us. Os Latinos saõ estes: præmium, cau- 
    sa, cœlum, hei, Europa, harpyia. Mas indo o accen- 
    to na vogal não fica dittongo; assi nos que temos pro- 
    prios, como dos que temos tomados da mesma lingua 
    Latina, & de outras naço?s: como saüde, baînha, 
    azambôa, poëta, ceúmes, moînho, Luis, argüir, &c. 
    As quaes saõ letras soltas, que fazem cada h?a per 
    sî syllaba, posto q? breve, por ser vogal ante vogal. Mas 
    se for no verso, podese fazer de duas em h?a syllaba 
    pela figura chamada Synerisis; como sabem os Poëtas. 

     


    fol. 25r
    O dittongo, que mais se ha de advertir, por ser o mais 
    frequente na nossa lingua, & o que mais duvidas 
    tem, em que lugares se ha de usar, he o que escreve- 
    mos per, ão. Porque h?s o usaõ per, om: (como na 
    lingua antigua) & outros per am, confundindo aquel- 
    le dittongo, ão, que naõ conhecem, por naõ fazerem 
    differença de h?a cousa â outra: contra a opinião dos 
    que o melhor entendem.
       Polo que se quizermos escrever, como pronuncia- 
    mos, terminemos no dittongo ão todos os verbos, & 
    nomes Portuguêses; & não em, am, que he pronun- 
    ciação alheia, da que lhe damos: tirando aquellas pa- 
    lavras, que dos Latínos nos ficârão inteiras, Tam, 
    Quàm: & aquellas symcopadas, Gram, por grande, 
    quando se segue consoante; & Sam, por Santo.
       E porque no formar dos pluraes dos nomes, cujos 
    singulares se acabão em, ão, se embaração muitos, 
    sem saberem se hão de pronunciar, & escrever, ci- 
    dadães, cidado?s, ou cidadaõs; villa?s, villo?s, vil- 
    lãos; cortezo?s, ou cortezãos, farei aqui regra gêral 
    pera esta pronunciação, & escrittura.
    Todas as vezes que na lingua Portuguêsa aca- 
    bar qualquer nome em, ão; avendo duvida no formar 
    do plural, vejase como se termina na lingua Castelha- 
    na: porque se acaba em an, faz o plural (acerca dos 
        
        
        
        
        
    fol. 25v
    Castelhanos) em anes: como capitan, capitanes; gavi- 
    lan, gavilanes; Aleman, Alemanes. E assi forma 
    sempre sem exceição alg?a o Português o singular 
    em, ão, & o plural em, ães; como, de capitão, capi- 
    ta?s; gavião, gaviães; Alemão, Alemães.
       Mas se acerca dos Castelhanos o singular, que os 
    Portuguêses acabão em, ão, elles formão em, ano; 
    como villano, ciudadano, aldeano, de que elles for- 
    mão o seu plural em, anos; o nosso plural serâ em, ãos: 
    & assi como elles dizem, villano, villanos, ciudada- 
    nos, aldeanos; diremos nos, cidadãos, aldeãos, villãos: 
    & se o singular acerca dos mesmos Castelhanos for 
    em, on; serâ o nosso plural em, ões; como sermon, opi- 
    nion, coraçon, de que dizem, opiniones, sermones, co- 
    raçones; diremos nos, sermão, sermo?s; coração, co- 
    raço?s; opinião, opinio?s. Porque nisto, & em outras 
    cousas, que por brevidade deixo, tem respeito, & cor- 
    respondencia a lingua Portuguêsa â Castelhana.
    Porem se os vocabulos em, ão, saõ meros Portu- 
    guêses, ou comm?s â outras linguas, & os não ha em 
    Castelhano, sempre se acabarâ a voz do plural em 
    ões; como patacão, patacões; tecelaõ, tecelões. Porque 
    se tem nisto respeito ao antigo, que as palavras, que 
    agora acabaõ em, ão; acabavão todas em, om. E po- 
    lo costume (que nisto sempre hemos de seguir) ficârão 
        
        
        
        
    fol. 26r
    fora da ditta regra, tabaliães, escrivães, que por a 
    ditta analojia ouverão de fazer, tabaliões, escriuões. 
    E tambem ficão fora desta regra estes indifferentes, 
    cidadaõs, cidado?s; villaõs, villões.
       Dos mais ditthongos não tratto, por dezejar em tu- 
    do brevidade, pois pelo uso se conhecem, & escrevem. 
    Sômente do ditthongo em, ?i, direi q? he necessario nos 
    nomes cujos singulares se acabão em, im, que perd? o 
    M, no plural, & acabaõ em ?i: como roim, ro?is; mal- 
    sim, malsi?s belegu?is. Os quaes pluraes senão podem 
    formar em nossa lingua sem o vinculo do til, que liga 
    os dous ?i (& o mesmo he do ditthongo, ?e,) por não 
    dizermos, malsimis, beleguimis; & bemes: como a ra- 
    zão, & analojia da nossa lingua pedia, & melhor se 
    escrevem sem os dittos ditthongos, sômente com o til 
    sobre a vogal; como f?z, b?s, bõs, belegu?s. Donde 
    errão os que escrevem, fins, bons, bens: porque essas 
    letras não dão a pronunciação Portuguêsa aquem 
    attentar.
    Advirto que esta palavra dom quando he preno- 
    me de nobreza, faz no plural dõos; & quando signi- 
    fica beneficio, ou doação, faz no plural, dões: o pri- 
    meiro vem de dominus; o segundo de donum. Polo 
    que senão confundão os pluraes, que saõ differentes 
    ditthongos.    
        
        
        
        
              
    fol. 26v
    Divisaõ das dicço?s, & syllabas 
    no fim da regra.
    HAuendo entre duas vogaes duas consoantes. 
    ficarà huã com a vogal antecedente, & outra 
    irâ com a seguinte: como el-le, oc-cupa, af-feiçoa, 
    ag-grava, pas-so, ter-ra, op-posta, &c. Tirãose de 
    esta regra as dicções, que despois de, s, levão, ç, m, 
    c, p, q, t: as quaes juntão a sî o, s; como cre-scer, 
    Co-sme, ca-sco, cre-spo, e-squadra, pa-stor, ca-sto: & 
    as, que antes de, m, n, levão g: as quaes o levão tras 
    sî: como, au-gmento, di-gno, ma-gno.
       Letra muda, que vai antes de liquida, & a re- 
    strinje a sî, pertence com ella â vogal seguinte, q? fe- 
    re: como, aplauso, a-plauso, a-brir, af-fligir.
       Concorrendo duas vogaes (não sendo ditthongos) 
    se podem dividir; como sa-ude: de modo, que acon- 
    soante sempre fira a vogal seguinte.
       E se entre h?a vogal, & outra ha h?a consoan- 
    te, essa consoante ha sempre de ir com a syllaba se- 
    guinte, inda que essa consoante seja aspirada; como 
    a-mo, ba-nho, bata-lha, A-thenas, a-chado: porque 
    A, não he letra; senão figura de aspiração.
    Em meio de dicção pode a syllaba terminarse em 
        
        
        
        
        
    fol. 27r
    B C D F G O P S T; dobrandose qualquer 
    dellas: como Ab-bade, ac-celerar, ad-dição, af- 
    feiçoar, ag-gravar, ac-comodar, op-posição, pas-so, 
    got-ta: & em L. M. R. seguindose qualquer con- 
    soante; como al-ma, pom-ba, ar-te, fal-so, cam-po, 
    par-te, &c.
    Advirto, que se a dicção for feita em dicço?s 
    compostas de preposiço?s, ou particulas compositivas, 
    sahirão sempre com as letras, com que entrâraõ: como 
    con-stituir, pre-screver, re-scritto, de-scender, sob- 
    stabelecer, ap-pellar, an-notar. O que se fara, ainda 
    que a derradeira letra da preposição, ou particula 
    compositiva estee convertida em outra letra por cau- 
    sa da composição: como presup-posto, circum-ferencia, 
    super-fluo, &c.   
    Das letras em que se podem acabar as 
    dicço?s da lingua Portuguesa.
    AInda que as syllabas no meio das dicções se 
    possaõ acabar em varias letras (& quasi to- 
    das) do alphabeto, não he assi no fim das dittas dic- 
    ço?s: porque sômente podem acabar nas cinquo vo- 
    gaes Latinas A, E, I, O, V; & nestas consoantes, 
    L, M, R, S, Z: como serva serve, servî, sirvo, eu; 

     

     

    fol. 27v
    sol, com, ouvir, nos, voz. Mas se forem dicço?s pe- 
    regrinas trazidas ao uso da nossa lingua, podese 
    acabar em B D G C H N T: como Iob, David, 
    Agag, Melchisedec, Ioseph, Lamech, Sion, Naza- 
    reth, Nemrot. Porque os nomes proprios se hão de 
    escrever com as letras de sua orijem.
    Trattado da composição das palavras: 
    & das letras, que nellas dobrão.
    Cap. I. Das razo?s que ha para se 
    dobrarem as letras.
    H?as letras se dobrão nas dicço?s per nature- 
    za das palavras, de que se não pode dar re- 
    gra, porque consiste em uso, & não em arte. E assi 
    não se pode dar razão, porque estas palavras Lati- 
    nas, gutta, caballus (de que dizemos gotta, cavallo) 
    tem dous tt, & dous ll; mais que dizer: Sic volue- 
    runt priores: Que forão compostas â vontade de qu? 
    as inventou.
    Outras se dobrão per derivação, que saõ os no- 
    mes, ou verbos, que se tirão de outros. Os quaes guar- 
    dão a escrittura de seus primittivos: como de gotta 
        
        
        
        
        
    fol. 28r
    dizemos esgottar, gotteira, gottejar: de cavallo, 
    cavalleiro: de anno, annal. As quais dicço?s dobrão 
    sempre as dittas letras L. T. N. porque seus primit- 
    tivos, (de que elles se derivão) as dobrão.
       Outras dobrão per significação, que saõ os dimi- 
    nutivos, que na nossa lingua acabamos em Te; que pa- 
    rece não podemos escrever bem sem dobrar, o T, se- 
    gundo a orelha nos pede: como fraquette, livrette, pe- 
    quenette, pãnette: & outros assi, que pera significa- 
    rem diminuição acabamos nestas terminaço?s, como 
    os Latinos acabão os seus diminutivos em ll; como 
    libellus, &c.
       Outras dobrão per corrução, que saõ as que estã- 
    do na lingua Latina de h?a maneira, & pronuncia- 
    ção, as mudamos, & fazemos nossas, corrompendo 
    h?a das consoantes em outra semelhante: como de 
    ipsum, dizemos isso: de persona, pessoa: de dictio, 
    dicção, & de dictum, ditto: & outros muitos desta 
    maneira.
    Outras dobrão per variação, que saõ as que per 
    variação de conjugação, ou declinação acrescentão 
    alg?a letra pera mostrar differença de tempos, nu- 
    meros, & significação: como amasse, ensinasse. E os 
    nomes, que sendo masculinos varião a terminação 
    pera formar os femininos: como mao, maa; pao, paa; 
        
        
        
        
        
    fol. 28v
    reo, ree: ou que sendo do singular formão seus plu- 
    raes; como barril, barriis.
       Outras dobrão per composição, que saõ muitas, & 
    per muitas maneiras. O que se faz mudandose a der- 
    radeira letra da preposição compositiva em outra 
    tal, como a primeira do verbo, ou nome composto: 
    como, irracional, corromper, aggravar, appetitte, 
    &c.
    E porque estas composiço?s se fazem com as pre- 
    posiço?s Latinas, que se ajuntão aos verbos para 
    lhes alterar a significação, acrescentar, ou diminuir, 
    diremos em geeral de todas; & despois em particular 
    das que fazem dobrar as letras: porque nem todos 
    podem ter conhecimento da lingua Latina para sabe- 
    rem a etymolojia dos vocabulos: & onde se devem 
    dobrar as letras: & ainda pera os que a sabem, senão 
    he exquisitamente, teem necessidade (pera a lingua 
    Portuguesa) de outro novo alphabeto, para saberem 
    onde se hão de dobrar as letras. Porque outros ver- 
    bos, que nos formamos de nosso, começados em, A, 
    não admitte a orelha, nem o uso, que a dobrem. A ra- 
    zão he, porque aquelle, A, he propriamente nosso, 
    com que formamos os verbos, que o querem: co- 
    mo quando dizemos, de manso, amansar, de pedra, 
    apedrejar; de noite anoitecer; de cabo, acabar; de 
        
        
        
        
        
    fol. 29r
    proveito, aproveitar: de puro apurar, & outros in- 
    finitos. Os quaes saõ simplezes, & não compostos: 
    porque a verdadeira composição he, quando se ajunta 
    a preposição aos verbos; o que não ha nestes: porque 
    não ha proveitar, nem mansar, & pedrejar, para 
    dizermos, que se compoem com a preposição Ad, para 
    mudar o d, na outra semelhante, que acha no princi- 
    pio do verbo.
    Com tudo alg?s ha, que o uso, & a orelha nos 
    ensinão, que dobrão a letra; como saõ os que teem, F, 
    R, ou S, despoïs de A (seguindose porem vogal des- 
    pois das dittas letras) como afforar, affogar; arriscar 
    arruinar; assombrar, assoviar, assanhar: & assi to- 
    dos os mais sem fallencia. Polo q? não he necessario fa- 
    zer clara distinção de todos.   
    Cap. II. Da composição das palavras
    FAzem composição as preposições, ou particulas 
    seguintes, que temos colhidas da lingua Lati- 
    na, porque em tudo a ímitta a Portuguesa: como se 
    verà no trattado, que fiz da muita semelhança, que 
    estas duas linguas teem. As preposiço?s saõ estas: A, 
    Ab, Ad, An, Con, De, Des, Dis, En, Ex, In, Inter, 
    Ob, Per, Pro, Pos, Re, Se, Sub, Trans, Sobre: co- 

     

     

    fol. 29v
    mo se vê nestes exemplos, acometer, absolver, abster, 
    advertir, affirmar, annullar, annexar, conceber, 
    conformar, deservir, desfazer, deshonrar, differen- 
    ça, dispor, disforme, encaminhar, excluir, inten- 
    tar, impedir, interromper, interpollar, obstar, oppor, 
    perfiar, perseguir, perferir, preceder, prometter, 
    profilhar, pospor, reprovar, repetir, separar, sum- 
    metter, substabellecer, trasladar, sobrepujar so- 
    brestar.
    Desta maneira se compoem outras muitas palavras, 
    que não trago, por bastarem estas para exemplo: & 
    as deixo pera o meu vocabulario, aonde todas teem 
    lugar.   
    Cap. III. Das letras, que se po- 
    dem dobrar.
    A.
    DObrão A. muitas dicco?s corruttas dos La- 
    tinos, q? t? cõsoante entre dous, aa, aqual se ti- 
    rou: como de sanare, saarar: de palatum, paadar: 
    de mala, maa. E os nomes (como fica ditto no pri- 
    meiro capitulo) que sendo femininos se formàrão dos 
    masculinos: como de pao, paa: de Iao, Iaa. E mui- 

     


    fol. 30r
    tas dicço?s Latinas, & Castelhanas em, ana, perdem 
    o N: como de germana, irmãa; de lana, lãa.
       Nos articulos, O, A, que se antepoem aos no- 
    mes para mostrar, de que genero saõ, ha grande em- 
    baraço, principalmente nos nomes femininos, que as- 
    si como dizemos, vou ao paço; avemos de dizer, vou 
    aa igreja: porque o primeiro A, he preposição, para; 
    & o segundo A, he articulo. Donde errão os que es- 
    crevem, vou a igreja; com h? sô A, imajinando que 
    suppre h?a, & outra cousa. Os que quizerem nisto 
    acertar, vejão como soa na lingua Castelhana, & 
    achando a preposição A, eo articulo la, escreva com 
    dous, aa; como voi a la iglesia; voi a las Indias, di- 
    ga, vou aa igreja; vou aas Indias.
    Porem por quanto o entendimento deseja brevi- 
    dade, & a lingua no concurso de duas vogaes con- 
    sume h?a, bem poderemos escrever as taes palavras 
    de dous aa, (& a mesma regra fique pera as mais vo- 
    gaes adiante) com h?a sô vogal, em que ficão ambas 
    incluidas: & desta inclusão seja sinal hum accento 
    circunflexo, nesta forma: vâ â armada; a 
    virtude he proveitosa â alma; sârar; pâdar: & 
    melhor se fara isto na palavra, que fica com h?a sô 
    vogal: como pâ, mâ. Nas palavras Latinas, & Cas- 
    telhanas, que dizemos acabarão em, ana, não corre a 
        
        
        
        
        
    fol. 30v
    mesma razão; porque fica o nosso ditthongo, ãa: co- 
    mo vilãa, lãa manhãa, &c, em que se não pode 
    usar accento; assi lâ, villâ: porque he differente pro- 
    nunciação.
    E.
    E. Dobrão os nomes contractos, ou abbreviação, 
    a que na corrução da lingua Latina na nossa 
    se tirou alg?a letra, que estava entre duas vogaes: 
    como de fides, fee: de balista, beesta: de sedes, see: de 
    pedes, pee; & de sagitta, seeta. E assi preegar, de 
    prædicare; de generare, geerar: de generalis, geeral: 
    & assi tambem estes verbos, teer, leer, veer; de tene- 
    re, legere, videre.
       Tambem se escrevem com dous, ee, todas as dic- 
    ço?s, que no singular acabão em esta terminação, em; 
    como bem, be?s: vinte?s, per ditthongo.
       Podem dobrar muitos nomes em, E, levan- 
    do accento nelle: como galee, maree, polee, ree.
    Mas porque (como tenho ditto da letra A) a- 
    brevidade satisfaz, quem não quizer dobrar, use do 
    accento circunflexo: como prêgar, gêral, marê, galê, 
    bêsta: com que se tira a differença de besta animál. 
    Nas dicço?s de h?a syllaba corre melhor: como fê, pê 
        
        
        
        
        
    fol. 31r
    vê. Porem tendo outro significado, dobrese para dif- 
    ferença; como, se, conjunção; See, cathedral: & sê, 
    verbo terà o accento circumflexo, â differença de 
    ambos. Da mesma maneira dobrão, dee, na segunda 
    pessoa do imperativo presente do verbo dou; & na pri- 
    meira, & segunda do futuro do optativo; & do pre- 
    sente do subjunctivo. E tambem se pode usar nelles 
    do accento circumflexo: como dê; com que fica diffe- 
    rente de De, preposição.
    I.
    DObrão I os nomes acabados em il, im, na for- 
    mação de seus pluraes, formando em, iis; & 
    i?s: como buril, buriis; funil, funiis; malsim, malsi?s; 
    delfim, delfi?s; que com aquelle til ficão fazendo 
    ditthongo: ou tambem sem elle com til sobre vogal: 
    como belegu?s. E muitos preteritos corruttos dos La- 
    tinos dobrão I: como, eu lii, ou lî. & assi, eu vii, vî, 
    de vidi: currii, currî.
    E os imperativos pluraes da terceira conjuga- 
    ção Portuguêsa para differença de seus prete- 
    ritos: como ouvii vos, ouvîvos: acodii 
    vos, acodî vos.

     

     

    fol. 31v
    O.
    POdem dobrar em O os nomes, a que se tirou 
    alg?a consoante de meio de duas vogaes; ou 
    levando accento nelle: como de mola, moo, ou mô; de 
    solo, sô, enxoo, enxô, ilhoo, ilhô, & noitivoo, de no- 
    ctivolans.
    V.
    DObrão V sômente estes tres, nuu, cruu, muu; 
    de nuo; cruo: & assi no plural, cruus, nuus. 
    Estas letras vogaes se dobrão para denotar ser 
    a syllaba longa; & ter o accento agudo nella. Por- 
    que para mostrar ser a vogal longa, se permitte, que 
    se dobre na escrittura, como os antigos fazião se- 
    gundo Quintiliano no lib. 1. das instituiço?s orato- 
    rias cap. 6.
    Y não se dobra, porque não entra, senão em dic- 
    ço?s Gregas, em que não ha dobrarse vogal.   
    B.
    Estas dicço?s sôm?te dobrão B, q? são abbreviar, 
    Abbade, Abbadessa, Abbadia, jibba, jibboso, 
    sabbado.

     

    fol. 32r
    C,
    DObrão C, os verbos, que começando na ditta 
    letra se composerão com a preposição, Ad. 
    porque se muda o D, em ç: como accelerar, accender, 
    accento, accidente, accidental.
    Assi tambem todos os verbos, que començando 
    em ç se composerão com estas preposiço?s Ob, sub, 
    & os descendentes delles: como occidente, succeder, 
    successor. E as compostas de Ad: como accelerar.   
    D.
    DObrão D. estas dicço?s, addicionar, addivi- 
    nhar.
    F.
    DObrão os nomes, ou verbos começados em F 
    compostos da preposição Ad. cujo D se muda 
    no F: como affabil, affeiçoar, affim, affinidade, af- 
    firmar, afflíjir, &c.
    Os verbos da lingua Portuguesa começados em 
    A, que teem F entre vogal, & vogal: como afferro- 
    lhar, affrontar, affujentar.    
        
        
        
        
    fol. 32v
       Os verbos, & nomes compostos da preposição 
    Dis, q? começão em F: como diffamar, differença, dif- 
    ferir, diffinir, diffuso, difficil, difficultoso; tirando, 
    disforme, & disformidade.
       Tambem os compostos da preposição Ex, se elles 
    começão em F: como effeituar, effeminado, efficaz.
       Da mesma maneira os compostos de Ob: como of- 
    ficio, offender, offerecer, offuscar.
    E assi os compostos da preposição, Sub: como suf- 
    ficiente, suffraganeo, suffragio.   
    G.
    DObrão nesta letra as dicço?s compostas com a 
    preposição Ad, por se mudar o D, em G: como 
    aggravar, aggressor, aggravo, bagga de bacca.
    He aspiração a letre H, polo que não ha, que di- 
    zer della.   
    C.
    DObrão C os verbos compostos da preposição 
    Ad: como accomodar, accorrer, accumular, 
    accusar.
    Os cõpostos de Ob, Sub: como occasião occorer, occul- 
        
        
        
        
    fol. 33r
    tar, occupar, occupação, sucorrer, ou soccorrer.
    E estes que não saõ compostos, Baccho, bocca, 
    Graccho, peccado, sacco, secco, socco, vacca. E nas 
    derivaço?s destes nomes seguindose E, I, se muda 
    o C em Q: como de sacco, sacquinho; de vacca, vac- 
    queiro. Porque C, E, Q, saõ ambas h?a mesma cou- 
    sa, & tem a mesma valia, como fica ditto no Alpha- 
    beto.   
    L.
    DObrão L os compostos com a preposição Ad- 
    junta a verbos começados em L: como alle- 
    gar, alludir.
       Da mesma maneira os compostos de, Con, que 
    mudão o N, em L: como collejir, collocar, collo- 
    quio, collejial, collejio, collateral.
    Os compostos de, In; como illicito, illìberal. 
    illudir. Os diminutivos em Lo, La, acabados: como 
    portella, bacello, libello, codicillo, pupillo. Tambem 
    aquelles a que precede E, ante L, com accento nelle: 
    como martello, marmello: & tirandose da orijem não 
    dobra; como querela, cautela, pela, q? he o mesmo, q? 
    pila: vela, polo instrom?to da nao, & vela de vijilia. 
    Mas av?do acc?to, & duvida se dobra: como falla, por 
    dizer, â differ?ça de fala, por fazer alg?a cousa.    
        
        
        
    fol. 33v
       Dobrão L estes superlativos, facillimo, diffi- 
    cillimo, humillimo.
       Finalmente dobrão todos os que saõ tirados da lin- 
    gua Latina: como annullar, apellar, apellação, ap- 
    pellante, appellido, appellidar, cavallo, elle, paralle- 
    lo, gallinha, villa, villania; mas nao vileza, porque 
    vem de vil.
    Não dobrão L as dicço?s, que ajuntão à sî os re- 
    lativos O, A; porque sômente corrompemos o S, ou 
    R em L: como da preposição, Per, & Por; dizemos 
    pela, pola. Donde errão muitos, que escrevem, pollo, 
    & pella, com dous ll, não advertindo (alem de con- 
    fundirem estas preposiço?s) que hum R convertese em 
    hum L; & não em dous. Polo que se ha de advertir 
    nisto, escrevendo sempre; pela, pelo, pola, polo; & não 
    polla, pello, &c. Assi que escreveremos tambem com 
    hum sô L os verbos, a que corrompemos o S final, por 
    se ajuntar os dittos relativos O, A: como fizestelo? 
    vistela? amamolo; por fizestes o? vistes a? E assi as 
    mais.   
    M.
    DObrão M os compostos das preposiço?s Con, 
    In, juntas a verbos, ou outras dicço?s, que co- 
    meção em M: como commemoração, commette, com- 

     


    fol. 34r
    modidade, commutar; immenso, immodesto, immor- 
    tal, immovel, immundo, immutavel.
       Dobrão communidade, commum, communicar, 
    commungar, excommungar, flamma, inflammar, 
    gomma, grammatica, summa, summariamente, con- 
    summado.
    Estes verbos, que saõ meramente Portuguêses, 
    compostos com a nossa preposição, En: como emma- 
    deirar, emmagrescer, emmanquescer, emmininescer, 
    emmudescer.   
    N.
    DObrão N, per natureza, anno, & seus com- 
    compostos, & derivados: como de anno dize- 
    mos annal, annaes, anniversario; perenne, perennal; 
    solennidade; triennal.
       Os compostos destas preposiço?s Ad, In, juntas â 
    dicço?s, que começão em N: como annotar, annun- 
    ciar; innavegavel, innocente, innovação, innovar: & 
    os em En; ennastrar, ennobrecer.
    Dobrão panno, penna por pluma: porque por cas- 
    tigo he com hum N singello: tinnir, tyranno, banni- 
    do, canna, cannaveal, Ioanna, Ioanne, Britannia, 
    Britanno, Vianna, Viannêses.    
        
        
        
        
    fol. 34v
    P.
    DObrão P, os compostos das preposiço?s Ad, 
    Ob, Sub, juntas a os verbos, ou âs dicções, q? 
    começão em P: como apparescer, apparencia, appa- 
    ro, apparato, apparelhar, appellar, appellidar, appe- 
    tescer, applacar, applanar, applauso, apportar ap- 
    propriar, approvar, oppilação, oppilar, oppor, op- 
    poente, opposição, opportuno, oppressaõ, opprobio, 
    opprimir, oppugnar; supplicar, suppor, supos- 
    to, supportar, supprimento, supprir.
    Outros, que não saõ compostos, pelo uso se sabem: 
    como Cappadocia, cappella, cappa, cappello, cep- 
    po, mappa, poppa: & muitos nomes Gregos acaba- 
    dos em ippo: como Aristippo, Chrysippo; Hippocre- 
    ne, Hippocrates, Philippo, &c.   
    Q.
    NAõ se dobra esta letra Q, porque se muda 
    em C sua semelhante, quando se compoem 
    da preposição Ad: como acquerir, &c. por serem 
    ambas h?a mesma cousa: como fica ditto no capitulo 
    da letra, K, do alphabeto: & neste trattado na letra C.

     

     

    fol. 35r
    R.
    R Se dobra sômente entre duas vogaes, quan- 
    do tem pronunciação aspera (como fica dit- 
    to no alphabeto no cap. desta mesma letra) como ter- 
    ra, guerra, carro, ferro. E porque a aspereza desta 
    letra he tal, que vindo dobrada, logo se conhece, he 
    escusado dizer aqui, os que a dobrão: porque não ha 
    mais que escrever, como pronunciamos, s, o aspero 
    per dous rr; & o mais brando per hum sô. Adver- 
    tindo que quando esta letra vier em principio de dic- 
    ção, ou despois, ou antes de outra consoante, ainda 
    que soe quàm aspero quizer, não se escreverâ dobra- 
    da, como mostrei per exemplos no ditto capitulo.
    Dobrão tambem R, os verbos, ou dicções come- 
    çadas na ditta letra, juntas com as preposições Con, 
    In; como corromper, corresponder, & seus derivados, 
    correspondente, correspondencia; irracional.   
    S.
    DObrase S sômente entre vogaes pronunciado 
    a modo de ç: como massa, passo, posso: & 
    nos superlativos: como illustrissimo, excelentissimo, 

     

     

    fol. 35v
    serenissimo, &c. Mas não (como alg?s cuídão) nos 
    numeraes: como vijessimo, trijessimo, que errada- 
    mente escrevem, vigessimo, trigessimo: & nos pre- 
    teritos; como amasse, movesse; per todos seus nume- 
    ros, & pessoas. Tambem muitas palavras começadas 
    per As; como assentar, assistir, assegurar, assina- 
    lar. Os nomes femininos de dignidades; como Abba- 
    dessa, Prioressa, Alcaidessa, Baronessa, Condessa; 
    tirando estes, Princesa, Duquesa, Marquesa, que se 
    escrevem per hum sô s.
       Dobrão muitas dicço?s, que sendo Latinas com 
    duas consoantes diversas entre vogaes, corrompe a 
    Portuguesa a consoante em h?a dobrada; como de 
    persona, pessoa: & de ipso, isso, &c.
    Mas errão tanto os, que escrevem s dobrado des- 
    pois de verbo seguindoselhe este accusativo, se, (es- 
    crevendo, seguesse, attentousse; devendo de escrever, 
    seguese, attentouse) que he necessario dar logo regra 
    gêral: que he, que nunqua escreveremos s dobrado, 
    senão quando soar como dobrado entre duas 
    vogaes; mas não despois de consoante, 
    como alg?s escrev? erradam?te: 
    dizendo, mansso, im- 
    mensso, &c.    
        
        
        
       

    fol. 36r
    T.
    DObrão T, attentar, attenção, attonito, at- 
    tribuir, attrição, gotta, & seus derivados; 
    & prometter, permittir, metter, arremetter, seetta.
       E os diminutivos em te, ta; como fica dito no prin- 
    cipio deste trattado: como pequenette, pequenetta.
       E muitas diccões, que sendo Latinas com duas cõ- 
    soantes diversas entre vogaes, corrompe a Portuguê- 
    sa as duas consoantes em h?a dobrada: como de dicto 
    ditto; de scripto, escritto; de corrupto, corrutto; de 
    victoria, vittoria, &c.
    V Consoante não se dobra. E pela mesma ma- 
    neira X, & Z, que não dobrão por serem 
    letras dobradas. E fique por regra gêral, que nenh?a 
    dicção começa por letra dobrada; como llança, rrei: 
    nem no fim se dobra; como alg?s mal escrevem: como 
    Manoell, fell: escrevendo tambem despois de consoã- 
    te letra dobrada, que fere a mesma vogal; como hõr- 
    ra; porque se ha de escrever assi: Manoel, fel, lança, 
    rei, honra: pola razão, que tenho ditto no alphabeto 
    no capitulo da letra R.    
        
        
        
       


    fol. 36v
    TRATTADO DA PONTVA- 
    ção das clausulas, notas, & accen- 
    tos da orthographia.
    ASsi como no processo da oração, ou pratica, 
    que fazemos, naturalmente usamos de h?as 
    distinções de pausas, & silencio, assi para o que ouve 
    entender, & conceber o que se diz, como para o que 
    falla tomar espiritu, & vigor para mais dizer: assi 
    da mesma maneira usamos, quando escrevemos. Por- 
    que como a escrittura he h?a representação do que 
    fallamos, para nos darmos a entender nella, usamos de 
    pontos, como de balisas, que dividão as sentenças, 
    & os membros de cada clausula. Porque com 
    aquelles certos sinaes tiramos, & distinguimos a 
    muita confusaõ, que costuma aver no que escreve- 
    mos sem aquelles sinaes. Os quaes ordinariamente 
    saõ sette, em que se divide a clausula, ou peri- 
    hodo, a saber: Incisio , Colon imperfeito ; Colon 
    perfeito : Ponto final . Interrogação ? Admi- 
    ração ! Parenthesis ( ) Mas porque inda ha outros 
    sinaes, que he bem se saibão, farei mençao de h?s, 
    & outros.

     

     

    fol. 37r
       
    Pontos, & notas, de que frequentem?te usamos:
    Notas menos usadas:


    , Virgula 
    .. Apices 
    ; Colon imperfeito 
    ? Vnião 
    : Colon perfeito 
    ? Desunião 
    . Ponto final 
    F Falta 
    ? Interrogação 
    C Meio circulo 
    ! Admiração 
    * Asterisco 
    ( ) Parenthesis 
    ( Obelisco 
    - Divisaõ 
    ? Brachia 
    ? Angulo 
    ?  Syllaba longa 
    § Paragrafo

       
    TEmos dous accentos mui necessarios na lin- 
    gua Portuguesa, hum chamado Agudò, & ou- 
    tro Circunflexô: & outro mais dos Gregos chamado 
    Apostropho, que se termina, como logo direi.
     I Esta varinha, se diz Virgula, Coma, Incisio, 
    Meïo ponto. Della usamos para distinção do escritto, 
    & respiração do que lee: porque nella descança para 
    dizer mais. Po?se antes de conjunção, & relativo, 
    & despois de cada verbo com seus casos, que he no fim 
    de cada oração.
    Põese tambem despos nomes adjettivos, quando 
    concorrem muitos em hum mesmo caso, como aqui: 
        
        
        
        
    fol. 37v
    O que quizer ser verdadeiramente nobre, ha de ser 
    virtuoso, prudente, liberal, & constante.
       Tambem se põe entre substantivos, como: As 
    virtudes saõ quatro, Prudencia, Iustiça, Temperã- 
    ça, & Fortaleza. E põese outro si despos verbos sim- 
    plezes sem algum caso, que rejão, como se vê neste 
    exemplo. Pequei imajinando, fallando, obrando. O 
    mais commum he (como fica ditto) despois de cada 
    verbo com seus casos, distinguindo h?a oração da ou- 
    tra.
     II Da virgula & ponto (aquè chamamos Colon, 
    ou Membro imperfeito) usamos, quãdo fecha senten- 
    ça imperfeita, como se vê neste exemplo: Ignorei no 
    principio; mas hagora alcanço, que virgula, & pon- 
    to se põe entre palavras, & sentenças contrarias; como 
    carregar; descarregar: alegrar; intristecer. Assi que 
    usaremos da virgula & ponto aonde não basta vir- 
    gula; nem tampouco conv? dous pontos: porque delles 
    se usa pela maneira, que logo direi.
    III De dous pontos (a que se diz Colon perfeito) 
    usamos, quãdo temos cheia a sentença, sem ficar mais, 
    que dizer. Polo que se chama Colon perfeìto, que quer 
    dizer Membro: porque elle he parte do periodo, que 
    he a clausula, ou materia acabada. Assi que he 
    differente de ponto, & virgula, que deixa suspenso o 
      
      
      
      
      
    fol. 38r
    sentido (por não estar ditto tanto, que baste) atê ouvir 
    a particula indeclinavel, ou relativa, que se segue. 
    Vsamos tambem de dous pontos quando na pratica, 
    que fazemos, referimos palavras de outrem, como: 
    Boecio diz: Nenh?a cousa ha nesta vida, â qual não 
    falte, ou sobeje alg?a cousa, com que de todo não fi- 
    ca perfeita. Dizia hum discreto estas palavras: Tres 
    cousas desejo a meu inimigo, que lhe hão de parecer 
    boas: que jogue, em que ganhe: que peça, em que lhe 
    dem: que demande, em que vença.
       E quando se referem as taes palavras, sempre se es- 
    creve no principio letra grande, como fica no exem- 
    plo. Mas sendo sentença suspença, & não acabada 
    no perihodo, que himos trattando, não se segue letra 
    capital, senão ordinaria; como nestes exemplos: El 
    Rey de Inglaterra tratta pazes com sua Magestade: 
    pera isso està o Embaxador em Madrid: não ha du- 
    vida, que se hão de effeitoar. Tambem usamos de 
    dous pontos, quando convertemos as palavras de al- 
    guem,; como se vê neste exemplo: Direi ao que me mal- 
    dicer: Huiva embora como lobo; mas não me mordas 
    como cão.
    IIII. Ponto final se põe no fim da razão, ou 
    sentença, quando està de todo concluìda, & não 
    deixa suspenso o sentido. Assi que tem pouco que 
        
        
        
        
        
    fol. 38v
    dizer, pois fecha sentença perfeita, que se diz Perio- 
    do, Circulo, Clausula. Despois delle sempre se co- 
    meça com letra capital.
     V. Do sinal interrogativo usamos sempre que pre- 
    guntamos alg?a cousa. O qual he hum s às avesas 
    na parte superior, & hum ponto na inferior assi? O 
    exemplo he este: Se conheces a tantos, porque te não 
    conheces? Procuras saber cousas remotas, & deixas 
    as que estaõ em ti tàm chegadas? E sempre escrevere- 
    mos letra grande despois deste sinal interrogativo, co- 
    mo se vee nos exemplos.
     VI. Da nota de admiração usamos no fim da 
    clausula, que pronunciamos com algum espanto, ou 
    indinação. A forma deste sinal he quasi semelhante 
    ao interrogativo; senão que tem em lugar do s huã 
    risca direita assi! como neste exemplo: Com quanto 
    trabalho se sustenta a virtude! Quàm admiravel he 
    vosso nome em toda a terra! E sempre se escreve le- 
    tra capital despois de admiração, como se vê no ex?- 
    plo.
    VII Parenthesis (que quer dizer interposicão 
    de palavras) são dous semicirculos entre os 
    quaes incluîmos alg?as palavras, que tìradas 
    do que dizemos, não fica imperfeita a razão. 
    E assi as incluimos no meïo destes dous meios 
      
      
      
      
      
    fol. 39r
    circulos ( ) para denotarmos, que saõ alheias daquella 
    clausula, em que se interpoem; como quando dizemos: 
    Como vai arriscado (se se não emmenda) a se perder! 
    Bemavemturadas serão as respublicas (segundo dizia 
    Platão) quando os Reis philosopharem, ou os Philo- 
    sophos rejerem.
     VIII. Ordinariamente nas impresso?s se usa da 
    nota chamada Divisão, quando no fim da regra acer- 
    ta de vir h?a dicção, que por não caber nella se par- 
    te, para se acabar na regra seguinte. A qual se põe 
    no fim da regra, & daquella dicção intercorrutta: 
    desta maneira = (ou assi - ) he sua forma. No escrit- 
    to de mão usamos o mesmo; & com mais necessidade 
    quando a primeira parte da dicção dividida signi- 
    fica per sî alg?a cousa; como quando dizemos: tem- 
    po: a par-ta. E aquella divisão fica mostrando, que 
    a dicção não está acabada: nem diz tem po; apar; se 
    não, tempo; aparta.
       IX. Angulo denota falta no lugar, onde se põe: 
    usamos delle nos escrittos de mão, quando nos esque- 
    c? palavras, q? vaõ por entre linha, desta maneira: 

           Filho de Carlos Magno 
    Luis Rei de França ? tendo necessidade de dinheiro 
    levantou os tributos antigos, com que obrigou a 

     

     

    fol. 39v
               offerecerlhe 
    todos ? o que não erão obrigados. E quando a falta 
    he tam grande, que não cabe na entrelinha, poremos â 
    marjem o que falta com outra nota desta maneira F, 
    & na regra outra semelhante: com a qual mostra- 
    mos, que naquelle lugar, onde està, se haõ de meter as 
    taes palavras.
       X. Paragrafo, Artigo Apartado, ou Aforismo, 
    he ponto de distinção; não de h?a clausula â outra; 
    mas de hum trattado a outro, ou de h?a materia â 
    outra diversa. Polo que sempre o escreveremos apar- 
    tadamente em outra regra, assinalandoo nesta forma 
    §, que he, o que mais vemos usar; ou desta §: & hum, 
    ou outro sempre se põe no principio de cousa dividi- 
    da, como vulgarmente usão os Iuristas.
       XI. Apices, Dieresis, ou Cimalha saõ dous pon- 
    tos, que usamos sobre a vogal que queremos que re- 
    tenha seu som, podendose ajuntar com a vogal seguin- 
    te. Polo que quando queremos mostrar, que as vogaes 
    se haõ de leer divididas, pomos os dous pontos desta 
    maneira: Argüem, Poëta, alaüde.
    XII. De duas maneiras usamos do sinal Hyphen, 
    que quer dizer, união, ou ajuntamento. A primeira 
    quando se ajuntão em hum corpo duas dícções diffe- 
    rentes, ficando feitas hum sô: como passa ? tempo: 
        
        
        
        
        
    fol. 40r
    guarda ? porta. A outra maneira de que usamos, he 
    quando per caso, ou per erro, se acerta de escrever 
    h?a palavra com as syllabas muito separadas h?as 
    das outras, para denotarmos que se hão de ajuntar 
    em hum corpo, para formar h?a dicção, & tirar a 
    duvida, em que estaria, quem a leesse; como se vê nes- 
    te exemplo: Confia ? doestou. Demaneira que he sinal 
    de ajuntamento, & união de syllabas.
       XIII. Pelo contrario da figura Hyphen, usamos 
    da que chamamos Desunião, porque aquella une, & 
    esta aparta, quando por descuido escrevemos alg?a 
    dicção junta a particula, ou artigo, que se segue como 
    se vê de escritturas antigas, q? hoje muitos ignorão: sua 
    forma he esta ?.
       XIIII. Meïo circulo se usa no fim da sentença, 
    que explicamos, ou quando glossamos as palavras de 
    algum author: & tambem quando se declara algum 
    ditto incluîdo nelle as palavras glossadas: põese desta 
    maneira ? Despois delle sempre se escreve letra 
    capitula.
    XV. Com esta estrella * (chamada Asterisco) 
    se nota falta, ou ponderação. Da qual usavão os an- 
    tigos, & alg?s a usaõ hoje, quando se nota alg?s 
    versos, ou palavras, que faltão em o author: ou quan- 
    do querem mostrar alg?as palavras, que saõ dignas 
        
        
        
        
        
    fol. 40v
    de se notar.
       XVI. Obelisco ( contrario ao Asterisco, quer 
    dizer pequena ponta de espeto, ou seeta, com que se 
    assinalavão os versos, ou palavras adulterinas de 
    algum author. Porque os bõos se notavão com Aste- 
    risco; & os maos, & adulterinos com Obelis- 
    co.
       XVII. Alg?s Portuguêses usão de hum si- 
    nal, a que os Gregos chamão Brachia; & nos sylla- 
    ba breve: com que mostramos ser breve a vo- 
    gal, sobre que se põe: porque sendo longa tem ou- 
    tro significado; como Cag?do por o animal aqua- 
    tico, a que os Latinos chamão Testudo. No La- 
    tim se mostra este exemplo melhor: Occ?do, por 
    cair; â differença de occido, por mattar. Onde 
    se mais usa, por ser assi necessario, he no verso, pa- 
    ra se abreviar a pronunciação da syllaba, em que 
    se põe: como tambem he sinal de ser longa a em que 

    se põe este sinal ? como se vee nos preteritos 
    dos mesmos verbos acima: Occ?di, 
    por matar; occidi, por cair, 
    O que servirâ pera os 
    Poëtas.

     

     

    fol. 41r
    Dos accentos, & viraccentos, que usão 
    os Gregos, & Latinos: & quan- 
    do os devemos usar na 
    escrittura.
    ACcento he tom de cada syllaba. Os Latinos 
    usavão de tres, a saber Agudó, gravè, & cir- 
    cunflexô, que he composto de ambos. Do primeiro, & 
    terceiro usamos os Portuguêses nas syllabas, que pro- 
    nunciadas altas em dicço?s, que tem as mesmas letras, 
    differenção na significação de aquellas, que teem a 
    pronunciação baixa: como amára, leéra, ouvíra; ama- 
    râ, leerâ, ouvirâ; preterito, ou futuro.
    Assi que onde o accento faz mudança de significa- 
    ção, o notaremos sempre; como nas terceiras pessoas 
    do preterito perfeito do modo demonstrativo de todas 
    as conjugaço?s: porque concorrem com as terceiras 
    pessoas do futuro do mesmo modo, & numero, em as 
    mesmas syllabas; senão que differem no accento. Pelo 
    que para tirarmos a differença dos modos & tempos, 
    de que fallamos, quando for preterito, diremos: Amâ- 
    rão, leêrão, ouvîrao. E quando for futuro diremos: 
    Amaraõ, leeraõ, ouviraõ sem nenhum accento, por- 
    que se entende fazelo na ultima.    
        
        
        
       
    fol. 41v
       O mesmo usaremos nos nomes, onde assi for neces- 
    sario, encontrandose na significação com os verbos: co- 
    mo jôgo, bôlo, trôco, que pronunciamos com tom baixo, 
    que significão jogar, bolar, trocar; a differença de jogo, 
    bolo, troco, que saõ nomes, que se escrevem com accen- 
    to agudo, ou sem elle.
       Advirtase, que nunqua escrevamos accento grave 
    polo agudo, ou circunflexo; porque sômente delle usaõ 
    os Latinos em adverbios, para tirar dûvida, se o saõ, 
    pondose sempre no fim da dicção: como màl, muitò: o 
    que se vê melhor nas dicções Latinas, ferè, justè, ma- 
    lè: & nas preposições, como quando dizem: Cùm dicis 
    à patre: & nestas quàm, quòd, quìd: com que se dis- 
    tinguem, & mostrão não serem os relativos, que se es- 
    crevem da mesma maneira; mas sem o ditto accen- 
    to.
    Alem destes tres accentos usaõ os Gregos d’outro 
    mais, a que chamão Apostropho, tendoo entre os mais 
    o mesmo nome: o que na realidade não he, porque sô de-
    nota a vogal, que se tira do fim da dicção, pela figura 
    chamada synalepha, de que usamos, quãdo se segue ou- 
    tra dicção, que outro si começa em vogal: como d’ou- 
    ro, est'anno, d’Evora. O qual viraccento se faz de ne- 
    cessidade no verso, para se evitar ohiato, & abertura 
    da bocca, que se causa acabando h?a dicção em vogal 
        
        
        
        
        
    fol. 42r
    & começa tambem a seguinte em outra.
       Tambem na prosa de necessidade avemos de 
    usar deste apostropho, ou viraccento, quando a pre- 
    posição, De, se junta a outras dicço?s, que começão 
    em vogal por não fazermos a escrittura feia, & bar-
    bara, como alg?s dizem, escrevendo: Cidade Devo- 
    ra, Delvas, homem darmas (tudo ligado, como se fos- 
    se h?a dicção) avendo de dizer: Cidade d'Elvas, 
    d'Evora, homem d'armas: assi como dizemos, de 
    Roma, anel de ouro, de armas. Outros confundin- 
    do a pronunciação, & escrittura dizem: Não ma- 
    mais? Damagua. Não mouves? Não touço; por não 
    me amais, dame agua, não me ouves, não te ouço.
       Da mesma maneira he necessario o uso deste 
    apostropho na escrittura de nomes proprios, & cogno- 
    mes. Porque vulgarmente dizemos: Fernão Dal- 
    uares, Pedrafonso (tudo junto) avendose de escre- 
    ver mui differente, & separado: Fernan d' Alva- 
    rez, Pedr' Affonso. E assi não diremos Ioão Dal- 
    buquerque, Francisco Dalmeida, Doliveira; senão 
    d' Albuquerque, d' Almeida, d, Oliveira.
    Assi que este viraccento escreveremos sempre so- 
    bre a derradeira consoante da dicção, ficando em lu- 
    gar da vogal, que se tira na pronunciação, ou 
    escrittura desta maneira: d' m' r' t' &c.    
        
        
        
       
    fol. 42v
    Regras geeraes da Orthographia da 
    lingua Portuguesa.
    I.
    TOda a orthographia consiste em escrever- 
    mos, assi como pronunciamos; & assi hemos 
    de pronunciar, como escrevemos.
    II.
    As diccões derivadas se escrevão com as letras, 
    com que se escrevem suas primitivas: como de anno (q? 
    se escreve com dous nn) se derivão anniversarios, 
    annal, annaes: de vestido se deriva vestir, vesti- 
    menta, vestiario.   
    III.
    Em estas vogaes Latinas, a. e. i. o. u. pode aca- 
    bar palavra Portuguêsa; & nenh?a em y Grego: 
    porque sômente o escrevemos em dicço?s Gregas: como 
    hymno mysterio. Tambem se termina nestas cõsoantes 
    l, m, r, s, z; & em nenh?a outra acabarâ mais. Dõ- 
    de errão os, que escrevem, pax, lux, crux: porque o 
    x se muda em z; & se ha de escrever, paz, luz, cruz.    
        
        

    fol. 43r
    IIII.
    Os nomes proprios se escrevão com as letras de sua 
    origem: como David, Nazareth. E avendo dittongo 
    o escusaremos: como Eneas, Etiopia; & não Æneas, 
    Ætiopia.   
    V.
    Escusaremos letras superfluas, cuja pronunciação 
    não temos; como K, Ch, que saõ gregas, & as palavras, 
    que temos Gregas, as escreveremos sem K, & H: como 
    caridade Antioquia, Monarca, Monarquia. Porem 
    physionomia (que alg?s dizem phylosomia) podere- 
    mos escrever per ph Grego, ou f Latino; como fysio- 
    nomia: & assi orthographia, ou ortografia. Da mes- 
    ma maneira estas letras Th, Rh, aspiradas dos Lati- 
    nos, & Gregos; como Theologia, ou Teologia, Mathe- 
    matica, ou Matematica; Rhetorica, ou Retorica.   
    VI.
    Por evitar superfluo, escusaremos, E, antes de S, 
    no principio de dicções, que temos Latinas; como spe- 
        
        
        
        
        
    fol. 43v
    ro, screver, scrittura, spiritu, Stevão: porque a pro- 
    nunciação assuviada escusa E; mas a respeito do vul- 
    go podemos ajutar E; & escrever de h?a maneira, ou 
    d'outra; como estado, espiritu. Porem sciencia, con- 
    sci?cia, & muitos, que se compoem da preposição, De, 
    guardem sempre sua origem. E para differençar o ver- 
    bo Estou, estás, dos nomes esta, estas cousas, poremos na 
    ultima vogal do verbo hum accento agudo: como, esta 
    pessoa está esperando por esta orthographia: & tu e- 
    stás esperando por estas letras.
    VII.
    As palavras Latinas, de que usamos incorruttas, 
    ou pouco corruttas, não devemos corrõper mais, quã- 
    do a pronunciação Latina he a mesma, que a Portu- 
    guesa, por não escurecer sua origem, que não he pro- 
    priedade da lingua fazer maiores corrucções; como, 
    em Deus, lingua, qualidade, quantìdade, quantia, cin- 
    quo, melhor; & não milhor, sinco, lingoa, contia, ca- 
    lidade, Deos, que he diversa pronunciação da Portu- 
    guesa propria: como se notarâ, em Rex magnus super 
    omnes Deos; que tem differente pronunciação entre os 
    Latinos, de Quoniam Deus magnus. Nem pater, & 
    mater, Latinos, corromperemos, pai, mai; se não páe 
        
        
        
        
        
    fol. 44r
    mãe, que fiquem as mesmas vogaes; pois não sahimos 
    da pronunciação Portuguêsa. Nem os pluraes dos 
    nomes acabarão em, is; senão em es; como vogaes, 
    tribunaes, perdões. Porem os verbos em, is; como 
    amais, buscais.
    VIII.
    As dicço?s se apartem de modo, que duas não 
    pareção h?a: & concorrendo vogal no fim de h?a, 
    com vogal no principìo de outra dicção, que fazem 
    synalepha, se usarâ de accento virado chamado A- 
    postropho; como d' Ourem, d' ouro; & não dourem, 
    douro.   
    IX.
    Da preposição Per usaremos, quando responde 
    a Per, Latina; que se usa em agencia, feitor passa- 
    jem: como trattouse a causa per procurador; feito per 
    tabellião; passando per França. E usaremos, Por, 
    quando responde a Pro, Propter, Latinas, que si- 
    gnificão respeito, ou amor; como fazei este negocio por 
    mim por amigos, por Deus.    
        
        
        
       

    fol. 44v
    X.
    Não confundão estas preposiço?s na pronuncìa- 
    ção, & escrittura, trocando h?a por outra. Nem 
    despois dellas seguindose os relativos, O, A, se do- 
    bre L; porque hum R, convertese em hum L; & 
    não em dous. Isto digo, porque saõ tantos os, que errão 
    escrevendo L dobrado com estas preposições Per, 
    Por, como os que dobrão S, seguindose este accusa- 
    tivo se, despois de verbo; como pello, pella pollo, 
    polla; seguesse, attentousse; avendo de ser pelo, pola, 
    seguese.   
    XI.
       Advirtã o que não quizer errar nestas tres letras 
    ç, S, Z, porque a muita semelhança causa confu- 
    são, & sendo a differença pouca, com mais dilijen- 
    cia se ha de saber, para fugir dos erros, que se se- 
    guem do mal pronunciar ao mal escrever.
    O ç se pronuncia com mais força, que z. & s; 
    como se vê nos nomes verbaes em ção; lição, feição, 
    deleitação: & outros, como tição, agencia, negocio, 
    maço fiança, peça, começo, caça paço feitiço, &c.    
        
        
        
       
    fol. 45r
       S, se pronuncia com a lingua remissa, sem for- 
    ça; como se notarâ nos nomes verbaes dos Latinos em, 
    sio; lesaõ, conclusão, casa, casamento, mesa, preso, 
    peso, liso, teso, coser com agulha, &c. E se se dobrar 
    esta letra, s, tem a pronunciação mais força; mas 
    não tanta como ç; nem ainda como z; como se vê em 
    passo, posso, remisso, pesso; possuir, &c.
    Z, se pronuncia com mais força que, s; & me- 
    nos que ç, como razão, praza, a Deus, fazer, cozer, 
    por guizar, trazer, &c. Nesta letra z acabamos 
    muitas palavras; como, rapaz, raiz, arcabuz, noz, 
    fez; & os sobrenomes patronymicos, Marti?z, Lo- 
    pez, Ximenez; por vir de Martinho, Lopo, Ximeno; 
    como fica ditto largamente no cap. 25. do Alphabeto.   
    XII.
    Quando se hão de escrever j. v. (que são letras 
    consoantes) fica ditto nos capitulos 9. & 22.   
    XIII.
    Advirtase que sempre antes de B. P. M. se es- 
    creve em Latim, & Português, M; & antes das mais 
    letras, se escreue N: como Ambrosio, immovel, im- 
        
        
        
        
        
    fol. 45v
    portuno; tanto, confio, pondo, tronco, angustia. Tirão- 
    se desta regra os nomes, que se compõe deste adverbio, 
    Bem; & desta preposição, Circum: como, bem estrea- 
    do, bem quisto, bem ensinado; comtigo, comigo, com- 
    sigo; circumferencia, circumflexo.
    XIIII.
    As palavras, que dobrão consoante, se saberão 
    per sua orijem sendo Latinos; & os que o não forem 
    aprenderão per uso, imitando aos, que melhor escre- 
    vem.   
    XV.
    Os Latinos não apartão o, S, do C, M, P, Q, 
    T, se vai posto antes destas cinquo letras; como de-scer; 
    Co-sme cre-spo, e-squadra; pa-stor. Nem apartão o 
    G, do M, N: como au-gmento; di-gno; nem M, de 
    N; como em, colu-mna. Quem quizer imitar nisto os 
    Latinos (& ainda os Gregos) podeo fazer; & quem 
    quizer nisto seguir a pronunciação vulgar da nossa 
    pronunciação Portuguêsa, não deve ser reprovado: 
    porque mais imperio tem sobre nos o vulgo Portu- 
    guês, que os Latinos antigos. Porem nunqua B, D, 
    F, G, C, P, T, V, ficarão (saluo aquellas que em dic- 
        
        
        

    fol. 46r
    ço?s ficão dobradas) com a vogal precedente, quando 
    despois dellas se segue L, ou R, liquidas; como A- 
    bril, o-brã, e-dra, af-flijo, ag-gravar, en-crespar, 
    com-placencia, con-trito.
    XVI.
    Per letra capitula se começarão os nomes pro- 
    prios de quaesquer cousas; sobrenomes, nomes de sci?- 
    cias, artes, dignidades; & qualquer cousa, que se 
    vai trattando; como, da Caridade: os nomes de na- 
    ço?s; como Português, Grego: os patronymicos; como 
    Pirez, vaz, &c. E todo o principio da escrittura 
    livro, capitulo, clausula, ou perihodo, que se fecha 
    com hum ponto, ou com dous, quando se muda de h?a 
    sentença â outra: ou quando se passa de h?a pessoa â 
    outra, como està declarado no trattado dos pontos, & 
    accentos. Aonde se poderâ vêr, que tambem fecha o 
    sinal interrogatìvo, que he assi? & o admirativo 
    assi ! & meio circulo ? & que logo a seguinte clau- 
    sula se começarâ per letra grande.   
    XVII.
    Em meio de dicção senão põe letra grande, por- 
        
        
        
        
        
    fol. 46v
    que he notavel erro escreverse assi, oCasiões, oBra, 
    orDinaria: como vî de letra de mão mui perfeita; mas 
    mui errada na orthographia.
    XVIII.
       Nas abbreviaturas se usa til, que suppre muitas 
    letras: as quaes devemos escrever claras, que se ent?- 
    dão facilmente, sem se usar nellas letras dobradas 
    como sñça, Glz?, Frz?; & não Gllz?, Frrz?. E a mes- 
    ma advertencia averâ nas abbreviaturas dos nume- 
    ros dos Romanos; como se verâ no breve trattado, 
    que vai neste volume. As nossas abbreviatu- 
    ras mais notorias são as, que andão em uso, & 
    vão em consequençia d' outras; como V. A. por 
    vossa Alteza. V. E. por vossa Excellencia. V. 
    S. vossa Senhoria. V. M. vossa merce. V. P. 
    vossa Paternidade. V. R. vossa Reverencia. E por 
    el Rei nosso Senhor, ElR. N. S: por autor, A: 
    & por reo, R: sempre com letras grandes.
    Mas nas outras partes, q? não estão pelo uso escrè- 
    verense per h?a letra, poremos mais letras, & em 
    regra direita; como sua Magestade delRei Philippe 
    nosso Senhor: escreveremos S. Mag. delR. Phil. N. S.    
        
        
        
       

    fol. 47r
    Este uso tinhão os Romanos; como Q. Fab. Max. 
    por Quinto Fabio Maximo. C. Iul. Cæs. por Caio 
    Iulio Cæsar. M. Tul. Cic. &c.
    XIX.
       A ultima regra he, que avendose d'apartar da 
    boa orthographia seja para o Latim, descubrindo das 
    palavras a orijem, que se deve saber, & a lingua 
    Latina para escrever bem a Portuguêsa.
    Com isto tenho dado fim a Orthographia Portu- 
    guêsa, que me pareceo melhor, menos corruta, & 
    mais correspond?te â Latina, de que depende. Aquelle, 
    que lhe parecer boa, sigaa; & aquelle, a que não, 
    emmendea.    
    Fim da Orthographia.
        
        
        
        
        
        
        
        
        
        
    fol. 47v